VIVER SEM ENDEREÇO | O cinema como família para Jennifer Connelly

Paul Bettany cria belas cenas de videoclipes no início de Viver sem Endereço, o que nos desarma quando nos vemos diante de dois moradores de rua — Tahir (Anthony Mackie), um nigeriano muçulmano asmático que ainda acredita no bem, arrependido de algo que o filme não mostra, mas que o remorso o faz batucar pelas ruas à procurar de paz interior, e de Hannah (Jennifer Connelly), uma drogada viciada em heroína que fala francês e que abandonou seu filho.

Apesar de tudo, ela ainda é espirituosa, dança feliz aos sons de músicos de rua, e demora a ser convencida das boas intenções de Tahir, quando o caminho dos dois se cruzam.

Em muitos momentos, o ator Paul Bettany, em sua primeira experiência na cadeira de diretor, escolhe não fugir dos clichês cinematográficos, e os personagens cumprem sua jornada de Via Crucis nessa esperada trama dramática.

Os elementos estão todos presentes: repulsa – aproximação – reconhecimento – amor – questionamento – estabilização – desfecho.

Jennifer Connelly interpreta Hannah em Viver sem Endereço, papel difícil, que mostra a vida das camadas mais baixas na escala social dos sem-tetos nas ruas dos EUA

Viver sem Endereço foi o único filme dirigido por Paul Bettany, estrelado pelos atores Anthony Mackie e Jennifer Connelly — esposa de Paul desde 2003.

Os dois se conheceram nas filmagens de Uma Mente Brilhante, de 2001, dirigido por Ron Howard, cineasta que trabalhou com Paul e Jennifer em outros longas também.

O tema principal de Viver sem Endereço é o de ajuda e de se ajudar — a tradução adotada no Brasil é bem mal ajambrada, e vem de Shelter, título original em inglês, um termo americano aplicado ao contexto de ajudar, dar abrigo a moradores de rua.

O filme é um olhar cuidadoso e carinhoso sobre um homem e uma mulher em situação social vulnerável no país mais rico do planeta.

Viver Sem Endereço é sobre duas pessoas que se encontram precisando serem salvas de si mesmas.

Viver sem Endereço
(Shelter, 2014, de Paul Bettany)

Paul Bettany aborda muitos assuntos com o personagem Tahir, de Anthony Mackie, como imigração, religião e terrorismo

Com um ex-marido aparentemente assassinado, a viciada em drogas Hannah pouco parece se importar com o que fazer nas ruas de Manhattan, mas notavelmente se preocupa com Tahir, quando ele tenta de tudo para ganhar sua confiança, ao impedi-la de cometer suicídio.

Ela percebe que está diante de um bom homem, um imigrante ilegal que deixou para trás esposa e filho mortos. A amizade vira amor à medida que compartilhar os lugares nas ruas, e ela fica feliz a ponto de querer fazer tudo para ficar com ele, até largar as drogas.

As cenas de abstinência dela são convincentes e bem dirigidas por Paul, que entrega uma boa intimidade quando mostra o casal invadindo uma residência, para ali ficar por um tempo. Mas o signo da tragédia acompanha os sem-tetos.

O pai de Hannah ainda a procura, pois a mulher abandonou seu filhinho na California para viver nas ruas de Nova York, onde mente, rouba e faz outras coisas para conseguir dar seus picos.

Tudo começa a desmoronar, com ela e Tahir tendo que sair da casa quando os donos chegam, junto com um inverno que lota as ruas que faz de casa com neve.

Hannah desce mais um nível da degradação humana quando tem que sujeitar sua integridade para contornar a saúde de Tahir, que tem um ataque de asma mais forte a cada noite de frio.

Os subtextos e camadas de Viver sem Endereço são muitos, mas a procura do verdadeiro eu e do amor próprio — e pelos outros — estão acima de todos

Fatalmente internado, cai no macabro sistema médico americano, para logo depois ser despejado sem nenhum amparo.

As humilhações para arrumar algum lugar para ficar atingem o nível de tragédia quando a morte se faz presente, separando o casal do que podia ser a salvação para pelo menos um deles.

É uma boa decisão criativa de Paul para seu final, que dedica a um casal real que vivia nos arredores de seu prédio residencial. Viver sem Endereço não é um filme fácil, e recebeu críticas mistas em seu lançamento.

É uma ótima entrada no universo de alguns temas bem particulares da América, que Paul, como londrino, vivencia de maneira diferente de sua esposa Jennifer, uma novaiorquina de berço.

A família de Jennifer Connelly no cinema em Viver sem Endereço

Viver sem Endereço Jennifer Connelly
Paul filma a esposa Jennifer anoréxica, suja e degradante — e degradada — em Viver sem Endereço

Jennifer Connelly perdeu bastante peso para o papel de Hannah em Viver sem Endereço, em similaridades degradantes com seu papel de Marion, em Réquiem Para um Sonho (2000), de Darren Aronofsky.

Em Réquiem, Marion era de uma formosura estonteante, 29 anos de auge da beleza, que sofre um apocalipse moral e corporal durante o decorrer da história.

Em Shelter, Hannah, largada nas ruas de NY, se tornou uma figura anoréxica e suja, mas que ainda mantém um encanto, que seduz Tahir a ponto dele querer ajudá-la de maneira sincera.

Mais pro fim, a personagem acena para um antigo charme que apenas mulheres estonteantes exalam.

Em nenhum momento isso joga contra Jennifer Connelly, já que Paul Bettany imprime uma cadência e força em Viver sem Endereço que não alivia o lado para sua esposa.

A ambição de Paul foi grande, ao mirar assuntos pesados como a situação dos sem-tetos, imigração, terrorismo, drogas, sistema de saúde e afeto entre párias da sociedade.

A situação do filme, por óbvio ao ter um negro como estrela principal, também joga luz sobre a cor dessas pessoas — Anthony Mackie sentiu literalmente isso, pois quando estava em meio a Nova York nas filmagens, um de seus amigos o viu na rua e perguntou se ele precisava de dinheiro.

O roteiro sofreu diversas alterações por parte de Paul, que procurou inicialmente como norte o tema de julgamento. Os aspectos de romance, e dos sem-tetos, surgiu à medida do processo.

Viver sem Endereço Jennifer Connelly
Paul Bettany e Jennifer Connelly, na estreia do filme, no Festival Internacional de Cinema de Toronto

A familiaridade do filme também se reflete em outras escolhas criativas de Viver sem Endereço.

Jennifer Connelly, na cena de jantar dentro da casa invadida pelo casal, usa o mesmo vestido que a atriz usava na cerimônia do Oscar, quando ganhou o prêmio de Melhor Atriz Coadjuvante, em 2002, por Uma Mente Brilhante, que também tem a participação de Paul no elenco.

Aliás, Ron dirigiu Jennifer Connelly dez anos depois, na comédia romântica O Dilema (2011), e Paul em O Código Da Vinci (2006) e em Han Solo – Uma História Star Wars (2018). Além de Ron, Darren Aronofsky, que dirigiu Jennifer em Réquiem Para um Sonho e Noé (2014), e Joss Whedon, que dirigiu Paul em Vingadores (2012), ainda como a voz de Jarvis, o computador de Tony Stark/Homem de Ferro, e que dirigiria o mesmo como Visão, em Vingadores 2 – Era de Ultron (2015), foram citados por Paul como pessoas que lhe ajudaram no processo de fazer seu primeiro filme. Bettany foi fortemente influenciado por László Kovács em seu longa-metragem Cada um Vive como Quer (1970).

Viver sem Endereço Jennifer Connelly
Um dos posteres de Viver sem Endereço

39º filme de Jennifer Connelly
Viver sem Endereço
Estados Unidos

/ A MARATONA JENNIFER CONNELLY.

1- Era Uma Vez na América (1984)
2- Phenomena (1985)
3- Sete Minutos Para o Paraíso (1985)
4- Labirinto – A Magia do Tempo (1986) 
5- Essas Garotas (1988) 
6- Etoile (1989)
7- Hot Spot – Um Local Muito Quente (1990)
8- Construindo Uma Carreira (1991)
9- Rocketeer (1991)
10- O Coração da Justiça (1992)
11- Do Amor e de Sombras (1994)
12- Duro Aprendizado (1994)
13- O Preço da Traição (1996) 
14- Círculo das Vaidades (1996) 
15- Círculo das Paixões (1997)
16- Cidade das Sombras (1998)
17- Amor Maior que a Vida (2000)
18- Réquiem Para um Sonho (2000) 
19- Pollock (2000)
20- Uma Mente Brilhante (2001)
21- Hulk (2003)
22- A Casa de Areia e Névoa (2003)
23- Água Negra (2005)
24- Pecados Íntimos (2006)
25- Diamante de Sangue (2006)
26- Traídos pelo Destino (2007) 
27- O Dia em que a Terra Parou (2008)
28- Coração de Tinta (2008)
29- Ele Não Está Tão a Fim de Você (2009)
30- 9 – A Salvação (2009)
31- Criação (2009)
32- Virginia (2010) 
33- O Dilema (2011)
34- E…que Deus nos Ajude!!! (2011)
35- Ligados pelo Amor (2012)
36- Um Conto do Destino (2014)
37- Marcas do Passado (2014)
38- Noé (2014)
39- Viver Sem Endereço (2014)
40- Pastoral Americana (2016)
41- Homem-Aranha De Volta ao Lar (2017)
42- Homens de Coragem (2018)
43- Alita – Anjo de Batalha (2019)

/// 2014. Nos cinemas passavam filmes como Frozen: Uma Aventura Congelante, Ninfomaníaca – Volume 1, O Lobo de Wall Street, 47 Ronins, A Menina que Roubava Livros, Operação Sombra – Jack Ryan, Caçadores de Obras-Primas, Clube de Compras Dallas, Tudo Por Um Furo, Noé, Capitão América 2: O Soldado Invernal, O Espetacular Homem-Aranha 2: A Ameaça de Electro, Godzilla, Sob a Pele, X-Men: Dias de um Futuro Esquecido, No Limite do Amanhã, A Culpa é das Estrelas, Oldboy – Dias de Vingança, O Homem Duplicado, Transformers 4: A Era da Extinção, Planeta dos Macacos: O Confronto, Guardiões da Galáxia, The Rover – A Caçada, Os Mercenários 3, Lucy, A Bela e a Fera, O Protetor, Sin City 2: A Dama Fatal, Garota Exemplar, Libertem Angela Davis, O Homem Mais Procurado, Relatos Selvagens, O Que Fazemos Nas Sombras, O Abutre e outros.

/// 2014 (2). O ano de 2014 foi um marco na carreira cinematográfica de Jennifer Connelly, a única vez em que a atriz estava em cartaz com quatro filmes ao mesmo tempo nas telonas: Viver Sem Endereço, o épico Noé, e os dramas Marcas do Passado e Um Conto do Destino. Em 2009, ela estava em três filmes: o drama Virginia, a cinebiografia de Charles Darwin, Criação (com Paul Bettanny no papel principal) e a sofisticada animação 9 – A Salvação. Em 2000, outros três filmes ao mesmo tempo com Jennifer Connelly nos cinemas: a cinebiografia Pollock, o já citado Réquiem para um Sonho e o drama Amor Maior que a Vida.

/// MARVEL. Anthony Mackie e Jennifer Connelly, além de Paul Bettany, interpretam personagens nos filmes da Marvel.  Connelly faz a voz do traje computadorizado do Homem-Aranha em De Volta ao Lar (2017). Ela foi chamada para o papel como forma de brincadeira, pelo fato de Paul, desde o primeiro Homem de Ferro (2008), fazer a voz de Jarvis, o computador pessoal de Tony Stark, o herói playboy ferroso. Em Vingadores 2 – Era de Ultron (2015), Jarvis foi mesclado a outros contextos, e ganhou nova vida como o androide Visão, também interpretado por Bettany, dessa vez de corpo presente na tela. O ator retornou como Visão em Capitão América 3 – Guerra Civil (2016) e Vingadores 3 – Guerra Infinita (2018). Mackie surgiu no UCM no mesmo ano de lançamento de Viver sem Endereço, com sua estreia como Sam Wilson, o herói voador Falcão, em Capitão América 2 – O Soldado Invernal. Ele retornou para o mesmo papel em uma participação especial em Homem-Formiga (2015), em Vingadores 2 – Era de Ultron (2015), Capitão América 3 – Guerra Civil (2016), Vingadores 3 – Guerra Infinita (2018), e Vingadores 4 – Ultimato (2019). Ele está prestes a ganhar um seriado junto com o Soldado Invernal (papel de Sebastian Shaw) pelo serviço de streaming da Disney, em 2021. O nome é Falcão e o Soldado Invernal. Paul Bettany reprisará seu papel de Visão em outro seriado na mesma plataforma, WandaVision, ainda em 2020.

/// ROTTEN TOMATOES. O site agregador de críticas da internet dá 46% de aprovação para Viver sem Endereço, o que é injusto, dada a qualidade do filme. Mas já comentamos sobre a serventia do Rotten na crítica de Virginia, outro filme de Jennifer Connelly. Ele é parte importante do contexto de jornalismo e crítica do qual o blog Destrutor tenta construir, e é por isso que o informamos.

/// VARIETY. A crítica de Viver sem Endereço, escrita por Dennis Harvey, para a revista Variety, foi muito boa. Está aqui.

Jennifer Connelly não tem Instagram nem outro perfil em redes sociais.

A idade de Jennifer Connelly em Viver sem Endereço é de 44 anos.

Viver sem Endereço Jennifer Connelly

curadoria e textos: tomrocha (twitter e instagram)
jornalista, estrategista de conteúdo e escrevedor de coisas escritas.

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