WARREN E O TERROR NAS HQS | “Qualquer dia é sexta-feira, qualquer hora é meia-noite”

A Warren foi uma das grandes editoras americanas de quadrinhos dos anos 1960, e que produziam de terror de extrema qualidade — suas revistas Creepy, Eerie e Vampirella se tornaram ícones gráficos e narrativos que revolucionaram camadas da cultura pop e marcou a indústria.

Muitos profissionais das artes, do cinema e da música — artes que vem bem antes da Nona Arte, o lugar dos quadrinhos nas Belas Artes — reverenciam os trabalhos da Warren.

E com efeito, a editora Warren promoveu uma segunda revolução nas publicações em quadrinhos de terror, na cola do exemplo que havia sido deixado pela EC Comics, a primeira a executar em HQs algumas das obras-primas do terror, uma história que foi contada em detalhes nessa matéria do blog.

Warren terror
Um dos principais títulos da Warren foi a Creepy
Warren terror
O enorme sucesso levou a uma segunda revista, a Eerie

Warren Publishing

O psiquiatra Fredric Wertham, com seu livro Sedução do Inocente, lançado no final dos anos 50, deu um golpe de morte na indústria de quadrinhos, castrando todo o mercado de HQs de recursos criativos para fazer histórias de terror e de temáticas mais adultas e sociais, reduzindo-o apenas a super-heróis em uma pegada infantil, inofensiva e monótona.

Na mesma época, ocorreram audições do Subcomitê do Senado sobre Delinquência Juvenil, que tinham como tema as revistas em quadrinhos.

Isso causou pânico nas editoras, já que a possibilidade do governo regular o que elas publicavam se concretizaria de fato. A saída foi os próprios donos se armarem com machados e se mutilarem.

O Comics Code Authority — órgão criado a partir das próprias editoras para escapar da censura do governo — eliminou dos comics (como é chamado os gibis nos EUA) temas como criminalidade, uso de drogas e assassinatos, e as representações gráficas de monstros, lobisomens, vampiros, demônios e outros tipos de assombrações.

Uma espécie de código de ética para as HQs, comumente chamado de Comics Code. As revistas vinham com um selo de aprovação para provar que seguiam estas regras do Comics Code.

O Comics Code Authority (em tradução livre para o português seria Código de Autoridade para os Quadrinhos) foi formado nos EUA em 1954 pela Comics Magazine Association of America (algo como Associação das Revistas em Quadrinhos da América) para fazer valer um conjunto de regras que regulavam o conteúdo das histórias em quadrinhos.

Mas James Warren apostou na contramão do mercado, e lançou uma revista sobre os monstros de filmes de terror, com fotos e artigos sobre o ator que interpretou o primeiro Drácula nos cinemas, Bela Lugosi, o monstro de Frankenstein, lobisomens e dezenas de outros personagens relacionados a esse mundo macabro de terror e horror.

Ele foi feliz ao criar essas revistas no formato de magazine, formato 20,5 x 27,5 cm, o mesmo das conhecidas e quase extintas revistas semanais de notícia e entretenimento que lotavam as bancas de jornais do Brasil.

Estava começando assim a Warren Publishing, editora especializada em terror.

James Warren era estudante de arte e arquitetura, e tentou servir na Guerra da Coréia. Foi dispensado após seis meses de treinamento com rifle.

A Warren Publishing foi fundada em 1957, e começou com a After Hours, revista com caricaturas picantes e eróticas. A editora também publicava revistas com matérias de monstros de terror e horror dos cinemas, a Famous Monsters of Filmland.

O sucesso levou a Spacemen, a versão sci-fi da revista; Help!, revista satírica que vinha na mesma vibe da já popular Mad, inclusive editada por Harvey Kurtzman, depois de ter deixado o cargo na própria Mad, com o fim da EC Comics; e Monster World, revista irmã da Famous Monsters.

Foi em Monster World que a Warren começou efetivamente seus quadrinhos, já que a revista trazia tiras que adaptavam diversos clássicos do cinema.

Essas revistas tinham como estrelas editoriais a ícone feminista Gloria Steinem e o eterno Monty Python e cineasta Terry Gilliam, um cartunista de mão cheia.

Warren terror
A Help! era a versão da Mad (EC Comics) da Warren, e que contou com o mesmo editor, Harvey Kustzman

Para escapar da censura do Comics Code — já que essas revistas traziam algum material no formato de quadrinhos — o formato magazine bastava, já que apenas os formatos menores de gibis eram alvo da censura.

No inverno de 1964, Jim lançou sua primeira revista em quadrinhos, a Creepy, capa com traços de Jack Davis, um excelente artista que tinha passagens na EC Comics.

A Warren bota de novo para o público o melhor quadrinho de terror com os melhores artistas da indústria: Joe Orlando, Steve Dikto, Gene Colan, Frank Frazetta e Reed Crandall.

O sucesso dá luz à Eerie, mais uma revista lançada em setembro de 1965. A constelação de artistas da editora incluía Esteban Maroto, Carmine Infantino, Archie Goodwin, Neal Adams, Jack Davis, Richard Corben, Jim Starlin, Steve Engleheart, Berni Wrightson, Neal Adams, Gene Colan, Angelo Torres, Roy G. Krenkel, Gray Morrow, Al Williamson, Johnny Craig, Alex Toth, John Severin, Russ Heath, Wally Wood, Dan Adkins, Richard Bassford, Roger Brand, Frank Brunner, Rich Buckler, Dave Cockrum, Nicola Cuti, Al Hewetson, Ken Kelly, Pepe Moreno, Mike Royer e Tom Sutton. Todos conceituados nomes do mercado, e muitos nas fileiras das grandes editoras de super-heróis, como Marvel e DC.

Warren terror
Um dos títulos de maior sucesso de terror na Warren foi a Vampirella

Tanto Creepy quanto Eerie eram séries no formato de antologia, onde diversas histórias fechadas eram apresentadas por edição. Frazetta, sob orientação de Trina Robbins, criou Vampirella, em setembro de 1969, outro sucesso da empresa.

Louise Jones era editora e também se provou um nome de sucesso, sendo um dos grandes nomes na indústria americana de quadrinhos. Trabalhou na Marvel e DC, onde foi modelo para a capa de House of Secrets #91, revista de origem do Monstro do Pântano, um dos monstros da DC Comics que viria a ser o maior sucesso do mercado.

Até mesmo o talento do mestre das HQs Will Eisner foi parar na Warren. A sua Spirit Magazine durou 41 edições lá, entre 1976 e 1983.

Uma leva de artistas gráficos espanhóis fizeram história na Warren, e solidificaram seus nomes na indústria, como Esteban Maroto, José Ortiz, Luis Bermejo, Rafael Aura Leon, Luis Garcia, Jose Gonzalez, Isidro Mones, Martin Salvador, Fernando Fernandez, Leopold Sanchez, Ramon Torrents, Jose Bea, Vicente Alcazar, Jose Gual, Felix Mas e Jaime Brocal.

Talentos da Filipinas como Alex Niño, Rudy Nebres, Alfredo Alcala e Abel Laxamana também surgiram. Outros internacionais eram Gonzalo Mayo e Pablo Marcos, do Peru, Leo Duranona, da Argentina, e Paul Neary, do Reino Unido.

O sucesso da Warren fez crescer os olhos de Marvel e DC, que começaram a publicar histórias em quadrinhos nesse formato magazine.

A Marvel criou a revista Savage Tales, onde surgiu o Homem-Coisa, por exemplo — o personagem é a versão do Monstro do Pântano da editora.

O fim do terror na Warren é um novo começo na Marvel e DC

A debandada de dois editores da Warren, Archie Goodwin e Joe Orlando, causou outro momento de destaque na indústria.

Marvel e DC Comics tinham títulos de terror e horror em seu catálogo, e o Comics Code, que matou a EC Comics, também lhes atingiam, mas de maneira menos significativa, já que seus principais produtos eram super-heróis.

As revistas de terror das duas editoras se adequaram a censura e ficaram amenas e sem graça como comida de hospital.

Quando as mentes pensantes editorais saíram da Warren, as duas editoras se mexeram.

O amadurecimento de títulos mais sofisticados nas duas maiores editoras de HQs nos EUA, Marvel e DC, teve influência direta da Warren e suas histórias de terror. O Monstro do Pântano nasce nesse contexto

DC chamou Joe Orlando para ser editor da House of Mistery, que retornou às suas raízes de histórias de suspense e terror.

A House of Secrets também foi revitalizada, e nela que surgiu o Monstro do Pântano, já citado.

As duas revistas foram o embrião do selo adulto Vertigo, uma joia criativa dentro da DC Comics que entregou quadrinhos mais adultos em uma indústria infanto-juvenil de maneira singular.

Uma macabra ironia do destino, já que a editora All-American Publications — uma das três empresas que mais tarde se tornaria a DC Comics — foi criada por Max Gaines, pai de Willian Gaines, fundador da EC Comics, o “pai espiritual” da Warren.

Archie Goodwin foi para a Marvel, onde se tornou editor da Epic Illustrated e Epic Comics, revista com a mesma proposta e frescor criativo que tinha na Warren, e que precede em anos o ineditismo autoral e adulto que a Vertigo conseguiria para a DC.

Na Marvel, desde quando ainda se chamava Atlas Comics, havia revistas de terror, como Adventure into Mystery, Adventures into Terror, Adventures into Weird Worlds, Amazing Adventures, Amazing Mysteries, Astonishing, Chamber os Chills, Journey into Unknown Worlds, Menace, Mistery Tales, Supernatural Thrillers, Uncanny Tales, World of Mystery, World of Suspense, entre muitos outros.

Em alguns deles surgiram nomes famosos do line-up de heróis da editora, como Thor em Journey Into Mistery, Doutor Estranho, Nick Fury – Agente da SHIELD, Irmão Voodoo e Manto & Adaga em Strange Tales e Homem de Ferro em Tales of Suspense.

Em Marvel Spotlight, surgiram diversos representantes verdadeiros do terror Marvel, como o Lobisomem de Werewolf by Night, o Motoqueiro Fantasma (releitura de um personagem de faroeste da Era de Ouro da Marvel), Hellstrom, o Filho de Satã, todos ganhando títulos próprios.

A Tumba de Drácula era o destaque de maior projeção e prestígio, um trabalho espetacular de Marv Wolfman e Gene Colan, ao criarem histórias do próprio Drácula, o Senhor dos Vampiros, dentro da continuidade da Marvel, mas ao mesmo tempo com liberdade para fazer violência gráfica e cenas mais picantes.

Louise foi quem tentou segurar a barra da Warren no começo dos anos 80, quando se viu sem esses dois editores para executar todos os trabalhos, já que Jim estava muito doente, afastado da firma.

Em 1983, a Warren fecha as portas, para a enorme infelicidade de muitos leitores e profissionais. Grande parte do espólio intelectual da editora foi parar nas mãos da Harris Comics.

Jim Warren ressurgiu nos anos 90, e travou frequentes batalhas judiciais para reaver suas criações.

Lá fora

Aqui vai uma lista das publicações americanas da editora, menos as edições one-shot (únicas)

After Hours (1957, 4 números)
Famous Monsters of Filmland (1958–1983, 191 números)
Wildest Westerns (1959, formerly Favorite Westerns Of Filmland, 6 números)
Help! (1960–1965, 26 números)
Spacemen (1961, 9 números)
Screen Thrills Illustrated (1963, 10 números)
Monster World (1964, 10 números)
Famous Films (1964)
Creepy (1964–1983, 145 números)
Blazing Combat (1965, 4 números)
Eerie (1966–1983, 139 números)
On The Scene / Freak Out USA (1967, 2 números)
Teen Love Stories (1967, 3 números)
Vampirella (1969–1983, 112 números)
The Spirit (1974, 17 números pela Warren; continuada pela Kitchen Sink Press com os números #18-41)
Comix International (1974, 5 números)
1984 (retitled 1994 in 1980) (1978–1983, 29 números)
The Rook (Oct. 1979 – April 1982, 14 números)
Warren Comics Presents (1979)
The Goblin (1982, 3 números)

Parte das HQs da Warren está com a editora americana Dynamite, que republicou esse material em uma coleção da Vampirella

A Marvel Comics abandonou o uso do Comics Code em 2001. Há 10 anos, em pleno ano 2010, três da maiores editoras ainda o seguiam: DC Comics, Archie Comics e Bongo Comics.

A Bongo rompeu com o código ainda em 2010, e a DC e a Archie fizeram o mesmo em janeiro de 2011, fazendo com que o Comics Code se aposentasse de vez  um ano depois.

De legado inquestionável de qualidade da Warren fica o trabalho de todos esses artistas e o rastro que Vampirella deixou nas HQs.

O terror da Warren no Brasil

Originalmente lançadas em território americano nos anos 60, as revistas da Warren repercutiram na década seguinte aqui no Brasil nas revistas Kripta.

Foram 60 edições, de 1976 a 1981, cinco anos de material de qualidade, sob o sensacional slogan “Com Kripta, qualquer dia é sexta-feira, qualquer hora é meia-noite!”. São exemplares muito disputados entre colecionadores.

Houve outra revista chamada Shock, que também tinha material da Warren. A editora Noblet lançou 10 números em formato magazine da revista Vampirella, HQs também muito difíceis de achar.

Atualmente, é possível achar material da Creepy no Brasil pela editora Devir, e material da Eerie pela Mythos.

Warren terror
Capa de uma das edições da Noblet, com histórias de terror da Vampirella, material da Warren no Brasil na época

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