HOLLYWOOD ROCK | Quando a trilha sonora do cigarro era o rock

A marca de cigarro Hollywood da empresa Souza Cruz contribuiu para trazer e popularizar músicas de grandes bandas e artistas do rock ao Brasil nos anos 1980 e 1990, nos anúncios publicitários que misturavam juventude e esportes radicais, e festivais de música que promoviam com o nome de Hollywood Rock.

Era uma época que atrelar isso à publicidade era uma situação corriqueira do mercado — as agências de publicidade recebiam recursos financeiros volumosos para que a marcas de cigarro se estabelecessem como jovem, e nada mais jovem nos anos 1990 que rock.

Isso abriu as portas dos aeroportos brasileiros para diversos pesos pesados da indústria musical desembarcarem, um movimento que se torna comum desde o primeiro Rock in Rio, de 1985.

Mesmo antes, o Brasil já tinha visto o Van Halen e o Kiss em 1983 em shows próprios, mas o festival do empresário Roberto Medina mostrou para a indústria fonográfica brasileira o potencial comercial de juntar vários grandes nomes em um mesmo local.

É nesse contexto, de grandes artistas internacionais em apresentações de arena, que o Hollywood Rock trabalhou para se tornar também um festival de rock relevante no cenário — no caso, patrocinado pela empresa de maços de cigarros Hollywood.

Os eventos da marca de cigarro trouxeram grandes nomes do rock n´roll para o Brasil, que se tornaram verdadeiros shows históricos. Artistas como Red Hot Chili Peppers, Alice in Chains, Rolling Stones, The Cure, Tears For Fears, Skid Row, Bon Jovi, Nirvana, L7, Extreme, Aerosmith, The Black Crowes, Page and Plant, Smashing Pumpkins, Pretenders, Dr. Sin, Os Paralamas do Sucesso, Ira!, UB40, Simple Minds, Ultraje a Rigor, Duran Duran, Supertramp, Barão Vermelho, Titãs, Pato Fu, Raimundos e muitos outros passaram pelas sete edições do evento, em diferentes locais no Rio de Janeiro e São Paulo.

Os festivais do
Hollywood Rock

Depois da primeira edição do Rock In Rio, em 1985, o Brasil se tornou destino confiável para os grandes artistas da indústria fonográfica.

Como o Rio de Janeiro já tinha sido ‘ocupado’, os organizadores do Hollywood Rock decidiram dividir o evento com a capital paulista, a maior cidade do Brasil.

A marca de cigarros seria exposta em dois finais de semana, um em São Paulo, e outro no Rio de Janeiro, com shows de nomes relevantes da música pop e rock nacional e internacional em estádios para grandes públicos jovens.

Foram sete edições do Hollywood Rock: 1988, 1990, 1992, 1993, 1994, 1995 e 1996.

Hollywood Rock 1, 1988

A primeira edição oficial do Hollywood Rock ocorreu em janeiro de 1988, com quatro noites de shows em SP e RJ. Teve Ira!, Titãs, Pretenders, Paralamas do Sucesso, UB40, Simple Minds, Ultraje a Rigor, Simply Red, Duran Duran, Lulu Santos e Supertramp, que encerrou o festival em SP e RJ.

Os locais escolhidos para as apresentações foram o estádio do Morumbi, em São Paulo, e a Praça da Apoteose, no Rio de Janeiro.

Hollywood Rock 2, 1990

O segundo festival Hollywood Rock inicia a nova década. Os grandes shows dessa vez foram Bob Dylan, Marillion, Bon Jovi, Eurythmics, Tears For Fears e Terence Trent D’arby. Os artistas nacionais foram Barão Vermelho, Lobão, Engenheiros do Hawaii e Capital Inicial. Os locais foram os mesmos de 1988.

Hollywood Rock 3, 1992

Em 1991, o festival Hollywood Rock só não aconteceu pra não bater de frente com a segunda edição do Rock In Rio.

A terceira edição teve atrações como Living Colour, EMF, Seal, Jesus Jones, Skid Row e Extreme. As atrações nacionais foram Lulu Santos, Titãs, Paralamas do Sucesso, Barão Vermelho e Cidade Negra.

Nesse ano, a edição de São Paulo ocorreu no estádio do Pacaembu, enquanto a edição do Rio de Janeiro continuou no Sambódromo.

Titãs tocando Bichos Escrotos na edição de 1992

Hollywood Rock 4, 1993

Red Hot Chili Peppers, Nirvana, Alice in Chains e L7 comandaram a quarta edição do festival, uma das melhores de todas, graças a enorme popularidade do grunge, que explodia na época.

Algumas cenas do concerto do Nirvana no Rio de Janeiro podem ser vistos no documentário Live! Tonight! Sold Out!!. Teve ainda De Falla, Biquini Cavadão, Dr. Sin, Engenheiros do Havaí, Midnight Blues Band, Maxi Priest e Simply Red.

Hollywood Rock
As garotas do L7

A passagem do Nirvana foi a primeira no Brasil. Antes do Hollywood Rock carioca, o Nirvana se apresentou em São Paulo, em um dos shows mais lendários do rock, com um Kurt Cobain completamente alterado.

Os brasileiros do DeFalla e Biquíni Cavadão abriram o primeiro dia, mas o prato principal era o Alice In Chains, que fazia sucesso na época com o single Would?, do álbum Dirt, ainda com Layne Staley nos vocais. Red Hot Chili Peppers estava muito bombado devido a turnê do disco Blood Sugar Sex Magik.

Começar com Give It Away lhes garantiu um lugar eterno no coração do público rockeiro brasileiro. A banda tinha o guitarrista Arik Marshall, que ficou na banda por um curto período de tempo, apenas tocando em shows da turnê que eles faziam nesta época.

O encerramento foi com uma bateria de escola de samba, uma mania recorrente dos músicos gringos, com uma bis de cover de Jimi Hendrix.

Antes do Nirvana no segundo dia, tinha as minas do L7, banda formada somente por mulheres que tocavam um som sujo punk.

Elas tinha bom espaço na MTV, que passava os clipes do álbum Bricks Are Heavy e, apesar do típico produto formatado, resultado de executivos da gravadora em providenciar um grunge feminino para pegar onda, o talento das meninas apagava a origem infame — a qualidade do L7 era inquestionável.

Não é a toa que é uma das bandas-referência do movimento riot girrrl da década de 90, ao lado de 7 Year Bitch, Babes in Toyland e o Bikini Kill.

Na hora do Nirvana entrar, o trio entregou as melhores canções dos três álbuns lançados até então: Bleach, Nevermind e Incesticide. Destaque para Smells Like Teen Spirit, com o Flea do Red Hot tocando trompete.

O fim foi com uma cover de Sweet Emotion, do Aerosmith. O show foi uma zona. Kurt se vestiu de mulher, os membros trocaram de instrumentos, mandaram covers demais, e a simulação de masturbação e cuspe com uma câmera de TV da Globo por Kurt se tornou lendária, assim como a apresentação, toda ruim e errática.

O show do L7 é um dos melhores do Hollywood Rock

Hollywood Rock 5, 1994

As atrações dessa edição foram Aerosmith, Poison, Ugly Kid Joe, Live, Whitney Houston e Robert Plant, além das bandas nacionais Sepultura, Titãs, Skank, e os cantores Fernanda Abreu e Jorge Ben Jor.

A edição de 94 ocorreu no estádio do Morumbi, em São Paulo, e no Sambódromo, no Rio de Janeiro. A cobertura deste Hollywood Rock contou com uma novidade: a transmissão foi feita em som estereofônico, podendo ser captado pelos telespectadores que tivessem aparelho de tevê estéreo.

Hollywood Rock 6, 1995

A sexta edição do Hollywood Rock finalmente trouxe os caras do Rolling Stones ao Brasil, com sua tour Voodoo Lounge. Também rolou Spin Doctors, Barão Vermelho e Rita Lee.

Tudo aconteceu em apenas uma noite, no estádio do Pacaembu, em São Paulo, e no estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro.

Rolling Stones, Miss You, em 1995

Hollywood Rock 7, 1996

O último festival Hollywood Rock teve de tudo. Jimmy Page & Robert Plant, Smashing Pumpkins, Supergrass, White Zombie, The Cure, Urge Overkill, Steel Pulse, Aswad, Bush, e Black Crowes, além das nacionais Pato Fu, Raimundos, Cidade Negra e Chico Science e Nação Zumbi. Gilberto Gil recebeu convidados no palco, entre eles Lobão, Lulu Santos e Fernanda Abreu.

Estourando um pra se enturmar

Hollywood Rock
Arte promocional do Hollywood Rock

O que ajudou muito a marca Hollywood em seu sucesso foi também fazer propagandas do cigarro na TV nos anos 80, ao colar sua imagem em vídeos ousados de variados esportes em ação.

Esse tipo de propaganda dos cigarros Hollywood durou de 1973 até meados da década de 1990, quando o hábito de fumar começava a dar sinais de ser condenado pela sociedade.

A grana rolava solta na casa dos milhões, e os publicitários viajavam nas idéias, e num incrível jogo de marketing, lançavam os grandes sucessos musicais, associados à marca Hollywood, produzindo grandes trabalhos no contexto que se propunham: o não-fumante ouvindo música.

Albino Souza Cruz, um fabricante de cigarros que se estabeleceu no Rio de Janeiro, criou, em 1903, uma empresa para vender diversas marcas de cigarro.

Em alguns anos, se torna uma subsidiária do conglomerado British American Tobacco, e com o nome estabelecido por aqui como Souza Cruz, anuncia o lançamento dos cigarros Hollywood, que aos poucos ficou famoso por usar o slogan “O Sucesso“.

Como todas as empresas do ramo, com o passar dos anos, procurou se atrelar a uma construção de pretenso glamour no mundo dos jovens da Geração X (pessoas nascidas entre o início dos anos 1960 e o fim dos anos 1970).

No início dos anos 1970, a Souza Cruz inventou o sloganIsto é Hollywood“, e deixou popular a sua imagem por meio de jovens praticando esportes radicais, tendo sucesso ao associá-la à ideia de aventura. Nos anos 1980, o rock se provou a trilha sonora que pontuaria os maiores picos de audiência com a juventude.

Os comerciais mostravam gente bonita e gostosa em cenários e paisagens belíssimos, praticando esportes radicais ao som de Did It All For Love, do Phenomena, Love Ain’t No Stranger, do Whitesnake, Don’t Stop Believing, do Journey, Breaking All The Rules, do Peter Frampton, entre várias outras.

O Hollywood Rock antes do
Hollywood Rock era em LP

Arte de capa de um dos LPs lançado de Hollywood, O Sucesso – Volume 1, de 1982

Bem antes dos festivais aparecerem, a Souza Cruz já investia para ‘doutrinar’ o público. Durante os anos 1970, os comerciais do cigarro Hollywood já tinham cenas de ação e esportes radicais, mas com uma trilha convencional, um jingle comercial ordinário.

Um dos muitos formatos de sucesso na indústria fonográfica eram as coletâneas — discos com várias músicas do catálogo de artistas da gravadora, feitas por encomenda de diversas demandas, como trilha sonora de novelas e filmes a coleções de hits de artistas, bem como a promoções de celebridades ou eventos.

E a Souza Cruz entrou nessa para que sua marca Hollywood se atrelasse no som que bombava nos anos 1980 — o rock — e a onda de esportes radicais, que estavam ficando cada vez mais populares. Esses são dois álbuns que saíram por aqui na primeira parte da década em questão:

Isto é Hollywood Volume 1, de 1982

Isto é Hollywood Volume 2, de 1984

A bela mistura de sonoridade de artistas nos festivais do Hollywood Rock também promoveu excelentes bootlegs das apresentações, realizadas pelos entusiastas e fãs, e que podem (e devem) serem caçadas pela internet.

O Hollywood Rock de 1975 que não contam

A primeira edição — nunca lembrada e pouco colocada na conta oficial do evento — do Hollywood Rock aconteceu durante quatro sábados em janeiro de 1975, no bairro de Botafogo, Rio de Janeiro, e contou apenas com artistas nacionais.

Entre eles, Raul Seixas, Celly Campelo, Erasmo Carlos, Raul Seixas, Os Mutantes (sem a Rita Lee, primeira apresentação sem ela), e Tutti-Frutti com a Rita Lee (o primeiro da cantora com eles).

Esse Hollywood Rock não é considerado oficial, e foi organizado por Nelson Motta, jornalista e produtor dos mais famosos dentro do cenário musical brasileiro. Saiu um disco com os melhores momentos dos shows e um documentário chamado Ritmo Alucinante, feito por Marcelo França, no ano seguinte.

Raul Seixas chegou a citar a marca Hollywood na canção É Fim do Mês, do seu álbum Novo Aeon, de 1975: “Eu procurei fumar cigarro Hollywood, que a televisão me diz que é o cigarro do sucesso.”

Quando a propaganda
virou fumaça

A tríade infalível dos anos 1980: cigarro, rock e esportes radicais

Rock e cigarro só tiveram fim quando a Lei Ordinária nº 9.249, aprovada em 1996 no Brasil, proibiu propaganda de produtos de cigarros em eventos culturais, o que decretou o fim do festival.

A utilização de tributos para regular condutas de consumo  remete ao século 17, e nasce nos Estados Unidos. Os alvos preferenciais eram o jogo, o tabaco e a bebida, tributados pesadamente no âmbito do que se denominou “impostos do pecado” (sin taxes, em inglês).

Uma tese hipócrita que recebia carimbo intelectual de caras como o filósofo escocês David Hume (1711 – 1776).

O alcance da lei que proibia marcas de cigarros patrocinarem eventos culturais mataria também o festival Free Jazz., que também era promovido pela Souza Cruz.

É por isso que festivais mais novos por aqui, como o Lollapalooza (2012), nem experimentaram esse tipo de publicidade.

 

LOLLAPALOOZA | O festival de música que começou como despedida

Guilherme Zattar é um dos nomes dos que trouxeram o Hollywood Rock ao Brasil. Um dos grandes executivos brasileiros, na linha de frente de empresas como Organizações Globo, Embratel e BMG.

Criou o SporTV para a TV Globo, reergueu o Multishow e criou o canal OFF. Quando estava na Souza Cruz, se obrigou a fumar e a aprender a diferenciar sabores, tal qual um sommelier de cigarros.

E foi lá que, entre 1988 e 1993, como gerente de marketing, promoveu festivais como o Hollywood Rock e o Free Jazz.

Segue uma reprodução de uma entrevista pela revista Trip, de 10 de janeiro de 2013:

Você batalhou para trabalhar com música nos eventos patrocinados pela empresa, como o Hollywood Rock e o Free Jazz?

Foi na sorte. Caí na área de comunicação e depois me tornei o gerente responsável por esses festivais e pelo Carlton Dance. Cheguei a fazer também dois Hollywood Surf, entre 1987 e 1989, e eventos de motocross, vela e até jet ski. Naquela época, podia-se fazer propaganda e os comerciais eram espetaculares, imagens de esportes que ninguém via no Brasil. Quando lançava um filme de Hollywood, a música virava hit no rádio. A Souza Cruz, apesar de lidar com um produto controverso, ditava tendências. Até que, quando me tornei responsável pela seleção de estagiários, dei uma palestra na PUC do Rio e me deparei com a pergunta: “Você não sente vergonha de vender um produto que mata?”. Era um garoto, nunca vou esquecer. Respondi: “Olha, eu não fumo, nem sou obrigado a fumar. A indústria adverte que o cigarro faz mal. É a tal história: você gostaria de ser proibido de fumar? Você opta”. Até hoje defendo isso. Não adianta proibir: o cara decide se quer correr o risco ou não. Liberdade de escolha.

O Nirvana esculhambou a indústria tabagista quando veio ao Brasil em 1993. Kurt Cobain falou sobre câncer no palco e Chris Novoselic criticou a Souza Cruz durante as entrevistas…
Foi a maior encrenca, mas por outro motivo. Antes do show, o Cobain tinha tomado sei lá o que e foi pra janela do hotel querer voar. O coitado do Luis Oscar Niemeyer, que era o diretor de produção, teve que ser chamado às quatro da manhã para resolver o problema. Imagina se o cara pula?

Como você compararia o show business daquela época, quando o Brasil começava a atrair atrações internacionais, com o momento atual?

Lá atrás, era um sonho, porque a Souza Cruz tinha grana, bancava todo o evento. A produção era totalmente dirigida pela Souza Cruz, não era um evento que a empresa comprava. A gente tinha verba, trazia quem a gente queria, escolhia tudo. Eu assumi o Hollywood Rock em 1988 e fiquei até 1993, quando saí para trabalhar no Banco Nacional. A Souza Cruz era a única subsidiária da BAT (British American Tobacco) no mundo que fazia eventos de rock. Eu morria de medo era de acontecer alguma coisa que fugisse do controle. Em uma edição, chegou a ter tiro na praça da Apoteose, no Rio – por sorte, uma coisa pouco grave –, mas o medo era no dia seguinte estar estampado nos jornais “Tiroteio no Hollywood Rock”.

Fumar faz mal para a saúde e você não terá sucesso em fazer esportes radicais

/// DAVID COVERDALE DE ROUPA NOVA. Era 1985, época do primeiro Rock in Rio, quando o vocalista do Whitesnake, David Coverdale, gravou um jingle em português para a propaganda do cigarro, que contou com a participação do Roupa Nova no instrumental, num prenúncio do festival de música do Hollywood Rock em três anos.

Obrigado por ler até aqui!

O Destrutor é uma publicação online jornalística independente focada na análise do consumo dos produtos e tecnologia da cultura pop: música, cinema, quadrinhos, entretenimento digital (streaming, videogame), mídia e muito mais. Produzir matérias de fôlego e pesquisa como essa, mostrando todas essas informações, dá um trabalhão danado. A ajuda de quem tem interesse é essencial.

Apoie meu trabalho

  • Qualquer valor via PIX, a chave é destrutor1981@gmail.com
  • Compartilhe essa matéria com seus amigos e nas suas redes sociais se você gostou.
  • O Destrutor está disponível para criar um #publi genuíno. Me mande um e-mail!

O Destrutor nas redes: Instagram do Destrutor (siga lá!)

Todas as imagens dessa matéria têm seus direitos reservados
aos seus respectivos proprietários, e são
reproduzidas aqui a título de ilustração.

LEIA TAMBÉM:

ROCK IN RIO | A crônica da repetição musical também é política