EC COMICS | O terror dentro e fora das HQs

A editora americana EC Comics publicou revistas de histórias em quadrinhos de terror, suspense e ficção científica no final dos anos 40 e começo dos 50 nos Estados Unidos, e mudou o mercado de HQs como o conhecemos, com impactos tão profundos que ressoam em todo o tecido cultural do século XX.

Muitas personalidades que ajudaram a formar a arquitetura da cultura pop foram influenciados pelas suas HQs  — a grande parte deles , autores que hoje em dia estão com posições de destaque no cinema e literatura, na área de horror, terror, aventura e ficção científica. Nomes como Stephen King, George Romero, Steven Spielberg e George Lucas, por exemplo.

A editora entregava revistas com tramas de terror, horror, suspense, policial, ficção científica (como contos de Ray Bradbury), aventura, e temas sociais inéditos em HQs como racismo, antissemitismo e vício em drogas, antecipando assuntos que os EUA só debateriam ferozmente mais de 30 anos depois.

Visada pela suas vendas e popularidade, a editora começou a ser fustigada por todos os lados — sem surpresa nenhuma, até na política, que na época perseguiam comunistas por toda a América. Gigantes como a Marvel e DC viram as inventivas e maduras HQs da EC deixarem seus heróis com supercuecas infantis como párias ridículos.

A história seria diferente se a EC ficasse ativa mais tempo — o mercado não seria dominado por um monólito que infantiliza a mídia de HQs, como os super-heróis fizeram e fazem até hoje, se recusando a crescer, aspecto que transpassa aos fãs.

Com efeito, a EC deu um golpe que feriu de quase morte os super-heróis. Mas a Marvel e e DC se aproveitaram de um plano que ia matar a EC Comics, ainda que nesse assassinato as duas editoras fossem castradas em sua veia criativa, cujo sangue era principalmente feito das tintas coloridas de super-heróis.

EC Comics
As revistas da editora EC Comics foram uma febre durante os anos 50 nos EUA

Os títulos da EC Comics

EC Comics
O logo da EC Comics e seus títulos

Seus títulos eram histórias de guerra: Frontline Combat e Two-Fisted Tales;
Histórias de ficção científica: Weird Science e Weird Fantasy;
Histórias policias: Crime SuspenStories e Shock SuspenStories;
E sensacionais histórias de horror: Tales from the Crypt, The Vault of Horror e The Haunt of Fear.

Capa de uma das revistas do line-up: The Vault of Horror, com os três personagens que funcionam como anfitriões das histórias

Inicialmente, a EC era a abreviação de Educational Comics. Seu dono era Maxwell Gaines, e sua editora era uma base especializada em histórias educacionais voltadas para crianças.

Max Gaines tinha sido antigo editor da All-American Publications, e quando essa empresa se fundiu com outras duas para criar a hoje famosa DC Comics, em 1944, Gaines possuía os direitos da revista em quadrinhos Picture Stories from the Bible, os quais usou para construir sua firma pós venda, em 1944.

É uma ironia do destino que a empresa hoje conhecida como DC Comics, tenha surgido em meados dos anos 40 como fruto da fusão de 3 editoras: a National Allied Periodicals, a Detective Comics Inc e a All-American Publications.

Se você gosta da DC Comics, saiba que foi nas revistas da editora All-American Publications, sob supervisão de Gaines, que surgiram super-heróis como Flash, Lanterna Verde, Mulher-Maravilha, Gavião Negro, Eléktron e diversos outros famosos da Era de Ouro dos quadrinhos, em 1940.

Max Gaines morreu em 1947 em um acidente de barco, e nenhum desses super-heróis pode salvá-lo.

Max tinha um filho, Bill Gaines, que assumiu a empresa. As contas não iam muito bem com as revistas educacionais.

William queria ser professor de química, e teve que pensar em algo para dar continuidade ao patrimônio da família, e criar algo realmente diferente. Partiu do básico.

Agora EC era abreviação de Entertaining Comics, e ele escreveria os roteiros e o artista Al Feldstein desenharia. Bill era iniciante, e Al ajudou nos roteiros.

A afinidade da dupla ditaria os rumos de identidade de construção da editora, sendo que Al seria peça-chave para o sucesso — ele seria um dos grandes artistas dos quadrinhos.

Com Crypt of Terror, a EC Comics conseguiu cravar um nome a ferro e fogo no imaginário de horror da cultura pop

Gaines comia sem parar, e insone por causa dos remédios para controlar o apetite.

O dono da EC passava as noites acordado, e devorava livros junto com comida. Chegava à editora pela manhã com diversas ideias anotadas, e Al se encarregava de traduzi-las em histórias em quadrinhos — pegava esse esquema de trabalho e criava todo um contexto para fazer aquilo funcionar.

Se não fosse por Al Feldstein, não existiria EC Comics.

O artista chegou a escrever quatro histórias por semana e editava sete revistas por mês.

Uma constelação nas páginas

Mesmo assim, começou a propaganda boca-a-boca de artistas, e a empresa ganhou fama de bom lugar de trabalho.

Harvey Kurtzman, Frank Frazetta, Bernard Krigstein, Johnny Craig, Reed Crandall, Joe Orlando, John Severin, Jack Davis, Will Elder, George Evans, Al Williamson, Wally Wood e outros mestres do desenho de quadrinhos da América tiveram o melhor momento de suas carreiras trabalhando nessa editora. A maioria deles se tornaram gigantes na indústria.

EC Comics
Arte dos artistas da EC Comics

Mais artistas se juntariam a Al, compondo uma constelação de talentos difíceis de achar em outro lugar.

Havia um clima de saudável competição, com desenhos melhorando a cada edição. Bill Gaines gostava de trabalhar, tratava bem os desenhistas e era o principal fã deles, promovendo-os diante dos leitores, com créditos para que os leitores soubessem exatamente quem tinha desenhado as histórias.

A editora inovou ao colocar um anfitrião especial em seus títulos de terror. Tales from the Crypt era apresentado pelo “The Crypt Keeper”, o The Vault of Horror tinha o “The Vault Keeper” e a “Old Witch” era a anfitriã de The Haunt of Fear.

Eles se encarregavam de tecer uma breve apresentação sobre cada história do gibi aos leitores. Donos de um sarcasmo, ironia e humor negro, quebravam a quarta parede ao conversarem com o público muito. Muita gente da indústria copiou esse padrão depois.

A EC Comics se tornou uma potência na indústria dos quadrinhos na década de 50.

O sucesso trouxe bastante imitadores. The Hand of Fate, Haunted Thrills, Mystery Tales, Spellbound e muitas outras tentavam ganhar seus fãs nas bancas de jornais também.

A competição se tornou feroz e a violência gráfica aumentou.

Arte de Jack Davis

A EC começou a ser alvo de críticas devido às suas histórias de terror, que muitos consideravam impróprias para a juventude devido ao conteúdo chocante.

Por falar em banca, foi a imprensa o instrumento usado para sangrar a editora. O movimento de tratar HQ como arte menor e para crianças, e com conteúdo que levava a delinquência, sempre existiu, mas diminuiu com a Segunda Guerra Mundial.

Atacar heróis que combatiam as forças nazistas pegaria mal. Mas depois de 1945, o movimento renasceu.

Começou a ficar pesado com o psiquiatra chamado Fredric Wertham. Ele escreveu dois artigos em 1948: “Horror in the Nursery” e “The Psychopathology of Comic Books”. Analisava crimes cometidos por adolescentes que se assemelhavam aos vistos nas histórias em quadrinhos.

O tiro fatal foi um livro chamado “Sedução dos Inocentes“, onde definia que histórias em quadrinhos eram fonte de doenças psicológicas.

Em busca de projeção, conseguiu artigos para jornais e revistas famosas e programas de TV. Não há juízos de valor aqui sobre o psiquiatra, ele acreditava em sua tese e a defendia. Mas de boas intenções, já diz o ditado, o inferno está cheio.

A capa dessa edição foi uma das mais usadas pelo governo para criticar as publicações da EC Comics

Mas o estrago estava feito — seu livro foi um desastre para o mercado americano de comics e, depois, para os quadrinhos de todo o mundo.

Revistas pegando fogo. Literalmente.

E de tantas histórias infernais publicadas, a EC viu o inferno chegar.

O Senado dos Estados Unidos requisitou uma investigação oficial das revistas em quadrinhos. E os exemplares ~~ escabrosos ~~ da empresa eram munição suficiente.

O Subcomitê de Investigação da Delinquência Juvenil do Senado, era presidido pelo senador Estes Kefauver, um oportunista que tinha conseguido destaque com a audiência do conhecido mafioso Frank Costelo.

Não por acaso, no mesmo local onde pretendia destruir a EC.

Munida de diversos artigos e matérias publicadas pela imprensa, a subccomissão fez um exame minucioso em várias revistas em quadrinhos publicadas de 1945 a 1950.

Wertham se voluntariou para prestar depoimentos também.

Bill Gaines em pessoa se ofereceu como voluntário para depor, mesmo sem ter sido convocado, pois sabia o destino de guilhotina que o aguardava. Ele era o único que falaria a favor dos quadrinhos.

Seus irmãos de papel e tinta mágica, os donos dos super-heróis, jamais deram as caras, preferindo o envio de representantes burocráticos.

Como a audiência havia sido televisionada, grande parte dos Estados Unidos se viu influenciada pela forma com que o Subcomitê do Senado conduziu o processo.

A histeria era tão intensa e a irracionalidade reinava a ponto do senador Robert C. Hendrickson perguntar para Gaines se ele era comunista.

Deputados também se pronunciavam sobre a polêmica e passaram a fazer coro aos críticos dos quadrinhos violentos.

Eles conseguiram o que queriam. Protestos e boicotes assolaram o país, com direito até a várias revistas queimadas em grandes fogueiras públicas.

Prefeitos começaram a proibir publicações de crime e terror em suas cidades, e pacotes ainda fechados de revistas voltavam para a editora.

Arte de Johnny Craig

Nenhuma banca de jornal vendia mais revistas da EC.

Ao mesmo tempo, uma investigação federal levou a uma mudança repentina nas empresas de distribuição de revistas em quadrinhos e revistas pulp.

As vendas despencaram, e várias empresas saíram do negócio.

Em agosto de 1954, as principais editoras de quadrinhos nos Estados Unidos incluídas as de histórias infantis, fundaram a Comics Magazine Association of America – CCMA.

Ela seria a responsável por criar uma tábua de auto-regulamentação, que se tornaria o selo de autocensura chamado Comics Code Authority.

E seria usada para fazer valer um conjunto de regras sobre o conteúdo das histórias em quadrinhos. Todas as revistas em quadrinhos que fossem às bancas deveriam ter seu selo estampado na capa como “garantia” de que as histórias não teriam sangue e violência.

O famigerado Código dos Quadrinhos

Uma machadada na liberdade criativa dos autores, que tinham que se virar para construir narrativas.

Era uma arma para censurar tudo o que eles quisessem.

E o “tudo o que eles quisessem” era abrangente e atingia diretamente a EC. O uso das palavras “horror”, “terror” e “weird” (estranho) era proibido, por exemplo.

Ficou banido publicar histórias contendo vampiros, lobisomens, zumbis, violência excessiva, drogas ou qualquer conteúdo de teor adulto nas páginas de qualquer gibi nos EUA.

Em setembro de 1954, Gaines cancelou Tales from the Crypt, The Haunt of Fear, The Vault of Horror e Shock SuspenStories.

Gaines seguiu publicando revistas de ficção científica, mas em 1956, um episódio mudaria também isso.

Uma questão racial, tema caro na cultura americana. Em fevereiro daquele ano, a revista Incredible Science Fiction #33, que teve um conto chamado “An Eye for an Eye“, foi rejeitado.

O conto já tinha sido publicado em uma revista pré-CCA, no gibi Weird Fantasy #18, em 1953.

O grande problema é que o código vetou a história pelo simples fato do protagonista ser um astronauta negro.

Nas trama, ele encontra um planeta dividido por duas castas de robôs. Uma escraviza a outra, e portanto, não poderiam participar de uma grande república estelar que o astronauta representava.

Uma das melhores revelações ao fim de um quadrinho de todos os tempos foi a EC Comics que fez

Gaines ficou insano com o ocorrido, protestando contra o órgão dizendo que esse era o principal objetivo: ter um protagonista negro.

Arrumou brigas judiciais enormes e conseguiu que a história saísse em um gibi da forma como foi concebida — o jeito era tentar se adequar para sobreviver.

Gaines criou Aces High (aventuras aéreas), Impact (suspense), Piracy (piratas), Valor (aventuras), Extra! (histórias jornalísticas), Psycoanalysis (relatos pessoais) e MD (histórias médicas). Nenhuma trazia o selo do Comics Code Authority na capa.
Pacotes continuavam a retornar das bancas.
Quando finalmente se rendeu, já era tarde.
O nome EC Comics ficou amaldiçoado.

A castração criativa do código iria acabar com a indústria de comics na América, de acordo com especialistas na época.

As três décadas seguintes seriam marcadas por isso, com crises em ciclo nelas.

Uma mídia decadente era o que aguardava no fim do caminho do destino dos quadrinhos americanos, e as editoras tiveram que se virar para contornar os problemas e não desaparecerem.

A primeira edição da Mad, uma das mais fortes, resistentes e aclamadas revistas já impressas na cultura pop do século XX

A única revista sobrevivente ao massacre foi Mad. O editor Harvey Kurtzman resolveu aumentar o formato dela de comic book para magazine (usado em revistas adultas como a Time) e publicá-la em preto e branco.

Com isso, a Mad deixou de ser considerada uma revistas em quadrinhos e deixou de ser submetida ao Comics Code, ganhando mais liberdade artística. Criada em 1952, tinha como foco específico a sátira e a paródia.

Recebeu diversos processos por conta de seu humor ácido, crítico e muitas vezes ridicularizador. Ela resistiu até pouco tempo, e é um dos maiores exemplos vivos do poder das revistas em quadrinhos no meio da comunicação impressa.

Em 2019, a Mad Magazine anunciou, após 67 anos de existência, que não publicaria novas edições mensais com conteúdo inédito.

Os números trazem material publicado em anos anteriores com uma capa nova. A direção da revista, que hoje vive sob as asas da DC Comics, anunciou que publicaria material novo apenas nos especiais de fim de ano.

Mad foi, por muito tempo, a revista mais bem-sucedida do mercado americano a se publicar totalmente sem a ajuda de publicidade, o que dava enorme liberdade criativa para seus autores detonarem com absolutamente quem e o que quisessem.

O rosto do personagem que sempre estampa as capas da revista é de Alfred Newman. Apesar de aparecer na revista pela primeira vez em 1954, ele é de uso contínuo nas pictografias americanas há décadas.

O que a EC fez foi deixá-lo mais em evidência.

Das cinzas para a
eternidade das influências

EC Comics

O impacto da EC Comics foi gigantesco e perdura até hoje. Se temos nomes poderosos na indústria do entretenimento, foi graças a suas revistas.

A editora americana Warren Publishing Co. se provou uma fã fiel, e produziu três famosas revistas nos moldes e no estilo da editora de Gaines: Creepy, Eerie e Vampirella.

Vários dos artistas da EC foram trabalhar lá. Muitos dos artistas que trabalharam na EC cresceram para se tornar mestres das HQs.

Stephen King jamais seria o escritor que é se não lesse e colecionasse as revistas, como ele mesmo costuma dizer. George Romero, cineasta que popularizou os zumbis, mesma coisa.

Ambos criaram o filme Creepshow, idealizado por King e Romero em 1982 como uma homenagem exata aos aos quadrinhos da EC, que foram sua principal fonte de inspiração na infância.

O artista Jack Kamen ilustrou um gibi de terror que aparece no filme, e ele mesmo era um artista da EC Comics. King escreveu cinco contos e chamou Romero para dirigir e Tom Savini para cuidar da maquiagem.

Tom é outra lenda da cultura pop de terror que prestou reverência a EC Comics — ele é o responsável pela maquiagem e efeitos especias de clássicos do cinema, como Sexta-Feira 13 e diversos outros.

Essa homenagem não seria completa se não fosse produzido um gibi para vender juntamente com o filme. King contatou Bernie Wrightson e Jack Kamen, para a versão em quadrinhos de Creepshow.

Bernie é outro gigante das HQs, desenhista renomado no mercado de super-heróis, com passagens memoráveis na Marvel e DC Comics, em histórias de terror e horror para as duas editoras, fora as convencionais com os heróis da casa. 

Em 1983, George Romero, impactado pelo retorno extremamente positivo de Creepyshow, desenvolveu uma série de TV chamada Tales From The Darkside , o que provocou um renovado interesse por terror na jovem cultura dos anos 80, e que abriu portas para seriados de franquias famosas como Sexta-Feira 13 e Hora do Pesadelo.

Em 1987, foi lançado Creepshow 2, dessa vez dirigido por Michael Gornick e com roteiro de George Romero, baseado em histórias de King.

Os anos 80 estão cheios de referência da EC Comics pela cultura pop. Conhecido no Brasil como Mulher Nota 1000, o longa-metragem de 1985 produzido por Joel Silver, filmado por John Hughes como o sonho de meninos adolescentes, se chama Weird Science, e é diretamente baseado em uma história publicada na revista de mesmo nome da EC Comics.

Silver, junto com os diretores de cinema Robert Zemeckis (criador de De Volta Para o Futuro), Richard Donner (filmou A Profecia, um dos grandes filmes de suspense e terror de todos os tempos) e Walter Hill (responsável por clássicos como Warriors – Os Selvagens da Noite, Ruas de Fogo, 48 Horas e muitos outros filmes de temática de violência urbana e policial) decidiram que iam fazer um filme chamado Tales of The Crypt, para homenagear a grande biblioteca de terror da EC Comics.

O projeto cresceu tanto que um filme só não comportaria a pretensão, e um seriado de TV foi planejado. Conhecido no Brasil como Contos da Cripta, a série foi produzida pelo canal HBO, o mais liberal e sofisticado canal de televisão dos Estados Unidos.

O seriado apresentava histórias independentes de horror e humor negro, e atraiu nomes de gigantes, como os cineastas William Friedkin, simplesmente o responsável por O Exorcista, e Tobe Hooper, o inventor do gênero slasher no cinema com O Massacre da Serra Elétrica, e atores como Tom Hanks, Michael J. Fox e Arnold Schwarzenegger.

Contos da Cripta durou 7 temporadas em um total de 93 episódios, de 1989 a 1996. Gerou três longas-metragem: Demônios da Noite, Bordel de Sangue e Ritual.

Estrelas do mainstream e alternativas eram atraídas para a produção, como Demi Moore e Christopher Reeve, Steve Buscemi e John Litgow.

A marca HBO ainda permitia cenas com alguma nudez e violência gráfica acima de outras emissoras, o que elevou o nível de maturidade das histórias apresentadas. 

Em 2017, tudo estava pronto para um reboot da série, comandada pelo cineasta M. Night Shyamalan, o criado de vários suspenses de horror moderno no cinema, como O Sexto Sentido.

A nova versão da série contaria com dez episódios e seguiria o formato de antologia — a cada temporada, uma nova história será contada. E claro, todas seriam baseadas nas HQs da EC Comics. Mas marcas licenciadas com certos personagens criados na série da HBO travaram a produção.

Bill Gaines,
gigante dos quadrinhos

EC Comics
Bill Gaines

Abaixo, segue uma tradução livre do depoimento que Gaines leu diante do Subcomitê de Investigação da Delinquência Juvenil do Senado.

Meu nome é William Gaines. Sou graduado pela School of Education of New York University. Tenho qualificação para dar aulas na escola secundária.

Então, o que estou fazendo diante desse comitê?

Eu publico histórias em quadrinhos. Meu grupo é conhecido como EC – Entertaining Comics. Vim voluntariamente como testemunha. Pedi e vocês me deram essa chance de ser ouvido.

Duas décadas atrás, meu falecido pai foi o instrumento que iniciou a indústria dos quadrinhos. Foi ele quem editou as edições iniciais da primeira revista em quadrinhos, a Famous Funnies.

Meu pai estava orgulhoso da indústria que ajudou a criar. Ele levou diversão a milhões de pessoas. A herança que deixou, a vasta indústria das histórias em quadrinhos, emprega milhares de escritores, artistas, estampadores e impressores. Ela levou milhares de crianças ao costume da leitura. Ela sacudiu a sua imaginação, criou uma válvula de escape para seus problemas e frustrações… Mas o mais importante: deu a elas horas e horas de diversão.

Meu pai, que comandava a editora antes de mim, estava orgulhoso daquilo que publicava. Ele via os quadrinhos como um instrumento potencial para a educação visual. Ele foi um pioneiro, algumas vezes à frente do seu tempo.

Ele publicou títulos como Picture Stories from Science, Picture Stories from World History e Picture Stories from American History. E também Picture Stories from the Bible.

Desde 1942 vendemos mais de cinco milhões de cópias da Picture Stories from the Bible. Essa revista é largamente usada em igrejas e escolas para tornar a religião mais interessante, vívida e real. Picture Stories from Bible está sendo agora publicada pelo mundo, em dezenas de línguas. E trata-se de, nada mais, nada menos, que uma revista em quadrinhos.

Além da Picture Stories from the Bible, eu publico muitas outras revistas.

Por exemplo, publico histórias de terror. Fui o primeiro nos Estados Unidos a publicá-las. Eu sou o responsável! Eu as iniciei!

Alguns podem não gostar delas. É uma questão de gosto pessoal. Mas é difícil explicar a inofensiva emoção que uma história de terror causa numa pessoa como o Dr. Wertham, assim como seria difícil explicar a sublimidade do amor a uma frígida solteirona.

Meu pai estava orgulhoso das revistas que publicava e eu estou orgulhoso das que publico agora. Nós temos os melhores escritores e artistas. Nós nos esmeramos para que cada revista, cada história, cada página seja uma obra de arte.

Como resultado, temos os maiores índices de vendagem.

Uma revista em quadrinhos é um dos poucos prazeres que uma pessoa ainda pode comprar com uma moeda de dez centavos.

Nós vendemos prazer. Diversão. Recreação escrita.

As crianças americanas são, em sua maioria, normais. São crianças inteligentes. Mas aqueles que querem proibir as histórias em quadrinhos parecem ver nossas crianças como sujas, pervertidas e depravadas, pequenos monstros que usam os quadrinhos como modelo de suas ações.

O que tememos? Temos medo de nossas próprias crianças? Será que estamos nos esquecendo que elas também são cidadãos e, por isso, são livres para ler e julgar o que quiserem?

Ou achamos nossas crianças tão distorcidas e com a mente tão pequena a ponto de uma história sobre assassinato as levar a cometer assassinato… ou uma sobre roubo as levar a cometer roubo?

Jimmy Walker (ex-prefeito de Nova York) disse uma vez que nunca viu uma garota estragar sua vida por causa de um livro.

Assim, também ninguém vai destruir sua vida por causa de uma revista em quadrinhos. Já foi visto em testemunhos anteriores que nenhuma criança saudável e normal se tornou uma pessoa pior só por ter lido uma revista em quadrinhos…

Acredito que nada que já foi escrito até hoje pode fazer uma criança se tornar agressiva, hostil ou delinquente. As raízes dessas características são muito mais profundas.

A grande verdade é que a delinquência é produto do ambiente em que a criança vive; e não da ficção que ela lê.”

Fonte: http://dinamo.art.br/coluna/ec-comics-epilogo-o-discurso-contra-a-censura/

A EC Comics formou uma espécie de time de estrelas de NBA para construir seu catálogo, e com artistas marginais da periferia das Belas Artes, donos de traços marcantes, criou um universo rico com espírito subversivo.

Hoje, estudiosos e críticos de quadrinhos são quase unânimes em afirmar que os quadrinhos de terror da editora são obras-primas da nona arte.

Essa revisão histórica começou a acontecer desde os anos 70

A criatividade e diversidade com que exploravam temas políticos e sociais elevaram a enésima potência a performance de linguagem que os quadrinhos poderiam ter.

EC Comics e o
terror no Brasil

No começo dos anos 50, o Brasil já tinha algum contato com material da EC Comics, graças a editora La Selva, que em publicações como O Terror negro, O Sobrenatural e Contos de Terror, que traziam material de Gaines e seus artistas.

O livro A Guerra dos Gibis, com riqueza de detalhes, explica que tais aparições também causaram histeria no país, que vivia momentos políticos intensos.

As cenas de monstros sanguinários e corpos em decomposição sofria ataques do jornal A Trinuna da Imprensa, de Carlos Lacerda, inimigo declarado de Victor Civita, o magnata da editora Abril, na época, uma das empresas mais poderosas do país, e parceira da La Selva em alguns negócios.

A EC Comics teve mais algum material publicado pela editora Record em 1991, com a Cripta do Terror, só com histórias selecionadas da editora de Gaines. Foram apenas sete números.

EC Comics
A imprensa e o mercado editorial do Brasil também receberam uma versão traduzida do Código dos Quadrinhos, como o livro A Guerra dos Gibis explica

O livro A Guerra dos Gibis mostra mais lados sobre o impacto do Comics Code Authority na indústria dos quadrinhos dos EUA.

De acordo com o livro de Gonçalo Júnior, o tempo mostrou que o código funcionou também para as grandes editoras se livrarem da concorrência dos gibis policiais e de terror.

Gaines acreditava que se a a criação do código não teve esse propósito, serviu convenientemente para isso. Mas outras leituras podem serem feitos, e Gonçalo faz questão de destacar isso — a Marvel teve que cancelar 18 publicações de terror por causa do código também.

Você encontra os quadrinhos da EC Comics compilados em diferentes livros, separados por artistas, em boxes luxuosos que foram lançados nos Estados Unidos pela editora Fantagraphics Books, que também compilou todos os volumes lançados de Tales from the Crypt em cinco livros de capa dura. O material é de alta qualidade gráfica, e pode ser obtido por importação.

/ AS FASES. Especialistas do mercado americano dividem em três fases as publicações da EC Comics: Pre-Trend, New Trend e New Direction.

From the Crypt (The Crypt of Terror), que começou com o nome The Crypt of Terror, teve 30 edições.

Vault of Horror teve 29 edições.

The Haunt of Fear teve 28 edições.

Weird teve 22 edições, e Weird Fantasy também teve 22 edições.

Fisted Tales teve 24 edições.

Frontline Combat teve 15 edições.

Suspenstories Shock teve 18 edições.

Suspenstories Crime teve 27 edições.

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