YOKO SHIMOMURA | A pianista que criou a trilha sonora de Street Fighter II

Yoko Shimomura é uma pianista japonesa e é a responsável pela trilha sonora da pancadaria que rola em Street Fighter II, o jogo de luta definitivo que ditou o rumo do gênero de porrada na indústria de videogames.

Yoko extraiu de chips e circuitos a sonoridade necessária para construir as músicas de 12 personagens em um game de luta, e seus cenários dos respectivos países, em 1990.

Tradicionalmente dominados pela porção masculina da humanidade, o mercado de videogame e seus bastidores tinha uma participação tímida das mulheres, mas extremamente relevante em alguns casos.

E se a trilha fácil e de rápida absorção das músicas de fundo de Street Fighter 2 são boas e grudam na cabeça, o mérito é todo de Yoko.

Yoko Shimomura Street Fighter II
Yoko Shimomura e uma estação de trabalho de som

A musicista é pedra fundamental em toda essa construção. Seu trabalho no jogo, produzido pela softhouse Capcom, para dar sequência ao Street Fighter, jogo de luta que não teve a repercussão esperada, era dar personalidade para cada personagem, a fim de que a nova obra causasse o impacto desejado.

Artes promocionais de Street Fighter II. O da esquerda é o original, arte de Akiman

Se Chu-Li é a princesa dos games de luta, Yoko Shimomura é a princesa da música na indústria

O ritmo de certos personagens veio logo na minha cabeça, mas a melodia demorou para chegar. Então uma manhã no trem, pensei que se não terminasse logo teria problemas pra cumprir o prazo. Eu estava perto da porta, olhei para a bagagem em cima de mim, e tinha uma sacola amarela e verde no bagageiro, e quando olhei para ela, pensei na cor do Blanka [personagem do jogo]. Foi aí então que a melodia surgiu na minha cabeça. ‘Tararirarin’. E eu pensei, ‘É isso aí!’. Entrei no trabalho cantarolando a melodia e aí pronto.

O depoimento está no webdocumentário “Diggin’ in the Carts”, produção da Red Bull Academy sobre os compositores japoneses de videogames.

A professora de piano Yoko Shimomura e a música de Street Fighter

Yoko nasceu em Hyogo, Japão, no dia 19 de outubro de 1967.

País conservador, sempre relegando mulheres a segundos, terceiros e até quartos planos, a moça teve diversos reveses em suas escolhas profissionais, começando com a família indignada pelo fato dela ter feito conservatório e querer fazer músicas de videogame.

Eu comecei a jogar videogames muito antes de entrar no ramo, e na época, empresas estavam recrutando estudantes nas universidades. Eu me inscrevi para uma vaga sem nenhuma esperança de ser aceita. Mas me chamaram! Embora meu caminho já houvesse sido traçada para eu me tornar uma professora de piano, escolhi ir para o ramo de videogames. Meus pais choraram, meus amigos ficaram preocupados e meu professor, chocado.

Sua graduação foi no Colégio de Música de Osaka, tendo estudado piano desde os cinco anos de idade. Entrou na Capcom em 1988, onde ficou até 1993.

Antes de Street Fighter II, Yoko também compôs a música do jogo Final Fight (1989), outro ícone dos jogos beat em up, como é chamado o gênero de briga de rua, onde se avança lateralmente pelo cenário, espancando os oponentes até chegar ao final.

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O  jogo era para ser a sequência de Street Fighter, mas se tornou tão diferente que ganhou outro direcionamento e nome.

Yoko Shimomura Street Fighter II
Yoko Shimomura (no meio) e suas colegas na época de trabalho na Capcom com Street Fighter II e outros títulos

De 1993 até 2002, Shimomura trabalhou para a Square, onde compôs para mais dez títulos.

O jogo Kingdom Hearts representa seu auge criativo na empresa. Yoko ficou grávida, e estava de licença-maternidade e quando retornou, a partir de um trabalho em Mario & Luigi: Superstar Saga, passa a trabalhar como uma freelancer, com composições para mais de uma dezena de títulos.

Suas músicas hoje são reproduzidas em orquestras pelo mundo. Lançou um trabalho próprio, o álbum Drammatica – The Very Best of Yoko Shimomura. Diversas editoras musicais lhe deram prestígio, publicando vários álbuns de partitura com composições de sua autoria dos vários títulos de games em que trabalhou.

O álbum Drammatica:

Yoko Shimomura e mais de 50 jogos na carreira

As influências de Yoko são Ludwig van Beethoven, Frédéric Chopin e Maurice Ravel, e ela dá muita importância para as emoções na hora de compor, momento que ela prefere inclusive estar fazendo algo fora de sua rotina.

Ver uma bela paisagem que lhe desperta sentimentos enquanto viaja, por exemplo.

Uma denominação comum na indústria de games é se referir aos títulos de destaque das grandes softhouses (produtoras) como jogos AAA, ou Triple A , e Yoko pôs seu nome em vários clássicos desse tipo.

O primeiro jogo de videogame que Yoko Shimomura teve participação na Capcom foi Sweet Home, uma pequena joia de game de terror, que mais tarde daria bases para a softhouse produzir seu mega sucesso Resident Evil.

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A primeira trilha sonora na qual podemos ouvir algumas de suas músicas é Final Fight, seu primeiro trabalho a receber um álbum contendo músicas de vários jogos da empresa. Street Fighter II foi seu trabalho mais completo, apenas três músicas do game não são suas.

A banda interna da Capcom se chamava Alph Lyla, onde ela também tocava, chegando a se apresentar em shows ao vivo.

Capa do CD da banda Alph Lyra, a banda própria da Capcom, com música do game

Na Square, seu talento pode ser ouvido nos games Live A Live, um RPG; Super Mario RPG: Legend of the Seven Stars, parceria inesquecível da Square com a Nintendo; o jogo de estratégia futurista Front Mission; repete suas composições para trilhas de porrada no game Tobal No. 1; o jogo de ação inovador com toques de RPG Parasite Eve, primeiro jogo de música cantada de Yoko; a terceira sequência de Mana, o RPG chamado Legend of Mana — título esse favorito da profissional, junto com Kingdom Hearts, seu trabalho seguinte, que junto com Street Fighter II e Super Mario RPG, são os preferidos dos fãs.

Outros títulos são Nemo, The King of Dragons, Breath of Fire, Rockman 5, The Punisher, entre outros da Capcom; Soul Calibur 3, game de porrada medieval com espadas da Namco; Xenoblade Chronicles e Final Fantasy XV, da Square.

Os mais de 10 jogos da série Kingdom e da série da Nintendo, Mario e Luigi, também tiveram sua participação. Sua música favorita é a Dearly Beloved, da trilha sonora de Kingdom Hearts 2.

A música é um convite sincero e lírico feito em piano para pensarmos na beleza da sonoridade do instrumento e deixar a cabeça navegar por pensamentos diversos que a música possa nos causar

Como fazer música com chips

Quando a diversão de jogos eletrônicos começou a ganhar corpo e fama, a mídia de armazenamento acompanhou isso, mesmo que limitado pelo espaço e complexidade.

O videogame surgiu quando músicas eram armazenadas em discos de vinil e fitas cassete — os realizadores dos jogos tinham um desafio para entregar algo de qualidade sonora aceitável. O método mais usado foi usar chip de computador.

Esse transformava impulsos elétricos correspondentes a códigos de computador em ondas sonoras analógicas para um alto-falante.

Efeitos sonoros para jogos também eram gerados deste modo. Na década de 70, ela era monofônica e repetida.

Com o avanço da tecnologia de chips que empresas como Motorola e Yamaha produziam, os canais de som foram aumentando.

A geração de sons e ruídos ganharam mais força quando sínteses de modulação de frequência simulavam instrumentos para criar melodias, algumas delas com percussão.

O próximo passo foi samples de sons pré-gravados para serem tocados por meio de chip de som, armazenados em memória.

Não demora muito até que músicos, que eventualmente eram jogadores de videogame, começarem a construir sons que soava intencionalmente como o que era ouvido nos jogos.

O uso de sintetizadores tinha que ser muito criativo para que os moduladores de frequência fizessem uma experiência auditiva agradável.

O lançamento de um software distribuído gratuitamente chamado Sound Tracker, desenvolvido por Karsten Obarski, em 1987, iniciou a era do formato MOD, o que facilitou a produção de música baseada em sons digitais.

Já em 1991, jogos como Street Fighter II, no qual Yoko Shimomura participou, usavam samples de voz, além de outros efeitos sonoros e percussão, graças a placa CPS-1.

Sintetizada por meio dela, com maestria, Yoko executou uma obra sólida. A melodia única que saía das máquinas chamadas arcade se tornou parte integrante do movimento musical eletrônico posteriormente, mas antes marcou toda a geração de videogames e jogadores na primeira metade dos anos 90.

Yoko Shimomura com seu piano, instrumento no qual criou em base as músicas de Street Fighter II

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