DARK | O caleidoscópio da viagem no tempo

Dark e o conceito de viagem no tempo apresentado na série da Netflix se solidificou ao longo de 18 episódios em duas temporadas do seriado alemão disponível no serviço de streaming.

Mas em sua terceira e última temporada, escolheu um caminho criativo perigoso, com a abertura de novas realidades, universos-irmãos e e linha conjuntas de narrativa para costurar seu desfecho.

Tudo se resume a moradores da cidade fictícia de Winden que viajam através dos anos para tentar mudar o destino e salvar a vida das pessoas que amam. É o maior mérito da série, que coletivamente apresenta um universo rico de personagens e um elenco sensacional escalado.

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Os ciclos infinitos no tempo em Dark

Tudo é interessante em Wilden, as intrigas amorosas dos jovens, as traições e brigas conjugais dos mais velhos, as relações amorosas de pais e filhos, avós e netos, tios e sobrinhos, irmãos e irmãos, a vontade de acompanhar suas vidas e rotina é irresistível.

É muito difícil criar empatia para dezenas de figuras indo e vindo, ainda mais quando se mexe em um brinquedo que todos querem e acham simples, como a viagem no tempo.

Mas os realizadores conseguem, e o fazem com uma qualidade tal que merece a vista — Dark é um seriado, enxuto e instigante, com seus altos tão nas nuvens que os baixos some devido a visão aérea que proporciona.

Embarcar em Dark e suas viagens no tempo é caminhar nas nuvens e não ver esse tempo passar. Dark passeia com tranquilidade em ficção científica, romance, sexo, investigação criminal e ação.

Em 2017, saiu a primeira temporada de Dark, que já mostrava logo em seus primeiros episódios o conceito de viagem no tempo. Dois anos depois, em 2019, com o produto falado pela audiência, com seu roteiro intrincado, misterioso e convidativo ao debate, retornou, melhor ainda, com um aprofundamento de questões que a primeira só arranhou.

Tudo estava preparado para um gran finale sem defeitos, mas a resolução do último episódio da segunda, Fins e Começos, deixou um gosto de “já vi isso antes” para quem é fã de ficção científica que envolva viagem no tempo.

27 de junho de 2020 é o apocalipse para Winden e todo o mundo. Não foi no nosso

A série foi criada pela roteirista Jantje Friese e pelo diretor Baran Bo Odar. Dark e suas viagens no tempo exploram as implicações existenciais do tempo e seus efeitos sobre a natureza humana, usando as famílias de Winden para exercitar esse drama.

Apesar de ser inicialmente comparada a Stranger Things – ambas partem do desaparecimento de uma criança, e são produtos da Netflix, – a série conseguiu ganhar fama por si só.

Tudo gravita em torno de Jonas Kahnwald (Louis Hofmann) e Martha Nielsen (Lisa Vicari), presos romanticamente um ao outro, o que serve de pretexto para os criadores de Dark promoverem discussão sobre quanto os ciclos são perpétuos e (quase) impossíveis de se quebrar, com amor e morte como fiéis da balança.

Para combinar com 2020, série dedica boa parte de sua última temporada para criar uma atmosfera desanimadora, com um lampejo de esperança apenas perto do final.

Jonas Kahnwald (Louis Hofmann) e Martha Nielsen (Lisa Vicari), os nós de Dark, e infelizmente, para mais gente, a genealogia deles também

A viagem no tempo de Dark e além disso

(spoilers à frente)

A terceira temporada estreou na Netflix em 27 de junho de 2020, sábado, a mesma data do apocalipse no seriado — ironicamente, uma necessidade ao que parece de muitos no mundo real, devido ao estado atual do nosso planeta.

E não sem surpresa, mexe com realidade paralelas. Ao longo de oito episódios, acompanhamos a construção de um Mundo 2 onde Jonas não existe, e somos levados a crer que a resposta dos problemas e nós a serem desatados em seu mundo estão aqui.

O conceito de universo paralelo em viagem no tempo muitas vezes é uma trapaça, e é o que acontece com a terceira temporada de Dark, com direito até a criação/aparição/descobrimento de um terceiro mundo.

Há muitas falsas equivalências, como a Martha desse Mundo 2 se apaixonar rápido demais pelo Jonas do Mundo 1, e falsas simetrias, com os personagens espelhando sósias e atitudes difíceis de digerir ou criadas a fim de chocar — Adam / Jonas matar sua mãe?

Faltam resoluções de sub-tramas e explicações de contextos importantes que o seriado focava.

Qual a origem do relógio de Charlotte?  E o truque de mágica que Claudia Tiedemann faz ao deduzir a resolução de tudo cheira demais a um Deus Ex Machina. Ao menos os produtores se eximiram de usar isso em um título de episódio.

Algumas perguntas não serão respondidas em Dark

Se antes a trama de Dark acontecia de forma não linear, mas com situações específicas nos anos de 1953, 1986 e 2019, ela expandiu um pouco ao longo dos episódios, e na terceira temporada, isso é demolido totalmente pela convenção do roteiro.

Mas há de se ressaltar esse três anos específicos. Eles representam dois ciclos de 33 anos, de acordo com o personagem Dr. H.G. Tannhaus – que, na série, é autor do livro Viagem Através do Tempo, e que notavelmente se transforma em ponto fulcral da trama.

Parte das respostas ao emaranhado quântico da trama parecia estar presente desde sempre em Dark

É preciso olho atento para se situar e identificar quando estamos no Mundo 1 ou o Mundo 2, e ainda mais em que período de tempo deles. Não é fácil. Dark tem muitas qualidades, mas a amarração fica aquém.

Está longe de ser ruim, mas pela qualidade que foi oferecida anteriormente nas duas temporadas, não satisfaz o que provocou de fome.

Viagem no tempo é um terreno criativo espinhoso, ainda que por óbvio seja teórico mesmo na boca e letras de cientistas que se dedicam a estudo correlatos da área — física e mecânica quântica, por exemplo — e mesmo assim é fácil escorregar e cair em cima dele, e nem uma performance estável de Dark evitou isso.

Nada de errado com a escolha de conceitos, apenas que não corroboram com apresentado anteriormente.

Há bastante furos e perguntas não-respondidas, mas o fim, com um jantar entre personagens que morreram no decorrer dos 36 episódios, e uma excelente observação dos acontecimentos por Hannah Kahnwald (Maja Schöne) é um bom desfecho afinal.

Mais do que tudo, Dark é uma grande viagem de drama e aventura, e nisso reside sua maior qualidade

Dark, a sinopse da Netflix

Quatro famílias iniciam uma desesperada busca por respostas quando uma criança desaparece e um complexo mistério envolvendo três gerações começa a se revelar.

1.ª temporada

01×01 – Segredos
01×02 – Mentiras
01×03 – Passado e Presente
01×04 – Vidas Duplas
01×05 – Verdades
01×06 – Assim foi criado o mundo
01×07 – Ponto Crítico
01×08 – Você Colhe o que Planta
01×09 – Tudo acontece agora
10×10 – Alfa e Ômega

2.ª temporada

02×01 – Começos e Fins
02×02 – Matéria Escura
02×03 – Fantasmas
02×04 – Os Viajantes
02×05 – Achados e Perdidos
02×06 – Ciclo sem Fim
02×07 – Diabo Branco
02×08 – Fins e Começos

3.ª temporada

03×01 – Déjà-vu
03×02 – Os sobreviventes
03×03 – Adão e Eva
03×04 – A origem
03×05 – Vida e Morte
03×06 – Luz e Escuridão
03×07 – Entretempo
03×08 – O Paraíso

O melhor de Dark

Dark viagem no tempo

Dark viagem no tempo

Dark viagem no tempo

Dark viagem no tempo

 

Franziska Doppler / Gina Alice Stiebitz (Insta)

Hannah Kahnwald / Maja Schöne

/ CALEIDOSCÓPIO. Um caleidoscópio é um aparelho ótico formado por um pequeno tubo de cartão ou de metal, com pequenos fragmentos de vidro colorido, que, através do reflexo da luz exterior em pequenos espelhos inclinados, apresentam, a cada movimento, combinações variadas e agradáveis de efeito visual.

É dessa maneira que a série de Dark construiu sua abertura, com imagens dos personagens e objetos enquadrados em takes dos episódios. O nome “caleidoscópio” deriva das palavras gregas kalos “belo, bonito”, eidos “imagem, figura”, e skopeo “olhar, observar”, o que também reflete a proposta conceitual de Dark.

 

curadoria e textos: tomrocha (twitter e instagram)
jornalista, estrategista de conteúdo e escrevedor de coisas escritas.

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