Assistir A Aparição é sempre se perguntar se estamos vendo um thriller de vingança motorizada, um filme de terror com retorno dos mortos ou uma aventura sinistra alien.
E nada disso importa, haja vista a qualidade da obra enquanto entretenimento. O filme é muito legal e divertido, em um mix sensacional de elementos da cultura pop dos anos 1980.
Há perseguições de carrões tunados em visuais irados, personagens estilosos, anti-heróis e criminosos, um sex appeal muito errado de erotização das mulheres mas característico da época, e um protagonista de design único, que bebeu de diversas outras obras do cinema.
O cerne é um piloto de corrida com um carro invencível em busca de vingança. A Aparição foi escrito e dirigido por Mike Marvin, e é estrelado por Charlie Sheen, Sherilyn Fenn, Nick Cassavetes e Randy Quaid.
The Wraith
(A Aparição, 1986, de Mike Marvin)
Dois pontos de energia parecem convergir em um percurso por estradas rurais numa noite em um deserto. Surgem outros dois. E os quatro se encontram em uma encruzilhada.
A luz resultante forma um carro, com um piloto sinistro na contra-luz. Preto, noturno, com design urbano, ele destoa do cenário. E a sensação de estranhamento permeia todo o filme de Aparição.
Uma trilha sonora espetacular pontua cada momento. Estamos na cidade de Brooks, no Estado do Arizona, na América.
Um casal passeando num carro à noite em um Daytona Turbo Z (interpretados pelos atores Steven Eckholdt e Elizabeth Cox) é abordado por jovens marginais em carros, verdadeiros piratas da estrada. O rapaz é forçado a correr — apostando seu carro, sob risco de estupro de sua namorada. É claro que ele perde o veículo.
É o modus operandi dessa gangue, que comercializam as peças dos carros que conseguem pegar. Packard Walsh (Nick Cassavetes) é o líder desses piratas da estrada. Ele dirige um Chevrolet Corvette anos 1970, customizado com novas tintas e uma rabeira de um Vette 1984.
Os outros membros da gangue são Oggie, que vem com um Dodge Daytona Turbo Z 1986; Minty dirige um Pontiac Firebird 1977; Skank e Gutterboy andam num Plymouth Barracuda 1966; e Rughead dirige uma picape GMC anos 1970.
Walsh tem um ciúme doentio de sua “quase” namorada Keri Johnson (Sherilyn Fenn).
E tudio piora quando um estranho chega na cidade. Jake Kesey (Charlie Sheen) surge pilotando uma Honda XL350R. O rapaz se interessa por Keri, e não demora para ela dar atenção à ele, já que Walsh é um louco abusivo.
Jake tem estranhas marcas nas costas. Ele também faz amizade com Billy Hankins (Matthew Barry), um funcionário de um restaurante fast-food (onde também trabalha Keri), e ele sofre com bullying de Walsh.
Num momento de simples carona de Billy para Keri, ele é flagrado pela gangue, e pouco antes de ser certamente trucidado, é salvo pelo acaso. Já que aparece um carrão.
O carro: um Dodge M4S Turbo Interceptor preto (construído em partes pela empresa Chrysler Corporation/PPG Industries, seis cópias foram produzidas).
Depois de boas cenas de disputas entre o misterioso piloto e outro da gangue — uma aposta valendo os veículos inclusive — temas uma chocante cena de acidente, quando os dois carros colidem um no outro. A explosão destruiu tudo, mas o carrão preto fantasticamente se reintegra.
O cadáver, em vez de estraçalhado e carbonizado, está inteiro, gelado como um iceberg (!) e sem os olhos (!!).
A Aparição inesperadamente se torna um filme de terror, e deixa o xerife Loomis (Randy Quaid) em apuros para desvendar o caso. Carro dele: um Plymouth Caravelle “civil”.
O diretor entrecorta essa narrativa com flashbacks de Keri com o assassinato de seu antigo namorado, James Hankins (Christopher Bradley).
Mike decide mostrar logo essa misteriosa figura espectral de piloto de carro, e do nada, ele invade a garagem da gangue, munido de uma arma — um espingarda calibre 12 modificada Franchi SPAS-12 italiana, e detona o lugar inteiro com tiros — no entanto, sem matar ninguém.
A segunda corrida do misterioso ser e outro marginal de novo é mortal, e dessa vez a polícia, de olho na gangue, sabe da corrida.
Novamente um dos marginais se dá mal, com o carrão de novo do nada parado na estrada, seguida de uma colisão e explosão. O misterioso veículo se reconstrói, e depois de restabelecido, fura o cerco policial e some em meio a show de luzes, aos olhos incrédulos dos policiais e de Loomis.
Jake tem um encontro com Keri, e Walsh acaba flagrando os dois. Claro que ele tenta matar o cara em seguida, mas o máximo que consegue é perder o controle de seu carro e ir parar em um cemitério (!), onde até já tem uma lápide lá com seu nome (!!).
Na preparação do ato final, o piloto negro entra com o carrão na garagem dos bandidos com tudo, e mata dois marginais na explosão.
Na impressionante sequência final, temos corridas e “combates” com caminhões e carreta em várias colisões, todos produzidos com efeitos práticos que dão um charme a mais para as cenas.
No confronto definitivo entre Walsh e o piloto espectral, a colisão frontal é substituída pelo próprio em vez do carro preto. Mas na hora ele some e o veículo surge em seu lugar.
No fim, o motorista vai até onde está Keri, e finalmente revela sua identidade: ele é Jake, mas também é James.
Depois que foi assassinado por Walsh e sua gangue, ele retornou de alguma maneira do além e concluiu sua vingança. No meio do caminho, parece ter adquirido esse novo visual e semblante, inclusive com os apetrechos de piloto e do carrão — que aliás, fica para seu irmão, que é ninguém menos que Billy.
O mais legal em A Aparição é a ausência total de explicações quanto a isso. O que houve? James retornou do inferno no mood Motoqueiro Fantasma, com novo corpo e equipado com um carrão tunado e um visual irado? Ele foi encontrado e ressuscitado por alienígenas. que o dotaram de tecnologia fantástica?
A cada assassinato na vingança do espectro/Sheen, ele fica mais forte, o que não fica muito bem claro na trama. Não é por acaso que ele surge em uma encruzilhada, lugar conhecido por ser palco de sobrenatural, até mesmo com pactos com o Diabo. As cicatrizes de Jake batem exatamente com as que Jamie sofreu quando foi morto esfaqueado por Packard.
Construindo A Aparição
O filme foi produzido por John Kemeny, que entre seu longo trabalho no cinema, ajudou a dar vida ao clássico A Guerra do Fogo (1981), e uma série de desenho animado das mais sagazes e originais da TV americana, Jayce e os Guerreiros do Espaço (1985).
O Estranho sem Nome (1973), Mad Max (1979) e Mad Max 2: A Caçada Continua (1981) foram citados por Mike Marvin como influências para A Aparição.
Mike usou muito mais referências em sua obra. As luzes noturnas correndo pelas estradas vem de Contatos Imediatos do Terceiro Grau (1977), o design preto mecânico remete ao Darth Vader da saga Star Wars; as corridas de carro em dupla de Juventude Transviada (1955); um carro infernal, já visto em O Carro, a Máquina do Diabo (1977) e até O Enigma de Outro Mundo (1982), com uma frase praticamente igual — “I don’t know, but whoever he was, he’s weird and pissed off!“.
A trilha sonora
A trilha sonora foi composta e performada pelos músicos Michael Hoenig e J. Peter Robinson, dois famosos compositores de synth para filmes e seriados de TV.
Michal fez as trilhas de filmes como A Galáxia do Terror (1981), A Joia do Nilo (1985), 9 1/2 Semanas de Amor (1986), A Bolha Assassina (1988), Hot Spot – Um Local Muito Quente (1990) e outros.
Já Peter fez a trilha de filmes como Cocktail (1988), Fúria Cega (1989) e Detroit Rock City (1999), e foi o responsável pela trilha da série animada Spawn (1997-1999), da HBO.
O LP foi gravado por Rick Hart, e a seleção é o puro suco do rock dos anos 1980.
Tim Feehan – “Where’s the Fire”, Ozzy Osbourne – “Secret Loser”, Stan Bush – “Hearts vs. Heads”, Ian Hunter – “Wake Up Call”, Mötley Crüe – “Smokin’ in the Boys Room”, Robert Palmer – “Addicted to Love”, Nick Gilder – “Scream of Angels”, Lion – “Power Love”, Honeymoon Suite – “Those Were the Days”, Lion – “Never Surrender”, Bonnie Tyler – “Matter of the Heart”, Mark Tiemans – “Hold on Blue Eyes”, Billy Idol – “Rebel Yell”, Jill Michaels – “Young Love, Hot Love” e James House – “Bad Mistake”.
Charlie Sheen
Charlie Sheen, nascido Carlos Irwin Estévez em 3 de setembro de 1965 em Manhattan, EUA, é filho de Ramon Antonio Gerard Estevez, o ator de cinema mais conhecido como Martin Sheen, em uma tradição de pai e filho de profissão e adoção de nome artístico.
Martin e Janet Sheen tiveram mais três filhos: Emilio Estevez, Renée Estevez e Ramon Estevez, todos também atores. Emilio é o que mais conseguiu proeminência como Charlie, mas manteve o nome original no show business. A família tem várias ascendências: Martin é meio espanhol e irlandês, e a família de Janet é inglesa e escocesa.
A primeira participação de Charlie foi em A Execução do Soldado Slovik (1974), ainda bem criança, papel de figurante graças aos esforços de seu pai.
Martin Sheen foi ator de vários filmes, uma carreira longa e de sucesso. Um de seus maiores feitos foi ser protagonista de Apocalypse Now (1979), grande clássico dos cinemas, um dos maiores filmes de guerra já feitos, dirigido por Francis Ford Copolla, em uma história de bastidores tão épica quanto o próprio longa.
Trata da Guerra do Vietnã e muito mais. Um pesadelo psicológico e uma jornada terrível aos recônditos da miséria humana. De 8 indicações ao Oscar, Apocalypse Now levou 2: Melhor Fotografia e Melhor Som. Concorreu aos principais: Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Roteiro, Melhor Edição…
Não há superlativos o suficiente para descrever Apocalypse Now!, levemente baseado no livro No Coração das Trevas (1889), de Joseph Conrad.
O jovem Carlos tinha muito gosto pela atuação e baseball. Junto com Rob Lowe e Sean Penn — que também se tornariam astros do cinema –, faziam produções caseiras em formato Super-8.
Seu primeiro papel de destaque nos cinemas foi em Amanhecer Violento (1984), seguido de aparições em seriados de TV.
Apenas dois anos depois, seria o protagonista de outro grande filme de guerra nos cinemas — tal qual seu pai. E também sobre a Guerra do Vietnã.
Platoon (1986), ganhador de vários Oscar, dirigido pelo cineasta Oliver Stone. Sheen interpretou Chris , um jovem soldado que foi por escolha própria para o Vietnã, e que tem uma crise moral no meio do conflito, graças ao imenso magnetismo de dois sargentos de temperamentos completamente opostos: Barnes (Tom Berenger) e Elias (Willem Dafoe, que concorreu ao Oscar de Melhor Ator).
Platton levou o Oscar de Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Edição e Melhor Som. Foi fazendo Platoon que Sheen encaixou a filmagem de A Aparição (dizem que filmou sua participação em poucos dias, já que aparece em tela menos de 30 minutos). Também no mesmo ano, ele teve uma participação em Curtindo a Vida Adoidado, de John Hughes.
O sucesso do filme fez Stone escalar Sheen novamente em Wall Street: Poder e Cobiça (1987), outro filme premiado, onde pode atuar ao lado do pai, Martin Sheen, exatamente como filho dele na trama.
A parceria foi encerrada quando Oliver estava pra fazer Nascido em 4 de Julho (1989). Charlie iria estrear, mas Tom Crise entrou na jogada.
Dizem que Charlie soube que estava fora do filme quando Emilio mostrou uma notícia do filme em um jornal. O ator e o diretor nunca mais trabalharam juntos desde então. No mesmo ano Charlie estrelou Atraídos pelo Perigo.
Charlie Sheen continuou fazendo outros filmes, como Os Jovens Pistoleiros (1988), Garra de Campeões (1989), The Rookie – Um Profissional do Perigo, Comando Imbatível (1990) e Top Gang! Ases Muito Loucos (1991).
No começo dos anos 90, Charlie começou usar quantidade homéricas de drogas, ao mesmo tempo que dedicou a se tornar viciado em sexo, sempre com prostitutas, modelos e atrizes em seu entourage.
Esse “descontrole controlado” que marcaria seu mood para sempre.
Essa espiral resultou em problemas com a Justiça quando foi acusado de agressão por Brittany Ashland, sua ex-namorada. Na época, ele estrelou filmes de pouco destaque, como A Invasão (1996) e Conspiração (1997).
A sorte de Chjarlie Sheen começou a mudar (mais ou menos) nos anos 2000. Limpo das drogas (não das mulheres), Charlie entrou no lugar de Michael J. Fox no seriado Spin City (1996), nas duas últimas temporadas (2001-2002), o que o deixou na mira da emissora CBS.
Uma de suas namoradas, e depois esposa, mais famosa, foi a modelo e atriz Denise Richards. Eles tiveram 3 filhos, mas ela se separou do ator quando estava grávida de 6 meses do terceiro, alegando diferenças irreconciliáveis.
Foi quando o seriado Dois Homens e Meio (2003) estrelou com Sheen como protagonista, em um avatar quase perfeito do próprio ator, como Charlie Harper, um mulherengo irresponsável que se vê obrigado a acolher o irmão fracassado e problemático e o sobrinho.
Charlie Sheen se tornou gigante: um dos mais bem pagos da indústria e com prêmios e mais prêmios pela qualidade do seriado (que realmente é bem legal).
Ele ficou na série até a oitava temporada (2010), quando saiu após uma briga com o showrunner da série, Chuck Lorre.
Sheen então dedicou grande parte de seu tempo a participações especiais em outros trabalhos menores, como Tratamento de Choque (2012), no qual tentava emular seu mood próprio com algo de Charlie Harper, sem alcançar o mesmo sucesso.
Em 2015, Charlie admitiu estar com AIDS (contraída 4 anos antes anos), em uma entrevista no programa de Matt Lauer, o Today. Ele fez isso principalmente para impedir chantagem por dinheiro em cima de aproveitadores, que já sabiam da doença.
/ TRÊS CHARLIES. Charlie Sheen estrelou 3 seriados onde se chamava Charlie: Spin City, Dois Homens e Meio e, claro, Tratamento de Choque.
/ DENISE RICHARDS. Ele e Denise Richards atuaram juntos no filme de comédia Máquina Quase Mortífera (1993), mas não dividiram a tela. Anos depois, eles trabalharam juntos em O Segredo do Sucesso (2001), quando se apaixonaram. Depois da separação, a atriz voltou a atuar com Sheen em dois episódios (01×10 e 02×09) de Dois Homens e Meio, interpretando exatamente uma ex de Charlie.
/ EM FAMÍLIA. Charlie Sheen e Emilo Estevez atuaram com o pai nos cinemas: Emilio em Lembranças Vivas (1996), e Charlie em Wall Street: Poder e Cobiça, Código de Traição (1998), dois episódios de Spin City (1996) e outro em Tratamento de Choque. Martin também fez o pai de Rose, uma das ex-namoradas de Charlie Harper, em Dois Homens e Meio (03×07).
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Essa matéria me levou de volta à minha infância e adolescência! Me lembrei de um detalhe do filme quando ocorriam as colisões entre os bandidos e o carrão preto, ficava uma peça do carro na cena e depois ela sumia, só não sei dizer se era da aparição. Achei legal os detalhes dos carros usados nas filmagens, mas melhor foi mencionar a trilha sonora! Charlie Sheen é um cara muito intenso! Lembro dele nas comédias nonsense Top Gang 1 e 2 -Ases muito Loucos, com a Valéria Golino. Diversão garantida!
boa, Daniela, que bom que curtiu! Esse filme é cheio de detalhes legais, mesmo, e o que você apontou deve ser verdade mesmo, talvez seja peça da própria Aparição. Gosto muito da trilha sonora e os filmes de comédia que o Sheen fez uma hora eu resenho aqui no blog também. Obrigado pela leitura, boas festas!