CHICO BUARQUE DE HOLLANDA | A Banda: seguimos todos precisados de amor

A ideia inicial era que Chico Buarque não subisse ao palco do II Festival de Música Popular Brasileira, naquele 10 de outubro de 1966, e A Banda, composição do artista que concorria ao prêmio de melhor da noite, seria cantada apenas por Nara Leão.

Uma mudança nos planos não só consagraria a música, como levaria o compositor ao sucesso também como intérprete.

A Banda nasceu do propósito de vencer o festival. Humberto Werneck, autor da reportagem biográfica que faz parte do livro Tantas Palavras, sobre a obra do artista, contou sobre uma noitada em um bar de São Paulo. Lá, Chico ouviu Gilberto Gil cantar Rancho da Rosa Encarnada e decidiu: “Tenho que fazer uma música para ganhar dessa aí no festival”.

A imagem de uma banda passando veio à cabeça do artista em julho daquele ano. Sem lembrar precisamente o dia, Chico contou, em entrevista ao Museu da Imagem e do Som (MIS), que fez a música na hora do almoço.

“Não tinha nada a ver com banda, estava com fome, esperando o almoço. Eu tive a ideia da imagem da banda passando e vi várias coisas acontecendo”, relatou.

Mesmo dizendo que não usou uma referência específica para compor a canção, na mesma entrevista, o artista falou sobre algumas memórias que guardava. Já tinha visto bandas como a da canção em São Paulo; no colégio Cataguases, onde estudou na juventude; e na Europa, formada por um grupo de escoceses.

Chico Buarque e Nara Leão

Ele mencionou, também, a troca da guarda do Palácio de Buckingham, em Londres. “Vi que a banda é um negócio alegre para todo mundo”, explicou Chico.

Almoçando com lápis e papel na mão, o compositor fez a música “quase inteira de estalo”. Focado na alegria proporcionada a quem interrompe a rotina para ver a banda passar, Chico criou uma letra simples e ingênua.

A Banda
A partitura de A Banda está no Arquivo Nacional

A melodia remete a marchinhas e bandas do interior, daquelas que costumavam se apresentar em coretos.

O primeiro a ver a música pronta, segundo Chico, foi Caetano Veloso, que teria ficado entusiasmado. Logo depois, o compositor mostrou a canção para Nara, que ficaria coma incumbência de defendê-la no festival.

A torcida e o empate em A Banda

A Banda passou pela fase de eliminatórias do festival. Na primeira apresentação, Nara foi acompanhada, claro, por uma banda, porém, ficou evidente que os sons dos instrumentos encobriam a voz da cantora.

Ficou decidido, então, que Chico subiria ao palco para reforçar o show na final.

No livro Uma Noite em 67, de Renato Terra e Ricardo Calil, o crítico musical e pesquisador Zuza Homem de Mello, na época responsável pelo som do evento, explicou que a mudança foi sugerida por Manoel Carlos, que, depois, construiria uma carreira como autor de novelas.

Manoel Carlos, que era um dos produtores, sugeriu que se colocasse Chico Buarque, autor da música, cantando ‘A Banda’ inteirinha, sozinho com o violão, e depois entrava Nara com a bandinha. E assim a música foi ouvida integralmente, percebida e decorada”.

A Banda disputava o prêmio com Disparada, canção de Geraldo Vandré e Théo de Barros, interpretada por Jair Rodrigues, Trio Maraiá e Trio Novo. A preferência da plateia se dividiu e um clima de Fla x Flu se instaurou no teatro da TV Record, que produzia o festival.

O fato de ter uma letra “alienada” era a principal crítica feita à composição de Chico, especialmente por aqueles que preferiam Disparada, canção de evidente cunho político.

A Banda
Jair Rodrigues, Nara Leão e Chico Buarque no Festival de Música Popular Brasileira, exibido na TV Record

Na época, os festivais eram as melhores vitrines para as chamadas músicas de protesto, que expunham preocupações sociais e criticavam a situação política do país, que vivia sob uma ditadura militar.

Com A Banda, a intenção do compositor foi sempre a de fugir um pouco da onda de canções de protesto, que tinha ganhado popularidade a partir do show Opinião, em 1964. “Já havia um certo desgaste naquilo”, declarou Chico em entrevista concedida aos autores de Uma Noite em 67.

Diante de músicas tão opostas e de torcidas exaltadas, o júri do festival anunciou um empate. Além do título de melhor da noite, o prêmio em dinheiro também seria dividido entre os compositores.

A Banda
Uma sessão de autógrafos do Chico Buarque no seu primeiro disco

Acontece que, na verdade, o resultado não foi bem esse e uma das poucas pessoas que sabia disso era Zuza Homem de Mello, que tinha recebido de Paulo Machado de Carvalho, dono da TV Record, a tarefa de guardar os votos dos jurados.

Fiel a um compromisso assumido naquela histórica e tumultuada noite, Zuza guardou o segredo durante quase quatro décadas, para finalmente revelá-lo em 2003, quando publicou o livro ‘A era dos festivais’. Contou então que os jurados escolheram ‘A Banda’, mas que Chico reagiu: não receberia o prêmio se ele não fosse repartido com ‘Disparada’ de Vandré. E assim se fez.”, escreveu Werneck em Tantas Palavras.

A visibilidade de A Banda no II Festival de Música Popular Brasileira e a decisão de ter o compositor interpretando a própria música impulsionaram a carreira de Chico, que passou a fazer sucesso, a partir dali, como cantor.

Sucesso e o primeiro disco

Na mesma noite do festival, Chico Buarque contratou o primeiro empresário, Roberto Colossi, e, poucas horas depois, já tinha mais de trinta shows marcados pelo Brasil, segundo a reportagem biográfica que faz parte do livro Tantas Palavras. O compacto de Nara Leão com A Banda vendeu 100 mil cópias em menos de uma semana.

Tanto sucesso fez com que a gravadora RGE se apressasse em gravar o primeiro disco de Chico. O estúdio funcionou, inclusive, aos sábados e domingos e, ainda em outubro daquele ano, foi lançado o LP Chico Buarque de Hollanda, que trazia duas fotos do artista na capa: uma sorrindo e outra, com a feição séria.

Àquela altura, ninguém poderia imaginar que a imagem se transformaria, décadas depois, com as redes sociais, em um dos memes mais compartilhados na internet.

A Banda, é claro, foi a música escolhida para abrir o álbum. O sucesso no festival, evidentemente, influenciou a decisão, mas, artisticamente, a opção também faz sentido.

Mais do que um cartão de visita do cantor, a canção funciona como um “abre-alas” para as outras composições do disco, como A Rita, Olê, Olá e Pedro Pedreiro.

A popularidade de A Banda era tanta que a ditadura tentou se beneficiar desse sucesso, conforme relatou a reportagem biográfica de Werneck. “Maquiavélica, a ditadura utilizou ‘A Banda’ numa campanha de alistamento militar – e, diante do protesto formal de Chico, jogou a responsabilidade sobre a agência de propaganda que fizera o anúncio”.

Cantando coisas de amor

A essência de A Banda foi tema da coluna de Carlos Drummond de Andrade, no jornal Correio da Manhã, quatro dias depois da final do festival.

Elogioso à canção, o escritor falou, ainda que indiretamente, das críticas que a letra recebia por não ser politicamente engajada, mas destacou, acima de tudo, os sentimentos de alegria e amor que a canção evoca.

O jeito, no momento, é ver a banda passar, cantando coisas de amor. Pois de amor andamos todos precisados, em dose tal que nos alegre, nos reumanize, nos corrija, nos dê paciência e esperança, força, capacidade de entender, perdoar, ir para a frente. Amor que seja navio, casa, coisa cintilante, que nos vacine contra o feio, o errado, o triste, o mau, o absurdo e o mais que estamos vivendo ou presenciando”, escreveu Drummond.

Da mesma forma que nos faz protestar e refletir sobre a realidade, a música é uma arte que também assume uma função edificante, de nos tirar do chão, nem que seja por alguns instantes.

Chico Buarque está longe de ser um artista alienado, passagens da vida e da obra dele deixam isso bem claro, mas A Banda surgiu de uma necessidade criativa de evitar a crueza da vida real e exaltar o lúdico, a felicidade.

Chico Buarque

Temos provas diárias de que ignorar completamente realidade nos leva por caminhos equivocados e obscuros. É preciso encarar o mundo lá fora, mas, para que isso seja feito de forma saudável, precisamos parar, por alguns instantes, para ouvir a música que a banda tem a apresentar.

Se, como já disse o poeta Ferreira Gullar, a arte existe porque a vida não basta, prestar atenção a uma banda que passa é um respiro que nos dá forças para continuar depois que ela vai embora.

Nesse sentido, nada mudou desde o lançamento de A Banda: seguimos todos precisados de amor.

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Essa é a seção Firstliner do Destrutor, onde a primeira faixa de uma artista ou banda é comentada. Paula Valelongo fez sobre o Untitled do Interpol; o Jota Abreu fez sobre Sonífera Ilha dos Titãs; e você pode saber mais da Black Sabbath, do Black Sabbath, e de Welcome to The Jungle, do Guns N´Roses, escritas por mim, Tom Rocha.

Esse texto de A Banda, do Chico Buarque, é de autoria do jornalista Erick Rodrigues, que você encontra no blog Trocando de Canal. A proposta do blog dele é organizar e compartilhar ideias, opiniões e reflexões sobre produtos de entretenimento, como séries, novelas, programas e minisséries. Além do blog, você pode acompanhar o trabalho do Erick no Instagram do blog.

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