HIRO | O desenhista do McDonald’s Brasil no mundo dos quadrinhos

Mais conhecido pelo apelido de Hiro, o desenhista Marcos Hiroshi Kawahara é um dos grandes nomes do mercado publicitário brasileiro.

Fã do pintor americano Normal Rockwell (1894-1978), o cineasta japonês de animes Hayao Miyazaki e de quadrinhos franceses, Hiro fez a arte de mais de 280 folhas de desenhos (lâminas de prancha é o nome técnico) que acompanharam as bandejas das lanchonetes fast-food McDonald’s do Brasil por décadas, até criar coragem e começar a elaborar histórias próprias com seu traço.

Fã de assuntos como psicanálise e melancolia, suas ilustrações pessoais refletem diretamente esses aspectos, em contraponto aos seus lindos e fofos desenhos comerciais que acompanharam a fome e cotidiano de milhões de pessoas que frequentam os restaurantes do palhaço amarelo e vermelho.

Sua parceira com o McDonald’s começou quando foi contratado como diretor de arte da agência Taterka, em 1995. A rede de fast-food era cliente da agência e, na época, as folhas tinham menos elaboração artística e frequência.

Hiro desenhista
Por muito tempo o desenhista Hiro fez os desenhos que vinham nas bandejas do McDonald’s

Seu primeiro trabalho surgiu graças a uma namorada do tempo de faculdade de biologia, nos anos 1980, que lhe indicou uma vaga em uma revista.

Hiro conseguiu uma entrevista sem portfólio algum, e deveria desenhar dois repolhos para ser aprovado.

No dia que foi entregar os desenhos para ver se conseguia o emprego, teve que esperar por uma hora em uma sala.

Ao folhear um livro de arte numa estante, viu que seu trabalho estava muito ruim. Não teve dúvidas: pegou o livro e foi com seus desenhos para o banheiro retocar o trabalho o mais rápido que podia — diz que usou até a água do vaso para isso.

Ele conseguiu a vaga.

Como logo saberemos, improvisação é tudo.

Hiro gosta de desenhar garotas, pin-ups e artes obscuras de monstros e aberrações.

Ele tem já tem quatro HQs na carreira.

Hiro desenhista

> o começo

Desenho desde criança. No final dos anos 80, aos 23 anos, consegui um trabalho de ilustrações em revista no mercado editorial paulista. Fiquei deslumbrado. O salário era bom demais, meio que fora da realidade.

Em meio ano já estava com um carro zero. A revista era Vida, da Editora Três. Depois de três anos, com o fim da revista, fiquei sem emprego, mas comecei a abraçar trabalhos em agências de publicidade, fazendo carreira até atingir o cargo de diretor de arte.”

Hiro desenhista
O desenhista Marcos Hiroshi Kawahara

> McDonald’s

As toalhas contém curiosidades e são escritas e ilustradas por mim. Faço de 10 a 12 por ano. A tiragem vai de 12 a 14 milhões de unidades. Já fiz mais de 280 modelos diferentes.

Antigamente se colocava até 60 desenhos na folha. Hoje dificilmente passa de 12. Sempre trabalhei duro no mercado. Queria ser um publicitário de renome e não apenas mais um nome em meio a ilustração convencional.

Mas depois de 26 anos fazendo as pranchas, você morre um pouco por dentro fazendo só sanduíche e batata.

Os desenhos das bandejas do McDonald’s com a arte do desenhista Hiro

Pra variar fazia outros serviços, como ilustrações na revista SuperInteressante, por exemplo. Em 2005 tomei coragem, pedi demissão, tirei 1 ano para fazer vários cursos e decidi virar ilustrador.

Foi a mesma época em que apenas uma agência iria cuidar de todas as contas publicitárias do McDonald’s. Meu portfólio garantiu clientes como Pão de Açúcar, o Itaú, além do próprio McDonald’s, que continuou comigo.

Meu trabalho é para ser jogado fora, descartável, mas que faço com todo o afinco. Mas as pessoas não estão necessariamente interessadas em sua arte. Quando você sai de sua zona de conforto, e mostra outras facetas de seu trabalho, as pessoas interessadas vão atrás de você genuinamente.

Assim, é melhor estar falando com 40 pessoas do que 14 milhões jogando minha arte no lixo.”

> a passagem do mercado de publicidade para as HQs

“Sempre achei que não tinha talento para as HQs”

Hiro desenhista
Arte de Hiro para a bebida 51, uma das mais famosas do Brasil. Ele ia demorar um pouco para ter a boa ideia de ir para as HQs

Gostava de ser publicitário, queria ser um nome relevante no mercado. Mas também amo desenhar.

Comecei a desenvolver um senso narrativo para histórias em quadrinhos que demorou a ser afinado. Trabalhei quase que exclusivamente até aos 45 anos com publicidade. Mas há cerca de 4 anos comecei a estudar muito a narrativa de desenho de HQs.

Sempre fui leitor, o que ajudou muito, mas a maior dificuldade foi mesmo a experiência. Desejamos saber mais sobre como desenhar, perceber o objeto, e disciplina experiência e qualidade para exercer esse serviço autônomo é essencial.

Como comecei a desenhar sem fundamentos (Hiro disse que nunca frequentou uma escola de artes na juventude), aprendi tudo por mim mesmo. Não gosto da palavra auto-didata, mas era isso mesmo.”

> as barreiras

Estava me sentindo velho quando decidi produzir material próprio. Enfrentar seus receios é muito importante.

Li muito Anthony Holden (escritor, radialista e crítico inglês, particularmente conhecido como biógrafo de artistas como Shakespeare e Tchaikovsky) e me animei. Há várias maneiras diferentes de pensar desenho, que é muito mais que desenhar.

Normal Rockwell é um dos meus ídolos. Queria aumentar meu nível. Sempre achei que não tinha talento para HQs, mas um aluno me convidou a fazer uma história em quadrinhos e topei.”

> influências do desenhista Hiro

Hiro desenhista
O desenhista Hiro e suas artes, em uma ilustração feita por José Benício ao centro

Admiro muito o José Benício (ex-pianista que se tornou ilustrador numa carreira de mais de 50 anos, com milhares de capas de livretos de bolso, mais de 300 cartazes do cinema nacional e centenas de capas de disco, anúncios de publicidade e ilustrações de livros), Hayao Miyazaki em desenho animado (diretor de animes — as animações japonesas –, além de cineasta, produtor, roteirista, escritor e artista de mangá), Gianne Rodari (pedagogo, jornalista, escritor e poeta italiano, especializado em livros de literatura infantil), Normal Rockwell (pintor americano responsável pelo imaginário coletivo dos EUA no começo do sécculo XX, autor de 323 capas da revista The Saturday Evening Post), Mary Blair (fez concept art para a Disney, em trabalhos de arte conceitual de filmes como Alice No País das Maravilhas, Peter Pan, a polêmica Canção do Sul e Cinderella), Vera Brosgol (cartunista ganhadora do Prêmio Eisner, o “Oscar” dos quadrinhos, e ilustradora referência de olhos para o Hiro).”

> HQs

Leio muito material de autores nacionais, europeus, algumas coisas da Marvel e DC. De obras específicas sou fã do Black Sad e Beautiful Darkness.

Estou também bem antenado com o universo de character design (o artista japonês Yoshitaka Amano fez o caminho inverso) de jogos de videogame. O mercado está bastante grande nisso.”

> estilo do desenhista Hiro

A galera da Caverna do Dragão na arte do desenhista Hiro

Você copia o estilo de uma pessoa, depois muda e assim você cria seu estilo. Foi assim que aprendi quando conheci a Vera (Brosgol).

Estava emocionado. Seus desenhos de olhos eram fascinantes. E quando lhe perguntei como que os criou, ela me disse que copiou Mary Blair.”

> o que é necessário

Um ponto crucial na carreira foi ter contato com esse universo de criança na publicidade. Deve-se abrir os olhos para tudo que lhe inspira. Percepção, arte, psicologia, comportamento, arquitetura, são meus outros interesses, e trago um pouco disso para o que produzo.

Gostei muito de fazer Parzifal. Gosto muito de psicanálise, gosto de melancolia em meus desenhos, e aliei tudo isso em uma HQ. Eu sempre contei uma história com minhas ilustrações, ainda que não fosse uma HQ propriamente dita.

Não achava financeiramente seguro me arriscar com HQs, e tinha muito receio. Mas venci isso. Particularmente gosto muito de roteiro baseados em melancolia, adoro uma melancolia. Lembro de ter feito o primeiro desenho ‘profissional’ aos 18 anos. Eu era um adolescente típico, daqueles que desenhava em ponta de caderno.”

> sobre a importância de eventos de desenhos e HQ

Sempre foi muito importante, sou muito solicitado, gosto do contato e aprendo sempre mais um pouco. É uma inspiração esses eventos sociais, se aproximar de quem faz quadrinho, quem gosta de desenhar, saber o que as pessoas pensam a respeito do meu trabalho. As dúvidas que as pessoas têm sobre o mercado de trabalho se anulam, e tenho a chance de mostrar para quem quer desenhar que a recompensa de seu esforço é só para quem quer realmente se esforçar, não tem jeito.

E tem o lado de vender meus livros (HQs). É uma faca de dois gumes, pois é uma maneira de melhorar a percepção do trabalho, de estimular, ao mesmo tempo que recebo críticas ou elogios. Eu gosto muito desses eventos.”

O artista Hiro desenha em meio a entusiastas e estudantes no Ilustradoria, encontro de desenhistas em Sorocaba. Foto de 2018

Hera Venenosa e Arlequina, personagens da DC Comics, na arte de Hiro

Maravilhoso (2015)

Hiro não é muito fã de seu primeiro trabalho, Maravilhoso, mas garante que ele foi um “supositório que abriu portas para outras coisas melhores. Mesmo ruim ele foi bom”

Um herói que não é herói, não é maravilhoso, aliás, quase não chega a ser um homem. Essa é a história do Homem-Maravilhoso, um pobre coitado imbecil cuja miséria só é superada pela sua estupidez.

Ele não tem poderes, não é inteligente, não tem auto-estima, tem apenas uma mente minúscula que só se preocupa em comer e dormir, para acordar, comer e dormir novamente no dia seguinte.

Some-se a isso uma oportunidade de ouro, duas garotas poderosas, uma jornada que deveria ser digna de heróis e uma série de eventos inesperados causados por motivos medíocres.

Yowiya (2016)

Na Terra, cada grupo de animais, incluindo o homem, veneram algum tipo de deus. Esses deuses só conseguem ver quem os veneram, não sabendo da existência de outros seres.Essa é a história de Yowiya, deus dos chimpanzés.

Um dia, por acaso, ele descobriu a existência dos seres humanos. Maravilhado, ele decide que merece ser deus dessas criaturas fascinantes, e não mais de seres primitivos.Mas para ser deus dos homens, eles precisam saber da sua existência.

O Bestiário Particular de Parzifal (2017)

Parzifal e sua mãe viveram escondidas em uma floresta para fugir de uma profecia. Isolada e solitária após a morte da mãe, Parzifal criou dezenas de amigos imaginários que passaram então a olhar por ela.

Ao completar 24 anos, ela deixa a floresta para viver na cidade. Anos depois, com uma filha muito doente, sem dinheiro e alguém com quem contar, a única saída que lhe resta é retornar à floresta em busca do auxílio de seus antigos amigos imaginários.

Em 2018, Parzifal ganhou o prêmio Cátedra Unesco – PUC Rio de Literatura Juvenil.

Últimos Deuses (2018)
(roteiro de Eric Peleias e arte de Hiro)

Algo terrível aconteceu e a humanidade está nos últimos dias. Sem humanos para lhes prestarem orações, os deuses, que já não estavam em sua melhor forma, correm o risco de se extinguirem como os homens.

Odin perdeu os cabelos, emagreceu e virou um pessimsta assustado. Hércules engordou, ficou preso no passado e não ficou mais inteligente com o passar do tempo. Rá, o grande deus egípcio, sofre com um câncer no pulmão. Quetzcoatl perdeu um braço e vive em miséria extrema, junto com sua esposa Fortuna.

Isimud, o deus sumério da dualidade, perde o controle da sua esquizofrenia. E uma entidade muito mais antiga e poderosa que os deuses está livre e quer vingança. Numa situação desesperadora como esta, não resta outra opção para os deuses além de tentar sobreviver a qualquer custo. Bem-vindo ao universo de “Últimos Deuses”.

Astolat (2019)

Trata-se da prequel (história anterior) a Parzifal. Aqui conhecemos Elaine, a mãe de Parzifal. Entendemos como ela foi parar na floresta e como ela deu a luz sozinha, sua necessidade de fugir do mundo real e sua relação com o único amigo que ela teve, Hoh, uma criatura imaginária.

Aqui, conhecemos o preço que Elaine paga para viver reclusa em um universo obscuro de fantasia, que não tem força suficiente para confrontar com a realidade crua e seca da natureza.

A Sereia da Floresta (2020/2021)

Uma praga dizimou todas as sereias. Brissen era a última da sua espécie. Enfraquecida e desesperada, ela aceita uma oferta feita pelas Harpias, seres sobrenaturais que vivem em busca de almas desesperadas dispostas a fazer acordos extremos.

Elas oferecem a chance de Brissen continuar vivendo, com a condição de se tornar humana, e que ela entregue seus filhos para elas assim que eles nascerem,Brissen aceita, ganha pernas e tenta viver na superfície, no meio de uma floresta, com a ajuda de uma bruxa. Ambas vivem um relacionamento, e apesar de fisicamente não ser possível, Brissen fica grávida e as Harpias reclamam sua parte no acordo alguns anos após o parto.

Mas Brissen se preparou-se para este dia. Durante anos estudou as artes mágicas, tornando-se uma feiticeira poderosa. Ela decide entrar no mundo das Harpias, com a ajuda de um garoto que perdeu o pai, para resgatar sua filha, enfrentando tanto monstros reais como criados pelo sentimento de raiva e culpa.

Onde encontrar o desenhista Hiro

https://hiroacademy.com.br/
https://www.behance.net/hirokawahara
https://www.instagram.com/hirokawahara/
https://www.facebook.com/hirokawaharaillustration/

Hiro desenhista
Hiro também tem um curso para desenhistas melhorarem seus trações

/ ORIGINAL. Hiro estava em 2018 na unidade do SESC em Sorocaba, no evento de desenhistas Ilustradoria, capitaneado pelo também quadrinista, o artista Marcel Bartholo.

Essa entrevista está adaptada da publicação original do blog, ainda disponível aqui: http://destrutor.blogspot.com/2018/10/hiro-de-ilustrador-das-pranchas-do.html

Hiro desenhista
O desenhista Hiro no SESC-Sorocaba em 2018

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