SONÍFERA ILHA | O sonífero que despertou o mundo para os Titãs

Um ska com uma coisa meio dodecafônica, com uma frase estranha, falando uma história para boi dormir. Não sei sobre o que fala a música até hoje” – Paulo Miklos, vocalista dos Titãs, à revista Rolling Stone

Ela é esquisitinha. Deu sorte que ficou bem resolvida” – Sérgio Britto, tecladista dos Titãs, à revista Rolling Stone

Titãs
Do álbum: Titãs (1984)
Música: “Sonífera Ilha

Sonífera Ilha

Como a WEA, uma gravadora ligada à Warner, não ia muito bem das pernas no início dos anos 1980, André Midani (executivo da multinacional) designou Pena Schmidt para recrutar artistas de São Paulo e tentar levantar o selo.

Peninha achava que o cenário paulistano era pouco comercial, tudo o que se fazia estava fora de qualquer convencionalidade. Mas, garimpou e descobriu alguns promissores artistas.

Foram saindo compactos – pequenos disquinhos de vinil com uma música de cada lado. Desta forma, o Magazine, de Kid Vinil, e o Ultraje a Rigor, de Roger Moreira, começaram seus sucessos. Um disco completo era o passo seguinte, em caso de êxito dos compactos.

Entre as fitas demo na mesa de Pena estava uma dos Titãs do Iê Iê, um grupo com inacreditáveis nove integrantes, e igual pluralidade de influências musicais. Era só dois “Iê Iê” no nome, porque eles não queriam soar “Iê Iê Iê”, mas quase isso. Não era só rock, nem só new wave, nem só tropicalista, nem só brega.

Era tudo junto, e a mistura já fazia a cabeça da juventude nas casas noturnas locais. O desempenho deles no palco impressionava. “Sonífera Ilha” estava no repertório e era uma das preferidas.

A canção foi composta por Branco Mello, Tony Bellotto, Marcelo Fromer, Ciro Pessoa e Carlos Barmack (artista plástico).

Em uma confecção chamada Kaos Brasilis, num sábado à tarde, nos intervalos de partidas de futebol de botão, Ciro Pessoa mostrou uma melodia que havia criado inspirado em Quero que tudo vá para o inferno, de Roberto e Erasmo Carlos.

Ciro morreu em 2020 com complicações da covid-19. Mas, na entrevista abaixo, ele conta que, sob efeito de substâncias pouco lícitas, os outros amigos ajudaram na conclusão da letra surreal e relativamente sem sentido.

Na imaginação dos compositores, era uma música feita sob encomenda para o cantor Jessé (1952-1993), que fazia sucesso nos festivais da época.

Parece que ele ignorou quando os garotos tentaram lhe entregar uma cópia da canção, que ficou apenas para o repertório da banda.

Após muita resistência, Pena conseguiu que os Titãs (já sem o Iê Iê) fossem contratados para um compacto. A banda rejeitou e só topava se fosse um disco completo. Ciro Pessoa já tinha saído, reduzindo o grupo a um octeto.

Pena voltou a brigar por eles com a WEA e conseguiu. Sem fazer um compacto, gravaram o primeiro disco, Titãs, em 1984, em um precário estúdio de jingles chamado Áudio Club, no bairro de Santa Cecília, em horários que sobravam. Guitarras plugadas direto na mesa, sem uso de amplificador.

O teclado Casio era praticamente de brinquedo. As baterias pareciam suaves demais diante do que se apresentava ao vivo. A banda ficou bastante insatisfeita com o resultado, mas decolou mesmo assim. Sonífera Ilha abre o disco de estreia dos Titãs.

Sonífera Ilha mistura ritmo agitado e alegre, com um tom menor e letra enigmática, proporcionando um certo ar de melancolia; os vocais da introdução favorecem o clima de mistério.

Com a saída de Ciro, a gravação foi eternizada na voz de Paulo Miklos, um dos cinco vocalistas que “restaram” na banda naquele momento. Alto astral era moda graças a bandas como a Blitz (que, curiosamente, gravou Sonífera Ilha anos depois) e, nesse embalo, a música dominou as rádios, foi a mais tocada de 1984 (de acordo com vários sites).

Consequentemente, o grupo foi parar em todos os programas de TV mais populares, começando com Raul Gil (TVS, como era conhecido o SBT antes), Clube do Bolinha (Bandeirantes), Barros de Alencar (Record) e Cassino, do Chacrinha (Globo).

Desde o início, os Titãs nunca se esquivaram de buscar o sucesso popular; pelo contrário, em toda a carreira, sempre buscaram alcançar todos os públicos, sem preconceito.

A postura levou a momentos impagáveis registrados em vídeos, e disponíveis na internet, ou no documentário que conta a história da banda, “A vida até parece uma festa”, de 2008, com direção de Branco Mello e Oscar Rodrigues Alves.

Em qualquer fase, os Titãs foram a programas do Sílvio Santos, Hebe Camargo, Ana Maria Braga, Gugu, Faustão, etc.

Ao longo das décadas, em poucas turnês a música esteve fora do setlist da banda. A primeira regravação, porém, ocorreu 14 anos depois, em 1998, no disco Volume Dois.

Em 2005, foi feito o registro de uma versão que mistura o ska da versão tradicional com guitarras mais pesadas.

Sonífera Ilha foi regravada por vários outros artistas e virou, inclusive, queridinha dos grupos de axé music no carnaval de Salvador, como o Chiclete com Banana.

A busca pela popularidade e sucesso sem deixar de lado o rock e a ironia, aliados à criatividade musical diante das limitações técnicas dos integrantes são elementos cruciais de Sonífera Ilha e, curiosamente, também podem servir para descrever a pluralidade da banda prestes a completar 40 anos de estrada.

Os Titãs se reduziram a um trio, após saídas de quatro integrantes (Arnaldo Antunes em 1992, Nando Reis em 2002, Charles Gavin em 2010 e Paulo Miklos em 2016) e a morte de Marcelo Fromer (atropelado em 2001). Atualmente, seguem como fundadores Sérgio Britto, Branco Mello e Tony Bellotto.

No mais recente trabalho, uma visita ao repertório da banda com versões minimalistas e acústicas, Branco Mello cantou Sonífera Ilha pela primeira vez (e fala sobre isso em entrevista abaixo).

São os Titãs se regenerando, como alguns répteis, ainda que percam membros no decorrer da vida.

Sonífera Ilha

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Jota Abreu é jornalista, funcionário da TV Cultura, trabalha na comunicação institucional da Câmara Municipal de São Paulo. Você pode acompanhar mais de seus trabalhos e o que ele curte em seu perfil no Instagram e Facebook.

/// FIRSTLINER. Essa é a seção do blog onde a primeira faixa de uma artista ou banda é comentada. O Jota fez o quarto post, e estreia os artistas nacionais na seção com o Sonífera Ilha, dos Titãs. Você também pode saber mais um pouco sobre a Black Sabbath, do Black Sabbath, no Black Sabbath, e de Welcome to The Jungle, do Guns N´Roses, no Appetite For Destruction, por Tom Rocha. E a Paula Valelongo escreveu sobre o Interpol e seu Untitled, a canção que abre o disco Turn on The Bright Lights.

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