Desde que Michael Myers colocou sua máscara sem expressão na cara e se armou com uma faca, o Halloween nunca mais teve paz nos filmes da indústria do cinema americano, e é John Carpenter o responsável por isso.
O longa-metragem Halloween, dirigido por John Carpenter em 1978, ajudou a sedimentar o gênero slasher como potência cinematográfica, e mudou a cara dos filmes de terror feitos até então. Bebendo diretamente do giallo, um estilo particular de filmes italianos, Carpenter fez um filme poderoso ao contar uma versão sanguinária do Dia das Bruxas, como é conhecida essa festividade americana comemorada dia 31 de outubro por aqui.
O psicopata Michael Myers é uma força sobrenatural que mata sem explicação qualquer um que cruze seu caminho, e desenvolve uma obsessão doentia por Laurie Strode (Jamie Lee Curtis).
Mais aterrador do que um louco atrás de você com uma faca, é não saber a razão dele fazer isso.
O termo giallo é a denominação italiana para um gênero literário e cinematográfico muito popular nos anos 60, que envolve suspense e romance policial.
O nome é uma referência às capas amarelas das revistas pulp italianas do fim dos anos 20. John Carpenter pegou isso e revestiu de uma camada mais pop e acessível a qualquer faixa etária e extrato econômico na América, ao se apropriar de uma das festas sociais mais populares do país: o Halloween.
E o grande diferencial foi um agente do mal para manchar de vermelho sangue tudo isso. E é nisso que reside a genialidade de John Carpenter, pois a falta de racionalidade e explicação vai de encontro à Michael Myers, que além de nunca ser mostrado sem máscara, nunca diz coisa alguma.
Aliás, a máscara sem expressão é outra jogada esperta. Ao não mostrar ódio, raiva ou algo maligno, se mostra pior nos ataques sangrentos, ao anular qualquer piedade ou misericórdia em seus atos.
Carpenter é um dos cineastas mais interessantes da indústria, com mais de 30 filmes na carreira, que vão do terror supremo Enigma de Outro Mundo (1982) — simplesmente o Melhor Filme do Cinema, na opinião do blog –, à ação de ficção científica contemporânea e politicamente atual de Fuga de Nova York (1981), de anacronismos modernos à capitulações do homem enquanto sociedade capitalista degenerada de Eles Vivem (1988) a melhor aventura pop mix, com Os Aventureiros do Bairro Proibido (1986).
Além disso, Carpenter escreve e produz muito, e ainda é um dos maiores músicos do cinema — a trilha sonora icônica de Halloween é de sua autoria, tão poderosa e marcante que se tornou uma marca da franquia.
Halloween, o clássico de John Carpenter, já teve de tudo: sequência pelo próprio diretor, sequências, derivados, reboots, umas 4 linhas de continuidade — inclusive um filme que não teve nenhuma conexão direta com o assassino Michael Myers (Halloween 3: A Noite das Bruxas).
Halloween: A Noite do Terror
(Halloween, 1978,
de John Carpenter)
13 de outubro de 1978, cidade de Haddonfield, estado de Illinois, Estados Unidos.
Laurie Strode (Jamie Lee Curtis) e suas amigas estão armando vários esquemas para conseguirem ficar com alguns rapazes durante a festa do dia das bruxas na cidade.
Aparentemente, Laurie é a única que vai ficar cuidando de crianças, no seu trabalho de babá. A construção de Carpenter é lenta e atmosférica, em uma cidade com tons pastéis de laranja durante o dia e a tarde, cheia de ventos e folhas de árvores.
De noite, o azul em contraste com a escuridão da noite e luzes fortes dão o tom. Nos dois espectros de cores, Carpenter filma o psicopata Michael Myers, que surge na cidade depois que conseguiu escapar de onde estava internado, desde que matou a irmã, 15 anos atrás, na noite de Halloween de 1963, em uma casa na mesma cidade.
Essa sequência da morte da irmã é o início de Halloween de John Carpenter, com os fatos na câmera/visão do pequeno Michael, o que nos torna cúmplices do assassino desde o começo.
Sem razão aparente, Michael Myers retorna à cidade onde cometeu os assassinatos para começar outra onda de matança, que parece ter como foco principal Laurie, que vai passar o diabo para escapar das facas de Myers.
Diabo, aliás, é como o psiquiatra Samuel Loomis (Donald Pleasence), define Michael Myers. Ele é a outra ponta do eixo narrativo que Carpenter faz no filme, nos fazendo acompanhar sua jornada desde que descobriu que Michael está à solta por aí.
Ele vem em pessoa para Haddonfield, e com efeito, se arma com um revólver Smith & Weasson para dar cabo do seu paciente, tamanho o seu terror. O filme então balança ora para Laurie e os assassinatos cada vez mais perto que Michael faz em torno dela, e Loomis e policiais reticentes quanto à ameaça na caça ao psicopata.
O roteiro original de Halloween era tratado como “The Babysitter Murders“, “O assassino de babás“, em tradução livre. No documentário Halloween Unmasked 2000, é revelado que foram duas máscaras escolhidas para Michael Myers pela produção.
A primeira era de um palhaço de cabelos vermelhos, Don Post Emmett Kelly, sorrindo, o que fazia referência à fantasia de palhaço de Michael quando ele matou sua irmã Judith. A outra máscara — a escolhida para o filme — é o rosto do capitão James T. Kirk, papel do ator William Shatner no seriado Jornada nas Estrelas (Star Trek).
A máscara de Kirk era uma peça de 1975 vendida em lojas por um dólar. A produção retirou detalhes dela, a pintou de branco e abriu mais os buracos dos olhos.
John Carpenter queria o ator Peter Cushing ou Christopher Lee para o papel de Sam Loomis, mas os dois atores — profissionais veteranos do cinema de terror — recusaram devido ao salário baixo oferecido.
Donald filmou toda sua participação em quatro dias, e ele teve cerca de 18 minutos em tela. Halloween foi filmado durante a primavera de 1978, ao custo de U$ 300 mil dólares, e fez mais de U$47 milhões.
Foi o primeiro papel de Jamie Lee Curtis no cinema , e John Carpenter considerou fazer um tributo ao cineasta Alfred Hitchcock ao dar o papel da mãe dela para a atriz Janet Leigh, lendária pela sua participação pelo clássico do suspense Psicose (1960).
Ironicamente, na mesma época, o estúdio de cinema Universal, dono de Psicose, considerava uma sequência do clássico, e Jamie Lee era uma das cotadas para estrelar a produção, que saiu alguns anos depois como Psicose 2 (1983).
Jamie Lee Curtis estrelou por seis décadas em filmes da franquia: no final dos anos 1970 com esse de John Carpenter e no começo dos anos 1980 em Halloween 2: O Pesadelo Continua! (1981); no final dos anos 1990 em Halloween H20: Vinte Anos Depois (1998) e começo dos anos 2000 em Halloween: Ressurreição (2002); e no fim da década de 2010 em Halloween (2018) e começo da década atual, em Halloween Kills (a sair em 2021, se o corona deixar).
A icônica trilha sonora de John Carpenter foi composta em quatro dias. A produtora Debra Hill escreveu a maior parte dos diálogos das personagens femininas, enquanto John Carpenter se concentrou em Loomis.
No quarto de Laurie, é possível ver pinturas do artista belga James Ensor (1860-1949), conhecido por retratar figuras humanas vestindo máscaras grotescas.
Em vários momentos do filme, personagens estão assistindo televisão, que está passando O Monstro do Ártico (The Thing, 1951), clássico do terror sobre um monstro em forma humana indestrutível, um longa que John Carpenter faria o remake anos depois, com o nome de O Enigma de Outro Mundo (1982).
Ironicamente, isso aconteceu graças ao desejo do estúdio, dono dos direitos do filme, em se afastar da proposta slasher que o diretor Tobe Hooper queria dar ao remake. Tobe é simplesmente o criador do gênero slasher, quando fez o filme O Massacre da Serra Elétrica (1974).
Além do Monstro do Ártico, Carpenter usou em Halloween elementos do robô assassino interpretado por Yul Brynner no clássico sci-fi Westworld: Onde Ninguém tem Alma (1973), escrito e dirigido pelo escritor Michael Crichton, o autor do livro que deu origem aos filmes da franquia Jurassic Park.
O Halloween de 31 de outubro de 1978 caiu numa terça-feira.
Halloween 2: O Pesadelo Continua!
(Halloween II, 1981,
de Rick Rosenthal)
A continuação de Halloween é uma sequencia direta dos eventos do original, segundos após o desfecho — Laurie esfaqueando Michael e Loomis dando tiros nele.
O doutor está ajudando Laurie a se recompor depois dos ataques, e fica surpreso quando nota que o corpo de Michael Myers sumiu de onde caiu da sacada. Começa então uma corrida contra o tempo para impedir que o psicopata mate mais gente — uma infelicidade de quem está dentro do filme e um prazer sádico para quem está vendo.
John Carpenter se afasta da cadeira de direção, mas seu DNA é visto em todo o longe, que funciona à perfeição como colagem direta dos eventos do anterior.
Com efeito, Michael se refugia no mesmo quarteirão, em casas vizinhas, onde encontra mais pessoas para serem suas vítimas.
Por essa razão de continuação imediata, Halloween 2: O Pesadelo Continua! é o único filme da franquia que se passa na manhã depois do dia 31 — todos os outros filmes se passam na noite de Halloween.
O diretor escolhido por Carpenter e Debra Hill foi Rick Rosenthal, que futuramente dirigiria seriados como Lei e Ordem, Wicthblade, Buffy – A caça-vampiros, Smallville, e filmes como Os Pássaros 2 (1994), sequencia do clássico de Hithcock. Foi em Halloween 2: O Pesadelo Continua! que estabeleceram o parentesco de Laurie e Michael como irmãos, sem lógica narrativa alguma.
Carpenter considerava Halloween um produto fechado em si mesmo, e só aceitou retornar para a franquia pelo único motivo válido — dinheiro.
Ele renegaria o longa anos depois, cujo corte não gostou e que refez em vários momentos — ele achava que Rick não fez um filme gore o suficiente, ainda que os dois quisesse mais terror e suspense em detrimento de mortes grotescas.
Falando em morte, aqui acontece o fim definitivo de Michael Myers (risos), cego por tiros disparados por Laurie dentro de um hospital.
O local é também o clímax do filme, quando o dr. Loomis se explode junto com o psicopata dentro de uma sala cheia de metano, em uma cena parecida com a do filme Drácula (1979), que Donald Pleasence também participa. O ator é um velho conhecido de Carpenter, com participações em diversos filmes dele, como Príncipe das Sombras (1987) e Fuga de Nova York (1981).
A franquia ainda veria mais quatro filmes nessa “linha do tempo” do Halloween de Jonh Carpenter.
Halloween 3 – A Noite das Bruxas (Halloween III: Season of the Witch, de 1982)
Halloween 4 – O Retorno de Michael Myers (Halloween 4: The Return of Michael Myers, de 1988)
Halloween 5 – A Vingança de Michael Myers (Halloween 5: The Revenge of Michael Myers, de 1989)
Halloween VI – A Última Vingança (Halloween: The Curse of Michael Myers, de 1995)
Seria o fim perfeito para Halloween. O segundo longa está longe da excelência do primeiro, mas funciona como continuação notavelmente.
Halloween 2: O Pesadelo Continua! teve concorrentes de peso nos cinemas, como Grito de Horror, Sexta-Feira 13, Parte 2 e A Profecia III: O Conflito Final, todos nas telonas em 1981. Particularmente, Halloween viu seu maior concorrente nascer, pois foi no segundo filme de Sexta-Feira 13 que o Jason Voorhees se torna protagonista, ainda que sem sua máscara icônica de hockey.
Quem nasceu também foi a “rainha do grito”, na figura clássica dos elementos que constituem o gênero slasher nos cinemas.
Jamie Lee Curtis se tornou a rainha do grito ao embalar essa sequencia de filmes: Halloween: A Noite do Terror (1978), Baile de Formatura (1980), A Bruma Assassina (1980), Jogos de Estrada (1981), O Trem do Terror (1980) e o segundo Halloween (1981).
Halloween 3 – A Noite das Bruxas
(Halloween III: Season of the Witch, 1982,
de Tommy Lee Wallace)
Com o aparente fim de Michael Myers no segundo filme, John Carpenter e Debra Hill pensaram outro tipo de animal para o terceiro filme da série. E ele não poderia ter sido mais divisivo e chocante para a franquia.
Se segurem nas cadeiras mentais: Halloween 3: A Noite das Bruxas é sobre um poderoso industrial dono de uma fábrica de máscaras de Halloween em forma de abóboras, e que secretamente é um cientista de um culto celta que transportou as pedras de Stonehenge para uma cidadezinha americana.
Com a mineração das pedras, criou microchips, que colocados nas máscaras, transformam em quem as usa em cadáveres recheados de aranhas e cobras assassinas.
Para popularizar as máscaras, ele criou chamadas comerciais em forma de propagandas com músicas de apelo infantil, que estão em toda a parte.
Um médico bigodudo de meia-idade, Daniel Challis (Tom Atkins) e uma jovem de 20 anos, Ellie Grimbridge (Stacey Nelkin), filha de um homem que foi morto ao descobrir o esquema, tentam desvendar esse plano maluco, com direito aos dois fazendo sexo no motel durante as investigações.
Ah, e os guardas da fábrica são ciborgues. E claro, não há nenhuma bruxa no longa, a não ser no título.
Michael Myers e o Halloween só aparecem aqui como metalinguagem — com efeito, o longa de John Carpenter é mostrado passando na TV em determinado momento.
O diretor dessa pérola cinematográfica (que deve ser encarada como uma antologia, intenção inclusive de Carpenter) foi Tommy Lee Wallace, que trabalhou como editor e designer de produção no primeiro filme.
Ele estava até cotado até para dirigir o segundo filme, e chegou a aparecer creditado em alguns releases, mas assim que viu que Halloween 2: O Pesadelo Continua! seria apenas mais sangrento e violento que o primeiro, sem uma história que considerasse original, declinou da direção.
Quando John e Debra vieram com outra proposta para o terceiro, Tommy aceitou de pronto. Os três trabalharam juntos no roteiro.
O longa começa com um velho correndo de um dos guardas ciborgues, sempre apresentados de terno e luvas pretas.
O velho está com uma máscara nas mãos e já está a par do comercial de lavagem cerebral. O princípio é bem misterioso, com um dos homens matando o velho e se matando em uma explosão depois.
Outra cena mostra uma decapitação feita na mão, o que nos deixa apreensivos sempre que aparecem. Ellie é filha do velho morto no início do filme, e Challis o médico que o atendeu.
Ela dá uma de detetive e consegue determinar os últimos rastros de seu pai, e sabe que ele ainda estava vivo quando foi para a cidade de Santa Mira, onde está localizada Silver Shamrock, a tal fábrica de máscaras.
Eles vão para lá e encontram tempo para transar no motel entre uma investigação e outra. Halloween 3 – A Noite das Bruxas pega mesmo a gente mesmo quando vemos uma mulher mexendo em um dos microchips que encontrou na máscara.
Um raio laser sai e atinge o rosto da mulher, que entra em processo de decomposição imediato, com moscas e vermes surgindo de imediato do rosto.
Em certo momento, o casal consegue acesso à fábrica por meio de um passeio, e começam a suspeitar do dono, Conal Cochran. Não demora muito para Challis e Ellie ficarem na mira dos perigosos ciborgues, que capturam a moça e perseguem o médico — que repete a cena do início, sendo ele agora o velho correndo deles.
Challis invade a fábrica, destrói uma velha, que na verdade é um robô de 1785, descobre que Conal é um velho adepto de um culto celta de 3.000 anos, que fala sobre o Festival de Samhain, e que usa partículas do Stonehenge, as pedras que formam estruturas circulares antiquíssimas na Inglaterra, para fazer seus microchips que matam os seres humanos.
No fim, o médico usa um punhado de microchips como granadas e provoca um arco voltaico com a explosão e o Stonehenge, que mata os ciborgues e vaporiza Conal.
Ainda há tempo do médico ter que lutar contra uma Ellie robô-zumbi e seus braços decepados, e ocorrer um final em aberto muito bom, no qual podemos inferir que tudo foi pro vinagre mesmo.
Os planos de John Carpenter era fazer um novo filme de Halloween a cada ano, que contaria uma história original e sem relações entre elas.
A história rocambolesca de Halloween 3 – A Noite das Bruxas tem potencial , e dá a volta e diverte, o que de fato acontece se você assistir com os olhos certos. O dono da fábrica e industrial celta maluco, Conal Cochran, é interpretado por Dan O’Herlihy, o dono das empresa OCP na franquia do Robocop.
A cidadezinha de Santa Mira, que no filme abriga a fábrica de máscaras Silver Shamrock, é a mesma vista no filme Vampiros de Almas (1956).
O tema do comercial de Silver Shamrock toca 14 vezes no filme, que é graficamente estiloso como qualquer um de John Carpenter. É o primeiro filme da franquia se passar mais dias além do Halloween — ele começa no dia 23 de outubro, sábado, e se estende até o domingo dia 31 de outubro, de 1982.
O fim do velho Halloween de John Carpenter
Para a surpresa de ninguém, Halloween 3 – A Noite das Bruxas foi um fracasso monumental. Ninguém assistiu, todo mundo falou mal, teve críticas ruins por todo o lado, e John Carpenter e Debra Hill foram sacados do comando da franquia.
Demorou seis anos para vermos um novo Halloween nos cinemas, e ele veio como Halloween 4 – O Retorno de Michael Myers, numa numeração que ainda considera o terceiro, vai saber a razão. Dirigido por Dwight Little (que faria Crime na Casa Branca e A Última Ameaça e seriados como Arquivo X e 24 Horas), o quarto filme começa 10 anos depois do segundo filme, com Laurie sendo morta em um acidente de carro. Ela deixou uma filha, Jamie Lloyd (Danielle Harris), que se torna a “girl scream” da vez.
Michael sobreviveu à explosão, e estava inválido em um hospital, mas do nada acorda, e vai atrás da sobrinha. Sam Loomis também escapou da explosão, e parte ajudar a menina, que só tem 7 anos.
O filme ganha alguns pontos por transformar a pequena Jamie em uma psicopata no final.
Em Halloween 5 – A Vingança de Michael Myers, de 1989, dirigido por Dominique Othenin (que faria A Profecia IV: O Despertar em 1991), começa um ano depois do quarto filme, repetindo muito da trama.
Jamie parece ter uma conexão mental com Michael, que entrou e saiu de outro coma, e o longa cancela o final da garota psicopata. No sexto filme da franquia, Halloween VI – A Última Vingança, dirigido por Joe Chappelle (que fez seriados como CSI) em 1995, a trama ainda trabalha com Jamie, que agora tem uma filha recém-nascida, o que faz de Michael Myers agora um tio-avô. Há também inserção de elementos de maldições rúnicas familiares entre os Myers.
Novos tempos, novos Halloween
Depois dos Halloween 4, 5 e 6, a franquia começou a divergir criativamente de maneira confusa para quem chega para essa festa de dia das bruxas.
Houve nada menos que TRÊS REBOOTS — o termo se refere a uma revisão criativa e comercial da história, que zera e/ou ignora acontecimentos, para começar uma nova trama e despertar novos interesses de público e vendas.
O primeiro reboot foi seguido por um filme que ignorou o final anterior; o outro reboot recomeçou a cronologia com novos atores; e o terceiro reboot, que promete ser o definitivo, tem pretensões de ser uma trilogia para dar um encerramento digno à Michael Myers e suas matanças.
Halloween H20: Vinte Anos Depois (Halloween H20: 20 Years Later, 1998, de Steve Miner)
Halloween: Ressurreição (Halloween: Resurrection, 2002, de Rick Rosenthal)
Halloween: O Início (Halloween, 2007, de Rob Zombie)
H2: Halloween 2 (Halloween II, 2009, de Rob Zombie)
Halloween H20: Vinte Anos Depois tem um título autoexplicativo. Estamos em 1998, 20 anos depois dos acontecimentos de 1978, quando Michael atacou Laura e sumiu.
Ele foi achado pela polícia e preso, o que invalida todos os outros Halloween depois do primeiro de John Carpenter. Laura, de novo interpretada por Jamie Lee Curtis, tem um filho, John (interpretado por Josh Hartnett, que ignora a Jamie dos filmes oitentistas) e é diretora de um colégio-internato.
Depois de todo esse tempo, ela tem uma atitude super protetora com o filho, e morre de medo de Michael aparecer na noite de Halloween. E é lógico que isso acontece — Michael escapa da prisão e vai ao encontro de Laurie.
O diretor foi Steve Miner (que fez nada mais nada menos que Sexta-Feira 13, Parte 2 e Sexta-Feira 13, Parte 2, longas que tornaram Jason o assassino da franquia), e ele executa o melhor final de Helloween, desafiando as convenções de poderes sobrenaturais de resistência de Michael Myers, ao Laurie desferir um golpe com todo o gosto do mundo (e da gente) ao decapitá-lo.
Mas Rick Rosenthal, que 21 anos depois de ter feito Halloween 2: O Pesadelo Continua! assumiu a direção da sequencia de H20, chamado simplesmente de Halloween: Ressurreição, decide ignorar o final de Steve Miner.
Michael não está morto e Laurie morre logo nas primeiras cenas (Jamie Lee Curtis não queria mais o papel e exigiu ser morta) em um filme que foca um reality show (!) na casa dos Myers. É lógico que Michael surge para matar todo mundo que teve essa infeliz ideia — pena que não na vida real.
O Halloween de Rob Zombie
O fim dos anos 2000 marca o fim da era de Halloween/John Carpenter e seus derivados. Em 2007, o músico e cineasta Rob Zombie, que já tinha feito Rejeitados pelo Diabo e A Casa dos 1000 Corpos assumiu o comando do novo filme do Halloween.
Ele escreveu e dirigiu o filme com todas as suas marcas cinematográficas. Todos os personagens de Halloween: O Início são escrotos, falam de sexo de maneira suja, são bullyies e metidos e engraçadinhos.
O filme é dividido em dois atos. O primeiro é com o jovem Michael e sua infância sofrida (irmã piranha e escrota, padrasto vagabundo e escroto, colegas de trabalho bullies e escrotos e uma mãe stripper boazinha).
Todo esse peso psicológico tira parte do mérito sobrenatural e temido de Michael não ter razão aparente para sua maldade aberrante.
O menino Myers tortura animais, mata um aluno à pauladas, e trucida toda sua família com facas e taco de beisebol — a irmã Judith levou 17 facadas. As únicas poupadas são sua mãe e a irmãzinha (que se tornaria Laurie).
Quem cuida de Michael Myers no internato é o dr. Samuel Loomis, dessa vez interpretado por Malcolm McDowell, o eterno Alex de Laranja Mecânica, filme de 1971 de Stanley Kubrick, que nas mãos de Rob Zombie, tornou o psiquiatra um roqueiro do Lynyrd Skynyrd. Michael mata uma funcionária do hospital, e assim sela seu destino.
Passa 15 anos trancafiado, até que consegue escapar, graças a dois funcionários…escrotos.
A segunda parte é o remake do primeiro filme Halloween em si, com diversas liberdades criativas tomadas por Zombie.
A máscara clássica era de um peguete de Judith, morto anos atrás no massacre, e que Michael deixou escondido na residência, que agora está abandonada. Myers em certo momento pega umas cartas do correio e sente o cheiro de Laurie, o que fica implícito que ele descobre então que ela é sua irmã.
Ele vai atrás da lápide da mãe (que se matou de desgosto anos atrás), arranca do cemitério e a põe no porão da casa, junto com uma abóbora de Halloween e uma Laurie desmaiada, que acorda e ganha do assassino uma foto dela neném com o Michael jovem.
Rob não consegue nos fazer entender o que ele quer dizer com isso, já que abandona esse plot rapidamente. Um final ruim, depois de 4 tiros e duas facadas, marca o trabalho de Rob na franquia. Esse filme ainda gerou uma continuação, H2: Halloween 2, com Michael ainda vivo, atrás de Laurie, que agora descobriu seu parentesco com o psicopata.
Um novo Halloween de John Carpenter
Halloween (2018, de David Gordon Green)
Halloween Kills (2021, de David Gordon Green)
Halloween Ends (2022, de David Gordon Green)
Do elenco original de Halloween: A Noite do Terror (1978), três atores retornaram para o novo reboot da franquia, lançado em 2018 nos cinemas. Jamie Lee Curtis, a estrela principal, Nick Castle (como Michael Myers, creditado como The Shape, “o corpo”, assim como foi feito no original), P.J. Soles (ela interpreta uma professora, já que Lynda, sua personagem no filme de Carpenter, é uma das vítimas de Michael).
John Carpenter retornou como produtor executivo e recebeu créditos também pela música. Conhecido por não querer se envolver em remakes de seus filmes — ou mesmo sequências — John aceitou também ser creditado como “roteirista original”.
O diretor é David Gordon Green, com passagens em direção de séries e filmes (Segurando as Pontas e O Que Te Faz Mais Forte), que trabalha em cima de um roteiro escrito por Danny McBride, conhecido ator e comediante nos Estados Unidos.
Foi em cima de seu trabalho que Carpenter deu algumas sugestões.
O novo Halloween ignora todos os outros filmes depois do primeiro de John Carpenter, aspecto que o diretor David Gordon Green faz questão de ressaltar em diversas homenagens em cenas e referências.
Ele também presta reverência aos outros filmes da franquia, em diversos easter eggs para os fãs. Com algumas semelhanças com H20, no novo filme Laura está afastada de Michael Myers, que se encontra preso em uma instituição mental há mais de 40 anos. Isso não significa paz para ela, nem para sua filha, nem para sua neta, nem para ninguém.
Michael Myers vivo é a morte para Laurie Strode. Se ele matou 5 pessoas em Haddonfield em 1978, em 2018 começa a nova matança em grande estilo, tirando a vida de uma criança (primeira vez na franquia que isso acontece) e constrói uma trilha de sangue de repórteres, motoristas, pedestres, policiais e qualquer um que cruze seu caminho (spoiler: a contagem de corpos é 19).
O maior acerto é tirar proveito dessa grande passagem de tempo, especialmente para Laurie, que se tornou uma mulher extremamente diferente do que era.
Com dificuldades em relacionamentos, ela endureceu para sobreviver a tensão constante de uma eventual fuga de Michael, que logicamente acontece.
Se por um lado isso tira a esperada fragilidade dela, nos permite imaginar os problemas que Michael terá pela frente agora que está atrás de uma mulher bem mais preparada do que atacou em 1978.
Aliás, é bom ter em mente que o psicopata é um ancião com mais de 60 anos de idade, mas tendo em vista que David Gordon Green trabalha sob os signos de Halloween de John Carpenter, o assassino aqui é uma força sobrenatural que desafia nossa compreensão.
Fascínio pelo mal, traumas, superação e empoderamento feminino (em diversos graus de sucesso e fracasso) são temas recorrentes de Halloween.
Laura se tornou uma mulher difícil, vinda de dois casamentos fracassados, com um relacionamento complicado com sua filha Karen, interpretada por Judy Greer, que está longe de ser assertiva e agressiva com a mãe (como é um filme de uma nova linha do tempo, então nem sinal da filha Jamie (vista em Halloween 4: O Retorno de Michael Myers e Halloween 5: A Vingança de Michael Myers ou John, de H20).
A família se estende ainda à neta, Allyson (Andi Matichak), e é sob o eixo narrativo dessas três mulheres que o filme caminha, que mira também em excelentes observações sobre traumas pessoais e relativização de crimes, como quando questiona se um assassino que matou cinco pessoas é de grande importância, ou mesmo o poder da autoridade que se mostra negligente — ou mesmo criminosa –, como o Dr. Sartain (Haluk Bilginer), que é quem cuida de Myers no lugar de Loomis, morto anos atrás.
As três mulheres são incríveis em suas diferenças. Jamie Lee Curtis tem loucura e exageros sem caricaturas em sua Laurie, uma mulher forte e madura que procura proteger duas gerações de sua família.
Judy Greer entrega desespero e sufocamento em Karen, que vive sob o peso da tensão da mãe, e ainda que não pareça, mostra no final que é feita da mesma fibra moral e vigor da mãe.
A jovem Andi serve de avatar cinematográfico slasher na figura da Allyson, mas feito de maneira bem respeitosa aos momentos atuais de reflexão de ressignificar elementos datados — Halloween triunfa em entregar uma trama empoderadora de um modo que não soa forçado em nenhum momento.
Doces ou travessuras
A franquia Halloween passeia pelas décadas de filmes de terror e slasher na indústria de cinema em conversas diretas com as décadas em que foram produzidos. Os primeiros são o puro slasher dos anos 1970, com toques de suspense e “sofisticação” que não foram mais usados nos filmes.
Os anos 1980, a bagaceira e o gore são o fiel da balança do gênero, e marcaram os filmes de Halloween oitentistas.
Pânico (1996), filme emblemático e autorreferente de terror de Wes Craven, deixou sua marca em H20 e sua sequencia, que compartilha os efeitos do estilo found-footage (um filme como se estivéssemos assistindo uma filmagem recuperada deixada por alguém, produzida de forma caseira), aliados a nova onda sanguinária e estética de CG de videogame dos anos 2000 com Rob Zombie e seus dois filmes.
O novo filme de Halloween teria sua continuação lançada neste ano de 2020, que por motivos óbvios de Covid-19, foi remanejado para o ano que vem.
Com o nome de Halloween Kills, dessa vez Michael Myers será caçado pela população, segundo afirmou o diretor David Gordon Green, que volta para a cadeira de direção.
“Se o primeiro filme foi uma forma de recontar a origem de Myers e nos levar rapidamente para como Laurie ficou em todos esses anos, então a parte dois é sobre a revolta de Haddonfield”, disse em entrevista ao Total Film.
O cineasta comentou também sobre Halloween Ends, filme que pretende concluir a trilogia iniciada no Halloween de 2018. Halloween Kills será lançado em 15 de outubro de 2021 (se o corona deixar).
A ORIGEM DO HALLOWEEN NO FILME DE JOHN CARPENTER
Parte do cânone de Michael Myers é não explicar o aspecto de aberração sobrenatural que ele carrega — facadas, tiros na cara, quedas e explosões são ineficazes contra o psicopata.
Em toda a franquia, apenas dois filmes sinalizaram algo que pode ser implicado a ele. Em Halloween 2: O Pesadelo Continua!, em certo momento, Michael Myers escreve com sangue na parede “Samhain“. Trata-se de uma palavra que se refere a um antigo festival irlandês, comemorado no fim do verão — 31 de outubro, comumente chamado de Festival de Samhain. Dr. Loomis também comenta que é o nome de um deus referido como “Lord of the Dead“, “Senhor dos Mortos“.
A palavra retorna à franquia em Halloween 3 – A Noite das Bruxas, quando Cochran fala para Daniel sobre um antigo feriado irlandês, Samhain. O médico seria sacrificado em uma referência aos rituais pagãos associados ao festival.
De fato, Samhain é uma antiga festividade gaulesa que marca o começo do inverno, que junto com os festivais de Imbolc, Beltane e Lughnasadh, são os quatro festivais gauleses das quatro estações do ano. Parte das tradições sobreviveram em festivais na Inglaterra, Escócia e Irlanda, e com efeito, o Halloween usa elementos diversos desses antigos festivais.
A ORIGEM DO HALLOWEEN NA VIDA REAL
As origens da festa de Halloween estão no meio de uma mistura de festividades e elementos de várias culturas e influências. Fantasias de monstros e fantasmas, abóboras e doces são itens que vem à mente na maioria das pessoas, que se popularizaram com a máquina cultural americana de filmes, seriados, desenhos animados, livros e HQs.
A abóbora vem de época do fim de colheitas na Europa séculos atrás, que faziam algumas festas para marcar o fim desse trabalho — o Festival de Samhain, dos celtas, por exemplo, que se popularizou entre os ingleses, galeses, irlandeses e escoceses.
Muito resumidamente: acontecia perto do dia 31 de outubro, que marca o fim do outono e começo do inverno. O festival era na maior parte noturno, com comidas, bebidas e fogueiras. Havia oferendas e homenagens a seres sobrenaturais, para pedir bons tempos na metade mais sombria do resto do ano, como era o inverno no continente europeu.
Em certo momento, a Igreja Católica, na Alta Idade Média, instituiu um novo dia litúrgico para homenagear todos os santos.
A celebração do Dia de Todos Os Santos, de 13 de maio, passou para 27 de outubro, e ainda depois, no novo calendário Gregoriano, deslocou-se para o 1 de novembro — o dia seguinte do Festival de Samhein.
Algumas linhas de estudo implicam que a Igreja quis sobrepor as datas para soterrar a festa pagã, um artifício muito usado pelo poder católico. Mas aconteceu que as duas festas acabaram se somando.
Outro aspecto das abóboras vem de uma lenda irlandesa — um pinguço chamado Jack tenta tapear o Diabo e se dá mal, ao ter seu espírito condenado a vagar pelo mundo com um nabo com um carvão incandescente dentro, se tornando conhecido como Jack O´Lantern.
Como não havia muitos nabos no EUA, e a abóbora tinha em abundância, ocorreu uma substituição. No século XIX, a festa de Halloween se populariza nos Estados Unidos, pelo apelo infantil das crianças pedindo doces com as fantasias.
O que deu força para se tornar parte da cultura pop americana. Com a popularização das escolas de inglês no Brasil nos anos 1990, o Halloween se tornou conhecido também por aqui. Tal fama gerou até reações do poder público, que instituiu o Dia do Saci no dia 31 de Outubro, para destacar o folclore nacional.
LINHA DO TEMPO DE HALLOWEEN
Há cinco linhas temporais nos mais de 10 filmes de Halloween.
1 – Halloween: A Noite do Terror (1978), Halloween 2: O Pesadelo Continua! (1981), Halloween 4: O Retorno de Michael Myers (1988), Halloween 5: A Vingança de Michael Myers (1989) e Halloween 6: A Última Vingança (1995).
2 – Halloween: A Noite do Terror (1978), Halloween 2: O Pesadelo Continua! (1981), Halloween H20: Vinte Anos Depois (1998) e Halloween: Ressurreição (2002). O H20 é o primeiro reboot da série.
3 – Halloween: O Início (2007) e H2: Halloween 2 (2009). Os filmes formam o segundo reboot da série.
4 – Halloween: A Noite do Terror (1978), Halloween (2018), Halloween Kills (2021) e Halloween Ends (2022). Eles formam o terceiro reboot da série.
/ CONTAGEM DE CORPOS. Michael Myers empilhou 123 cadáveres ao longo de todos os seus filmes.
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