O frio, o terror primitivo de predadores em nossa história ancestral enquanto humanos, o perigo social de disputa entre iguais, o senso de sobrevivência e o peso psicológico da solidão são as bases que sustentam o filme A Perseguição, lançado nos cinemas há 10 anos.
Seu título original, The Grey, é bem mais poético do que a tradução adotada no Brasil, já que remete à cor da vida dos pobres personagens que encontraremos, todos frente à uma terrível matilha de ferozes lobos cinzentos, com um lobo negro como líder, mortal como a escuridão.
O longa também vem com reflexões filosóficas dos sobreviventes que, sozinhos, esfomeados e perseguidos pelos persistentes lobos, encontram tempo para falar sobre a a existência humana, de vida e morte, e que dão algum aprofundamento no desenvolvimento da trama, mas que joga contra comercialmente, uma vez que o mood de filme de ação ou mesmo ecohorror (“horror ecológico”) traga uma audiência que estranhe tudo isso.
A trama é simples. Um grupo de operários de um posto remoto de extração de petróleo no Alasca estão voltado para casa depois de meses de trabalho afastados. Mas o avião que estão — um McDonnell Douglas MD-80 — sofre uma pane e eles caem no meio da neve, muito distantes de qualquer sinal de civilização.
Feridos e ensanguentados, sem chance de resgate, serão caçados até a morte por lobos.
O que você faria?
A Perseguição
(The Grey, 2011, de Joe Carnahan)
Ottway (Liam Neeson), responsável pela segurança do posto de trabalho, se torna a contragosto uma espécie de “líder” dos sobreviventes da queda do avião.
Desde o começo do filme o diretor Joe Carnahan intercala cenas dele com lembranças/flashbacks/devaneios de intimidade com sua esposa, que entenderemos apenas no final.
Os outros sortudos azarados que escaparam com vida da queda foram Talget (Dermot Mulroney), Henrick (Dallas Roberts), John Diaz (Frank Grillo), Jackson (Nonso Anozie), Todd (Joe Anderson) e Lewenden (James B. Dale).
Aos poucos, cada um deles encontrará seu fatídico destino.
O diretor Joe Carnahan filma seu longa em cima de um roteiro baseado no conto Ghost Walker, material literário do escritor e deramaturgo Ian MacKenzie Jeffers, que ajudou Joe no roteiro.
Carnahan opera sua câmera de modo mais “artesanal” do que outros cineastas. Dá privilégio para estética e no desenvolvimento dos diálogos, o que é muito claro nas belas cenas que desenvolve com os personagens e seus dilemas, igual tratamento às agressões do clima gelado e as belas paisagens bucólicas, cinzas, brancas e negras.
As estratégias e táticas de sobrevivência são sobrepostas pelas característica de cada um que sobrou, e é nesse espaço que Carnahan desenvolve o lado psicológico e seus personagens.
Destaque aqui para o grande trabalho de som de Mark Gingras, no design sonoro do filme. Pois é assim que percebemos a crescente ameaça dos lobos frente aos homens.
É a alegoria de A Perseguição para que os personagens possam purgar seus demônios internos. Aliado a um delicado trabalho visual, o resultado é esplêndido em muito dos casos. A sequência de Talget em seus momentos finais é exemplar.
Carnahan também é produtor e escritor. Fez um dos melhores filmes dos anos 2000, Narc (2002) — logo em sua segunda empreitada no cinema e dirigiu alguns episódios de seriados de TV como Lista Negra (2013-2015), State of Affairs (2015-2015).
A Perseguição é o mais tenso e minimalista dos filmes de Carnahan, alternando a espera do próximo ataque com momentos de conversa intimista, o que ajuda a revelar de que são feitos os personagens.
O equilíbrio é preciso durante metade do filme: no momento em que esquecemos do perigo, uma nova incursão lupina acontece – como se o próprio espectador estivesse ali, ao redor da fogueira, tentando sobreviver.
A direção de fotografia de Masonobu Takayanagi e o design de produção de John Willett, responsáveis pelo estabelecimento da paleta de cores acinzentada, estão muito bem balanceados com o ótimo elenco.
A frase implacável que Ottway traz em diversos momentos da trama encerra o longa, e serve de resumo filosófico de A Perseguição de Joe Carnahan:
Once more into the fray. Into the last good fight I’ll ever know. Live and die on this day. Live and die on this day.”
Construindo a trama
Dono de um cinema de emoções baseadas no excesso de contrastes emocionais e alta tensão, Joe Carnahan já tinha feito antes de A Perseguição um filme do mesmo mood, mas com algo de humor: Esquadrão Classe A (2010), cheio de subtramas, música invasiva e acontecimentos explosivos, baseado na clássica série de TV.
Foi neste filme que Joe trabalhou pela primeira vez com Liam Neeson. Bradley Cooper seria o protagonista de A Perseguição, mas Liam ficou com o papel. Os dois foram colegas de elenco em Esquadrão Classe A.
Michael Biehn foi considerado para o papel principal também. Mas como Liam já tinha se provado para sempre como um ótimo protagonista de ação desde o filme Busca Implacável (2007), ficou com ele mesmo.
As gravações, segundo Neeson, chegaram a 40 graus negativos nos locais de filmagens, na Colúmbia Britânica. O destino mais ao norte do Alasca é um campo petrolífero chamado North Slope Oil Field, localizado na cidade de Deadhorse.
A música do final se chama Into the Fray, composta por Jamin Winans originalmente como The City Surf para o filme Ink (2009).
A despeito de ser conhecido como um filme coim lutas de lobos, não há nenhuma na trama. Ao menos não mais.
A cena pós-créditos é intrigante e deixa o final em aberto.
O que dizer da imagem abaixo?
Podemos notar com algum esforço a pelagem do lobo e quem sabe parte da cabeça e cabelos de Ottway. Os dois parecem estar respirando, então será que tivemos um empate?
Joe cortou todas as cenas da luta final, que ainda são possíveis de ver em algumas versões de trailers na época. Carnahan decidiu isso no andar das filmagens, ao sentir que a história que estava contando se fechava no fim inevitável dos personagens e, especialmente de Ottway.
Isso causou diversos problemas para o diretor, que foi acusado de “enganar” a audiência pelas cenas já mostradas e que não entraram no corte final de A Perseguição.
/ NO LIMITE. A Perseguição tem alguns paralelos com outro filme, No Limite (1997), de Lee Tamahori. The Edge em seu título original, o longa é protagonizado por Anthony Hopkins e Alec Baldwin, junto com Harold Perrineau, e também trata de sobreviventes em lugar inóspito e se ferrando com a vida animal local.
Anthony é Charles, um velhaco rico e muito esperto, que sabe se virar. Ele é casado com uma modelo interpretada pela top model Elle Macpherson, que tem um caso com Robert (Baldwin), um fotógrafo de moda.
O avião em que os dois e outros estão cai, e juntos com Stephen (Harold), assistente do fotógrafo, todos vão penar pra escapar de um urso furioso.
Claro, Stephen, o negro, é o primeiro a ser morto, em uma cena sensacional que é despedaçado sem dó.
Para contar o resto da história ficam os dois homens brancos, em guerra entre si e com o enorme e assassino urso.
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