GORDON RAPHAEL | O grunge sintetizado que criou o Is This It do The Strokes

O músico Gordon Raphael tocava piano desde criança. Fã de Stevie Wonder, Yes, Blondie, Beatles, Ramones e música clássica, se formou na cena grunge de Seattle, teve duas bandas, Mental Mannequin e Colour Twigs, e ganhou projeção internacional na indústria fonográfica ao produzir Is This It, o primeiro disco do The Strokes, no começo da década 2000, considerado por crítica e público um dos últimos movimentos relevantes na cena do rock.

Ele esteve em 18 de outubro de 2018 na unidade do SESC em Sorocaba, São Paulo, em um workshop oferecido pelo evento musical Festival Febre. Esta matéria do Destrutor republica o material publicado no antigo blog, feito na época, e que pode ser lido no original aqui.

Gordon Raphael
Gordon Raphael no Festival Febre 2018, em Sorocaba, São Paulo

Graças a Gordon Raphael, nascido do underground de Seattle, e com quatro rapazes do underground de Nova York, o Strokes lançou seu disco de estreia com o carimbo — válido ou não — de “a salvação do rock and roll”.

O Is This It de Gordon Raphael foi um sucesso gigantesco de público e crítica, um dos últimos álbuns de rock a causar terremoto na indústria fonográfica, que mexeu com estruturas de outros setores musicais, criando muitas outras bandas similares.

Canções como Modern Age e Last Nite, com sua roupagem retrô anos 1970 e 1980, tomou o lugar das referências na linha de produção musical. Arctic Monkeys, The Killers, The Vines, The Libertines, Kings Of Leon — a maioria pela boca dos próprios músicos — se alimentaram do sucesso do The Strokes.

A maior parte das minhas músicas favoritas têm sintetizadores. Filmes como Laranja Mecânica e as composições de Beethoven sempre me inspiram. Mudhoney e dos aparelhos sintetizadores Arp eram parte de mim desde meus 18 anos, além da aparência de lenhador das montanhas, como era comum em Seattle no começo dos anos 90. Jimi Hendrix aprendeu a tocar guitarra aqui. Essas misturas devem produzir uma síntese em mim. É assim com todas as pessoas. Elas são a síntese de seus gostos“, explica Gordon Raphael.

Os alemães fizeram os melhores equipamentos de sintetizadores. Esses sons distorcidos sempre me interessaram. O começo de tudo para mim foi usando 4 canais de gravação, e aprendi com amigos que emprestavam seus equipamentos. Em 1991 era uma época incrível para todo mundo na cidade de Seattle. Até 1993 todo mundo da indústria musical, até da Inglaterra, ia para a cidade atrás de cabeludos e violão nas costas para querer gravar o som que faziam. Era uma loucura. Eu produzia tudo, de todos os estilos, aprendi muito de gravação e consegui dinheiro para comprar equipamentos cada vez melhores.

O Pearl Jam era praticamente unanimidade nos anos 1990. Uns preferiam mais Soundgarden, outros o Alice in Chains, mas todos sabiam quem eram Eddie Vedder no tripé sebento do grunge modinha da época.

Em 1992, o Jam lançou seu primeiro disco, o Ten. Já estava nas prateleiras em 27 de agosto de 1991 pela Epic Records, com Jeff Ament e Stone Gossard (eram do Mother Love Bone) Mike McCready e Dave Krusen na formação.

O disco foi um sucesso de vendas, com mais de 14 milhões de cópias vendidas, e capitaneou a cena grunge, que alcançou seu ápice em Nevermind, a obra-prima do Nirvana.

O disco elevou o status de outro produtor de prominência, Butch Vig, que também fez os discos Siamese Dream, do Smashing Pumpkin e Dirty, do Sonic Youth.

E então, entre 1996 e 1997, a cena grunge “acabou”.

Foram bons 5 anos. Mas o interesse se foi“, disse Gordon.

Ele decidiu se mudar para Nova York, a maior cidade cosmopolita do planeta, “a casa do Blondie, Ramones, Talking Heads.” O custo financeiro para se manter na cidade era muito mais alto do que em Seattle.

E o dinheiro com que Gordon Raphael mantinha um lar e um estúdio lá não eram suficientes para garantir mais quem um sofá em NY.

O cara quase desistiu, até que em 2000, viu 2 bandas em um clube noturno da cidade, o Luna Lounge, na Ludlow Street. Uma delas era o The Strokes. Se interessou pelas músicas, e na maior cara de pau, deu um cartãozinho para eles.

Para sua surpresa, vieram com uma demo que pediu.

Com U$ 300 fiz três músicas para eles, e criei o EP Modern Age. Velvet Underground e The Stooges foram parte da base de sonorização da produção, duas bandas que não eram populares nos anos 2000 e não interessava para mais ninguém“, explica.

Mas esses 4 jovens enérgicos que encontrei tinham esse som parecido, mesmo que Julian Casablancas fosse cabisbaixo, triste e com uma garrafa de cerveja na mão.” Gordon montou seu trampo de produção em cima de gravação com oito microfones, em detrimento da gravação com 48 canais com samples sobrepostos em outros, método que a maioria dos produtores executava na época. “Apesar de seu jeito peculiar, trabalhei muito próximo de Julian. Ele sabia exatamente o que queria. Gravava 10 vezes seguidas se necessário para alcançar o tom desejado, mexia comigo na mixagem, sabia onde cada acorde e arranjo dos instrumentos — guitarra, baixo e bateria — iria se encaixar no todo musical.”

Gordon não sabia onde se encaminhava de início. Mas na hora de separar o som de cada instrumento, viu o quanto era interessante o material que tinha nas mãos.

Cada instrumento produzia uma melodia de algum modo muito diferente de outras bandas de rock. “Mixar é um processo que leva dias e é extremamente difícil“, afirma.

Os Strokes gostavam do estúdio de Gordon, o Transporterraum NYC, que não se parecia com um escritório burocrático padronizado branco, como tantos outros. Era sujo, no subsolo de uma residência, decorado com discos e tudo mais.

O cenário do rock´roll nos anos 2000 ainda tinha pilares como rádios e clipes na MTV. Pós-punk mais moderninhos e inofensivos e nu metal pretensamente contestadores dominavam a cena.

Bandas como Queens Of The Stone Age lançavam o Rated R, The Hives com Veni Vidi Vicious, White Stripes com White Blood Cells. Ao lançarem o EP The Modern Age em janeiro e o álbumIs This It em outubro, o The Strokes mudou tudo.

Julian Casablancas e Nikolai Fraiture já se conheciam dos tempos de escola, e esse já tinha conhecido em outra escola Nicki Valensi e Fabrizio Moretti. Alberto Hammond Jr era conhecido de Julian de um internato na Suíça.

Eles se trombaram em Nova York, e depois de umas festas onde tocavam daquele jeito blasé e fdp com que se tornariam conhecidos, conseguiram mais shows a partir de 1998.

O produtor Ryan Gentle teve contato com os caras, e os botou para tocar no Mercury Lounge, um dos locais mais badalados para bandas tocarem na cena nova-iorquina. Nessa época, eles já tinham a música Last Nite para tocar para o público.

O Strokes me pôs no mapa, ia na Inglaterra, Bélgica e todo mundo queria que eu produzisse suas bandas. Onde eu ia tinha gente que eu fizesse seus discos.”

Em 2002, Gordon se mudou para Londres, onde fundou outro estúdio, o The Silver Transporterraum of London. Depois de 8 anos nesse jornada de produção intensa, sem tempo para seu próprio trabalho, Gordon deu uma pausa. Se dedica atualmente a trabalhos autorais.

Gordon Raphael não acredita no poder do Facebook. Disse que pagou U$ 10 por dia para um social media para ter resultados e se decepcionou.

Mas reconhece que há casos singulares, como uma artista usando ukelelê que conseguiu milhões de visualizações em um vídeo musical e descolou um contrato com uma grande gravadora.

Depois que gravei o Soviet Kitsch de Regina Spektor, comecei a ser procurado principalmente por ser um produtor mais rápido do que outros e que grava bom ao vivo. Credito isso a gravar muito em fita.”

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Gordon Raphael
Um registro de Gordon Raphael trabalhando recentemente, em foto postada em seu perfil no Twitter

Em março de 2018, ele lançou seu primeiro trabalho solo propriamente dito: Sleep on The Radio, pela gravadora londrina Zero Hours Records, com músicas produzidas em Buenos Aires.

Em janeiro de 2019, Gordon lançou o álbum I Lick The Moog, gravado no NYC Studio Transporterraum durante o Natal de 2000, quatro meses antes de Is This It.

Seu perfil no Spotify lista seis discos: Sleep on The Radio (2018), I Lick The Moog (2018), Lost Cities/Lifetime (2019), Im Sinne Des Erfindes (2019), Colour Twigs (2019) e Space Rocker (2019). Este link do All Music lista todos os trabalhos de Gordon Raphael com os artistas com os quais trabalhou.

Gordon Raphael nasceu em Seattle, Washington, e atualmente mora em Berlin.

/// FOTO DE CAPA. A foto utilizada de capa nesta matéria é uma que Gordon Raphael postou em seu Instagram, para promover o single Swin The Sea, do álbum I Sleep on The Radio.

/// FOTO DO DISCO. A mulher vista na foto da capa do disco era a namorada do fotógrafo Colin Lane, feita com uma Polaroid, em fins de 1999, quando ela saía de um banho. Em um trabalho para a revista The Face, que estava dando espaço para o Strokes, banda e fotógrafo ficaram amigos, e o portfólio dele acabou caindo no gosto dos integrantes do Strokes, No final, eles acabaram por escolher uma das 10 fotos que Colin fez com a Polaroid de sua namorada. Sua identidade nunca foi revelada, mas Colin já afirmou em entrevistas que ela é fã de rock e ficou super feliz de estar na capa de uma banda. A capa foi censurada em algumas etapas e países na época, e teve que ser substituída por uma arte abstrata psicodélica qualquer, mas ainda é possível encontrá-la.

A capa original de Is This It provocou controvérsias quando foi lançada

/// THE STROKES. Depois de Is This It, os cara do The Strokes assinaram com a gravadora RCA Records, e fizeram mais quatro álbuns: Room on Fire (2003), First Impressions of Earth (2006), Angels (2011) e Comedown Machine (2013), o último da banda até então. Todos os integrantes têm projetos paralelos no mundo da música. Julian entregou trabalhos como o disco solo Phrazes For The Young (2009), e até com uma nova banda, o The Voidz, que lançou os discos Tyranny (2014) e Virtue (2018). Casablancas tem uma participação bem famosa com o Daft Punk na canção Instant Crush, presente no álbum Random Access Memories (2013), do duo eletrônico. Albert fez trabalhos solos, mas os outros integrantes seguiram o exemplo de Julian, e fizeram discos com novas bandas — Nicki com CRX; Nikolai com Summer Moon e Fabrizio com Machinegum. O Strokes lançou um EP em 2016, Future Present Past, e em 2020, finalmente lançaram outro disco, The New Abnormal, com Rick Rubin, um dos mais celebrados produtores de música da indústria.

curadoria e textos: tomrocha (twitter e instagram)
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