ANTES SÓ QUE MAL ACOMPANHADO | Del só quer agradar e Neil só ficar sozinho

O Dia de Ação de Graças já passou, mas a irreverência e potência de Antes Só do que Mal Acompanhado nunca perde o impacto. Fora ser o melhor filme a respeito de uma das datas mais celebradas nos Estados Unidos (25/11), é uma das melhores comédias de todos os tempos, dirigida por John Hughes.

Del só quer agradar e Neil só quer ficar sozinho. O destino os une numa tortura, uma viagem que nunca termina, na véspera do feriado de Ação de Graças.

Quando o publicitário metódico e certinho Neil Page perde seu voo para ver sua esposa e 3 filhos, o destino o une ao vendedor de argolas de cortinas de banheiro Del Griffith. E suas vidas passarão pelos maiores percalços que uma comédia e drama poderiam entregar.

Antes Só do que Mal Acompanhado
Del
Antes Só do que Mal Acompanhado
Neil
Antes Só do que Mal Acompanhado
O tempo

O tempo é fator determinante na história de Antes Só do que Mal Acompanhado, bem como a companhia um do outro e a forma como a viagem de desenrola, por meio de todo tipo de transporte disponível para o desesperado Neil (Planes, Trains & Automobiles, “aviões, trens e carros“, que dá nome ao título original do filme).

Antes Só do que Mal Acompanhado
Os veículos usados no filme por Neil para tentar “escapar” de Del

Isso entrega uma dinâmica bastante original e pensada, afinal, são veículos onde a convivência e a comunhão com outros seres humanos é exigida, e para isso, quanto mais harmonia, melhor a viagem.

Antes Só do que Mal Acompanhado lembra muito Férias Frustradas (que tem roteiro de Hughes) como locomotiva de sucessão de desafios provocados pelo azar.

Antes Só do que Mal Acompanhado


É um filme sobre o Dia de Ação de Graças em que o protagonista é um ser humano egoísta, o que nos dá recibo para poder rir sem pena de Neil, mas ao mesmo tempo arrancar os cabelos de raiva com as atitudes inconvenientes de Del.

Poderia ser mais um filme com uma fórmula conhecida e recheada de clichês, mas o filme de John Hughes possui uma química que conseguiu resistir ao tempo.

Antes Só do que Mal Acompanhado
(Planes, Trains & Automobiles, 1987, de John Hughes)

O elenco é estelar: Steve Martin é Neil e John Candy é Del, naqueles que são alguns de seus melhores papéis de cinema. Há participações mais que especiais de Laila Robins, Michael McKean, Dylan Baker, Carol Bruce, Larry Hankin, Richard Herd, Matthew Lawrence, Diana Castle, Bill Erwin, Ben Stein, Lyman Ward, Edie McClurg e até Kevin Bacon.

Estamos a dois dias de chegar o Dia de Ação de Graças, em Nova York.

Uma reunião de negócios não termina nunca, para desespero do publicitário Neil Page (Steve Martin). Ao fim, ele já é advertido por um amigo que não chegaria em tempo em casa. É piscadela de Hughes para nos mostrar o que veremos em Antes Só do que Mal Acompanhado.

Antes Só do que Mal Acompanhado

Na rua, ele disputa um táxi nas ruas lotadas de Nova York, com um executivo sem nome interpretado por Kevin Bacon. Mas Neil perde quando tropeça numa mala (que descobriremos em breve de quem é, mas você já deve imaginar).

Mesmo pagando abusivos U$ 75 para um homem avarento para pegar outro táxi em seu lugar Neil ainda perde, já que, inadvertidamente, o dono da tal mala entra no táxi e se manda com ele.

Já no aeroporto, Neil reconhece o cara que pegou seu táxi. É Del Grffith (John Candy), que vende argolas para cortinas de banheiro, “as melhores do mundo“. Del quer compensar de todo o jeito Neil, e isso será o calvário dos dois até o fim da trama.

Hughes faz cortes, takes e enquadramentos rápidos para misturar uma dinâmica veloz junto a uma lenta construção de identidade e relação entre os dois protagonistas.

Del é inconveniente, tira sapato e meias quando senta, claro que ao lado de Neil, que perdeu seu lugar na classe executiva.

Em vez do avião seguir para Chicago, acaba em Wichika, no Estado do Kansas, distante milhares de quilômetros do destino original.

Neil fica sem hotel e Del oferece seu quarto: pequeno, apenas uma cama e um banheiro sujo, elementos que fazem Neil explodir de raiva do vendedor tarde da noite.

O publicitário o magoa, mas Del admite ser do jeito que é apenas por querer ser uma boa pessoa. Com muito custo, os dois tentam apaziguar os problemas. Mas os dois são roubados e, sem dinheiro, os problemas se agravam.

No trem, Neil tenta se despedir de Del, mas a composição quebra. Estão mais longe ainda, agora na cidade de St. Louis. Lá, se separam de novo, mas Neil não consegue alugar um carro.

Sua briga com a funcionária da loja, interpretada por Edie McClurg, é um dos grandes momentos do filme. São milhares de xingamentos proferidos por Neil (fucking!) — motivo de censura alta para o longa de Hughes na época.

Por outro lado, é claro que Del conseguiu um carro. Ele dá carona para Neil, e eles quase se matam em um acidente de trânsito. De novo são obrigados a pernoitar, mas Neil está tão de saco cheio que exige ficar sozinho, e deixa Del ao relento da noite fria e neve lá fora.

É quando Hughes decide reforçar os laços em um diálogo muito bem construído, que será refletido no final.

Ainda há tempo de uma perseguição policial e uma nova carona com caminhão.

Apenas após mais uma despedida (será?) que Neil entende algumas linhas de diálogo que teve com Del, e saca que ele está mentindo sobre algumas coisas a respeito de sua vida.

No fim, não há outra medida a ser tomada.

Grande e emocionante desfecho.

Antes só que a produção

John Hughes teve a inspiração para escrever o filme em um fato literalmente real de sua vida: quando um voo que pegou em NY com destino para Chicago desviou para Wichita, Kansas. Em três dias ele passou sua frustração para o roteiro, e levou apenas mais 5 para polir as arestas com menos de 20 revisões.

O longa foi filmado em 85 dias, nas cidades de Batavia e South Dayton, ambas em Nova York. E o avião que Neil e Del estão é um 707, o mesmo usado em outro filme de comédia, o Apertem os Cintos, o Piloto Sumiu (1980).

O corte original de Antes Só do que Mal Acompanhado tinha 3h40m, mas o editor Paul Hirsch e Hughes limaram quase 2h disso. De acordo com Paul, o corte longo ainda existe, mas não sabe onde que ele está.

Antes Só do que Mal Acompanhado
John Candy, John Hughes e Steve Martin

John tinha pensando em Tom Hanks para o papel de Neal e John Travolta para Del, mas graças aos deuses da comédia, isso não rolou. Hanks estava fazendo Quero ser Grande (1988) e a Paramount Pictures vetou o nome de Travolta.

Destaque para uma canção que toca no final, Everytime You Go Away, música de Daryl Hall escrita em 1980 e performada aqui por Blue Room, banda que fez alguns filmes de Hughes, como Curtindo a Vida Adoidado (1986) e Alguém Muito Especial, lançado no mesmo ano de Antes Só do que Mal Acompanhado, em 1987.

Daryl é a segunda parte de Hall & Oates, dupla americana de pop soft rock formada em 1970 na Filadélfia. Daryl Hall é geralmente o vocalista principal e John Oates toca principalmente guitarra, em um trabalho dos mais memoráveis do gênero. Everytime You Go Away se tornou mais conhecida com um cover feito pelo cantor e músico inglês Paul Young em 1985, que se tornou um verdadeiro hit internacional.

Antes só que a crítica que mal acompanhado

Roger Ebert, um dos maiores críticos de cinema que os Estados Unidos já produziram, comenta de Antes Só do que Mal Acompanhado em Grandes Filmes, um dos seus mais prestigiados livros, no qual o considera como um dos melhores já feitos.

Em sua opinião, a mistura de atores e enredo adequados desbanca outros filmes do gênero, “mantendo-se acima deles numa espécie de perfeição.”

Antes Só Que Mal Acompanhado

Mais que isso, Ebert nos oferece o melhor recorte que podemos ter a respeito de Antes Só do que Mal Acompanhado, mais o mood que John Candy oferecia. Reproduzimos o trecho abaixo:

Certa noite, alguns anos depois do lançamento de Antes Só do que Mal Acompanhado, em me deparei com John Candy sentado sozinho em um bar de hotel em Nova York, fumando e bebendo, e conversamos um pouco. Estaríamos no mesmo programa de TV no dia seguinte.

Ele estava deprimido. As pessoas o amavam, mas ele não queria parecer saber, ou isso era insuficiente. Era um sujeito meigo, contra quem ninguém tinha o que dizer, porém era rude consigo mesmo.

Só desejava fazer as pessoas rirem, mas às vezes exagerava e se odiava por agir também assim nos filmes.

Pensei em Del. Sua atuação é tão verdadeira que transforma todo o filme. Hughes sabia disso.”

Grandes Filmes, 2005, de Roger Ebert, página 67

John Candy (1950-1994)

John Franklin Candy foi um dos atores mais engraçados do cinema.

Nascido em 1950 na cidade de Newmarket, Ontario, no Canadá, ele tem ascendência ucraniana e polonesa. Já no colégio gostava de atuar, e com 21 anos, conseguiu seu primeiro papel no entretenimento, um episódio da série de TV Dr. Simon Locke (1971).

Isso foi o primeiro passo para ele aparecer também nos shows Tunnel Vision (1976) e Find the Lady (1976).

Com 27 anos, ele se juntou ao grupo de comédia Second City, de Toronto, onde dividiu palcos de comédia com Catherine O’Hara (amiga de longa data de Candy), Eugene Levy, Rick Moranis e Harold Ramis. Quando o show começou na passar na TV, o sucesso veio.

John recebeu um convite de Steven Spielberg para fazer 1941: Uma Guerra Muito Louca (1979), junto com Dan Aykroyd. E já emendou participações no prestigiado programa de humor Saturday Night Live, SCTV Network 90 e o filme Recrutas da Pesada (1981).

Ele fez Splash: Uma Sereia em Minha Vida (1984), comédia de Ron Howard com Tom Hanks e Daryl Hannah; Chuva de Milhões (1985); e Armados e Perigosos (1986), com seu velho amigo Eugene Levy.

Em 1987, além de Antes Só do que Mal Acompanhado, também fez S.O.S.: Tem um Louco Solto no Espaço (1987), dirigido por Mel Brooks. Fez As Grandes Férias (1988), de novo com Dan Aykroyd e Quem Vê Cara Não Vê Coração (1989), com Macaulay Culkin.

Nos anos 90, fez Esqueceram de Mim (1990), um dos últimos de seus papéis de comédia. John Candy decidiu pegar tramas mais sérias, e interpretou um advogado em JFK: A Pergunta que Não Quer Calar (1991), de Oliver Stone, uma participação especial em Construindo Uma Carreira (1991), filme com Jennifer Connelly e com roteiro de Hughes, e retornou para um papel muito engraçado em Jamaica Abaixo de Zero (1993).

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Sempre acima do peso, Candy tentava controlar isso, mas nunca teve sucesso, e pra piorar ele era adepto do alto consumo de cigarros, que fica bem aparente em sues filmes, inclusive em Antes Só do que Mal Acompanhado. Seu pai e avô morreram de ataque do coração, e John morria de medo disso.

Antes Só Que Mal Acompanhado

O pai dele tinha apenas 35 anos quando morreu, deixando John órfão aos 5 anos.

Candy estava filmando Operação Canadá (1995), com Michael Moore e Dois Contra o Oeste (1994).

E o destino quis que, em março de 1994, John Candy sofresse um ataque fulminante, aos 44 anos de idade.

Antes Só Que Mal Acompanhado

John Candy foi o ator que mais apareceu em filmes de John Hughes, dirigidas e escritas por ele: Férias Frustradas (1983), Antes Só do que Mal Acompanhado (1987), As Grandes Férias (1988), Ela Vai Ter um Bebê (1988), Quem Vê Cara Não Vê Coração (1989), Esqueceram de Mim (1990), junto com sua melhor amiga, Catherine O’Hara, a mãe de Kevin, e Construindo uma Carreira (1991).

O IMDB informa que Catherine O’Hara teria dito que recebeu uma ligação de John quando ele estava filmando Dois Contra o Oeste, no México, onde ele teria falado que sentia que alguma coisa ruim estava prestes a acontecer.

O site dá 65 créditos como ator para John Candy em produções audiovisuais.

Antes Só Que Mal Acompanhado

Sem surpresas nenhuma que Antes Só do que Mal Acompanhado era o filme favorito de Candy, e de Steve Martin até hoje.

Antes Só Que Mal Acompanhado

É um trabalho que tem qualidades estéticas ou artísticas foram do comum, mas seu resultado final é equilibrado e leve, como poucos conseguem ser.

A morte do comediante John Candy, em 1994, e de John Hughes, em agosto de 2009, amplia ainda mais a sensação de uma época que ficou para trás.

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