Entre 2008 e 2021, o Marvel Studios fez 23 filmes baseados nos heróis dos quadrinhos da Marvel Comics, editora americana de quadrinhos de super-heróis, e desde então eles estão em séries no serviço de streaming Disney Plus, como WandaVision.
Quando a criadora e roteirista Jac Schaeffer fez essa série, pensou em contar uma história de luto. Por nove episódios, acompanhamos Wanda Maximoff (Elizabeth Olsen), uma (relutante) super-heroína da Marvel, mostrada desde Capitão América 2 – Soldado Invernal (2014), tentando entender as seguidas perdas de sua vida.
E ela continua perdendo tudo até o fim da série.
É sobre isso WandaVision, tão comentado nas rede sociais quando de seu lançamento, no início de 2021.
Destaque para as atrizes Kathryn Hahn e Teyonah Parris como Agnes e Monica Rambeau, respectivamente. Juntas, ela e Wanda formam a tríade definitiva que garante WandaVision como boa série.
E a série WandaVision foi abduzida pelo ecossistema de produção de conteúdo de fãs e oportunistas que teorizaram em cima da trama até arrancar os maiores absurdos, como um improvável Al Pacino interpretando o Mefisto (literalmente o Diabo no Universo Marvel).
Para boa parte de quem acompanhou o final de Wandavision, houve luto nas redes sociais, pois o que desejavam não aconteceu.
Esse mood se aplicou em todas as outras séries seguintes: Loki, What If, Falcão e o Soldado Invernal, Gavião Arqueiro, Cavaleiro da Lua, Miss Marvel e a mais recente, Mulher-Hulk.
Para quem não gosta dos super-heróis dominando o cinema e o streaming — como o premiado cineasta Martin Scorcese e meio mundo — é um sofrimento ver o cenário dominado por eles.
Para esse público, há um vasto de filmes de não-super-heróis em todo serviço de streaming disponível.
Para quem é fã recente, é um tiroteio de informações desonestas e erradas sobre o que pode acontecer com os personagens.
E para quem já acompanha faz tempo, se torna cada vez mais difícil ter saco para aguentar mais e mais produtos de consumo do gênero.
A trama de WandaVision
O seriado Wandavision tenta algo novo. Ela posiciona novos espaços de atuação para o Visão (Paul Bettany) e para a própria Wanda, que finalmente tem uma razão para assumir o nome que tem nos quadrinhos, Feiticeira Escarlate.
Os dois formam um casal que tentam levar a vida juntos em um típico subúrbio dos Estados Unidos (na verdade a pequena cidade de Westview, em Nova Jersey).
Mas nada faz sentido, uma vez que depois dos eventos catastróficos e catárticos de Vingadores 3: Guerra Infinita (2018) e Vingadores 4: Ultimato (2019), sabemos que Visão está morto.
A trajetória da explicação de tudo que está acontecendo é pontuada por autorreferência e metalinguagem, já que Wanda está dentro de um seriado de TV (que passa para os habitantes desse mundo), e que, pro telespectador real (eu e você), é uma irônica homenagem a seriados americanos clássicos de várias décadas, de I Love Lucy a Três é Demais e até The Office.
Vale destacar a deliciosa ironia que Wandavision é um seriado à moda antiga (e que homenageia seriados), mas que passa em um serviço de streaming, e que não foi entregue no formato de consumo de maratona, com todos os episódios disponíveis, e sim com um episódio relevado a cada sexta-feira, como uma série de TV convencional.
Isso dura até pouco mais da metade da série, quando Wandavision adota o formato tradicional de resolução das produções Marvel Studios/Disney.
Afinal, estamos falando de uma produção de super-herói, com requinte e altos gastos, com efeitos arrojados e sofisticação (que outras séries de TV vão penar para acompanhar).
Por isso, a obrigatoriedade de cenas de combate, voo e (muita) feitiçaria marcam os episódios finais, que entregam exatamente o que a série se propôs — algo completamente inédito no gênero, em uma notável aposta de estranheza, na jornada de uma mulher para aceitar suas perdas — ou não.
Apoiada nos acontecimentos de Vingadores 3 e 4, a produção oferece um vislumbre do mundo após metade dele ser trazido de volta à vida, graças aos esforços dos heróis.
Monica carrega grande parte disso. Mas Wandavision enganou todo mundo que pensou que veria ação frenética feita por pessoas em roupas coloridas contra um vilão malvado.
De acordo com uma entrevista que deu ao Deadline (site jornalístico americano de cinema), Jac Schaeffer afirmou que “o vilão é o luto, essa é a história que estávamos contando – e, como bônus, ganhamos a figura da pessoa vilanesca na forma da Agatha Harkness, que acabou facilitando a terapia da Wanda. Estou bem satisfeita com isso“.
Wanda Maximoff
A primeira aparição de Wanda Maximoff nos cinemas foi na cena pós-créditos de Capitão América 2 – O Soldado Invernal (2014), simplesmente o melhor filme da empresa até hoje.
A personagem veio da revista X-Men #4 (1964), escrita por Stan Lee e Jack Kirby, inicialmente como vilã, integrante da Irmandade Maligna de Mutantes, liderada por Magneto.
Vítima de roteiristas poucos habilidosos, ela foi amarrada a tantos reboots que é impossível contar tudo pelo que passou.
Nos quadrinhos, Wanda Maximoff, a Feiticeira Escarlate, é uma mutante com o poder de alterar probabilidades, um dos mais confusos e erráticos do Universo Marvel, bem como sua trajetória: virou filha de Ciclone, um super-herói clássico da Segunda Guerra Mundial; depois virou filha de Magneto; foi vilã; foi Vingadora; teve poderes mágicos; teve poderes ligados ao Caos; teve poderes ligados a um dos mais poderosos e antigos deuses-demônios da Marvel, Chthon; teve poderes quânticos; deixou de ser mutante, e dezenas de outras revisões intermináveis.
O Marvel Studios foi (pouco) hábil em reduzir (não muito) toda sua carga cronológica original de HQs (na verdade não podiam dizer que ela era mutante). Wanda vem de Sokovia (país fictício que apareceu no segundo filme dos Vingadores), sofreu experiências com o Cetro de Loki (na verdade a Joia da Mente, um dos tripés da criação do Visão), conduzidas pelo vilão neonazista da Hidra Barão Strucker, como forma de criar supersoldados (!).
Jac também escreveu a história do filme Viúva-Negra, o primeiro longa-metragem da Marvel para uma heroína, e que é um bom filme, mas desperdiça todo o enorme potencial da personagem Natasha Romanoff (Scarlet Johansson) no sempre legal mundo da espionagem.
Toda a série de WandaVision é central para compreender por completo o filme Doutor Estranho 2 – No Multiverso da Loucura (2022), onde ela se torna o cerne para toda a trama, escrita por Michael Waldron, produtor do seriado Loki (2021) e do desenho animado Rick e Morty (2014-2020), e dirigida por Sam Raimi, da trilogia Homem-Aranha/Sony dos anos 2000.
O filme foi sucedido por Thor 4: Amor e Trovão, que deveria apontar o futuro da Marvel, que parece perdida e sem planos.
Kathryn Hahn foi tão bem com sua Agnes em WandaVision — na verdade ela é a bruxa Agatha Harkness –, que vai ganhar até uma série própria, Agatha: Coven of Chaos, que também terá produção da Jac.
A personagem surgiu em Fantastic Four #94 (1969), a revista do Quarteto Fantástico, criada por Stan Lee e Jack Kirby, primeiramente como babá da família Richards, depois revelada como uma antiga e poderosa maga, que se torna mentora de Wanda quando a moça se torna uma personagem mais mística.
Coven of Chaos sai em 2023. Será que podemos esperar algo mais disruptivo de novo?
curadoria e textos: tomrocha (twitter e instagram)
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