Em Logan, tudo que o que sabemos dos X-Men virou pó, muito antes do estalar de dedos de Thanos no outro universo.
Estamos num mundo meio desértico, meio militarizado, meio xenófobo…algo muito parecido com o que 2020 pré-pandemia criaria.
Além do próprio Logan, temos o Professor Xavier, em um contexto ao mesmo tempo trágico e engraçado, um dos grandes acertos do diretor James Mangold. A menina X-23 mal fala, mas passa tudo que precisa só com o olhar e postura corporal. Há muita violência e os efeitos práticos de ação são eficientes.
Tudo é sujo, empoeirado, com barras de ferros enferrujadas em todo lugar. Sangue, desmembramento, decapitações, cortes, mas tudo sem parecer um blood porn gratuito demais.
Logan está impaciente, xucro, grosso e relaxado com a saúde. E tem que cuidar de um Professor X ancião, doente e senil, mas que ainda é um dos mais poderosos mutantes do mundo.
O roteiro não é redondo, que se perde em escolhas de reviravolta que podiam ser melhores se tivesse alguém com tutano na Fox.
Começa com a péssima escolha estética de antagonista. Donald Pierce é um personagem desperdiçado, reduzido a capanga inútil que falha muito cada vez que aparece.
O fato de ser um ex-integrante do Clube do Inferno, um HUMANO em um sociedade secreta ultrapoderosa tipo maçonaria formada apenas por MUTANTES, é ignorada. O fato de após deixar o clube e se tornar o líder de ciborgues psicopatas e assassinos de mutantes, os Carniceiros, também é reduzida de maneira significativa no longa, onde ele apenas é um burocrata com algum nível de ação medíocre.
O cargo de oponente físico para Logan fica com X-24, um clone do herói um tanto mais jovem. Um personagem inexistente nas HQs.
Podiam ter usado Albert, um robô com a mesma aparência do mutante peludo. Quem o criou? Pierce.
Mas a Fox sempre esteve na atividade de inventar e piorar o que está pronto e bom no Universo X, não é mesmo?
Mas é preciso reconhecer as qualidades de Logan, que se tornou um dos melhores longas da Fox com os mutantes.
A distância diminuiu um pouco isso, e o pretenso carimbo de road movie western Mad Max tipo autoral EUA dos anos 70 não engana ninguém, mas Logan funciona como um ótimo entretenimento mais sofisticado do que outros longas do gênero.
Reparem como as corporações dominam o mundo de Logan: tem corporação genética, dos mercenários, dos fazendeiros, dos remédios, dos táxis.
Logan foi muito importante na época do lançamento, em 2017, e renovou o interesse de um estilo que já está pretensamente cansando. Cansando quem não gosta, pois eles fazem dinheiro e é isso que move o mundo no fim das contas. Foi o décimo filme da franquia mutante da Fox. O ator Hugh Jackman interpretava o Wolverine já fazia 17 anos, desde o primeiro filme dos X-Men, de 2000.
Logan
(Logan, 2017,
de James Mangold)
Uma luta com simples ladrões de carro é o ponto mais baixo do atual status deplorável de Logan, que atende agora por James Howlett, motorista de limusine que atende as vontades de endinheirados em um mundo semi-acabado de 2029 cheio de humanos, esterilizados por sucos de milho, que impedem o nascimento de mutantes há mais de 25 anos.
Mas o ponto alto é a violência liberada pelos estúdios Fox para compensar tudo isso.
A trilha sonora de Marco Beltrami, profissional com mais de 100 trabalhos de composição de trilha sonora nos cinemas, nomeado duas vezes ao Oscar, por Guerra ao Terror (2008) e o faroeste 3:10 to Yuma, mais conhecido no Brasil como Os Indomáveis (2007), nos faz entrar de modo especial nesse mundo, que a cada cena nos lembra que morte está no ar, como uma em que Logan leva uma família a um enterro em um cemitério.
E é nessa terra de mortos que Logan é achado por Gabriele López (Elizabeth Rodriguez), uma enfermeira que lhe implora ajuda.
E se estamos esperando uma performance cavalheiresca de Hugh Jackman como anti-herói em seu papel de Wolverine, o longa de James Mangold não ameniza e ignora os apelos da mulher sem piedade.
Logan leva uma vida a três muito difícil, com um Charles Xavier (Sir Patrick Stewart) de 90 anos senil e doente e um colega x-man de saúde frágil que não pode ser exposto ao sol, Caliban (Stephen Merchant).
Os dois tem que cuidar de Xavier, que com sua demência, é potencialmente perigoso com seus poderes mentais em descontrole. Logan a todo momento é lembrado do fardo de sua missão, o trio escondido em um fim do mundo americano perto da fronteira mexicano.
Charles o interroga sempre a respeito dos remédios para deixá-lo dopado, e lembra Logan de suas missões, como a primeira, vista no primeiro filme dos X-Men.
A mente poderosa de Charles Xavier é uma bomba atômica mental, classificada como arma de destruição em massa pelo governo, que ignora que ele e Wolverine estão vivos — um dos grandes furos do roteiro, já que são mutantes de alta periculosidade, e qualquer ser pensante no complexo industrial-militar iria querer algo com eles.
A Fox já tem um longo histórico por ignorar sua costura narrativa no mundo dos mutantes, dentro e fora das telas.
Logan entra em conflito narrativo diretamente com outro filme da Fox, X-Men: Dias de um Futuro Esquecido, que se passa em um mundo devastado de 2023.
O longa de Mangold arranha parte disso na forma da corporação Transigen, que manipula DNA mutante de antigos heróis e vilões para criar seus próprios soldados como armas de guerra.
Um dos responsáveis é o doutor Zander Rice (Richard E. Grant), criador da jovem X-23, nome de código de Laura (Dafne Keen), que a enfermeira Gabriela quer que Logan ajude.
É essa jornada de encontro e desfecho que o faroeste da Fox imprime nesse filme de super-herói, em variados graus de descrença, como quando vemos os vídeos extremamente bem editados de Gabriela, feitos nas entranhas das instalações da Transigen.
Isso é pouco lembrado, já que a todo momento somos impactados com diversas situações e revelações que ajudam a criar uma boa imersão em Logan.
O guerreiro, que está manco e com o fator de cura e as garras enguiçando, tem que trabalhar muito para comprar remédios, tem que levar Xavier para urinar, solta umas 30x a palavra F em inglês, é grosso com amigos e colegas, e é o único que pode resistir com mais força à convulsão mental fatal que o professor provoca sem querer.
É chocante pensar que foi o Professor X quem matou mais de 50 pessoas em Westchester, NY, — entre elas, os X-Men — há mais de um ano.
Outro erro do trio — agora com X-23, Xavier e Logan, já que Caliban encontra seu fatídico fim como escravo rastreador mutante –, é quando eles aceitam jantar com uma família humana que cruza sem caminho, selando o destino deles, em uma sequencia incrível de cenas chocantes: assassinatos de coadjuvantes e personagens principais, em um triste fim para um Professor Charles Francis Xavier, o Professor X, líder dos X-Men, um dos mutantes mais poderosos do planeta, o maior telepata que já viveu, agonizando na carroceria de uma camionete, ferido mortalmente por quem imaginava ser seu protetor.
É uma cena com crueza e sem glamour algum bastante corajosa, que funciona muito bem.
Tudo é destituído de requinte e sofisticação nas cenas finais, que nos faz encontrar “novos mutantes”, jovens fugitivos da Transigen, como Laura, e que tentam encontrar um refúgio seguro cruzando a fronteira americana para o Canadá.
O “líder” deles é Rictor, jovem de quase 14 anos, com DNA do vilão Avalanche, que tem o poder de controlar a terra.
Boas cenas de ação, luta, mortes e desencontros, de modo bem cru. No material original das HQs, ele é um Novo Mutante, o grupo jovem dos X-Men, um mexicano gay filho de traficantes, com poderes capazes de criar um terremoto.
Um Logan de muitos filmes
James tenta trabalhar de muitas maneiras a metalinguagem em Logan, ao usar outros filmes dentro de seu Logan, de modo literal e de referências.
A mais funcional é uma de quando Laura e Charles assistem Os Brutos Também Amam (1953), em um diálogo muito bem inspirado de Sir Patrick Stewart, que faz de improviso Charles dizer que assistia esse filme quando era menino.
Na parte final, quando Logan encontra os “novos mutantes” na Dakota da Norte, a referência mais clara ao óbvio Mad Max em Logan é a cena idêntica vista em Mad Max 3: Além da Cúpula do Trovão (1985), com as crianças cortando a barba de Max, pois acontece o mesmo em Logan.
De acordo com o próprio James Mangold, seu filme é influenciado pelas histórias criminais de Rota Suicida (1977), os dramas Lua de Papel (1973), Pequena Miss Sunshine (2006), e O Lutador (2008), além dos óbvios faroestes Os Cowboys (1972), Os Imperdoáveis (1992), e o já citado Os Brutos Também Amam.
Logan foi um dos poucos filmes de super-herói nomeado ao Oscar (de Melhor Roteiro Adaptado, por Scott Frank, James Mangold e Michael Green), desde Os Incríveis (2004).
Outras adaptações de quadrinhos também foram nomeadas, como Ghost World: Aprendendo a Viver (2001), Anti-Herói Americano (2003) e Marcas da Violência (2005). A cena crucial do final do filme tem outra referência clara. No funeral de Logan, a cruz em “x” já tinha sido vista em Fora da Lei (1976) , filme de faroeste com Clint Eastwood.
Além das referências de cinema, Logan bebeu muito de outras mídias. A começar pelo espírito do longa-metragem, que se baseou no arco narrativo das histórias em quadrinhos dos X-Men, chamado Velho Logan (Old Man Logan, no original), publicado em Wolverine #66-72 e terminado em Wolverine Giant-Size Old Man Logan, de setembro de 2009, pela Marvel Comics.
Escrito por Mark Millar e desenhado por Steve McNiven em 2003, também se passa em um futuro devastado com um Logan aposentado. Laura, a X-23, surgiu no desenho animado X-Men: Evolution (2000), que por sua vez foi levada aos quadrinhos da Marvel, na minissérie Nyx, de 2003, com uma origem muito parecida do desenho.
Ela e Logan se tornaram tão ligados que a garota o substituiu nas HQs como Wolverine, quando o personagem foi dado como morto em A Morte de Wolverine, em 2014.
Os X-Men da Fox estão mortos.
Vida longa aos X-Men!
/ CALIBAN. O ator Stephen Merchant foi o segundo a performar o personagem Caliban, depois de Tómas Lemarquis ter interpretado o personagem em X-Men: Apocalipse (2016). Pra variar, a Fox meteu o louco e os dois Calibans não tem nada a ver um com o outro, sem referências algumas entre si.
O mutante tem pele albina e tem o poder de rastrear outros mutantes. Nas HQs, ele era meio assim mesmo no começo. Caliban fazia parte dos Morlocks, grupo de mutantes que viviam nos esgotos de Nova York para escapar da fúria do preconceito, já que têm aparências que não os permitem se passar por humanos, como as deusas Jean Grey e Tempestade.
Depois ele foi tunado pelo vilão Apocalipse e se tornou um Cavaleiro, num nível de poder e força que o faz até dar pega pra um pau com o Dentes de Sabre.
/ FUTURO DISNEY. Informações de veículos de imprensa especializados na América indicam que apenas Ryan Reynolds continuará como Deadpool após a mudança dos direitos cinematográficos do universo mutante da Marvel da Fox para a Disney. Há razões para a Casa do Mickey manter Deadpool fora do reboot: um filme com indicação para maiores se provou financeiramente viável, já que Deadpool e Deadpool 2 fizeram uma bilheteria de US$ 1,5 bilhão para a Fox, tendo a produção dos dois juntos custado menos de US$ 200 milhões.
Conta também o fato do mercenário ser o ponta de lança de um selo especial para produções de cunho adulto, um negócio que a Disney, como amiga da família, não pode realizar. A natureza anárquica de Deadpool permite até mesmo fazer piada com a troca de elenco, o que joga a favor da mudança, e não contra.
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