ENIGMA DE OUTRO MUNDO | A coisa que é o melhor filme do cinema

Enigma de Outro Mundo, filme de terror gore e pesadelo psicológico de 1982, dirigido por John Carpenter, é um dos melhores filmes do cinema, e pode com tranquilidade exigir um primeiro lugar numa lista de maiores já feitos na sétima arte.

A hipérbole se justifica pela premissa simples — homens confinados em um ambiente inóspito, sem chance de escapar, frente aos maiores horrores do ser humano, enquanto individuo e animal social: confiar ou não em quem está ao seu lado.

Como manter a sanidade se a pessoa com quem estamos é ela mesma ou não? Ou na pior das hipóteses, podemos nós mesmos não ser quem somos?

Um ser misterioso e horrendo serve de base para que Carpenter construa sua história, baseada em uma novela pulp dos anos 1930, Who Goes There?, e que teve uma adaptação cinematográfica em 1951, O Monstro do Ártico, um dos grandes filmes de terror da RKO Pictures, dirigido por Howard Hawks, cineasta que fez grandes clássicos do cinema.

A criatura, presente nas três obras, é tão poderosa que mudou de forma de dentro pra fora — nas três obras tem formas diferentes, e esse é exatamente um aspecto de seu poder: assumir a forma humana de quem absorve.

Enigma de Outro Mundo
A capa de Enigma de Outro Mundo, da Criterion Collection, uma das mais prestigiadas do mercado

A trilha sonora de  Ennio Morricone marcante cria uma ambientação magnífica de mistério e suspense em Enigma de Outro Mundo, que é uma das visões de mundo mais desesperançosas da indústria cultural, com um final aberto que até hoje é objeto de debate.

É um longa presente em qualquer lista de filmes mais assustadores de todos os tempos, ainda que o gênero não seja incluído na categoria “geral”.

John Carpenter se afastou das ideias que se tornaram comum no gênero terror (muito em parte graças ao seu Halloween, de 1979) de adolescentes idiotas correndo de um perigo mortal na forma de um monstro ou psicopata imparável, e decidiu por homens inteligentes, donos de saber científico, isolados em uma base remota na Antártida, um continente de ninguém, nem habitantes, de uso apenas para fins científicos — aliás, no filme nunca é dito o propósito da equipe americana no local — e que tomariam atitudes racionais frente à uma ameaça.

Para contrapor isso, a criatura então teria que efetivamente SER um deles para conseguir matá-los, e isso é uma das maiores sacadas de Enigma de Outro Mundo: o perigo está ao lado, é a pessoa com quem convivemos.

A credibilidade é a chave do terror. Se o público quer sentir emoção, ele deve acreditar. E para isso, essa autenticidade depende de detalhes da narrativa, que devem ser satisfatoriamente alimentados pelo trabalho do escritor, diretor, atores, designers.

Quando não há nenhuma brecha para o público pensar em saídas, o horror é instalado com sucesso.

É o medo primal que nos faz ficar enojados de figuras humanas distorcidas. Nossa empatia natural nos faz se remoer mentalmente, e Enigma de Outro Mundo subverte isso ao nos apavorar na criação de uma réplica-homem perfeita, que ao menor senso de descoberta, se transforma em um pesadelo de ossos, carnes, garras e bocas, prontos para nos devorar — outro medo primal, herdado da época da pré-história.

A repulsa pelo grotesco e o medo são os catalisadores para o público em Enigma de Outro Mundo, que resulta no puro horror que presenciamos em tela.

Some isso a mutilações, pedaços de cães, aranhas e insetos, dentes e presas, e uma claustrofobia em um clima frio que impede a fuga rápida e a movimentação adequada transforma isso em uma explosão de terror irracional.

Enigma de Outro Mundo

Enigma de Outro Mundo
Mais que o monstro, são os humanos e o que podem fazer sob pressão que promovem o verdadeiro terror

Enigma de Outro Mundo estreou no mesmo dia de Blade Runner: O Caçador de Androides (1982), do diretor Ridley Scott. Ambos tiveram péssima aceitação do público e crítica, e demoraram anos a ganhar reputação e status cult.

Parte do fracasso de estreia de Enigma de Outro Mundo foi atribuído à gigantesca sombra que E.T.: O Extraterrestre (1982), de Steven Spielberg, lançado meses antes do filme de Carpenter, produziu sobre o tema de contato alienígena.

A audiência não estava preparada para o impacto nuclear de horror e gore que o diretor entregou em seu longa, em vista da doçura e humanidade que o ET de Spielberg provocou em adultos e crianças.

O horror alienígena e psicológico de Enigma de Outro Mundo faz parte de uma espécie de “Trilogia do Apocalipse” de filmes de John Carpenter, que se completa com o horror sobrenatural e demoníaco de Príncipe das Sombras (1987) e o horror cósmico e demente de À Beira da Loucura (1994).

Who Goes There?, 1943

Who Goes There? (“Quem Vem Lá?“, em tradução livre), foi escrito por John W. Campbell na década de 1930, e foi publicada pela primeira vez em agosto de 1938, na revista pulp Astounding Science Fictionpulps são revistas de papel barato para bancas de jornais, com histórias de terror, crime, aventura, sci-fi, a pré-cultura pop do início do século XX.

E é ela a obra que deu origem ao filme de John Carpenter. Muito mais lenta e tensa em sua trama, a novela mostra cientistas em uma base americana na Antártida em meio a descobertas fantásticas, que envolvem um objeto metálico que emite ondas eletromagnéticas enterrado na neve.

Não demora muito para que eles sejam vítimas de um horrendo monstro humanoide com cabelos azuis de tentáculos e três malignos olhos vermelhos.

A novela de Campbell indica que na estação há 76 pessoas, 76 cachorros e 5 vacas, e todos eles são potenciais vítimas da criatura, que além de emitir uma estática psíquica que provoca pesadelos nas vítimas, também pode infectar seres vivos, absorvê-los e tomar seu lugar.

A novela Who Goes There? foi lançada depois em modo único em 1943. Nascido em 1910 em New Jersey, John W. Campbell se formou em física no MIT – Massachusetts Institute of Technology (uma das mais prestigiadas faculdades de tecnologia do mundo) e teve uma carreira longa no mercado de pulps.

Em 1937, ele se tornou editor da revista Astounding Stories, onde ficou até sua morte, em 1971.

Enigma de Outro Mundo
A capa do livro de John Campbell na versão brasileira aproveita o prestígio de Enigma de Outro Mundo de John Carpenter

E só em outubro de 2019 apareceu no Brasil, graças a editora Diário Macabro, com o nome de Enigma de Outro Mundo.

A sinopse oficial é esta:

Na Antártica, uma equipe de exploração descobre sob o gelo muito mais do que imaginava. Em uma nave de outro planeta, repousa uma criatura bizarra de cor azul e braços tentaculosos. A curiosidade faz com que a descongelem, mas logo se arrependem. A criatura está viva e possui a capacidade de se transformar em outros seres vivos. O clima de tensão e paranoia se instala entre os exploradores de forma intensa. Afinal, será que a pessoa ao seu lado é realmente quem parece ser? O Enigma de Outro Mundo é a obra original que inspirou o filme de mesmo nome dirigido por John Carpenter, nos anos 80, além de outras obras cinematográficas ao longo das décadas. Agora, você tem em mãos a primeira tradução ao português dessa obra de horror e ficção científica que é leitura obrigatória a todos os fãs do gênero“.

O livro tem mais de 150 páginas e possui material extra em relação a publicação original.

O “Acordo Antártico” é um documento assinado pela maioria dos países do mundo em 1959 e que rege as leis do continente gelado.

Lá é permitido apenas pesquisas científicas, e não colonização. Pela sua imensa distância e condições inóspitas para sobrevivência, a Antártida ainda é cercada de mitos, mesmo em pleno 2021.

Terraplanistas acham que o continente nem existe (eles acreditam em uma muralha de gelo que cerca todo o mundo plano — oi, Game of Thrones, viu isso?) e a cultura pop o utiliza de modo criativo, como os X-Men da Marvel, que passam algumas aventuras por lá, na Terra Selvagem, um grande oásis da pré-história perdido no meio do lugar.

A ideia de exploração do mistério da Antártida teve um momento inicial — e genialmente aterrorizante — no incrível conto de H.P Lovecraft chamado Nas Montanhas da Loucura, publicado em 1936.

The Thing From Another World (1951)

O título original de O Monstro do Ártico é algo como A Coisa de Outro Mundo

O filme The Thing From Another World, conhecido no Brasil como O Monstro do Ártico, foi lançado em 1951 pela RKO Pictures, um dos estúdios mais antigos da indústria americana.

O longa-metragem é uma adaptação do livro Who´s Goes There? e foi dirigido por Howard Hawks, um cineasta que fez clássicos do cinema como Scarface: A Vergonha de uma Nação (1932, e que teria um remake com Al Pacino em 1983), Suprema Conquista (1934), Levada da Breca (1938), O Paraíso Infernal (1939), Jejum de Amor (1940), Sargento York (1941), Uma Aventura na Martinica (1944), À Beira do Abismo (1946), Rio Vermelho (1948), Os Homens Preferem as Louras (1953) e Onde Começa o Inferno (1959).

O poster do filme clássico da RKO

Na década de 1930, os primeiros anos da RKO foram dominados por musicais e comédias cheias de diálogos, mas em 1993, o estrondoso sucesso de King Kong, de Merian C. Cooper, fez o estúdio se tornar grandioso.

Além de fazer filmes, a RKO distribuía ainda as produções de Walt Disney (curtas e longas-metragens) e as de Samuel Goldwyn, um dos magnatas do mercado (foi um dos fundadores da Paramount em 1913; criou a Goldwyn em 1918; e por fusão criou a Metro-Goldwyn-Mayer em 1924, junto com Louis B. Mayer e Marcus Loew, da Metro Pictures). Verdadeiras estrelas estavam sob contrato da empresa, atores e atrizes como Cary Grant, Irene Dunne, Douglas Fairbanks Jr., Fred Astaire, Ginger Rogers e Katharine HepburnCary Grant e Ingrid Bergman estrelaram juntos Interlúdio (Notorious), de Alfred Hitchcock, produção de 1946, por exemplo.

Os filmes da RKO podiam não ter o dinheiro dos grandes estúdios, mas mantinha um estilo e desenho de produção que entregava sofisticação.

Em 1948, o milionário americano Howard Hughes (um proto-Tony Stark da vida real dos EUA) adquiriu parte do capital da RKO.

Sua gestão foi marcada por mão pesada, ingerência no trabalho criativo dos profissionais, além da paranoia que dominava o cenário político dos EUA: o anticomunismo. Lendas do período indicam que ele investigava o passado político de todo mundo da equipe, além de exigir novas tomadas de cena quando achava que o discurso anticomunista não era forte o bastante.

É preciso ter isso em mente quando assistir O Monstro do Ártico, que reflete forte essa paranoia.

Anos de trabalho nesse ambiente complicado fizeram declinar o prestígio da RKO, e Walt Disney e Samuel Goldwyn pularam fora da parceria.

A General Tire, controladora da empresa, decidiu fechar a RKO em janeiro de 1957 e vender os estúdios à produtora televisiva Desilu Productions.

Em 1967, a Desilu viria a ser comprada pela Paramount Pictures, que a transformou na Paramount Television.

spoilers

Bem filmado em preto e branco por Howard Hawks, com tons de cinza pontuais em cenas muito bonitas, movimentos elegantes de câmera, filmagens de voos e tomadas de estruturas, a trama do filme mostra o jornalista Ned Scott (Douglas Spencer) visitando uma estação americana na região do Alaska, a Expedição Polar 6 da Força Aérea dos Estados Unidos, atrás de uma boa história, no dia 3 de novembro de 1950.

O capitão Pat Hendry (Kenneth Toby) é o responsável pelos militares, e o cientista-chefe da estação é o dr. Arthur Carrington (Robert Cornethwaite).

Cheio de homens e mulheres trabalhando em pesquisas (mas só mulheres que servem café), eles descobrem algo imenso enterrado no gelo, cerca de 20 mil toneladas do que aparenta ser aço, e que está deixando os instrumentos de medição malucos.

A estação americana no Alasca, onde acontece a trama do filme

E todos se empolgam quando determinam que acharam um grande disco voador. Eles colocam dinamite para soltá-lo do gelo, mas a reação do fogo com o estranho metal faz a espaçonave literalmente evaporar.

Antes de irem embora decepcionados, acham mais um sinal, bem mais fraco. E conseguem ver um “homem de Marte de 2,5m“, como diz um dos soldados em tela.

Howard não mostrou a nave e nem mostra a figura enterrada, criando uma expectativa do que os cientistas e militares encontraram.

Os cientistas americanos “medem” a largura da espaçonave enterrada

Um esquife de gelo é recortado do gelo e trazido para a base, o que logo se mostra uma péssima ideia.

A criatura acorda (ainda fora da tela), e o soldado que vigiava o esquife já mete uns três tiros nele e sai correndo. Os cachorros lá foram ficam agitados com algo, e quando mais gente chega para ver o que está acontecendo, encontram a sala vazia.

Mas parece que algo está atacando ou sendo atacado pelos cães. A forte nevasca não permite identificar direito o que está acontecendo. Quando finalmente alguns soldados e cientistas conseguem chegar lá, não tinha mais ninguém, a não ser um braço (!).

Na análise, o dr. Arthur chega à conclusão que o braço não é humano, e apresenta uma complexa estrutura celular, semelhante a um vegetal (!!), o que leva o jornalista Ned dizer que terão que enfrentar uma “super cenoura” (!!!).

Uma das cenas mais clássicos do cinema de terror é essa em O Monstro do Ártico

Quando o monstro aparece, já se passaram 50 minutos de filme, e ainda assim é de relance, com os cientistas e militares desesperados para fechar a porta por onde ele tentava entrar. Eles são pragmáticos, e metem tiros no monstro, e apenas o dr. Arthur pensa que a criatura viva seria muito mais útil à humanidade, dada as maravilhas que ele pode oferecer em termos de conhecimento.

A melhor cena do O Monstro do Ártico é da imagem mais conhecida do filme, quando o monstro, em um mood Frankenstein, arrebenta uma porta e invade uma sala, ficando na contraluz diante dos homens paralisados.

Eles tentam matar a Coisa com querosene e tacam fogo em tudo — perigosamente dentro da sala, arriscando suas próprias vidas.

O Dr. Arthur não arreda o pé de tentar conversar com o monstro, até ser ferido por ele perto do fim. Em uma armadilha elétrica (!), os militares conseguem enganar a criatura e a torram até virar pó.

O longa de Howard Hawks termina com o jornalista contando toda a história que presenciou no rádio-transmissor para o continente, em um alerta final: “Olhem o céu!“.

O monstro foi interpretado pelo ator James Arnes, que sentia tanto vergonha pelo trabalho que nem compareceu na estreia do longa.

A intenção original era seguir o contexto do monstro da novela, inclusive com as mudanças de forma, mas o dinheiro não permitiu tantos efeitos. Em certo momento da trama, o dr. Carrington descreve a Coisa como “um estranho numa terra estranha“, uma citação tirada do livro bíblico do Êxodo, capítulo 2, versículo 22, que também é o título de uma novela pulp de Robert Heinlein, publicada em 1961.

O clímax do longa-metragem para tentar deter o monstro

O filme foi tão influente que cineastas premiados como Ridley Scott, John Frankenheimer, Tobe Hooper e John Carpenter já citaram em entrevistas que o filme teve grande influência em suas carreiras.

Hooper quase fez uma refilmagem, mas foi Carpenter o responsável pela nova versão lançada em 1982.

Ele inclusive já tinha mostrado o Monstro do Ártico em seu longa-metragem slasher Halloween, em uma cena que Laurie Strode (Jamie Lee Curtis), Tommy Doyle (Brian Andrews) e Lindsey Wallace (Kyle Richards) assistem o filme de Howard na TV.

O prenúncio de Enigma de Outro Mundo por John Carpenter já estava presente em 1979, com seu Halloween

Enigma de Outro Mundo
(The Thing, 1982, de John Carpenter)

Enigma de Outro Mundo
O poster japonês de Enigma de Outro Mundo, um dos melhores

Diferente do filme O Monstro do Ártico, que acontece na região do Alasca, perto do Polo Norte, Enigma de Outro Mundo acontece na Antártida.

Aliás, a tradução brasileira de The Thing passa longe de “A Coisa“, ou mesmo de Monstro da Antártida (como seria de esperar), mas usa de certa maneira o título original do Monstro do Ártico, The Thing Another World, “A Coisa de Outro Mundo“, para criar um novo, e de certa maneira lembrar o original.

Algumas pessoas podem reclamar de spoiler, mas John Carpenter já nos mostra a natureza de seu longa-metragem nos primeiros segundos de Enigma de Outro Mundo.

Enigma de Outro Mundo
O logo de Enigma de Outro Mundo de John Carpenter reaproveita o logo do clássico de Howard Hawks

O começo do longa nos mostra um espaço negro, que serve de fundo para os créditos, e se torna o espaço sideral fora da Terra, com imagens de uma nave extraterrestre penetrando na atmosfera, milhares de anos atrás (e que Predador, de 1987, copiou).

Quando a nave some, o letreiro do título do filme entra The Thing, com a mesma fonte usada em O Monstro do Ártico. Carpenter então faz um corte gigantesco de tempo, nos situando no inverno de 1982. Estamos na Antártida, e vemos um helicóptero com dois tripulantes — um deles armado — que tentam matar um cachorro em perseguição pela neve.

Também acompanhamos a rotina de funcionários da “Estação Número 4 do Instituto Nacional de Ciências dos Estados Unidos” (no roteiro, ela é tratada como “U.S. Outpost 31 “, e no texto vamos nos referir à ela como Outpost 31).

Enigma de Outro Mundo
O verdadeiro protagonista de Enigma de Outro Mundo

São 12 homens na estação. São eles: Garry (Donald Moffat), o gerente do local; o piloto MacReady (Kurt Russel); o biólogo Blair (Wilford Brimley) e seu assistente, Fuchs (Joel Polis); o mecânico-chefe Childs (Keith David) e seu assistente (e aprendiz de pilotagem) Palmer (David Clennon); o meteorologista Bennings (Peter Maloney); o responsável pelo cozinha, Nauls (T.K. Carter); o operador de rádio Windows (Thomas G. Waites); o médico da estação, dr. Copper (Richard Dysart); o geólogo Norris (Charles Hallahan); e o responsável pelo canil, Clark (Richard Masur).

Enigma de Outro Mundo
Quem a gente acha que são os protagonistas de Enigma de Outro Mundo
Enigma de Outro Mundo
A estação americana Outpost 31

spoilers

Tudo é um jogo em Enigma de Outro Mundo. Um pingue-pongue entre os funcionários, um xadrez virtual no computador.

MacReady não hesita um momento em destruir quem o vence, o que diz muito sobre sua trajetória até o clímax do longa de John Carpenter. O cachorro e seus perseguidores se aproximam do Outpost 31.

Ninguém sabe de onde é, até que Norris diz que é um helicóptero norueguês (erroneamente chamados de suecos por Mac ao longo do filme). Todos da estação americana correm para ver o que está acontecendo.

O cão pula em Bennings. Um dos noruegueses se atrapalha com uma granada e acaba se explodindo junto com o helicóptero.

O outro grita em sua língua para os americanos, e na tentativa de matar o cachorro, dispara sua arma — um tiro de raspão pega na perna de Bennings. Garry mata o atirador antes que ele machuque mais alguém.

Enigma de Outro Mundo
A trama é um jogo de gato e rato, em todas as suas metáforas: física e mentalmente, nos mais profundos temores do ser humano

McMurdo, que parece ser o nome da estação mais próxima, não responde há duas semanas por causa do mau tempo, e Windows não consegue falar com ninguém a respeito da situação. Carpenter estabelece que há provocações por parte de todos, afinal, são 12 homens confinado e já sob situação de estresse, ainda mais com o que acabou de ocorrer.

Fuchs diz que os noruegueses estavam há 8 semanas acampados e que estavam em 10 pessoas (como que sabe?).

Um close suspeito no cachorro já entrega algo suspeito. Os bons jogos de cena e enquadramento continuam, e mostra um acontecimento essencial na trama. De quem o cachorro se aproxima? Palmer?

Enigma de Outro Mundo
Quem está em cena aqui?

Copper quer investigar a estação e Mac reclama, dizendo que quer mesmo saber o que aconteceu com os suecos (digo, noruegueses).

O piloto leva o médico até lá, e juntos investigam o acampamento. Tudo está destruído. Há fumaça, fogo, cadáver auto-mutilado, machado com sangue, esquife de gelo sem nada dentro.

Mas nada supera um amontoado de carne com braços e pernas, que Carpenter não nos mostra de primeira. “Isso é um homem ou o quê?“, diz Copper, em um desafio a qualquer descrição. A dupla retorna com essa “coisa” para a base americana, sob os olhares incrédulos de todos (do cachorro também).

Enigma de Outro Mundo
As investigações a respeito do que está acontecendo começa a ficar cada vez mais estranhas

O close que John Carpenter faz no “rosto” da “coisa” é um dos grandes momentos de Enigma de Outro Mundo, e com efeito, do horror no cinema. Blair faz a autópsia a pedido de Copper, e concluí que há órgãos humanos normais nela.

Clark leva o cachorro perseguido pelos suecos (digo, noruegueses) para o canil junto dos demais, e é aí que o filme revela que o animal é uma coisa saída de um pesadelo: ele se transforma em uma massa amorfa cheia de pernas e patas insectóides, e ataca os outros cachorros com tentáculos e líquidos esguichados.

A algazarra chama a atenção de Clark e dos outros — um cachorro tentar morder as grades de metal e entortar as estruturas tamanho seu medo e vontade de sair dali.

Alguns cachorros conseguem sair quando Clark vai ver o que estava acontecendo e abre o portão, mas quando seus companheiros chegam, é tarde demais para os outros.

Enigma de Outro Mundo
Um dos mais aterradores monstros do cinema de terror

Mac mata 2 cães a tiros, para aliviar o sofrimento dos animais, sob protestos de Clark. A criatura desconhecida se transforma mais uma vez, cria dois braços humanoides monstruosos, e depois vira um pesadelo sem forma, com um olho diabólico amarelo e uma ventosa giratória que quase mata Childs, que chegou armado com um equipamento de lança-chamas. Ele bota fogo na criatura e a mata.

Blair também faz uma autópsia nessa criatura, e finalmente descobre o que está acontecendo. Ela estava assimilando os cachorros, o organismo os imita, “estava digerindo-os, absorvendo-os“, diz. Um dia já se passou na estação americana, e Blair começa a suspeitar de Clark por ter ficando tanto tempo com o que se pensava ser um cachorro.

Os vídeos de VHS que Copper pegou da estação norueguesa (que fazem homenagem ao clássico de Hughes, com os cientistas na neve) mostram o local em que estavam e faziam escavações. Eles descobrem a localização e partem para lá.

Enigma de Outro Mundo
A homenagem de Carpenter ao filme de Hughes

John Carpenter entrega então o segredo de Enigma de Outro Mundo, que na verdade já estava descortinado na abertura do longa.

Mac e Norris acham uma nave espacial enterrada no gelo, e que segundo Norris, tem mais de 100 mil anos. É uma boa solução gráfica, desenho e tomada em perspectiva, e o branco do gelo colabora para que a cena seja crível o bastante.

Perto do local onde pousaram, acham também um buraco no gelo, com formato parecido com o esquife encontrado na estação sueca (digo, norueguesa).

Enigma de Outro Mundo

Enigma de Outro Mundo

Enigma de Outro Mundo
Mais uma cena das mais inacreditáveis do cinema de terror

Os funcionários do Outpost 31 ficam confusos com o que pensar e o que fazer. Mac diz que talvez a “coisa” foi expelida e os noruegueses a encontraram e a despertara. Parte do grupo custa a crer nisso.

Nauls aparece e diz que achou no lixo da cozinha uma cueca sem etiqueta, entregando que algo não está certo no acampamento.

Blair está cada vez mais preocupado, e no computador onde faz análises vemos uma proporção assustadora de infecção, com uma projeção de 75% da população do mundo infectada após o primeiro contato, com 27 mil horas para isso acontecer (são 1.125 dias, ou 3 anos e 1 mês).

O grupo decide guardar a coisa achada na estação norueguesa em um cômodo, e Windows e Bennings não percebem ela se mexendo por debaixo dos panos que a cobre.

Finalmente, a coisa ataca Bennings quando ele fica sozinho na sala, em uma cena chocante e sanguinolenta, e o quase assimila por completo. Ela sai correndo pela neve ainda em processo de transformação.

Windows vê e sai correndo avisar os colegas, e todos tem que matar o antigo companheiro, em meio a um círculo com fogo central, num visual que parece um sacrifício ritual antigo. Convenientemente tinha gasolina ali perto, e Bennings-Coisa morre em chamas.

Bennings-Coisa encontra seu fim

O grupo decide então queimar por completo a coisa da estação norueguesa, a coisa que sobrou do cachorro e o que restou de Bennings-Coisa — só Blair não participa. Sua paranoia chega ao limite quando o grupo volta para dentro da estação.

Ele danifica o helicóptero, mata o resto dos cães, e ataca Windows para destruir todo o equipamento de comunicação em um surto psicótico tão intenso que é preciso mais de quatro homens para contê-lo.

Eles o prendem no alojamento externo, e Blair diz que não confia em ninguém, mas fala para Mac ficar de olho em Clark.

Na primavera chega mais funcionários para a troca e/ou resgate, mas Mac não que esperar. Ele diz que até lá a coisa pode ser todos eles em vez de apenas um.

Seus colegas ficam na dúvida de quem confiar e como saber quem é quem. Copper dá a ideia de testar o sangue dos homens recolhidos agora com o sangue estocado no banco de sangue médico, e fazer uma comparação.

Enigma de Outro Mundo
MacReady toma para si a liderança, e com efeito, toma decisões críticas e questionáveis do ponto de vista prático. Você acreditaria nele?

Mas alguém sabota o equipamento em que estavam as bolsas de sangue. Copper e Gerry, o dono das chaves, são os maiores suspeitos, e isso gera uma enorme rusga entre eles.

Windows sai correndo atrás de uma arma no arsenal, e fica na mira do revólver de Gerry, que quase atira no colega.

Ele por fim cede e abre mão de ser o único portador de uma arma de fogo na estação, Childs quer pegar, mas Clark e Mac não acham boa ideia, e é o último quem toma posse da arma.

Uma forte tempestade se aproxima, e em 6 horas ela atingirá com tudo a estação, que já sofre com uma há mais de 48 horas.

Mac grava fitas de áudio em cassete para ter registros dos acontecimentos, caso aconteça algo. Fuchs tenta pensar em algum tipo de teste, e sugere cada um usar o próprio talher, fazer a sua própria comida.

A luz é desligada, e Fuchs nota alguém espreitando, sai para a neve lá fora averiguar e some. Mac percebe isso só depois de uma hora, e decide amarrar e prender Copper, Gerry e Clark — os suspeitos em sua visão — em cordas e sair para procurar Fuchs.

O grupo visita Blair no alojamento (tem uma corda pronta para enforcamento dividindo o espaço dos dois) e o biólogo implora para ser libertado, pois disse que já está bom da cabeça.

Enigma de Outro Mundo
A tensão começa a correr o grupo de um jeito que ninguém mais confia em ninguém

Nauls e Windows encontram o que parece ter sobrado de Fuchs (a cena é um dos poucos deslizes do filme, mal dá para saber o que há nela).

Mac percebe que a luz do seu alojamento estava acesa (e ele tinha desligado ela antes) e decide ir até lá com Nauls, e pede para Windows voltar.

Os dois demoram 45 minutos para retornar, sendo que apenas Nauls aparece, segurando uma roupa rasgada de Mac, presa na calefação. Todos acham que a coisa o atacou e já o duplicou, e decidem matá-lo se ele reaparecer.

Mac tem que ameaçar a todos com uma bomba para se fazer ser escutado. Em um momento oportuno, Norris tenta pegá-lo, mas é rechaçado.

O geólogo cai e começa a sofrer do coração (uma condição médica já mostrada pelo personagem anteriormente). Mac pede que desamarrem o dr. Copper para ajudá-lo.

E temos mais uma grande cena do cinema de horror em Enigma de Outro Mundo. Norris era uma Coisa, e quando Copper ia colocar o desfibrilador em seu peito, o peito de Norris se abre em uma boca gigante cheia de dentes, que amputa imediatamente os dois braços do médico.

Um ser horrível, um torso com a cabeça de Norris e um pescoço alongado explode da barriga do cadáver, que também tem a cabeça separada, criando outro ser, com antenas e patas aracnídeas.

A cena é tensa como poucas vezes se viu em obras do gênero. Os dois pesadelos são incendiados por Mac, que nessa altura já estava armado com um lança-chamas.

Enigma de Outro Mundo
Uma das mais grotescas e belas cenas de horror do cinema
Enigma de Outro Mundo
E que só piora (melhora!) a cada momento

Mac mata Clark quando esse tenta desarmá-lo. E é o piloto quem tem a ideia de coletar o sangue de seus colegas e testá-lo com a proximidade de algum perigo, colocando algo quente no sangue dos potes, por exemplo, já que a Coisa parece ter vontade própria, independente de suas partes, como Norris-Coisa demonstrou.

Assim, um arame superaquecido serve de “ameaça de morte” aos sangues coletados nos potes dos homens, que são todos amarrados e colocados em um sofá.

Windows testa OK.
Mac testa Copper, que também estava OK.
E testa Clark, que também deu OK, o que gera revolta de Childs, já que diz que agora Mac era um assassino, por ter matado um humano.
Mac tem tanta certeza que Garry é uma Coisa que disse que vai testá-lo por último, e displicente, testa Palmer.
E Palmer é uma Coisa — seu sangue pulando do pote é um dos grandes jump scares (aparição repentina na tela de algo assustador para chocar a plateia).

A revelação de Palmer-Coisa é pavorosa

Mas na hora de torrar a criatura, o lança-chamas de Mac dá pau, e Palmer-Coisa ataca Windows, que tem sua cabeça capturada pelo monstro, que o chacoalha pela sala, em mais uma das poucas cenas pouco convincentes do filme de John Carpenter — o diretor optou por usar um boneco no lugar do ator, o que deixa tudo com ares de Hermes e Renato em alguns momentos.

Quando o lança-chamas volta a funcionar, a coisa é torrada pelas chamas. O pobre Windows, já atacado e coberto pelo próprio sangue e por uma porção da Coisa, também é incinerado.

Assim, restam apenas Mac, Garry, Nauls e Childs, e agora todos têm certeza do teste e aceitam fazê-lo rapidamente. A cena é extremamente perturbadora, com nenhum deles confiando 100% em ninguém.

Enigma de Outro Mundo
O famigerado teste de sangue em Enigma de Outro Mundo

Nauls é testado e dá OK.
Childs também.
Garry fica por último.
E ele é humano, para “decepção” dos colegas, e sua reação para ser libertado logo é deveras uma das melhores do longa — dentre tantas.

Blair também precisa ser testado. A partir deste momento, Carpenter realiza um enigmático jogo de cenas e tomadas de câmeras com Childs, que ficou de guarda na estação, caso Blair aparecesse por ali.

Quando Mac, Garry e Nauls chegam no alojamento em que ele estava, o homem não estava mais lá.

Eles acham um túnel escavado embaixo do assoalho, que dá para uma pequena caverna subterrânea, onde descobrem um disco voador (!), que o grupo deduz que Blair construiu com peças do helicóptero.

Eles enxergam alguém correndo pela neve, saindo da estação, aparentemente Childs, e momento depois, a energia elétrica do local some.

Com 100 graus abaixo de zero, sem energia para o aquecimento, era morte certa para eles, mas não para a Coisa, que pode ficar congelada até a chegada do resgate.

Enigma de Outro Mundo
Sim, um disco voador

Assim, o trio decide explodir todas as instalações do acampamento para aquecer o local. Eles destroem o prédio principal da estação, e na sala do gerador, no subsolo de outra construção, eles constatam que já era mesmo o equipamento.

Aqui as coisas começam a dar errado de novo, e Garry acaba sendo a primeira vítima de Blair-Coisa, que surge ali em meio a escuridão.

Nauls vê de relance o monstro arrastando Gerry com seu braço amorfo em volta do que um dia foi o rosto do chefe da estação, e como que hipnotizado pelo terror, vai atrás.

Mac logo percebe que é o único que sobrou, e tem que lutar por sua vida quando Blair-Coisa surge em forma de um coró gigantesco com aspecto bestial e demoníaco dos cachorros assimilados e do próprio Blair, uma quimera do horror.

Enigma de Outro Mundo
O monstro final de Enigma de Outro Mundo

Mac consegue explodir o monstro, e no meio da devastação, quando já se entregava para a morte certa em um local qualquer, Childs ressurge, perguntando quem tinha feito tudo aquilo.

Mac diz que tiveram que fazê-lo, e pergunta onde o mecânico estava. Ele diz que pensou ter visto Blair correndo na tempestade, mas o perdeu de vista, e acabou se perdendo também.

É um dos finais mais intrigantes e ambíguos de todos os tempos, com Mac sem saber se realmente era Childs ali, ou a Coisa.

O piloto oferece um gole de uisque para ele, assim como fez com o PC no jogo do xadrez.
É xeque-mate, de um jeito ou de outro, no fim de Enigma de Outro Mundo.

Enigma de Outro Mundo
O fim de Enigma de Outro Mundo

Mais coisas dessa coisa

Para começar, quando o atirador norueguês se aproxima do grupo na estação americana, ele grita: “Se til helvete og kom dere vekk. Det er ikke en bikkje, det er en slags ting! Det imiterer en bikkje, det er ikke virkelig! KOM DERE VEKK IDIOTER!!“.

Para quem entende norueguês, já é um grande spoiler do filme, já que ele diz “Caiam fora daqui, isso não é um cachorro, é algum tipo de coisa! É uma imitação de cachorro, não é real! Se afastem, idiotas!“, em tradução livre.

Quem o interpreta é Larry Franco, o produtor da maioria dos filmes de John Carpenter, em uma aparição para lá de especial.

Além de Enigma de Outro Mundo e outros filmes de Carpenter, Franco produziu vários clássicos de ação, como Tango e Cash: Os Vingadores (1989), Rocketeer (1991), Batman: O Retorno (1992), Jumanji (1995), Marte Ataca! (1996), A Lenda do Cavaleiro sem Cabeça (1999), Jurassic Park III (2001), Hulk (2003), Batman Begins (2005) e As Crônicas de Spiderwick (2008).

O ator Norbert Weisser interpretou o piloto norueguês que morreu na explosão.

Para o papel de MacReady, os atores Nick Nolte e Jeff Bridges foram considerados. O roteirista Bill Lancaster pensava alto e escreveu com Harrison Ford e Clint Eastwood na cabeça.

O ator Fred Ward tentou, mas foi o parceiro de longa data de Carpenter, Kurt Russel, quem ficou com o papel. A placa da estação americana indica o nome dela: “United States National Science Institute Station 4“, mas no roteiro ela é chamada de “U.S. Outpost 31” (“Posto americano exterior 31”, em tradução livre).

MacReady se refere à ela assim, quando finaliza a gravação em sua fita K7: “”R.J. MacReady, piloto de helicóptero, U.S. Outpost #31“.

O cão que fica na estação americana tem uma das melhores atuações do filme, sem exageros. Seu nome é Jed, e segundo a produção, ele nunca olhava para as câmeras ou para a equipe de filmagens durante a gravação.

O fato de Palmer ser o (talvez) primeiro infectado é singular, pois ele logo diz acreditar que a Coisa pode ser um alienígena.

Quando o grupo começa a discutir a respeito da nave extraterrestre, ele cita Carruagens dos Deuses e que grande parte da civilização dos povos indígenas da América do Sul tiveram influência de aliens.

Essa narrativa e o termo citado é o cerne do livro de mesmo nome escrito pelo sueco (esse é mesmo) Erich von Däniken, em 1968, que se tornou um grande sucesso de vendas ao tentar relacionar as pirâmides do Egito, a tecnologia e a religião deles e de outras civilizações como fruto de contato extraterrestre.

Keith David, John Carpenter e Kurt Russel

Carpenter era a primeira escolha dos produtores Lawrence Turman e David Foster durante a pré-produção, mas a Universal estava muito resistente ao nome, e queria Tobe Hooper, que fez Massacre da Serra Elétrica (1974), que chegou a trabalhar em dois tratamentos de roteiro, mas que não agradaram o estúdio — a ideia de Hooper era criar uma caçada nas neves ao alien (que não mudaria de forma), ao melhor estilo Capitão Ahab vs Moby Dick (!).

Durante esse tempo, Ridley Scott já tinha lançado seu Alien – O 8º Passageiro (1979), que teve uma grande bilheteria e críticas positivas, e o próprio Carpenter já tinha feito Halloween – A Noite do Terror (1978), o filme que deu o pontapé do gênero slasher de horror para ganhar popularidade no cinema americano.

O sucesso de ambos abriu caminho de novo para John Carpenter, que enfim embarcou no projeto.

Sua maior preocupação era fazer efeitos convincentes, e teve a ajuda de Rob Bottin, um jovem promissor de apenas 22 anos, que criou algumas das melhores criaturas do gore e horror do cinema, e que também anotaria grandes trabalhos de efeitos especiais em RoboCop: O Policial do Futuro (1987), O Vingador do Futuro (1990) e Seven: Os Sete Crimes Capitais (1995).

O próprio Carpenter tem uma aparição no filme: como figurante nas gravações de VHS dos noruegueses.

Rob Bottin

HALLOWEEN | Como John Carpenter ajudou a criar o gênero slasher

A primeira escolha de John Carpenter para a trilha sonora não foi ele mesmo — o cineasta é conhecido pelo talento na área e muitas vezes a faz — tampouco Ennio Morricone.

Era o compositor Jerry Goldsmith (nomeado 17 vezes ao Oscar), mas ele não aceitou, já que no mesmo ano trabalhava nas trilhas de Rambo – Programado Para Matar e Poltergeist: O Fenômeno (de Tobe Hooper), ambos de 1982.

A trilha executada por Ennio demorou a ser reconhecida pela genialidade, e chegou a ganhar “prêmios” de pior trilha.

Apenas depois os acordes de baixo tenebrosos foram reconhecidos, tanto que músicas não-usadas em Enigma de Outro Mundo foram aproveitados por Ennio na trilha sonora de Os Oito Odiados (2015), de Quentin Tarantino, um trabalho que lhe deu o Oscar (!).

Aliás, Kurt Russel é um dos protagonistas do longa. Ele é John “The Hangman” Ruth (“O Carrasco”), e a trama de Tarantino guarda semelhanças notáveis com o filme de Carpenter.

Ennio Morricone é um dos maiores compositores da indústria do cinema, com mais de 500 trabalhos no mercado.

Outras decisões criativas ficaram nas mãos de executivos do estúdio, como Ned Tanen, que deu permissão para o final ambíguo, contanto que na morte de Blair-Coisa um grito monstruoso fosse inserido, de modo a mostrar claramente que a criatura foi destruída.

Outro executivo impôs a palavra “alien” em um dos posteres do filme, para capitalizar em cima do filme de Ridley Scott.

Enigma de Outro Mundo
Um dos melhores posteres de Enigma de Outro Mundo

Falando em voz, a única presença feminina em Enigma de Outro Mundo — que não tem uma única atriz em cena — é a voz do computador de xadrez, interpretada por Adrienne Barbeau, mulher de Carpenter na época.

Ela é atriz e dubladora, dona da voz de Selina Kyle/Mulher-Gato no premiado desenho animado do Batman (1992-1995).

Ela também foi a voz de computador em O Demolidor (1993), um dos mais divertidos filmes de Sylvester Stallone, um sci-fi de ação com um excelente Wesley Snipes de vilão, e a adaptação da grande HQ europeia policial futurista Juiz Dredd, que foi chamada O Juiz (1995, aquele que o Stallone faz um Dredd que tira o capacete).

Segundo o IMDB, originalmente havia uma mulher no grupo do Outpost 13, mas como a atriz ficou grávida e teve que sair do elenco, ela foi eliminada do roteiro.

O contraste fica para a próxima produção cinematográfica envolvendo a mitologia de Enigma de Outro Mundo, que traria uma protagonista feminina.

Mas antes vamos acompanhar as outras mídias que a franquia gerou.

The Thing From Another World, 1991

Uma continuação de Enigma de Outro Mundo só foi sair nos anos 1990, quando a editora americana de quadrinhos Dark Horse (que já iniciava sua tradição de publicar HQs de franquias famosas do cinema, como Exterminador do Futuro, Alien e Predador) lançou The Thing From Another World, uma minissérie em duas edições, publicada na virada de 1991 pra 1992, que usa o título original do filme de Hawks de 1951.

Escrita por Chuck Pfarrer e desenhada por John Higgins, a trama se passa 24 horas depois dos eventos do filme.

A galera de um navio baleeiro japonês acha MacReady sozinho na neve e o resgata. Depois que ele se recupera, o piloto volta para queimar os corpos dos colegas.

Um grupo de soldados das Forças Especiais dos EUA chega na estação Outpost, e um deles é infectado. Childs reaparece no local — ele foi resgatado por argentinos, e todos vão para a base deles. Mas a Coisa está junto e dá tudo errado.

Acontece uma matança geral, e Childs tem que se sacrificar para impedir que a Coisa escape a bordo de um submarino que ela já tinha dominado. Na confusão, Mac fica perdido na neve. De novo.

The Thing From Another World: Climate of Fear, 1992

Mais uma minissérie da Dark Horse foi publicada sobre Enigma de Outro Mundo em 1992, dessa vez em quatro edições, lançadas de julho a dezembro.

Climate of Fear foi escrita por John Arcudi e desenhada por Jim Somerville, a revista mostra outros argentinos, que acharam Mac na neve o levaram até a Terra do Fogo, a província da Argentina mais ao sul do país.

Lá, de novo temos militares envolvidos. Childs reaparece, junto com mais militares. No fim, agora sim Childs era a Coisa, e tenta infectar a todos na base. MacReady pena para conseguir matar o monstro, que em certo momento se torna até gigante (!).

The Thing From Another World: Eternal Vows (1993)

A Dark Horse lançou no final de 1993 mais 4 edições sobre Enigma de Outro Mundo, Eternal Vows, escrita por Dave deVries e desenhada por Paul Gulacy (um dos grandes artistas da Marvel e DC, com passagens por Mestre do Kung-Fu e Batman), mas que passa longe de tocar nos temas do filme de John Carpenter, até mesmo das aventuras das HQs anteriores.

Dessa vez vamos parar na Ilha Stewart, ao sul da Nova Zelândia, com uma Coisa que deve ter escapado do submarino anterior, presente em um peixe pescado por um velho à beira mar.

Na cidade, a Coisa infecta um casal, e MacReady ressurge DO NADA para matar a criatura, que nesse ponto já tinha duplicado grande parte da população local, o que torna a HQ uma correria e devastação a lá filme de zumbi.

The Thing (2002), o videogame de Enigma de Outro Mundo

O videogame do Enigma de Outro Mundo, que é uma continuação oficial, com participação de John Carpenter

Agora com as bençãos e consulta criativa de John Carpenter em pessoa, O Enigma de Outro Mundo ganhou uma continuação oficial em videogame, lançada em 2002 para o consoles 128-bits Playstation, da Sony e do então estreante X-Box, da Microsoft, além de computadores.

O game é de ação e aventura em terceira pessoa, e foi desenvolvido pela Computer Artworks e publicada pela Black Label Games, todas softhouses sem grande prestígio no mercado.

O videogame começa com uma gravação em vídeo de dois caras, aparentemente noruegueses, atacados pela Coisa.

A cena corta e o game inicia com o capitão Blake e seus soldados investigando o que restou do Outpost 31, horas depois do final do longa.

Os militares vasculham tudo — acham o disco voador de Blair (que resistiu à força explosiva das dinamites), as fita K7 gravadas por MacReady e até o corpo congelado de Childs — mas nada do Mac.

Uma das peças promocionais do videogame de The Thing

Inevitavelmente, a trama do game mostra que uma Coisa ainda sobrevive no acampamento, e ela infecta um dos soldados.

A estação norueguesa também está sendo vasculhada por outro grupo militar. Quem coordena tudo é o coronel R.C. Whiley, chefe dessa força-tarefa.

O problema é que ele secretamente também trabalha com a Gen Inc, uma empresa médica que quer capturar a Coisa e estudá-la.

O game nos deixa no controle de Blake, e temos que buscar as pistas de todas essas tramas em 20 fases, com soldados ao seu lado que podem ser a Coisa ou não. Eventualmente, Blake descobre que Whiley é a Coisa e tem que enfrentá-lo.

The Thing dos videogames toma diversas liberdades: os militares também estão armados com lança-chamas (uma marca pessoal de Enigma de Outro Mundo nessa altura) e o laboratório secreto de Whiley é futurista demais para ser dos anos 1980.

As Coisas tem certo apelo e inventividade nos gráficos de Play 2, mas são inferiores a outros gráficos de outros games produzidos nos consoles, que já estavam há mais de dois anos no mercado.

No fim da jogatina, MacReady aparece com um helicóptero e resgata Blake da Coisa, que também se torna gigante aqui.

Uma sequencia de The Thing foi planejada, mas não foi para frente. Versões de Game Boy Color e Game Boy Advance — consoles portáteis da Nintendo — também foram canceladas.

Como no filme de John Carpenter, o videogame de Enigma de Outro Mundo tem apenas uma presença feminina, a voz do computador, interpretada por Kat Cressida, atriz e dubladora com trabalhos em desenho animado como O Laboratório de Dexter (1996-2003) — ela é a Didi! — , videogames como Mass Effect: Andromeda (2017) e FallOut 76 (2018), e seriados como Patrulha do Destino (2020).

E a exemplo de Enigma de Outro Mundo, Carpenter também faz uma aparição rápida na trama. Ele é o dr. Faraday, o CEO da Gen Inc, e ainda que o rosto do personagem não pareça com a do diretor, a voz é dele.

Uma Coisa no videogame The Thing

The Thing fez parte do início de um movimento criativo da indústria de videogames nos anos 2000, que executou continuações oficiais das tramas de filmes famosos na mídia de jogatina eletrônica.

Antes de Thing, o filme Um Drink no Inferno (1996), de Quentin Tarantino, teve uma continuação com From Dusk Till Dawn (2001); Matrix Reloaded, lançado em 2003, teve um game que contava eventos paralelos em Enter the Matrix; Warriors – Os Selvagens da Noite (1979) também teve uma com The Warriors (2005); Scarface (1983) seguiu com Scarface: The World is Yours (2006); Fervura Máxima (1992), clássico de ação oriental de John Woo, continua em Stranglehold (2007); Caça-Fantasmas (1984) teve uma sequencia com Ghostbusters: The Video Game (2009); De Volta Para Futuro (1985) seguiu com Back to the Future: The Game (2010).

Um dos mais recentes foi Alien: Isolation (2014), que continua a história do primeiro, com a filha de Ellen Ripley como protagonista. Até seriados tiveram continuações oficiais em videogames, como Arquivo X, que tem “três episódios perdidos” da sétima temporada, no game The X Files: Resist or Serve (2004).

Arquivo X

Falando em Arquivo X, a voz de Whiley é de ninguém menos que William B. Davis, o ator que faz o Canceroso, o maior vilão da série.

Aliás, AX prestou uma das maiores homenagens a Enigma de Outro Mundo, logo em sua primeira temporada, no episódio Ice (01×08), conhecido no Brasil como Terror no Gelo. Nele, Dana Scully e Fox Mulder investigam um caso em uma base científica no Ártico, quando recebem um vídeo de um cientista perturbado dizendo “Não somos quem somos“.

Os agentes da divisão “desconhecida” do FBI se dirigem para lá, e não demoram a se verem presos graças a um parasita que infecta as pessoas. Todo o cenário da base é igual ao do Outpost de Enigma de Outro Mundo, pois o mesmo profissional de set foi contratado para o episódio.

Terror no Gelo é o primeiro clássico da série, considerado por muitos fãs como o melhor episodio da primeira temporada.

O primeiro longa-metragem da série, chamado de Arquivo X – O Filme (1998), tem no seu final uma clímax bombástico na Antártida, onde uma gigantesca nave espacial, como o da Coisa, tem um papel importante para toda a mitologia do seriado.

ARQUIVO X | Como a série criou uma das melhores mitologias da cultura pop

The Thing (2011), a prequel de Enigma de Outro Mundo

O logo do novo The Thing é original, e foi traduzido no Brasil como A Coisa

O canal SyFy Channel planejava uma sequência de Enigma de Outro Mundo em 2003, com 4 horas, em formato de minissérie, mas a ideia não foi para frente.

Anos depois, a Universal Pictures decidiu produzir um prequel, e que foi lançada em 2011. O estreante diretor holandês Matthijs van Heijningen fez um filme que a princípio seria um remake do longa original, mas Enigma de Outro Mundo de John Carpenter estava com uma reputação tão boa e sofisticada à essa altura que a Universal vetou essa possibilidade.

Mas ainda manteve o mesmo título do filme de Carpenter, The Thing (no Brasil, a tradução adotada foi A Coisa).

Mesmo se passando durante 1982, tudo parece moderno na obra de van Heijningen, que se mantém de forma raquítica e pouco criativa em relação à obra-prima de Carpenter.

Os efeitos especiais, todos produzidos numa computação gráfica (CG) de estilo Playstation 3 (videogame da Sony na época), não envelheceram bem.

Amarrados aos acontecimentos que deveriam seguir e entregar para que Enigma de Outro Mundo existisse de modo coerente na mitologia criada, a chance de Matthijs van Heijningen era fazer um bom filme com mortes impactantes e tensão insuportável que deve ter afligido os presentes na base norueguesa.

Não conseguiu. Ao menos agora, temos protagonistas femininas, com todo o destaque para a linda Mary Elizabeth Winstead.

Kate no mood clássico de Enigma de Outro Mundo: armada com um lança-chamas

A estação norueguesa ganha um nome: Thule.

E os funcionários dela são Edvard Wolner (Trond Espen Seim), o gerente; Peder (Stig Henrik Hoff), o segundo em comando; o geólogo Karl (Carsten Bjørnlund); o operador de máquinas Olav (Jan Gunnar Røise); os pesquisadores Henrik Larsen (Jo Adrian Haavind) e Jonas (Kristofer Hivju, que ficaria famoso pelo papel de Tormund, de Game of Thrones); o piloto Matias (Ole Martin Aune Nilsen); e o responsável pelo canil e veículos Lars (Jørgen Langhelle).

Todos eles são noruegueses, mas o quadro ainda tem a geóloga francesa Juliette (Kim Bubbs) e o operador de rádio inglês Colin (Jonathan Walker).

O diretor da estação Thule é o dr. norueguês Sander Halvorson (Ulrich Thomsen), que pede ajuda do seu assistente, o biólogo americano Adam Finch (Eric Christian Olsen) para achar um profissional paleontologista para trabalhar nas escavações.

E a escolhida é a dra. Kate Lloyd (Mary Elizabeth Winstead). Ainda temos os pilotos americanos Sam Carter (Joel Edgerton) e Derek Jameson (Adewale Akinnuoye-Agbaje, o inesquecível Senhor Eko, de Lost), além do auxiliar Griggs (Paul Braunstein), que se encarregam de levar Sander, Adam e Kate para a base norueguesa.

spoilers

No meio da Antártida, um sinal misterioso é emitido por algo enterrado na neve. Olav detecta a transmissão e, a bordo de um veículo de neve, dirigido por Lars, junto com Peder, descobrem uma nave espacial quando caem em um buraco de gelo.

Em 48 horas, os noruegueses acharam a nave enterrada e prepararam tudo para Sander. A visão da nave criada pelo diretor Matthijs embaixo do gelo é muito boa.

Como ela fez um túnel de 200 metros na queda, o acesso para ela é relativamente fácil. Sander, Adam e Kate vão direto para lá quando chegam na base. Além disso, acham algo a mais enterrado no gelo. Uma coisa. Que, tudo indica, pode ser o tripulante da nave.

Assim, Kate arruma um jeito de fazer um esquife em volta da coisa congelada, e o trazem para dentro da estação Thule.

A estação de pesquisas sueca (digo, norueguesa), Thule

O local tem até barzinho, que serve para a equipe comemorar as descobertas que fizeram. Sander até mesmo pediu um pedaço da coisa dentro do gelo, que Kate concordou meio que a contragosto.

É Jameson quem (não) vê a Coisa arrebentando o esquife para escapar, algo rápido como um raio, indefinível, com aparentes tentáculos, bicos, bocas e presas — obviamente feito em CG de Play 3 (vou tomar a liberdade de usar essa referência várias vezes).

Griggs estava fora da estação na hora, e a câmera de Matthijs van Heijningen também foca um cachorro (apenas um) desesperado com algo.

Jameson avisa a todos da fuga, e o temor toma conta do semblante de todos que vêem o esquife vazio. Todos eles saem em busca da Coisa, e a primeira vítima é Henrik, que tem uma morte tão terrível que traumatiza o pobre Olav.

Com muito custo, depois de disparos de armas de fogo de Carter e Peder, mais uma boa dose de gasolina, a Coisa é morta (Griggs é visto ajudando, atenção à isso).

Na autópsia da Coisa — que está integrado à um Henrik semi-digerido –, Kate começa a desconfiar do que seja a criatura.

Uma placa de titânio, usada para reforço de ossos quebrados, estava fora do braço do homem, o que intriga a cientista. Griggs consola Juliette, chocada com a morte de Henrik (atenção à isso).

A cena da autópsia da Coisa que atacou Henrik lembra muito a cena presente no filme de John Carpenter

Kate vê no microscópio uma amostra de tecido de Henrik e nota que suas células não estão mortas. E encontra no banheiro obturações e uma mancha enorme e suja de sangue.

Nisso, Carter, Griggs e Jameson levavam Olav para socorro médico em McMurdo (local já mencionado no filme de Carpenter, uma provável outra estação, de maior escopo). Kate corre para tentar avisar Carter de alguma maneira, para que ele não saia da estação.

É o momento do diretor Matthijs van Heijningen revelar a Coisa para o público, em mais um CG de Play 3 bem mediano. Griggs é a Coisa (por qual razão ele até ajudou a matar a Coisa que atacou Henrik?), ataca Olav e o helicóptero começa a cair, e se espatifa em um lugar que os noruegueses não podem alcançar (?).

Kate deduz que o monstro duplica material orgânico e que alguém do grupo já está duplicado.

Mostra obturações e estabelece que a criatura não consegue imitar material não-orgânico. Juliette se aproxima de Kate, que não conseguiu convencer Sander e o resto do grupo da ameaça, e ela revela que Colin estava em atitudes suspeitas perto do banheiro, que logo depois foi limpo da sujeira do sangue.

Ela leva Kate para um quarto reservado, mostrando a astúcia da coisa em tentar enganar e criar armadilhas.

A cena, que tinha tudo para ser tensa e instigante, tem mais um efeito sofrível de transformação monstruosa de CG Play 3 e uma correria a lá filmes de terror teen protagonizado por Kate.

Ela escapa por um corredor, e Karl surge devido a gritaria. Juliette-Coisa mata Karl e começa um processo de absorção estranho, como se sugasse suas vísceras. DO NADA, Lars surge com um lança-chamas em punho e mata o monstro.

Uma das muitas cenas que o horror não entrega o que deveria em uma cena aterradora

Todos em volta do fogo do cadáver da Juliette-Coisa rende uma bela cena-homenagem ao filme de John Carpenter, o que se torna uma tônica no resto do longa.

O grupo decide fazer um teste de misturar um sangue não-contaminado do banco médico com o sangue da coisa e ver o que acontece.

Edvard parece o mais determinado a sair do local, ainda que disfarce bem. Sander também quer sair logo dali e procurar ajuda.

Nisso, duas figuras são vistas na escuridão da noite na nevasca. Carter e Jameson ressurgem, dizendo que sobreviveram à queda do helicóptero. Kate acha melhor trancá-los em um cômodo externo para fazer testes neles depois e confirmar suas identidades.

Alguém sabota o laboratório, que pega fogo e destrói todo o material e equipamento necessário.

A exemplo do filme de 1982, os colegas começa a se acusar e brigar, com o clima de paranoia chegando ao limite.

Kate então propõe um teste mais simples: verificar a arcada dentária de todos, e ver quem tem obturações. Edvard, Colin, Adam e Sander aparentemente cuidam melhor de seus dentes e se tornam os suspeitos de imediato.

Kate decide que Carter e Jameson também devem ser verificados, e Lars e Jonas vão buscá-los, mas os americanos sumiram.

Peder ficou de guarda com o lança-chamas em cima de seus quatro colegas, que começam a discutir com ele sobre os verdadeiros suspeitos serem os americanos.

Kate vê a tensão criada e nada pode fazer. Pra piorar, Lars é puxado por alguém (ou alguma ~~ coisa ~~) quando atravessa uma porta em um depósito exterior e Jonas sai correndo de medo.

Assim que ele volta, Peder fica ainda mais em dúvida do que fazer, com sua lealdade e desconfiança em conflito.

Como não poderia deixar de ser em uma produção americana, há americanos na trama, ainda que a estação Thule seja só de noruegueses

A discussão termina com Carter — também armado com um lança-chamas — e Jameson invadindo o local para confrontar os noruegueses.

Os três estão prestes a atirar um no outro, mas Jameson saca um revólver e mata Peder. Edvard implora para socorrer Peder, mas o combustível do equipamento estava vazando com os tiros, e uma explosão fere o cientista.

Carter obriga todo o grupo a aparecer, mas permite que os companheiros socorram Edvard. Matthijs van Heijningen então abre a porteira do inferno, e revela que Edvard é uma Coisa também. Seu braço se destaca e vira um verme com boca cheia de dentes que agarra a cabeça o pobre Jonas, em uma cena pra lá de perturbadora.

A gritaria e o terror paralisa uns e faz outros saírem correndo — Sander e Colin, por exemplo. Carter tenta queimar o monstro, mas o lança-chamas, é claro, dá defeito na hora.

Um tentáculo gigante e mortal explode do peito de Edvard-Coisa, e fere gravemente o ventre de Adam, quando ele tentou correr para fora da sala. Jameson não tem melhor sorte e é atingido mortalmente no peito.

E temos a chance de ver a “criação” da Coisa-cadáver de 2 cabeças presente em Enigma de Outro Mundo.

Edvald-Coisa vê Adam indefeso caído no chão, libera mais um braço independente, se transmuta em uma espécie de aranha e cola em cima de Adam — literalmente ao grudar seu rosto no infeliz jovem cientista, em uma competente cena horripilante de assimilação.

Kate, que à essa altura arrumou o lança-chamas (tinha entrado ar no equipamento) tenta torrar a criatura, que escapa da sala.

Além de ter que queimar e matar Jonas, que ainda estava vivo no lento processo de assimilação que o braço-coisa-verme fazia em seu rosto, Kate se vê obrigada a torrar também Jameson, que não resistiu aos ferimentos.

Ela e Kate começam a procurar Edvard-Coisa, que em certo momento ataca Sander. Um dos braços destacadas é achado, e Carter o divide em dois com um golpe de machado, e Kate o queima quando os dois pedaços tentam se reunir.

Edvard-Adam-Coisa

Edvard-Coisa, que não finaliza seu processo de assimilação de Adam, permanece em uma forma vagamente aracnídea de pernas e braços humanos, e com duas cabeças, uma cena saída de um pesadelo, que persegue Carter em uma cena.

Ele fica sem saída em um cômodo, e a tensão criada aqui é enorme, com o piloto quase morrendo de puro terror assim que se vê encurralado pelo monstro. Por sorte, Kate surge e ataca o monstro com fogo.

Infelizmente a cena de CG Play 3 de Edvard-Adam-Coisa morrendo é decepcionante, muito aquém do impacto produzido posteriormente no filme de Carpenter. Carter e Kate enxergam Sander saindo do acampamento com um dos veículos de neve, e eles acham que ele é na verdade a criatura, que procura retornar para a nave, e o seguem.

No caminho, Kate pergunta sobre Lars, e Carter diz que não o matou.

A imensa espaçonave está ligada quando chegam, e algumas dobras do casco se movimentam, separando a dupla quando Kate cai em uma fissura.

Ela acaba chegando no que parece ser a ponte de comando da nave, mostrada de forma alienígena e redonda, fumacenta e negra, em um inescapável mood de Alien (1979, de Ridley Scott).

Ela se sente segura para se aproximar do que parece ser um enorme computador extraterrestre, uma estrutura de luzes e cores, constituídos do que parecem ser pixels 4D.

A imagem é bonita e hipnotizante, mas não dá pra apreciar muito, pois Sander-Coisa está no mesmo local. Ele ataca Kate, dá uma encarada nela com a face de Sander, para depois se transformar em uma aberração lovecraftiana (finalmente!) e parte para cima dela para comê-la, literalmente.

Por (muita) sorte, Kate está com uma granada em mãos, e em um final bem anti-climático, uma explosão mata a criatura.

Carter reaparece bem na hora, e juntos saem correndo da nave, que uma vez ligada, derreteu todo o gelo que a cobria, o que explica Macready e os outros a terem visto assim no filme de Carpenter.

O alien em mais uma mutação grotesca

A nave desliga sozinha, e os dois podem partir em paz. Até Kate notar que o brinco de Carter desapareceu.

É a deixa para ela saber que ele é a coisa, uma vez que não imita materiais não-orgânicos. Sob protestos de Carter, que tenta dissuadi-la, a moça o torra dentro do veículo em que fugiriam juntos para uma base russa, à 80 km dali.

Carter era, afinal, uma coisa, como seus horrendos gritos de agonia entregam. O filme termina melancólico e triste, com Kate dentro de outro veículo de neve (o que Sander usou para chegar ali), olhando para a escuridão da noite, dentro da cabine.

Capa do CD da trilha sonora de A Coisa, que mostra um pouco da nave alien

Os créditos finais começam a aparecer, intercalados por cenas rápidas. E a música de Ennio Morricone, feita para Enigma de Outro Mundo, surge para ligar os dois filmes do modo mais próximo possível.

Assim, nos é mostrado Colin, ainda na estação Thule. Ele se matou antes que a coisa o pegasse.

É ele o cadáver achado sentado com os pulsos e garganta cortados. Um helicóptero chega, e o piloto Mathias fica sem entender nada, ao ver tudo destruído. Ele grita para seus colegas, e afinal vemos Lars, que estava vivo realmente.

Ao mesmo tempo, um cão surge e sai correndo pela neve. Lars olha e tenta mata-lo a tiros, e obriga Mathias a persegui-lo.

O filme de termina exatamente do jeito que Carpenter começa o seu, com os dois noruegueses perseguindo o cachorro-coisa pela neve.

Enigma de Outro Mundo
Matias e Lars no final do filme A Coisa, e que é o começo de Enigma de Outro Mundo

Mais coisas dessa coisa

Muito dos problemas do The Thing de 2011 foram causados pelo estúdio, que interferiu bastante na produção.

Com efeito, o estreante Matthijs van Heijningen ficou reticente até de voltar a trabalhar com o mercado americano por causa disso, sua experiência negativa com o longa da Coisa o fez ficar quase 10 anos longe de filmar.

Muito do que ele queria fazer a Universal cortou. Um exemplo foi literalmente o começo e o fim do longa. A ideia original era mostrar a espaçonave caindo de propósito na Terra, com o piloto alien na intenção de cometer suicídio.

Ele estava no processo de se transformar na Coisa, então abre a escotilha da nave e cai na neve intensa para se matar, explicando parte dos eventos da mitologia dos filmes.

E no fim, Kate, ao entrar na nave, encontraria corpos aliens humanóides queimados, destruídos e desmembrados, em diferentes estados de transformação.

Apenas um estava inteiro, um alien piloto, enforcado. Na visão de Matthijs van Heijningen, seriam aliens coletores de espécimes no universo, e que eventualmente toparam com a Coisa, até que começaram a ser infectados ao ponto de serem todos massacrados.

Nesse momento, Sander-Coisa surgiria, no formato do Piloto-Coisa, e ataca Kate, com Carter surgindo para ajudar, para disfarçar que ele mesmo era uma Coisa também. Mas a Universal achou que eram explicações demais para o clímax do longa, e que o Piloto-Coisa não era assustador o suficiente.

É por isso que o tal computador “pixel 4D” foi inserido, com o propósito de ser uma espécie de “piloto automático” da nave.

Outra cena deletada mostrava Colin tentando pedir socorro no rádio, chamando até mesmo os americanos no Outpost 31.

Enigma de Outro Mundo
A melhor coisa de A Coisa: Mary Elizabeth Winstead

Ainda no o assunto de quadrinhos, o The Thing de 2011 trouxe uma HQ digital exclusiva, lançada junto com o filme, que narra um improvável encontro de vikings com a Coisa na Groenlândia, centenas de anos atrás, sem ligação nenhuma com os eventos da Antártida.

Por fim, obviamente, ficamos sabendo quem era o atirador norueguês atrás do cachorro no começo do filme de John Carpenter: era Lars, interpretado por Jørgen Langhelle (claro que Larry Franco ficaria de fora).

Mas é bom salientar que o filme de Carpenter, em uma cena deletada da autópsia do seu atirador, estabelece que o nome do personagem era Jans Bolan.

Como isso nem entrou no filme, a prequel alterou o nome do jeito que convinha. Norbert Weisser, que fez o piloto norueguês no filme de Carpenter, dessa vez ganhou um nome, Matias, e foi interpretado por Ole Martin Aune Nilsen no filme de Matthijs.

Frozen Hell (2017), um novo Enigma de Outro Mundo?

Em 2017, o pesquisador americano Alex Nevala-Lee vasculhava em manuscritos de John Campbell, quando se deparou com um material inédito e desconhecido, que depois foi aceito como originais do escritor com uma versão expandida e completa de Who Goes There?, que de novela passaria a efetivamente a ser um livro/romance.

O título original era Frozen Hell, e ao que tudo indica, foi adaptado e reduzido para ser publicado na Astouding.

Alguns sites de notícias de entretenimento dão conta que a Universal tem interesse em trabalhar o material em um remake de Enigma de Outro Mundo, mas nenhuma informação oficial a respeito foi publicada ainda.

Em 2020, em uma entrevista de John Carpenter, dada no Fantasia International Film Festival, por conta de sua produção na trilha sonora de Halloween Kills, a continuação (mais uma) do primeiro Halloween, feita por David Gordon Green para a Blumhouse Productions, o assunto de Enigma de Outro Mundo veio à tona mais uma vez.

Quando questionado se algum trabalho em conjunto com o chefe da Blumhouse, Jason Blum, pudesse acontecer, Carpenter deu a entender que o estúdio pensava em um reboot do seu Enigma, mas também não afirmou que seria outro projeto original.

Enigma de Outro Mundo
Será que veremos mesmo mais um The Thing nos cinemas?
Enigma de Outro Mundo
A capa de Enigma de Outro Mundo por Drew Struzan, um dos grandes desenhistas de posteres do cinema

/ AS MÚSICAS EM ENIGMA DE OUTRO MUNDO. O uso de músicas em um filme tão emblemático e atmosférico como Enigma de Outro Mundo não poderia passar despercebido.

Apesar da trilha sonora ser assinada pelo mestre Ennio Morricone, uma música que se destaca é Superstition, do cantor Stevie Wonder, que toca no rádio de Nauls, quando todos estão se preparando para descansar, e serve até mesmo de fundo para a Coisa fazer a sua primeira vítima — que, como já dito, parece ser Palmer.

Superstition – Stevie Wonder

When you believe in things
That you don’t understand
Then you suffer
Superstition ain’t the way
Yeah
Ooh, very superstitious
Wash your face and hands
Rid me of the problem
Do all that you can
Keep me in a daydream
Keep me goin’ strong
You don’t want to save me

A versão prequel também tem uma canção que chama a atenção, na cena de introdução de Kate, quando ela examina um animal morto em um laboratório.

A música que ela está ouvindo é Who Can It Be Now?, uma canção gravada pela banda australiana Men at Work.

Em outro momento também toca I Gotcha, de Joe Tex, uma música usada também na trilha de Cães de Aluguel (1992), de Quentim Tarantino, fã de Enigma de Outro Mundo, e que se inspirou no lonbga para fazer a quadrilha de seu filme.

Who Can It Be Now?

All I wish is to be alone
Stay away, don’t you invade my home
Best off if you hang outside
Don’t come in, I’ll only run and hide
Who can it be now?
Who can it be now?
Who can it be now?
Who can it be now?

Obrigado por ler até aqui!

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