Os Excêntricos Tenenbaums estreou nos cinemas há 20 anos, e a cena do patriarca falido e imoral da família com sua ex-esposa íntegra é uma das melhores já feitas na carreira do cineasta Wes Anderson.
Gene Hackman como Royal Tenenbaum é cínico e sem-vergonha, e mesmo com uma vida de defeitos e canalhices, a gente se apieda do velho, que nunca deu bola para sua família, e que agora se vê presa à ele por conta de uma possível doença terminal. Ou não?
O que é real e fictício em Os Excêntricos Tenenbaums? Talvez isso não seja importante, haja visto que a diversão e interesse por essa família de gênios excêntricos e quebrados, ancorados por um passado que nunca mais retornará, supera todo o resto, e consegue ser um filme divertido e ideal para ver nessa época de fim de ano, de reencontros e reconciliações.
Dirigido por Anderson e lançado em 2011, o filme seria incensado pela geração hipster que se formaria durante a década dos anos 2000 e 2010 e além.
A personagem Margot ganhou destaque também e foi um dos pontos altos da carreira da atriz Gwyneth Paltrow, já que ganhou status de ícone fashion do cinema e é até hoje inspiração de fantasia de Halloween.
Por falar em atuação, o longa-metragem tem elenco estelar — Gene Hackman, Anjelica Huston, Ben Stiller, Gwyneth Paltrow, Luke Wilson, Owen Wilson, Bill Murray, Danny Glover, Seymour Cassel, Kumar Pallana e Alec Baldwin, o filme é um dos mais engraçados do cinema.
Escrito pelos próprios Wes Anderson e Owen Wilson, em pouco menos de 2 horas acompanhamos o drama familiar dos Tenembaums e ficamos a par de todos seus traumas e expectativas.
Como a vida, algumas são resolvidas e outras não. Não há maniqueísmos nem clichês de finais felizes. As coisas são como são e o máximo que temos da vida é acomodar e contornar certas situações.
Wes Anderson fez de seu trabalho no cinema uma ode ao trabalho de design de produção e perfeita execução do roteiro, que invariavelmente se encaixam à perfeição nos atores escolhidos.
É isso parte da mágica que muitos espectadores atribuem aos filmes do cineasta, e que encantam muitas pessoas. Hora de entrar e ver/ler esse filme-romance-peça (ou seria uma crônica viva?)
Os Excêntricos Tenenbaums
(The Royal Tenenbaums, 2001, de Wes Anderson)
O filme tenta se agarrar de todos os jeitos como se fosse um livro, e consegue isso na maior parte do tempo.
Temos até um narrador no longa de Wes, que faz as vezes de nos informar de certos detalhes dos personagens que podem ser essenciais.
Anderson promove uma divisão do filme em capítulos de duração mais ou menos igual, o que cria um diálogo inteligente com o mundo da literatura.
Wes opera seu filme com o design de livros, sendo que a maioria dos personagens tem realizações do tipo, com as artes gráficas complementando a narrativa, e isso se traduz ainda mais com os 8 capítulos (e um epílogo) com que o longa é dividido.
O começo da trama tenta seguir uma ordem cronológica, mas tenha em mente que o filme de Wes Anderson irá trabalhar com uma não-lineariedade em partes da narrativa. Serão várias traições, fracassos e desastres.
Royal Tenenbaum é desonesto e desleal, uma pessoa horrível e sem noção, e ainda assim magnético e carismático o suficiente para a gente se importar (muito disso graças a atuação de Gene Hackman).
Ele nunca se separou legalmente de Etheline (Anjelica Huston), que teve que criar os filhos do casal sozinha. E a educação das crianças sempre foi prioridade para ela.
Richie, Chas e Margot (adotada, sempre salientado por Royal para todos) são 3 gênios em áreas distintas — contas, esportes e artes — e são o coração do filme, com quem Royal quer se reconectar. Também temos Eli, o vizinho (quase parte da família) e o velho empregado indiano Pagoda (Kumar Pallana).
Capítulo 1: Etheline
Depois que se separou de Etheline (ela descobriu uma traição), o ex-advogado Royal (teve a licença cassada pelo próprio filho, Chas) passou 22 anos vivendo em hotel.
Sem dinheiro para continuar vivendo lá, decide fingir uma doença para ser acolhido pela família, que não vê há uns 7 anos. Etheline é arqueóloga e está enamorada de seu gerente de negócios, Henry (Danny Glover).
Capítulo 2: Margot
Chas (Ben Stiller), um gênio da matemática e finanças, nunca se recuperou da morte da esposa (ocorrida há alguns meses), e está paranoico com a segurança de seus dois filhos, Uzi e Ari. Margot (Gwyneth Paltrow), que escreveu sua primeira peça teatral com apenas 9 anos, e hoje é uma dramaturga famosa. Mas está com depressão e não consegue mais sustentar seu casamento com Railegh (Bill Murray).
E todos voltam para a casa da mãe. A cena de Royal com Etheline, quando o velho decide contar que está com uma doença terminal para a ex-esposa, é uma das melhores do cinema, maravilhosamente engraçada e cínica — Etheline acredita não uma, mas duas vezes na mesma cena.
Ela avisa da doença para seu filho Richie (Luke Wilson), outrora um dos grandes tenistas do mundo, mas que caiu em desgraça anos atrás quando teve uma das piores derrotas de sua carreira.
É o primeiro reencontro dos irmãos em muito tempo também.
Capitulo 3: Chas
Eli (Owen Wilson), vizinho e amigo dos irmãos desde criança, conta para Margot que Ritchie gosta dela, muito mais do que como irmã. Enquanto isso, Royal faz todas as perguntas inconvenientes possíveis no reencontro com os filhos.
Capítulo 4: Railegh
O psiquiatra marido de Margot entrega ótimas cenas quando descobre que é possivelmente corno, e pede a ajuda de Richie para aconselhá-lo do que fazer. O que nos deixa cúmplices de todas as situações que disso vão decorrer.
Capítulo 5: Henry
Henry descobre o ardil de Royal, que nessa altura já esta com alguma intimidade com seus netos, Uzi e Ari — tudo que ele queria.
O jogo Detetive aparece a todo momento pela lente de Wes nessa sequência, e a cena do velho sendo desmascarado de seu falso câncer de estômago é engraçada demais, ainda mais porque ele diz todas as obviedades possíveis de superação.
Capítulo 6: Pagoda
O indiano Pagoda é o empregado meio calado dos Tenembauns, mas que quando fala, diz muito. Ele esfaqueou Royal anos atrás e o faz de novo, quando o ardil é descoberto, e ele é posto para fora da casa, já que ajudou Royal nisso.
Enquanto isso, o relatório que um detetive particular faz de Margot para Railegh e Richie é outra grande cena — eles nem sabiam que ela fuma desde os 13.
Wes contrabalança isso com um dos piores momentos do filme, quando Richie toma uma terrível decisão.
Capitulo 7: Richie
Richie se recupera, diz que é apaixonado para Margot (que parece sentir o mesmo), e apesar de tudo, perdoa Eli, que “dedou” ele para ela. Aliás, ele era apenas um dos vários casos de Margot.
O problema maior é que Elie faz uso de drogas pesadas, e o esportista tenta fazer uma intervenção com ele. Royal e Pagoda vão junto.
Capítulo 8: Eli
A maior parte das diferenças são resolvidas na sequência final do filme, que envolvem um casamento, drogas, acidentes, perseguições e desfechos trágicos.
Epílogo: Royal Tenenbaum
O final que Wes Anderson prepara via contra todas as expectativas.
As excêntricas produções de Wes Anderson
A princípio, a história dos Tenenbaums não é nada original, mas a diferença está na realização. Um dos grandes sucessos de Wes Anderson, Os Excêntricos Tenenbaums é um de seus melhores filmes.
Foi ele que estabeleceu o estilo visual do diretor, uma fotografia centrada em simetrias e cores pasteis, personagens cartunescos e irreais em histórias únicas e “originais”.
Todos esses elementos foram mantidos e sofisticados ainda mais nos filmes seguintes de Wes, como O Fantástico Senhor Raposo (2009) e O Grande Hotel Budapeste (2014) — esse, vencedor de quatro Oscars.
Nos anos 2000, Wes ainda desfrutava do sucesso de seu segundo filme, Três é Demais (1998), onde já tinha feito uma parceria de roteiro com Owen Wilson, amigo que conheceu ainda na Universidade do Texas. Sua parceria com o antigo colega de faculdade ainda rendeu A Vida Marinha com Steve Zissou (2004), Viagem a Darjeeling (2007), O Fantástico Sr. Raposo (2009), Moonrise Kingdom (2012), O Grande Hotel Budapeste (2014). Angelica Houston está em A Crônica Francesa, que estreou em 2021 no Festival de Cannes.
Os Excêntricos Tenenbaums concorreu em muitas premiações, e foi indicado ao Oscar de Melhor Roteiro Original e rendeu a Gene Hackman o Globo de Ouro de Melhor Ator em Comédia/Musical em 2002.
Grande parte do elenco é oscarizado: Gene Hackman (Operação França, de 1971, e Os Imperdoáveis, de 1992, fora mais três nomeações), Gwyneth Paltrow (Shakespeare Apaixonado, de 1998) e Anjelica Huston (A Honra do Poderoso Prizzi, 1985) ganharam; e quatro deles foram nomeados: Seymour Cassel, que interpreta Dusty, o amigo ascensorista de Royal (Faces, de 1968), Bill Murray (Encontros e Desencontros, de 2003), e os próprios Owen Wilson e Wes Anderson, por Melhor Roteiro pelo próprio Os Excêntricos Tenembaums.
Anderson ainda foi indicado outras 4 vezes no Oscar por outros trabalhos. Alec Baldwin não atua no longa, mas é o narrador do filme, e ele também tem uma indicação de Melhor Ator por The Cooler – Quebrando a Banca.
Os Excêntricos Tenenbaums competiu pelo Oscar de Melhor Roteiro com O Fabuloso Destino de Amélie Poulain, A Última Ceia, Amnésia e Assassinato em Gosford Park, que foi o vencedor. Em 2011 o Oscar foi o primeiro do novo milênio, e teve características bem marcantes.
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O roteiro começou a ser escrito por Wes inspirado no divórcio dos seus pais, Melver e Texas Anderson — ela tem a mesma profissão de Etheline, arqueóloga. Já o nome “Tenenbaum” veio de uma amizade de Wes com Brian Tenenbaum, um amigo de longa data. Ele também está no filme, como um paramédico nas cenas finais.
Lançado poucas semanas depois dos Ataques de 11 de Setembro nos Estados Unidos, o longa-metragem sofre com o enorme impacto sócio-cultural dos acontecimentos, que até hoje reverberam com força no mundo todo.
Wes Anderson apresentou primeiro Os Excêntricos Tenenbaums no Festival de Cinema de Nova York, e pouco a pouco, o filme ficou bem falado e foi um sucesso — custou mais de 20 milhões de dólares e o lucro quase chegou a 100 milhões.
Os bastidores de Os Excêntricos Tenenbaums
O trabalho com Gene Hackman foi difícil. De péssimo temperamento, ele gritava com os colegas e não obedecia as orientações na hora das filmagens e atuações.
Gwyneth Paltrow e Angelica Houston evitavam o convívio, e não fosse uma ponte com o Bill Murray, Gene estaria isolado nas filmagens.
O ator estava no fim da carreira, e queria se aposentar das telonas. Aliás, Hackman só assinou para fazer Os Excêntricos Tenembaums porque teve a promessa de Wes que o papel seria engraçado e divertido, o que, obviamente, não foi o caso.
Pra piorar, Gene Hackman se viu muito com os mesmos dilemas de Royal Tenenbaum, o que só fez piorar tudo.
O mood visual de Richie faz lembrar o tenista Björn Borg, famoso em 1976, o que entrega como os Tenenbaums estão “presos” no tempo, até que resolvam todas as suas diferenças e angústias. E não se enganem, o filme se passa na época atual (2001, no caso).
Outro paralelo muito comentado sobre a família Tenembaums é que eles se parecem bastante com a família Glass, vista em muitas histórias curtas de J.D. Salinger, escritor americano responsável pelo clássico O Apanhador do Campo de Centeio.
Há crianças prodígios, uma tentativa de suicídio bem similar, descendências judias e irlandesas e uma ambientação na “alta” Manhattan.
Já a relação entre Margot e Richie, Anderson emprestou do filme Les enfants terribles (1950), longa francês inspirado no livro homônimo de Jean Cocteau (1920).
Os Excêntricos Tenembaums é parte da coleção Criterion Collection, marca famosa americana que produz edições de luxo de filmes do cinema. Sua história familiar tem um cunho moral inteligente livre das amarras de clichês e redenção, e a forma de contar isso, com uma porção artística muito forte e uma narrativa balanceada, fica na medida ideal de equilíbrio.
Os personagens agem como são, às vezes geniais, às vezes desprezíveis, e o roteiro não privilegia ou renega ninguém.
Os Excêntricos Tenembaums também é sobre isso, privilégios e negações.
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