Clube da Luta, o livro de Chuck Palahniuk, segue as experiências de um protagonista sem nome, que trabalha como reparador de produtos especializados para uma empresa de carros sem nome, lutando contra a insônia, em uma cidade X americana.
Além de comum e ordinário, sua vida não conhece nada além de rotina e cansaço. Ao conhecer em uma praia de nudismo um homem chamado Tyler Durden, sua vida e mente mudam. Agressões físicas mútuas entre os dois o inspiram a criar o Clube da Luta, onde podem se espancar a vontade, acorrentados por apenas seis regras.
A maior delas: você não fala sobre o Clube da Luta.Isso eventualmente descamba para o Projeto Destruição, um conceito anárquico para destruir a civilização americana, mas muito mais que isso. É a destruição do americano self made man em si.
De escrita cínica e irônica, Chuck consegue ser agressivo com seus personagens marginais e segura o leitor em narrativa trágica.
É um novo tipo de realismo sujo esse de Chuck Palahniuk.
Crise de identidade e expectativa dos homens na vida dos anos 90 são os símbolos de Clube da Luta. Hipermasculinidade e castração pelo feminino.
No filme e no livro, Tyler Durden diz “somos uma geração criados por mulheres“. A escravidão promovida pelas formas de trabalho, na década de 1990, o ideal dos homens, se pareou com consumismo de maneira muito mais colada.
No teatro da vida, o homem deve cumprir o papel que é imposto pelo poder e agressividade. A vaidade se sustenta disso.
A masculinidade deve ser travestida e exibida, e a sua pretensa genuinidade inerente sai daí. Tyler Durden não é um guia de recuperação da masculinidade clássica.
Sua apropriação por homens de pau pequeno que vomitam por pretensos direitos masculinos é digna de pena e desprezo e escárnio e repúdio.
O autor não queria isso – era apenas um livro de ensaio de formato de escrita e design q foram pensados como ilhas próprias de desenvolvimento narrativo e de tentativa de disruptura do tradicional.
Temos medo de se comprometer com a coisa errada e assim não se compromete com nada. Durante milhares de anos os humanos foderam, sujaram e fizeram merda com o planeta e agora a história espera que consertemos tudo.
Pagar a conta do lixo nuclear, amassar latas, dar conta de cada gota de óleo no mar. Não. Queremos quebrar os mármores do Panteão. Queimar o Louvre, limpar a bunda com a Mona Lisa.
A primeira matéria do blog em 2021 é o último capítulo do livro Clube da Luta, escrito por Chuck Palahniuk, em 1996.
Um filme lançado em 1999 pelo diretor David Fincher se encarregou de popularizá-lo além dos limites conhecidos na indústria cultural pop. Objeto de diversas análises, o longa-metragem se tornou um clássico dos anos 90, e conversa diretamente com os anseios do homem americano dessa década.
Os ataques de 11 de setembro destruíram esse debate. Houve um recrudescimento de anseios, substituídos por outro, o temor do terrorismo.
E havia uma vantagem noventista no contexto de trabalho. Não havia wi-fi. Num apocalipse irônico, em vez da libertação corporativa de quebra de baias com a morte dos cabos conectados, a escravização online 24 horas aniquila trabalhadores onde quer q eles estejam — hoje motoristas de app, executivos de contas e vendas e geradores de conteúdo obrigados a “storiezar” até suas idas ao banheiro são corriqueiros.
Ainda que carregue e sofra todo tipo de crítica construtiva, o livro ainda oferece lanças e ganchos pra perfurar a pele do senso comum e esfolar vivo o pensamento ordinário nosso de cada dia.
Chuck se tornou sinônimo de misantropo. É ame ou odeie. Livro e filme tem muitas similaridades, mas são animais diferentes, mesmo que desprezo e escárnio pelo materialismo façam andar a trama.
Leiam pra comprovar.
Capitulo 30 (Final)
(…)
Na casa de meu Pai há muitas mansões.
É claro que, ao apertar o gatilho, eu morri.
Mentiroso.
E Tyler morreu.
Com os helicópteros da polícia roncando na
nossa direção, com Marla e o pessoal do grupo
de apoio que não ia se salvar, mas todos
tentando salvar a mim, eu tinha de apertar o
gatilho.
Foi muito melhor que a vida real.
E o seu momento de perfeição não dura para
sempre.
Tudo no céu é branco no branco.
Fingido.Tudo no céu é quieto, sapatos de solas de
borracha.
Consigo dormir no céu.
As pessoas escrevem para o céu para me dizer
que se lembram de mim. Que sou o herói delas.
Vai ficar ainda melhor.
Os anjos daqui são aqueles do Antigo
Testamento, legiões e lugarestenentes, uma
hoste celestial que trabalha em turnos, dias,
períodos. Cemitério. Eles trazem as suas
refeições e os seus medicamentos num
copinho descartável. Um kit Vale das Bolinhas.
Conheci Deus na sua longa mesa de nogueira
com seus diplomas pendurados na parede, e Ele
me pergunta:
— Por quê?Por que causei tanto sofrimento?
Eu não percebia que cada um de nós é sagrado,
um floquinho de neve único e especial em sua
exclusividade?
Não via que somos todos manifestações do
amor?
Eu olhava para Deus atrás daquela mesa,
tomando notas num bloquinho, mas Deus
entendeu tudo errado.
Não somos especiais.
Também não somos merda nem lixo.
Apenas somos.
Apenas somos e o que acontece, acontece.
E Deus diz:— Não, isso não está certo.
É. Bom. Tudo bem. Não se pode ensinar nada a
Deus.
Deus me pergunta do que eu me lembro.
Eu não me lembro de nada.
A bala que saiu da arma de Tyler saiu pela outra
bochecha e me rasgou um sorriso de orelha a
orelha. É, como uma moranga de Haloween
raivosa. Um demônio japonês. O Dragão da
Avareza.
Marla ainda está na Terra e escreve para mim.
Algum dia, diz ela, vai me levar de volta.
Se houvesse um telefone no céu, eu ligaria para
Marla, e quando ela dissesse “Alô”, eu não
desligaria. Eu diria “Oi, como andam as coisas?
Quero saber tudo, tintim por tintim”.Mas não quero voltar. Ainda não.
Porque não quero.
Porque o tempo todo aparece alguém trazendo
meu lanche e meus remédios na bandeja, e esse
alguém tem um olho preto, a testa inchada e
costurada, e diz:
— Sentimos sua falta, sr. Durden.
Ou outro de nariz quebrado passa por mim com
um rodinho e sussurra:
— Tudo está de acordo com os planos.
Sussurra:
— Vamos acabar com a civilização para
construir um mundo melhor. Sussurra:
— Estamos providenciando para levá-lo de
volta.“
Uma das inspirações de Chuck para escrever o romance foi uma briga real em que se envolveu.
Nenhum dos seus colegas de trabalho o perguntaram o que aconteceu. O fato o perturbou e ele desenvolveu mais a ideia. Chuck é americano com ascendência ucraniana, e é jornalista de profissão. Esperto, abandonou o ofício para ser lutador amador, caminhoneiro e mecânico de automóveis.
A infância e juventude foram marcadas pela violência. Seu avô cometeu suicídio após matar a esposa. Tanto seu pai quanto sua namorada foram assassinados pelo ex-marido da moça.
Chuck hoje em dia é abertamente gay. Nascido em 1961, publicou alguns contos em revistas e seu primeiro livro foi lançado em 1996, e sim, era o Clube da Luta já.
Outros de seus romances são No Sufoco (2001), Cantiga de Ninar (2002), Diário (2003), Condenada (2011), Clímax (2014) – e outras histórias curtas de não ficção, como o Mais Estranho que a Ficção (2004). Alguns de seus escritores favoritos são Monica Drake, Justin Jorgenson, Thom Jones, Craig Clevenger, Junot Diaz, Bret Easton Ellis, Larry Brown e Denis Johnson. A favorita é Amy Hempel.
A sequência Fight Club 2 foi lançada em forma de revista em quadrinhos, em maio de 2015.
Quem o influenciou na decisão foi sua colega novelista Chelsea Cain e escritores de quadrinhos Brian Michael Bendis, Matt Fraction e Kelly Sue DeConnick. Chuck ainda planeja Fight Club 3 para ser quadrinhos também.
As corporações hoje operam de modo que os anos 1990 não poderiam imaginar. Estudos da Justiça americana indicam que nas buscas feitas por celulares nos EUA, o Google tem um monopólio de 95%. Entre os 3,5 bilhões de smartphones que existem no mundo, 85% funcionam com um sistema operacional do Google, o Android.
O navegador do Google, o Chrome, domina cerca de 60% do mercado americano. Quer assistir vídeos? YouTube. Está querendo se localizar? Google Maps. Precisa anunciar seu produto: Google Ads.
Não é à toa que autoridades do Departamento de Justiça dos Estados Unidos da América se movimentam para deter o poder das big techs — quiçá tenha mesmo esse poder.
Facebook, Instagram e Whatsapp, o tripé de sustentação do império de Mark Zuckeberg, que monopolizam a circulação de informações de redes sociais no mundo todo, podem ter que se separar.
Um mesmo horizonte talvez apresente como única solução o desmembramento das várias empresas e negócios que formam a Alphabet Inc., a holding que controla o Google. A última ação antitruste desse porte aconteceu contra a Microsoft em 1998, o ano em que o Google nasceu nos dormitórios da Universidade Stanford, na Califórnia.
O Google é uma das maiores empresas do mundo, com receitas acima de US$ 1 trilhão, com US$ 120 bilhões só para manobras para seus advogados de defesa.
Hoje os EUA se parecem com os EUA do final do século 19, na visão feliz do cientista político Robert Putnan, professor de Harvard e autor de um estudo sobre a derrocada da confiança nos EUA dos últimos 50 anos.
“Estes são os piores dos tempos”, escreveu Putnan no recém-lançado “The Upswing – How America Came Together a Century Ago and How We Can Do It Again“.
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