MAD MEN | O impacto publicitário da narrativa mundana

Os produtos da cultura pop que o mercado televisivo americano entregam na forma de seriados formados por dezenas de episódios por décadas alcançou um ponto de excelência com Mad Men, com uma grande e forte narrativa, livre de gorduras de ficção e recursos fantásticos, e que mira no pântano mundano das relações humanas para criar seu incrível protagonista, Donald Draper.

Com uma ótima performance de Jon Hamm no papel de Don, o centro gravitacional da série que tem potências estelares em Peggy (Elizabeth Moss), Joan (Christina Hendricks) e Betty (January Jones).

Ao criar uma tapeçaria narrativa com o cenário de fundo para todos os personagens no mundo da publicidade dos Estados Unidos nos anos 1960, Mad Men a usa para denotar as características marcantes da década do paz e amor, e que seria incendiado com os distúrbios raciais e sociais que faria a América mudar para sempre.

Mad Men foi a produção que estabeleceu o canal AMC, que ficou ainda mais popular depois, ao entregar outras séries que reluzem ouro, como Breaking Bad e The Walking Dead.

O caminho da excelência em séries televisivas como mídia de poder atômico de contar histórias começou na metade da década de 1990, com OZ, da HBO.

A produção da vida criminal de detentos em uma prisão convenceu a HBO a continuar a investir em seriados com personagens complexos e qualidade cinematográfica.

Foi graças a OZ que surgiu Sopranos, que estabeleceu o canal neste segmento, e que possibilitou uma obra como Mad Men ganhar vida.

Mad Men
O trabalho de Donald Draper é dar algo para as pessoas que nem elas sabem que desejam. E o que ele quer?
Mad Men
Bom vivant, infiel, alcoólatra, fumante. Don completa o combo do homem mundano de antigamente
Mad Men
E sua jornada através dos mais de 90 episódios de Mad Men é uma incrível viagem pelas mudanças sociais dos EUA e do mundo

As pessoas querem tanto que alguém lhes diga o que fazer que dão ouvidos a qualquer um.”
DON DRAPER / MAD MEN

Mad Men
Uma das artes promocionais mais usadas em Mad Men

A Marca de Mad Men

spoilers

Os roteiristas de Mad Men modificaram a arquitetura de storytelling comumente praticada nos seriados de TV, dobraram regras e convenções, e seu criador, Matthew Weiner, foi resistente em segurar pressões comerciais dos executivos, a favor de contar várias histórias onde nenhuma têm garantia de final feliz.

Enquanto os Estados Unidos superam traumas do pós-Segunda Guerra Mundial e Guerra da Coréia na propaganda, os personagens de Mad Men têm seus próprios códigos de ética e estilo.

E é no meio de com conflito na Guerra da Coréia que Don Draper se constrói, ao assumir a identidade de outro homem, para deixar a sua antiga e infeliz identidade de Dick para trás.

Mad Men
As duas únicas ligações verdadeiras de Richard (Dick) Whitman/Donald Draper são Stephany e Anna. E mesmo assim ele perde a chance de se despedir apropriadamente da última

O programa começou a ser exibido na TV americana em julho de 2007, e teve seu episódio final em maio de 2015 — foram 7 temporadas e 92 capítulos na companhia de Donald Draper e suas ações pessoais, íntimas e comerciais na agência de publicidade fictícia Sterling Cooper.

Durante todo esse tempo, Don não se livrará do seu estigma de falsidade, de autossabotagem, de enganar a todos como meio profissional de trabalho e a si mesmo.

A icônica abertura da série, com a música impossível de enjoar feita pelo DJ Ramble Jon Krohn, já entrega isso: é estar no topo só para cair em seguida; é queda, é morte. Mad Men é sobre a morte dos antigos costumes, de enterrar seu velho eu e ir em frente.

Por isso os recomeços, por isso muitos personagens não conseguem ir em frente, como o caso de Lane Pryce (Jared Harris).

Mad Men
Donald e Betty Draper, o casal ideal assassinado por traições (dele)

O protagonismo masculino e machismo típicos começam a sofrer fissuras com a penetração feminina em vários setores do mercado.

Uma geração de homens que cresceu achando serem os donos do mundo, se vê, pela primeira vez, em uma sociedade com mais independência feminina, direitos civis para todos e mudanças profundas no american way of life.

Isso é percebido ainda de modo mais direto com os ainda jovens baby boomers questionando todas as regras pré-estabelecidas.

A moeda do sexo, a mais antiga mercadoria da humanidade, é forte em Mad Men.

E eles e elas determinam as regras desse mundo, se comunicam por roupas e atitudes e gestos. Beber e fumar sem freio algum, por exemplo. Pecado esse que será cobrado, como terrivelmente Betty irá pagar.

Todos os homens e mulheres se comportam de forma artística e a simples escolha de vestuário retrata sua postura e expectativas.

Como as emoções guiaram a história da publicidade e alteraram definitivamente a forma como nos relacionamos com as marcas também é retratada de forma bem construída em Mad Men, que não se furta de usar marcas reais como Lucky Strike, Heinz e Coca-Cola para o núcleo criativo de pano de fundo dos protagonistas — afinal, estamos falando de publicidade.

O título original em inglês pode remeter a algo como “homens loucos” em uma tradução livre, mas na verdade ela se refere à Madison Avenue (avenida), o endereço nova-iorquino onde as grandes agências publicitárias americanas se concentravam.

E os Homens da Avenida Madison eram os protagonistas de seu tempo — os “Mad Men”.

O seriado de Mad Men não é um drama ordinário procedural ou de aventura como outros de sua estirpe, ela nunca executou a ascensão e queda de um personagem em polarização — como um herói criminoso ou um vilão heroico –, tampouco construiu mistérios que cercam o line-up de personagens.

Ele cria um simples fio condutor de vidas ordinárias de relações, amizades, namoros, casamentos e traições para mostrar os impactos do mundo sessentista em pessoas, ambientes, objetos e situações.

A maior parte disso é banal, justamente o melhor meio para mostrar ao público como pequenas coisas se tornam grandes.

Quando Peggy ultrapassa as barreiras de secretária e se torna redatora, podemos tomar como base o que virá em tudo o mais em Mad Men.

Mad Men

Mad Men

Mad Men

Mad Men

Mad Men

O final de Mad Men

Mad Men

Na noite de 10 de junho de 2007, o público americano assistiu ao último episódio de Sopranos, um acontecimento ainda hoje insuperável, dada a ousadia e maestria do final que o criador David Chase executou.

Nenhuma obra de arte termina de maneira óbvia, e com o Mad Men de Matthew Weiner não poderia ser diferente também — ele também foi escritor e produtor de Sopranos.

Sopranos, obra máxima do audiovisual americano de todos os tempos, acabou e em menos de um mês, começaria a jornada de Don em Mad Men (mais precisamente no dia 19 de julho).

O que aconteceu com Don Draper em Person To Person (07×14)?

O final não poderia ser outro — sempre fugindo de Dick, Don se sente incapaz de se conectar emocionalmente com as pessoas.

Sem se aceitar mais como Donald Draper, ele perdeu duas esposas, seus filhos, seu apartamento, sua agência, sua identidade e seu nome.

É no ambiente místico de um retiro espiritual que encontrará suas respostas e nos jogará em um final dúbio do melhor dos mundos — aquele em quem nós mesmos podemos escolher.

Já víamos a predestinação de morte desde a abertura da série em sua estreia, com a queda de um engravatado.

E Don estava vendo os mortos — literalmente — em diversas alucinações nos episódios anteriores. Don liga para três mulheres —Betty, sua ex-mulher, Peggy, sua colega, e Sally, sua filha, e monta assim uma trilogia de despedida, que o episódio não se furta a mostrar um caminho derradeiro para o personagem.

Ele se refugia com Stephany, o último elo com seu passado verdadeiro, em um retiro hippie, mais a contragosto do que por escolha.

E é lá que quem puxa o gatilho emocional e “mata” Don/Dick no retiro é um personagem que nunca vimos antes: Leonard, o típico trabalhador de colarinho branco do fim dos anos 1960, aparentemente o perdedor típico.

Ema uma roda de conversa, ele desabafa sobre se sentir sozinho e rejeitado pela sua família e amigos.

Apático com o abandono de Stephany, confrontada com seus demônios interiores pouco tempo antes, Don desaba e finalmente cede quando finalmente olha para alguém como ele.

 

O último frame do último episódio de Mad Men é um close no rosto de Don Draper, em posição de lótus e com os olhos fechados, em busca da paz ao entoar o mantra “Ohm“, enquanto é visto pela última vez pelos espectadores.

O novo dia trás nova esperança. As vidas que levamos e as vidas que ainda vamos levar. Um novo dia, novas ideias, um novo você”.

Mad Men

Depois, simplesmente acontece a introdução de uma célebre peça publicitária em vídeo de uma campanha da Coca-Cola nos EUA, de 1971, em que atores dizem que querem dividir o refrigerante com o mundo.

É um vídeo com jovens cantando uma mensagem de paz e amor, de várias partes do mundo, em uma colina italiana, cada um segurando uma garrafa do refrigerante.

O comercial, chamado informalmente de “Hilltop”, realmente veiculado na TV americana na época, foi um enorme sucesso e a música se tornou um hit radiofônico pelo grupo Seekers.

Quem produziu a peça realmente foi a McCann-Erickson, a agência real que na série absorveu a agência de Don.

O criador do comercial na vida real, Bill Backer, teve a ideia após um voo ruim, quando viu uma garrafa de Coca e começou a pensar nela como uma bebida que refrescava milhões de pessoas ao redor do mundo todos os dias.

Mad Men traçou a jornada de Don Draper pelos anos 1960 em busca de sua identidade como um publicitário bem sucedido e carismático, e esse final se coaduna perfeitamente ao que sempre foi proposta: num primeiro momento, pode ficar implícito que Don teria criado o anúncio, tempos depois que saiu do retiro inspirado pelo momento.

Publicidade se baseia em uma coisa. Felicidade. E o que felicidade? É o cheiro de um carro novo, é ficar livre do medo. é um outdoor na estrada que reafirma que não interessa o que você estiver fazendo, está tudo bem. Você está bem”.

Donald Draper em Smoke Gets in Your Eyes (01×01)

Em comunicação, seja publicidade, ou jornalismo — como o que estou fazendo aqui –, comunicar não é somente plantar um momento, e sim mirar naquilo que Mathew Weiner fez ao botar o comercial Hilltop da Coca-Cola no final da série: é dividi-lo com o mundo.

Eis minhas letras compartilhadas então.

“ As pessoas chegam e vão, ninguém se despede?” “As pessoas são livres para irem e virem como quiserem”
Mad Men
O começo de tudo para Richard Whitman
Mad Men
O fim de tudo para Don (Dick?). O momento da iluminação (?), onde Dick (Don?) e seu “ohm” se encontram no mesmo caminho

/ A MÚSICA DA ABERTURA. A Beautiful Mine, do DJ Ramble Jon Krohn, mais conhecido como RJD2, está presente no álbum Magnificent City (2006).

/ PONTO BAIXO 1. Como tudo na vida, nada é perfeito. Mad Men trabalhou diversas vezes com repetições de atos e situações, o que denota certo cansaço e preguiça criativa, mas nada que afete sua performance.

Algumas escolhas e direcionamentos claramente jogaram contra algumas vezes. O favor sexual que Joan Holloway (Christina Hendricks) tem que fazer para manter uma conta grande da agência foi lamentável e desnecessário.

Ela passa uma noite com Herb Hennet (Gary Basaraba), um chefão da Jaguar. Ela consegue ainda sociedade na agência ao fazer isso.

Joan Holloway (Christina Hendricks) e Herb Hennet (Gary Basaraba)

/// PONTO BAIXO 2. Betty, agora Betty Francis, engordar e chegar a colorir o cabelo de preto.

Betty Francis morena

/// PONTO BAIXO 3. O último caso de adultério de Donald Draper teve um gosto muito forte de comida requentada.

Sylvia Rosen (Linda Cardellini) deveria ter ficado de fora do cardápio criativo dessa seleção. Ela foi o último caso sério de Don na série, que já vinha trabalhando essa temática por um longo tempo. Aliás, grande parte dos problemas dele se dá pela sua infidelidade para com suas mulheres, estejam elas com ele na cama ou não.

As mulheres em Mad Men

Betty Draper (depois Francis). Primeira esposa
Midge Daniels (Rosemarie DeWitt), a primeira amante
Rachel Menken (Maggie Siff), o primeiro caso sério
Suzanne Farrell (Abigail Spencer), o segundo caso sério
Bobbie Barrett (Melinda McGraw), um caso, esse por obrigação
A secretária Allison (Alexa Alemanni) fica uma vez com Don, o que já foi muito. Aqui, vista ao lado de Peggy (Elizabeth Moss), a primeira secretária de Don que vemos na série, uma personagem construída de modo igualitário a Don, dada as devidas proporções de protagonismo
Megan Calvet (Jessica Pare), mais uma secretária, mais uma aventura amorosa
Bethany (Anna Camp)
Dra. Faye Miller (Cara Buono)
Megan Calvet, agora Megan Draper
Joy (Laura Ramsey)
Sylvia Rosen (Linda Cardellini), o último caso de Don Draper
Diana (Elizabeth Reaser), um ponto de inflexão na jornada final de Don, ao se ver amargamente no lugar da moça, que também foge de suas responsabilidades. De nome a semelhança físicas, nada é por acaso aqui
A verdadeira Senhora Draper é Anna Draper (Melinda Page Hamilton), esposa do falecido Donald, cuja identidade Richard “Dick” Whitman roubou. Improvavelmente, os dois constroem uma bela amizade

/// PONTO ALTO 1. Elizabeth Moss.

/// PONTO ALTO 2. Jessica Pare.

Acabou, Don

Obrigado por ler até aqui!

O Destrutor é uma publicação online jornalística independente focada na análise do consumo dos produtos e tecnologia da cultura pop: música, cinema, quadrinhos, entretenimento digital (streaming, videogame), mídia e muito mais. Produzir matérias de fôlego e pesquisa como essa, mostrando todas essas informações, dá um trabalhão danado. A ajuda de quem tem interesse é essencial.

Apoie meu trabalho

  • Qualquer valor via PIX, a chave é destrutor1981@gmail.com
  • Compartilhe essa matéria com seus amigos e nas suas redes sociais se você gostou.
  • O Destrutor está disponível para criar um #publi genuíno. Me mande um e-mail!

O Destrutor nas redes: Instagram do Destrutor (siga lá!)

Todas as imagens dessa matéria têm seus direitos reservados
aos seus respectivos proprietários, e são
reproduzidas aqui a título de ilustração.

LEIA TAMBÉM:

Um remake clássico da ficção científica americana com Jon Hamm

O DIA EM QUE A TERRA PAROU | Jennifer Connelly e os remakes de filmes clássicos