Quadrinho italiano de 1962, com o protagonista mais amoral que você pode imaginar, Diabolik é o ancestral do arquétipo vilão e anti-herói, que seriam moda muitos anos depois.
Uma criação sensual e violenta, metódica e sem escrúpulos, fruto do gênio de duas senhoras italianas, as irmãs Angela e Luciana Giussani, publicado pela editora Astorina.
Diabolik é a identidade secreta de um ladrão altamente habilidoso e audacioso, mestre de mil disfarces, que mata se necessário — criminosos, inocentes e guardas não escapam de sua mira se ele tiver que tirá-los do caminho.
Dono de imenso conhecimento em diversas áreas como mecânica, computadores e outras ciências, ele é um tipo de Robin Hood sanguinário e egoísta, que apenas deseja satisfazer seu ego.
A fama do personagem extrapolou a mídia de quadrinhos, gerou cópias e teve livros, filmes e videogames.
Criado como órfão em uma ilha de criminosos, Diabolik teve uma escola altamente eficiente no local, onde aprendeu tudo que sabe.
Mais velho , saiu de lá e montou como base de operações um esconderijo na cidade Clerville, levemente inspirada em Geneva, Suíça. Sua atuação se dá por toda a Europa, e nenhum objeto de valor está a salvo de suas ambições.
Seu nome nunca foi revelado nas histórias, e ninguém sabe nada a seu respeito. Diabolik sempre escapa das mãos do inspetor de polícia Ginko, o mais frequente agente da lei que tenta detê-lo. O que, para nossa sorte, nunca consegue.
Como o tédio em trens fez uma
senhora italiana criar o
maior anti-herói das HQs
Angela pensou em Diabolik ao ver muitas pessoas lendo pequenas novelas de mistério em livros de bolso, quando pegava trens em uma estação em Milão. Casada com um editor de livros, Angela fundou uma editora para publicar sua ideia.
O formato era barato, dava para guardar literalmente no bolso, e o tamanho ajudava na leitura veloz das viagens que eram rápidas também.
Foram 150 mil exemplares vendidos na estreia de Diabolik, cimentando o sucesso do personagem — o número 800 foi em outubro de 2013.
Há lançamentos até hoje em bancas de revistas europeias, com reedições de histórias antigas, e novas, ainda que feitas de modo antiquado, se vistos com o novo jeitão de desenhos modernosos.
As irmãs trabalharam com Diabolik até morrerem — Angela faleceu em 1987, e Luciana em 2001.
A influência da literatura francesa
A maior influência de Angela para fazer seu anti-herói Diabolik foi o personagem literário Fantomas, um gênio criminal, de autoria de Marcel Allain e Pierre Souvestre.
Ele apareceu em uma série de 32 livros que se tornaram um clássico da ficção criminal francesa — o primeiro lançado em 1911 — e que fizeram a transição na cultura pop de vilões bidimensionais de novelas góticos para os frios e arrepiantes serial killers imprevisíveis.
Na revista Il Re del Terrore — O Rei do Terror, pela editora Astorina, em 1 de novembro de 1962, acontece a primeira aparição de Diabolik.
As irmãs fizeram todas as histórias até 1980, quando passaram o bastão para Patricia Martinelli e outras diretoras. Os desenhos tinham os traços e penas de Sergio Zaniboni (que desenhou Diabolik desde 1969, com Giorgio Montorio), Brenno Fiumali, Franco Paludetti, Enzo Facciolo e Lino Jeva.
A importância de Eva Kant
Eva Kant, a pessoa mais próxima de Diabolik, é sua amante, companheira e comparsa, que surge logo na terceira edição.
O rosto de Diabolik foi baseado na do ator Robert Taylor, e raramente é visto, já que seu uniforme padrão é uma roupa preta única, que cobre todo o corpo, além de tênis de corrida da mesma cor, e uma máscara que deixa apenas os olhos a mostra.
Quase nunca usa armas de fogo, prefere a intimidade e frieza de facas, adagas e outros objetos afiados. Ele dirige um Jaguar E-type preto ano 1961 para cometer os roubos.
Por ser quase uma apologia ao crime, e o protagonista estar mais perto de vilão do que anti-herói, Diabolik acabou por ter seu próprio termo nos quadrinhos italianos: o subgênero “fumetti neri“, algo como “black comics“, ou quadrinhos negros.
O nome vem de “cronaca nera“, que por sua vez significa “notícias de crime“. Diabolik é uma celebridade na Europa, e uma das HQs de maior sucesso no mercado editorial do Velho Mundo.
Diabolik no mundo do cinema
Mario Bava, um dos mais festejados diretores de cinema italiano, o mestre do terror, adaptou Diabolik em um filme de 1968, chamado Danger: Diabolik.
A produção foi do megalomaníaco produtor Dino De Laurentis (que fez o remake de King Kong, em 1976, e Furacão, de 1979), com John Phillip Law como protagonista, famoso graças a sua participação no clássico do sci-fi Barbarella (outra HQ clássica e fundamental adaptada ao cinema), e a linda atriz Marisa Mell como Eva. A deusa di cinema francês Chaterine Deneuve chegou a filmar algumas cenas como a personagem, mas foi descartada.
O longa-metragem da Paramount Pictures (que na época estava sendo comprada pelo conglomerado Gulf & Western) para Diabolik é charmoso como o vilão, com diversas referências aos quadrinhos e suas atitudes de anti-herói, junto com uma boa dose de liberdade criativa, que se não é 100% fiel ao personagem, o torna reconhecível de imediato, ao mesmo tempo que constrói um bom filme de ação e suspense.
É um excelente exemplar cinematográfico da psicodelia e pop art dos anos 60. A trilha sonora é assinada por ninguém menos do que Ennio Morricone, um dos maiores compositores do cinema.
Um Diabolik anti-herói em desenho animado
Literalmente no começo do milênio, no dia 1 de janeiro de 2000, a produtora de entretenimento televisivo americano Saban produziu uma série para a FOX Kids baseada em Diabolik (!!!).
O protagonista, obviamente, foi suavizado por completo, castrado de suas características adultas, e se torna um herói que luta contra uma organização criminosa, abandonando qualquer resquício de vilão e anti-herói.
Diabolik e suas HQs geraram cópias, como Kriminal e Satanik, também com ambientações adultas, até mesmo mais sexys e violentos.
Até a Disney teve um para chamar de seu, o Paperinik, um alter ego do Pato Donald, por méritos dos artistas gráficos Guidi Martina e Giovan Battista Carpi, em 1969.
Grant Morrison, um escritor escocês com diversos trabalhos de alto impacto para as editoras americanas de super-heróis DC Comics e Marvel Comics, criou Fantomex para os X-Men. Sua identidade visual é praticamente idêntica, e ele tem uma inteligência artificial chamada E.V.A. — referência pouca é bobagem.
Diabolik no mundo da música
Referência mais legal, contudo, não está nos quadrinhos, e sim na música. O trio americano de rap Beastie Boys, ponto criativo fora da curva no cenário de rap, dominado pelos negros nos Estados Unidos, lançaram nos anos 90 o clipe Body Movin, uma deliciosa paródia do filme Danger: Diabolik, do Bava.
/// BRASIL. Diabolik estreou em 1981, pela editora Vecchi, série que durou 12 números. Já em 1989, uma nova revista saiu pela Record, com 15 edições e um especial. Atualmente, o personagem retornou por meio de uma campanha de financiamento coletivo, graças a Editora 85, que já publicou Dampyr, um quadrinho italiano de terror. As edições têm formato 12 x 17 cm, 480 páginas, e trazem histórias inéditas no Brasil. Você encontra eles aqui
/// MEMORÁVEL. A trilha sonora de Enio Morricone para Danger: Diabolik
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