RAGE AGAINST THE AMERICA | Rage Against The Machine e as batalhas de 2020

A história do Rage Against The Machine se ramifica com riqueza na diversidade multicultural, política e racial dos Estados Unidos.

Há exatamente um ano e um dia — 1 de novembro de 2019 –, o Rage anunciava o retorno de suas atividades. A banda é uma das mais poderosas forças musicais da indústria de entretenimento.

Faz uma mistura de rock, metal e hip-hop com letras politizadas e sutis como uma tijolada na cara. O Rage lançou apenas 3 discos com músicas inéditas desde que surgiu no começo dos anos 90, e mesmo assim mudou parte da linguagem do rock e da gramática de confronto de artistas e o sistema.

No festival neohippie megacorporativista SWU, ocorrido em 2011 na cidade de Itu, interior de São Paulo, o guitarrista Tom Morello usou um boné do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST durante a execução da música Wake Up, e Zack de la Rocha, vocalista da banda, dedicou a música People of the sun aos militantes.

Dado o conteúdo inflamável disso, não foi surpresa a transmissão da TV Globo suprimir esses trechos dos shows.

Em 10 de novembro de 1992, o Rage Against The Machine surgia com seu disco de estreia, ainda sob o peso dos protestos contra o assassinato do negro Rodney King, ocorrido mais de um ano antes do lançamento do álbum, espancado até a morte por policiais, o que causou os conhecidos distúrbios sociais da cidade de Los Angeles nos anos 90.

Há exatamente 21 anos — 2 de novembro de 1999 — o Rage lançou The Battle Of Los Angeles, que ainda ecoava os confrontos.

O videoclipe da música Testify, a primeira faixa do disco, dirigida por Michael Moore, mostra os dois candidatos à presidência dos Estados Unidos na época, — George W. Bush (o filho) e Al Gore — dois lados da mesma moeda, na visão do Rage e de Moore.

O dia de lançamento do álbum era o dia das eleições.

Os EUA elegem mais um presidente em 3 de novembro de 2020, fato que impacta toda a geopolítica mundial.

Saber quem comanda a América é de interesse de todos, pois sua movimentação é expansiva e poderosa em toda a esfera de interesses que regem a dinâmica dos países. O momento atual dos EUA é delicado.

O país está atolado em uma onda de violência nos últimos meses, que correu da costa da Califórnia à Nova York, de Minneapolis à costa do Texas. Carros da polícia foram incendiados na cidade de Nova York e houve saques em Los Angeles, a mesma de Rodney King.

O estopim foi a morte de outro homem negro, o assassinato violento de George Floyd no dia 25 de maio de 2020, durante uma operação policial em Minneapolis.

Os EUA nunca souberam lidar com as toneladas de problemas raciais que são parte de sua identidade, e o fato tenta se acomodar na sociedade, seja me discussões de âmbito que andam com passos lentos de tartaruga, ou usado pela máquina cultural de modo singular, em músicas e filmes.

A construção do
Rage Against The Machine

Na madrugada de 3 de março de 1991, em Los Angeles, depois de uma perseguição, a polícia espancou um homem negro que tinha recusado parar em uma abordagem de rotina.

A agressão contra Rodney King foi a chama que acendeu a pólvora que explodiu um dos motins mais violentos da história dos EUA.

Os distúrbios de Los Angeles começaram de verdade mais de um ano depois, desencadeados em 29 de abril de 1992, quando um júri absolveu os oficiais envolvidos do Departamento de Polícia de Los Angeles — três brancos e um hispânico.

A agressão dos policiais foi filmada, pois um civil, George Holliday, registrou a agressão de sua varanda, e enviou as filmagens para KTLA, uma emissora local de notícias.

Milhares de pessoas na área de Los Angeles se revoltaram ao longo dos seis dias após o veredito de inocência, e um conflito racial eclodiu com força na América.

Tudo começou na região sul da cidade de LA, espalhando-se em seguida por toda a região metropolitana do Condado da cidade (assim é chamada uma zona metropolitana nos EUA). Aconteceram saques, assaltos, incêndios, assassinatos e danos materiais, com mais de US$ 1 bilhão de prejuízo. Foram 63 pessoas mortas durante os distúrbios mais violentos.

Como a polícia local não conseguiu lidar com a situação após quase uma semana de protestos, o Corpo de Fuzileiros Navais e a Guarda Nacional da Califórnia foram chamados conter o tumulto nas ruas.

É sob esse cenário, tenso e denso, que o mexicano Zack de La Rocha e o negro Tom Morello criaram, na mesma Los Angeles, uma das bandas de rock mais interessantes da indústria musical, o Rage Against The Machine.

Sua mistura de rap metal, metal alternativo e funk metal, em letras politizadas como uma paulada na cara, chamaram atenção de imediato.

Rage Against The Vietnã

A provocativa capa do álbum de estreia do Rage Against The Machine é a foto de um homem em chamas, em um contexto da Guerra da Vietnã.

Trata-se do monge vietnamita Thích Quang Duoc, que ateou fogo em seu próprio corpo em 11 de Junho de 1963, em uma rua de Saigon, após a pressão indevida dos católicos vietnamitas em cima da religião do budismo no Vietnã do Sul, alimentada em grande parte por conta da administração do então Primeiro Ministro Ngô Dình Dinh.

A capa já entrega tudo que temos que saber sobre o que o Rage Against The Machine, sobre o que ele é e será. O ato do monge, aliás, foi outra chama que fez explodir o país depois de um tempo, o que fez o Vietnã do Norte ter vantagem no conflito.

A fotografia original, de Malcolm Browne, ganhou o Prêmio Pulitzer de Fotografia e o World Press Photo de 1962

As fotos de Malcolm Browne começaram a rodar o mundo e chegaram aos Estados Unidos, onde o então presidente John F. Kennedy, afirmou que nenhuma foto na história do jornalismo havia gerado tanta comoção no mundo quanto aquela.

]A repercussão pressionou para que o governo do Vietnã retomasse as conversas com os budistas.

No mesmo dia, o presidente local deu uma declaração no rádio dizendo que estava profundamente consternado com o ato e que as negociações com os budistas que haviam sido interrompidas, seriam retomadas.

Pouco tempo depois, porém, em novembro de 1963, houve um golpe militar no então Vietnã do Sul, e o Presidente foi capturado junto com seu irmão, Ngo Dinh Nhu, que tinha papel de conselheiro no governo e cuja esposa, católica, havia ironizado o ato do monge budista dizendo que se eles quisessem “realizar mais churrascos, ficaria feliz em oferecer a gasolina”.

Os dois foram assassinados pelos militares e a partir daí o Vietnã do Sul não conseguiu mais se organizar politicamente.

Uma série de outros golpes aconteceram e não se chegava a um consenso de governo local, até que em 1975 o Vietnã do Norte conquistou a cidade de Saigon, e em 1976 começou o processo de unificação no que hoje é conhecido como República Socialista do Vietnã.

 The Battle of Los Angeles

Lançado em 10 de novembro de 1992, o disco (homônimo) do Rage Against The Machine vendeu mais de três milhões de cópias, e ficou 89 semanas seguidas no top 200 da Billboard.

O Rage foi censurado e proibido de realizar concertos em muitos estados do EUA. Com músicas fortíssimas como Killing In The Name, Bullet In The Head e Bombtrack, o álbum é cheio de riffs e batidas certeiras de uma fusão de rock pesado e elementos de hip-hop, com o vocal gritado e bem cantado e falado de Zack, em um casamento à perfeição com o conteúdo político e as letras.

Killing in The Name fala a palavra fuck 17 vezes, e é sobre violência policial e racismo, numa referência direta ao ocorrido com Rodney King.

O segundo álbum lançado foi Evil Empire, em 1996, seguido de outro chamado Live & Rare, um álbum ao vivo com músicas dos dois discos.

Em 1999, o Rage Against The Machine lançou seu terceiro e último disco de músicas próprias, The Battle Of Los Angeles (o álbum Renegades, de 2000, tem apenas covers).

O disco é o mais consistente e coeso da carreira da banda, com tijoladas de sutileza muito maduras e criativas em suas canções. A capa de The Battle of Los Angeles é a ilustração é de um artista de LA, conhecido por muitos nomes — LA Street Phantom, Joey Krebs e Joel Jaramillo –, e que fazia intervenções na cidade da Califórnia ao estilo de Banksy., artista urbano dos anos 2010 que espalha pinturas cheias de sarcasmo ácido por metrópoles do mundo.

A arte da capa do terceiro disco do Rage é um grafite de um homem com o punho levantado, e dentro do contorno do desenho, está escrito “a batalha de Los Angeles”.

O disco conta com a música Guerrilla Radio, hit que conquistou um Grammy de Melhor Performance de Hard Rock em 2001. Os ideais sócio-políticos bem enraizados na linguagem do Rage fez o documentarista Michael Moore gravar videoclipes para a banda.

Moore é famoso por azucrinar e apontar o dedo nas feridas abertas dos EUA em vários temas sociais, e é responsável por documentários icônicos como Tiros em Columbine. A canção Sleep Now in the Fire ganhou um clipe sob sua direção, gravado bem no centro da principal região de Nova York para a economia americana, Wall Street.

Outra música escolhida foi Testify, a primeira faixa de The Battle of Los Angeles. Nele, a banda e o diretor mostram que pensam sobre dois candidatos à presidência dos Estados Unidos — George W. Bush (o filho) e Al Gore — dois lados da mesma moeda, na visão do Rage e de Moore. O álbum foi lançado em 2 de novembro de 1999, mesmo dia da eleição.

Passados 21 anos, os Estados Unidos queimam de novo em mais um ano de eleição, e mais uma vez nessa lição nunca aprendida — distúrbios sociais por conta da morte de um negro estão torrando a América em chamas neste 2020.

De lá pra cá, o Rage Against The Machine encerrou as atividades, voltou para shows esporádicos e nunca mais disponibilizou novas canções, muito em parte devido aos gênios difíceis de Zack e Tom. Uma vez eles sendo bastante antagônicos na banda, é de se surpreender que tenham durado tanto.

Mas no dia 1 de novembro de 2019, a banda anunciou seu retorno aos palcos em 2020, com cinco apresentações. A informação foi divulgada em uma conta do grupo criada no Instagram. O que eles não previram foi o Covid-19 provocar terra arrasada no cenário de entretenimento presencial em todo o planeta.

The Battle of Tulsa

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Watchmen, o quadrinho

Não há texto suficiente que reúna a quantidade de casos de distúrbios sociais raciais dos EUA — casos emblemáticos, como oa de Detroit, em 1967, e os recentes atos de #BlackLivesMatter, na Era das Redes Sociais.

O uso político de toda essa situação é intenso e cruzado. O presidente americano Donald Trump realizou no dia 20 de junho seu primeiro comício da campanha para a reeleição após o início da pandemia de coronavírus.

O evento aconteceu em Tulsa, no estado de Oklahoma. A escolha não poderia ser mais simbólica e polêmica.

No dia 30 de maio de 1921, na próspera Tulsa, que tinha uma economia ascendente, a ponto de ser chamada de “Wall Street Negra“, um jovem negro foi acusado de tentar roubar uma adolescente branca dentro de um elevador em um dos prédios da cidade.

A polícia prendeu o rapaz e começou a investigar o caso enquanto ele era mantido preso na delegacia local. A população branca se inflamou e queria linchar o acusado.

Na madrugada do dia 31, uma horda histérica de homens brancos armados começaram a atacar casas e negócios de famílias negras, provocando um caos que as autoridades locais não puderam conter.

O número de mortos estimado chega a 300 pessoas, em sua grande maioria afro-americanos. Até um avião foi usado para bombardear e matar os negros. Não foram poupadas crianças ou idosos, homens ou mulheres.

Com 35 quarteirões da cidade arrasados, cerca de 10.000 pessoas ficaram sem casa, assim matando também a chamada “Wall Street Negra” de Tulsa.

Obviamente, as autoridades americanas fizeram um esforço monumental para esconder ao máximo possível o que ocorreu com Tulsa.

Recentemente, no fim de 2019, o seriado Watchmen, baseado na maior história de quadrinhos de super-heróis já feita, jogou holofotes sobre o massacre ocorrido na cidade, e uma parcela considerável dos consumidores da cultura pop puderam ter contato com o ocorrido e saber mais das políticas americanas sobre a cor de pele de seus habitantes.

The k-pop against The Trump

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Os problemas de racismo nos Estados Unidos, somados a atual impopularidade de Trump, a crise do coronavírus e a recessão enfrentada pelo país, deixa em situação delicada o líder americano.

Entretanto, uma derrota política de grande porte foi orquestrada por um grupo improvável, mas extremamente poderoso: fãs de k-pop, como é conhecida a música pop coreana.

Após ter recebido 1 milhão de inscrições virtuais, o comício realizado por Trump, em Tulsa, acabou contando com apenas 19 mil participantes reais. Grupos de adolescentes fãs de k-pop inundaram propositalmente o site do republicano com falsas inscrições, com o objetivo de inflacionar o público do evento.

Quando o dia 20 chegou, inúmeras cadeiras estavam vazias no BOK Center, arena com 19 mil assentos. De acordo com o corpo de bombeiros da cidade, apenas 6.200 desses lugares estavam ocupados.

Não seria a primeira vez que os adeptos do gênero se mobilizaram politicamente. Durante a onda de protestos antirracistas nos EUA, a volumosa base de fãs de k-pop sabotou continuamente hashtags racistas no Twitter.

The Battle of Minneapolis

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George Floyd Memorial, 2020. foto de Chad Davis/Flickr

Os Estados Unidos afundaram em uma onda de violência nos últimos meses, que correu da costa da Califórnia à Nova York, de Minneapolis à costa do Texas. Carros da polícia foram incendiados na cidade de Nova York e houve saques em Los Angeles, a mesma de Rodney King.

A causa foi o assassinato violento de George Floyd no dia 25 de maio de 2020, durante uma operação policial em Minneapolis, a cidade mais populosa do estado de Minnesota, ao norte dos EUA. As últimas palavras de Floyd, “não consigo respirar”, se tornaram slogan de um movimento nacional de protesto que os EUA não viam há décadas.

Floyd era um ex-segurança, que tinha passagens criminais, e foi abordado violentamente depois de denúncia de que ele teria tentado pagar a conta em uma mercearia com uma nota falsa de US$ 20.

A morte de Floyd fomenta um debate poucas vezes alcançado sobre a divisão social nos EUA, e a crise de coronavírus vem como lenha nessa fogueira, que ainda será alimentada com gasolina na tentativa de reeleição de Donald Trump.

É um ano ávido por mudanças esse 2020. Nas pesquisas mais recentes, o democrata Joe Biden ampliou sua vantagem sobre o rival republicano Donald Trump.

A menos de uma semana das eleições, a tensão racial voltou a explodir, desta vez na Filadélfia, onde teve até toque de recolher.

O estopim mais uma vez foi a morte de um homem negro por policiais brancos. Walter Wallace Jr. tinha 27 anos e, segundo a família, problemas mentais. Ele portava uma faca quando foi baleado por dois agentes.

O caso levou a uma nova onda de protestos, com direito a saques e prisões. Para agravar, a Filadélfia é a maior cidade da Pensilvânia, considerada um dos estados decisivos para as eleições. Donald Trump culpou a prefeitura democrata e insistiu no mote de lei e ordem, enquanto Joe Biden, que nasceu na Pensilvânia mas fez carreira política em Delaware, se solidarizou com a família do morto e cobrou protestos pacíficos.

O discurso do Rage Against The Machine, 21 anos atrás, era contra Bush e Gore.

O que será em 2020? Uma batalha vem por aí, essa é a única certeza.

Rage Against The Machine

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