DIAMANTE DE SANGUE | Jennifer Connelly e o cinema de jornalismo e de guerra

Diamante de Sangue, filme de Edward Zwick, faz de Leonardo DiCaprio e Jennifer Connelly os elementos brancos estrangeiros sempre presentes em narrativas no continente negro, o berço de nascimento da humanidade, a África, nessa trama de ação, política e jornalismo, que atira para vários lados, sem atingir de fato nenhum deles.

A intenção é mostrar a conexão subterrânea entre a mineração escrava de diamantes por corporações estrangeiras via revolucionários políticos e as pressões antagônicas das forças governamentais de Serra Leoa, todas mais interessadas em armas para submeter seu próprio povo a sofrimento atrozes, do que a pacificar o país.

O roteirista Charles Leavitt e o diretor Ed Zwick tentam equilibrar esses temas entre a ficção e realidade, e nisso conseguem expor os males que acontecem em uma ínfima parte do continente africano, ao usar estrelas de Hollywood na maior vitrine da indústria cultural do planeta, o cinema.

A fuga para a liberdade dentro de seu próprio país é um dos temas caros de Serra Leoa, e que Diamante de Sangue toca (bem de leve)

Cinético e bastante comercial, Diamante de Sangue passa longe dos grandes filmes de política e jornalismo da indústria de cinema, mas tem seu valor nas ótimas atuações de seus protagonistas, e um contexto que interessa a todo o mundo ocidental ao trabalhar com uma das maiores vaidades humanas: o apreço por jóias.

Não sem razão, Maddie Bowan, a jornalista que Jennifer Connelly interpreta em Diamante de Sangue, é rápida em dizer que não usa tais adornos.

O longa toca em vários temas sensíveis, mas pelo roteiro que quer abraçar tudo, acaba sem o alento necessário que eles exigem. Um deles reproduz o sanguinário recrutamento de crianças para a revolução.

O filme aborda em situações da guerra civil que assola Serra Leoa, pais no leste da África, e em uma matança na vila de Solomon Vandy (Djimon Hounsou), ele perde a liberdade e a família.

Freetown é a capital de Serra Leoa, “cidade livre” em uma tradução livre. Livre é o que todos os personagens desejam em Diamante de Sangue.

“A morte é um modo de vida”, diz Danny Archer (Leonardo diCaprio) em certo trecho do filme, uma das maneiras mais simplistas de tratar a situação de conflitos na África, e que resume sua jornada ao longo do filme.

A liberdade é impossível, ainda que Edward acene para situação inverossímeis, como Solomon achar a esposa e filhos no meio de um assentamento de um milhão de pessoas. Há diferentes milícias em atuação em Serra Leoa, e isso também é mostrado no filme.

A violência é tão normatizada a ponto dos cadáveres em ruas serem lugar comum e parte do cenário. Muitos se esforçam para tanto, e se matam pelos diamantes — literalmente.

Diamante de Sangue
(Blood Diamond, 2006, de Edward Zwick)

Em outra vida, talvez, né?”
Danny Archer

Mais valioso que diamantes, é a informação

Serra Leoa, 1996, leste africano. Ahmad Tejan Kabbah foi eleito o primeiro presidente civil de Serra Leoa, depois de décadas de governos militares.

Em maio do ano seguinte, militares deram um golpe, e o retiraram do poder, com a ajuda de rebeldes arrolados na força revolucionária RUF.

Após 10 meses, tropas nigerianas leais a Kabbah retomaram o poder, reinstaurando a presidência. Em janeiro de 1999, a RUF voltou a atacar a capital Freetown, e os conflitos recomeçaram. Em julho, Kabbah negociou para ter o líder da RUF, Sankoh, como seu vice-presidente.

A paz durou até abril de 2000, quando o exército da Nigéria saiu do país e a RUF voltou a atacar. A situação degenerou a ponto da RUF atacar até mesmo as tropas da ONU.

Uma escalada de combates e violência levou à prisão de Sankoh e outros membros da RUF que faziam parte do governo, e o vácuo de poder aumentou o caos com diferentes milícias tentando alcançar mais posições de poder.

Forças militares britânicas chegaram país para estabelecer a ordem, e em 2002, Kabbah declarou oficialmente o fim da guerra civil.

A RUF tinha um trunfo e tanto para resistir às tropas do país, Nigéria e ONU — o contrabando de diamantes, que gerava capital para pagar por armamento e drogas.

O país vizinho, Libéria, era usado de fachada, o que o tornou um das maiores exportadores das pedras, mesmo sem ter minas de diamante.

A RUF, para manter essa indústria, invadia vilas e levavam jovens e crianças, e matava o resto, em atrocidades com poucos paralelos na história.

O filme de Edward começa em uma mistura de verdade e ficção, e situa sua história em Serra Leoa, em 1999.

O antagonismo criado entre a cor de pele é passado muito por cima em Diamante de Sangue

A sina do pacato pescador Solomon não é diferente dessa contextualização. Num primeiro momento, ele consegue salvar sua esposa e filhas dos soldados da RUF, mas vê seu filho sendo levado para se tornar um soldado, e ele mesmo perde a liberdade, forçado a ir trabalhar em uma mina de extração de diamantes.

Quando achar uma pedra muito maior do que o normal, ele é pego no fogo cruzado da RUF e do exército do país, mas ele consegue esconder o diamante enorme a tempo.

Uma conferência de políticos (só velhos brancos) do G8 (grupo de reúne os países mais ricos do planeta, nenhum deles “negro), na Bélgica (país notório pela maneira absolutamente diabólica com que tratou os africanos em suas colônias imperialistas) resume parte do que iremos encontrar no filme.

A dinâmica de armas, comércio e política são os fatores com que Edward trabalha em Diamante de Sangue, e o acréscimo de Maddy Bowen (Jennifer Connelly) insere o último — o jornalismo, ferramenta irmã para denunciar os excessos dessa tríade em qualquer sociedade e seus aspectos.

Mais uma vez Jennifer Connelly interpreta uma jornalista

Entra em cena o traficante Danny Archer, que promete ajudar Solomon a encontrar seu filho se a pedra for dele.

A jornalista americana Maddy também tem seu destino atrelado aos dois, quando conhece Archer em um bar, em busca de informações sobre os diamantes de conflito que são contrabandeados para os países ocidentais.

É sob essa aura de pretensa informação e da denúncia que se gera mais sub-produtos dos filmes de Edward, como ação e cenas de explosões calculadas para parecerem sobras — nessa época, as cenas de ação no cinema estavam sob uma nova direção artística, com muita câmera tremida e montagem estilhaçada para criar desorientação.

Ainda que a personagem de Jennifer Connelly em Diamante de Sangue signifique jornalismo na equação, é desonesto deixar todas as cenas em estado de fingimento de reportagem, com takes aparentes para criar a ilusão de que foram feitas do jeito que deu.

Tudo isso começou quando A Identidade Bourne (2002), de Doug Liman, estilhaçou as convenções do cinema de ação até os dias de hoje.

A arte cinética de explosões e cenas de ação pós- A Identidade Bourne ditaram o rumo do gênero e seu poder é sentido até hoje

Edward Zwick tem experiência em trabalhar a temática de políticas em filmes de ação, como Tempo de Glória (1988), Coragem sob Fogo (1996), Nova York Sitiada (1998) e Último Samurai (2003), todos com distintas pretensões e alcances de resultados, não deixam mentir.

Em Diamante de Sangue, ele não fez diferente. Seu filme entrega diversão e deu bom retorno nas bilheterias, o que provou que sua fórmula de deixar o bandido que vira mocinho morrer com dignidade ou seguir uma vida pobre e criminosa em uma terra destroçada pelo colonialismo, funcionou muito bem.

É por isso que ele agrada mais ao público que aos críticos.

O diretor Edward Zwick e Leonardo DiCaprio, que perseguia indicações ao Oscar desde já

Edward ainda tem no currículo filmes mais leves, como Jack Reacher (2016), Amor e Outras Drogas (2010) e Lendas da Paixão (1994).

A escolha pelo tema africano na linguagem em seu cinema se dá pelos anos 2010. Diamante de Sangue saiu na mesma década de Falcão Negro em Perigo, Hotel Ruanda e O Jardineiro Fiel.

O problemas do continente sombrio, como alguns historiadores se referem à África, representa injustiças políticas, econômicas e sociais que os mantêm caóticos, portanto, fonte inesgotável de conflitos, o ingrediente principal de qualquer história de qualquer mídia que seja.

Leonardo diCaprio e a indústria dos diamantes

Leonardo DiCaprio estudou a fundo a indústria dos diamantes — avaliada em US$ 13 bilhões — e sua experiência em gravar Diamante de Sangue mudou sua vida. “Fiquei horrorizado com o que aconteceu em Serra Leoa no final da década de 1990 e de como os diamantes financiaram essa tragédia”, declarou o astro à época, em entrevista à revista americana Time.

O ator é conhecido por defender causas ambientais e humanas, e recentemente ficou mais famoso no Brasil por causa disso, ao ser acusado sem provas pelo presidente Jair Bolsonaro de financiar ONGs que teriam colaborado para os incêndios na Floresta Amazônica.

Depois do filme, DiCaprio foi um dos principais investidores da startup californiana Diamond Foundry, que produz diamantes em laboratório. Um diamante é, essencialmente, uma forma do carbono, como o grafite do lápis também é.

O que transforma o elemento químico carbono na natureza, na desejada pedra preciosa que se dá o nome de diamante, é uma combinação de alta temperatura e pressão.

Para recriar esse processo em laboratório, a empresa criou a duras penas um reator de plasma de alta potência, capaz de atingir uma temperatura tão quente quanto as camadas externas do sol.

Para fazer esse diamante de laboratório, uma pequena lâmina de diamante natural é colocado no reator de plasma, com o intuito de ser o modelo atômico. Depois, carbono é adicionado à máquina, que esquenta até chegar mais de 5 mil graus celsius.

Isso possibilita formato e tamanho sem previsibilidade ou planejamento, como ocorreria na natureza.

Em 2018, quando conseguiu bater a produção anual de 100 mil quilates e a façanha de ser lucrativa, a Diamond Foundry foi também citada como uma das empresas mais inovadoras pela Fast Company, um dos sites de notícia de comércio e tecnologia mais respeitado do mercado.

As pedras fabricadas no laboratório financiado por DiCaprio são vendidas em algumas lojas parceiras, em diferentes países: EUA, Canadá, México, Suécia, Guatemala, França, Alemanha, Japão e Inglaterra.

As informações são do site Neofeed, que você pode conferir em mais detalhes aqui, em uma matéria de 2019.

Jennifer Connelly e o diamante do jornalismo

O olhar de Maddy está atento em tudo que acontece no filme

Jennifer Connelly e seu papel de Maddie Bowen em Diamante de Sangue não foi novidade para a atriz, no que diz respeito ao meio profissional do jornalismo.

Em Do Amor e de Sombras e Amor Maior que a Vida, ela fez o papel de jornalistas também. De modo bem curioso, foram papéis bem similares.

Em Amor Maior que a Vida, ela faz Sarah Williams (mesmo nome, aliás, de um de seus mais famosos papéis, no clássico de fantasia, Labirinto), e em Do Amor e de Sombras, ela faz Irene Beltrian.

O cinema que trata de política e jornalismo se confunde com o de guerra de muitas maneiras, e são praticamente indissociáveis na maioria das vezes.

Os conflitos que Jennifer Connelly passa nas peles de Sarah e Irene são vividos sob o chicote e tiros da ditadura militar chilena dos anos 1970 — por óbvio, um conflito político.

Longe de alcançar excelência em filmes consagrados de jornalismo de guerra, que os anos 80 produziu em quantidade e qualidade considerável, como Salvador: O Martírio de um Povo (1986), Sob Fogo Cerrado (1983), O Ocaso de um Povo (1981), Deadline (1987), Um Grito de Liberdade (1987), Os Gritos do Silêncio (1984) e O Ano que Vivemos em Perigo (1982), ao menos Diamante de Sangue ganha mérito em expor para o grande público os conflitos resultantes de uma commoditie altamente capitalista e fútil, como a indústria de adornos de jóias.

Jennifer Connelly Diamante de Sangue
A contextualização rápida a favor de um cinema de ação mais comercial não impede os temas densos de Diamante de Sangue terem destaque

Alás, o cinema que bebe de fontes políticas e jornalísticas para criar seu material encontra verdadeiros diamantes dramáticos nos anos 70 e 80.

É em 1971 que os papéis do Pentágono sobre a política americana no Vietnã são publicados pelo The New York Times. Em 1975, Corações e Mentes, de Peter Davis (um cineasta que também é jornalista e produtor da CBS, uma das maiores redes de TV dos EUA), ganha o Oscar de Melhor Documentário — ele trata da Guerra do Vietnã.

Era só o começo dessa guerra no imaginário culpado dos cineastas da América. Em 1979, Apocalypse Now, de Francis Ford Copolla, ganha a Palma de Ouro em Cannes, e é indicado a Melhor Filme.

A ator Dennis Hopper faz o papel de um jornalista, a figura mais próxima do ator-Sol do longa, Marlon Brando e seu poderoso Kurtz.

A trama se passa no Vietnã, apesar de sua fonte, o romance No Coração das Trevas se passar, ora vejam, na África.

No mesmo ano, O Franco-Atirador, de Michael Cimino, com Robert de Niro e Christopher Walken, ganhou 5 Oscar com sua trama de neurose pós-conflito.

Em 1985, o já citado Os Gritos do Silêncio ganha o Oscar de melhor ator para Haing S. Ngor, um médico sem experiência de atuação, ele mesmo um sobrevivente do regime do Khmer Vermelho no Camboja, um dos países pego no fogo cruzado entre Estados Unidos e Vietnã.

Jennifer Connelly Diamante de Sangue

25º filme de Jennifer Connelly
Pecados Íntimos
Estados Unidos

/// A MARATONA JENNIFER CONNELLY.

1- Era Uma Vez na América (1984)
2- Phenomena (1985)
3- Sete Minutos Para o Paraíso (1985)
4- Labirinto – A Magia do Tempo (1986) 
5- Essas Garotas (1988) 
6- Etoile (1989)
7- Hot Spot – Um Local Muito Quente (1990)
8- Construindo Uma Carreira (1991)
9- Rocketeer (1991)
10- O Coração da Justiça (1992)
11- Do Amor e de Sombras (1994)
12- Duro Aprendizado (1994)
13- O Preço da Traição (1996) 
14- Círculo das Vaidades (1996) 
15- Círculo das Paixões (1997)
16- Cidade das Sombras (1998)
17- Amor Maior que a Vida (2000)
18- Réquiem Para um Sonho (2000) 
19- Pollock (2000)
20- Uma Mente Brilhante (2001)
21- Hulk (2003)
22- A Casa de Areia e Névoa (2003)
23- Água Negra (2005)
24- Pecados Íntimos (2006)
25- Diamante de Sangue (2006)
26- Traídos pelo Destino (2007) 
27- O Dia em que a Terra Parou (2008)
28- Coração de Tinta (2008)
29- Ele Não Está Tão a Fim de Você (2009)
30- 9 – A Salvação (2009)
31- Criação (2009)
32- Virginia (2010) 
33- O Dilema (2011)
34- E…que Deus nos Ajude!!! (2011)
35- Ligados pelo Amor (2012)
36- Um Conto do Destino (2014)
37- Marcas do Passado (2014)
38- Noé (2014)
39- Viver Sem Endereço (2014)
40- Pastoral Americana (2016)
41- Homem-Aranha De Volta ao Lar (2017)
42- Homens de Coragem (2018)
43- Alita – Anjo de Batalha (2019)

/// 2006. Nos cinemas estavam filmes como Se eu Fosse Você, Soldado Anônimo, Boa Noite e Boa Sorte, O Segredo de Brokeback, Johnny & June, Orgulho e Preconceito, Syriana – A Indústria do Petróleo, Dreamgirls – Em Busca de um, Doom – A Porta do Inferno, Ponto Final – Match Point, A Sangue Frio, Capote, Equilibrium, A Era do Gelo 2, Árido Movie, O Albergue, Ultravioleta, Missão Impossível 3, O Código Da Vinci, X-Men: O Confronto Final, Pergunte ao Pó, Seres Rastejantes, Terror em Silent Hill, Superman – O Retorno, Piratas do Caribe 2: O Baú da Morte, Abismo do Medo, Click, Velozes e Furiosos: Desafio em Tóquio, Miami Vice, Voo United 93, Serpentes a Bordo, A Casa do Lago, Menina Má.Com, O Diabo Veste Prada, As Torres Gêmeas, Dália Negra, Pequena Miss Sunshine, Jogos Mortais 3, O Grande Truque, Uma Verdade Inconveniente, Os Infiltrados, Fonte da Vida, O Labirinto do Fauno, Filhos da Esperança, 007 – Cassino Royale, Eragon, entre outros.

/// ROTTEN TOMATOES. Diamante de Sangue tem uma pontuação de 67% no site agregador de críticas da internet.

A idade de Jennifer Connelly em Pecados Íntimos é de 36 anos.

Jennifer Connelly não tem Instagram nem outro perfil em redes sociais.

Jennifer Connelly Diamante de Sangue
Jennifer Connelly em Diamante de Sangue

curadoria e textos: tomrocha (twitter e instagram)
jornalista, estrategista de conteúdo e escrevedor de coisas escritas.

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