AGÊNCIA GLOBAL DA PAZ | O Grande Desastre na mitologia da DC Comics

A Agência Global da Paz é uma das várias organizações secretas do Universo DC, criada diretamente pelas mãos de Jack Kirby (1917-1994), o arquiteto definitivo da mitologia do gênero de super-heróis, com centenas de criações para as editoras DC Comics e Marvel Comics.

Jack Kirby estava em sua segunda passagem pela DC, na primeira metade dos 1970, recém-saído da Marvel, onde ajudou Stan Lee a fundamentar as bases principais do Universo Marvel com uma miríade de personagens deslumbrantes.

Na DC, uma de suas novas criações foi OMAC – One Man Army Corps (1974-1975). Era um futuro alternativo de uma dimensão paralela no Universo DC, sem a presença dos tradicionais super-heróis. Um balconista chamado Buddy Blank se vê em meio a eventos fantásticos que o transformam em um superser, o OMAC, o Exército de um Homem Só (a adaptação BR de O.M.A.C. – One Man Army Corps), um operativo a serviço da organização Agência Global da Paz – AGP (The Global Peace AgencyGPA, no original).

OMAC, de Jack Kirby

A fantástica transformação de um ser humano comum em um super-homem se dá graça ao satélite Irmão-Olho, uma enorme peça computadorizada orbitando o planeta, dotada de inteligência artificial, que conversa com Blank e o auxilia diretamente nas missões, providenciando os feixes de energia que catalisam a transformação de Blank em OMAC.

Buddy Blank se transforma em OMAC – O Exército de um Homem Só, graças ao satélite Irmão-Olho

 

 

OMAC (1974—1975)
Roteiro e arte de Jack Kirby, 8 edições

A capa da primeira edição de OMAC, com toda a estranheza do que Jack Kirby iria entregar na série, com uma “pseudopessoa” em destaque na arte

OMAC era uma revisão louca de vários conceitos de ficção científica no “MUNDO QUE VIRÁ!“, como diz o próprio Kirby na revista. É uma sociedade ultra-tecnológica que ultrapassava os limites de interações sociais. Guerras corporativas, “acompanhantes” sintéticos desmembrados em caixas (!) que na verdade eram bombas ambulantes para assassinar os líderes mundiais (!!), salas de destruição nos escritórios de trabalho onde empregados podiam descontar suas frustrações em “pseudopessoas” (!!!), tudo em um mundo policiado sem trégua pela Agência Global da Paz. Kirby era uma tempestade criativa sem barreira alguma em sua natureza.

O próprio visual de OMAC, com um moicano pré-punk, evoca elementos do super-homem de Nietzche (logo, Superman), de um patriotismo sem bandeira (Capitão América, co-criado por Kirby, cujas algumas das ideias de OMAC seriam para ele inclusive) e o velho desejo de ser alguém maior, mais forte e melhor (Capitão Marvel/Shazam), além da referência óbvia a Ares, o Deus da Guerra na mitologia grega, é sensacional.

Os agentes da Agência Global da Paz não tem face definida (!) e representam todas as nações da Terra (!!), e buscam resolver conflitos e ameaças diversas pelo globo. Não parece haver mais fronteiras geográficas claras nesse futuro, e uma das cidades mais importantes se chama Electric City.

Agência Global da Paz
Os agentes da Agência Global da Paz ajudando OMAC em uma de suas missões
Agência Global da Paz
A missão da Agência Global da Paz é impedir que o mundo seja destruído. Eles representam todas as nações do mundo. Os anos 1970 eram época da Guerra Fria, então o temor de uma ameaça atômica era muito presente

Os agentes da Agência Global da Paz não possuem nomes, procuram manter um distanciamento emocional de suas tarefas e ajudam OMAC com equipamentos e apoio logístico e tecnológico em suas missões. Alguns de seus inimigos são o inecrupuloso megaempresário Mr. Big, o Marechal Kafka e o Dr. Skuba.

Agência Global da Paz

A Agência Global da Paz foi parte integral das tramas contadas por Kirby nas 8 edições do título. Mas ela teve poucas aparições posteriores no Universo DC — o site Comicvine lista 38 aparições da Agência Global da Paz nas HQs — , diferente de outros elementos da história de OMAC, que foi bem mais usado, em diversos contextos e até contraditórios entre si — afinal, é o Multiverso do Universo DC Comics, um dos lores mais complicados da cultura pop.

Jack Kirby, além do OMAC, produziu diversos títulos para a DC, entre novos produtos e retomadas de outros, como a ficção científica distópica Kamandi: The Last Boy on Earth, histórias de guerra com Os Perdedores (que alguns dizem ser o melhor material de Kirby) e um novo Caçador (antes Paul Kirk, dele mesmo também, agora Mark Shaw).

Manhunter, com o Caçador Mark Shaw. Roteiro e arte de Jack Kirby

Mas a grande estrela foi uma série de títulos interligados sob o apelido Quarto Mundo, que incluiu uma trilogia de novos títulos: os novos New Gods, Mister Miracle e Forever People (Novos Deuses, Senhor Milagre e Povo da Eternidade, respectivamente), completados por um título que seria cancelado, Superman’s Pal Jimmy Olsen (o fotógrafo amigo do Azulão). Com essas 4 revistas, Kirby construiu uma narrativa cósmica sem precedentes, com a introdução de um panteão de divindades chamados Novos Deuses que estão em uma guerra civil, baseado nos confrontos do mundo de Nova Gênese, com seres benevolentes, e Apokolips, comandado por Darkseid, que se tornaria o maior vilão do Universo DC.

New Gods, a revista dos Novos Deuses, roteiro e arte de Jack Kirby
Darkseid, arte de Jack Kirby

 

Epílogo de New Gods #1

Tudo isso possivelmente baseado em conceitos que seriam aplicados no Thor que Kirby fazia com Stan Lee na Marvel Comics, com algumas das pistas publicadas em Thor #129, de 1966.

 

Texto de Stan Lee, desenhos (e muito provavelmente o roteiro também) de Jack Kirby, com arte-final (infeliz) de Vince Coletta

O Quarto Mundo podia ser acompanhado por diferentes prismas, com os deuses em si em Superman e Novos Deuses, os jovens e suas perspectivas no Povo da Eternidade, com uma temática alusiva à Guerra do Vietnã, revoltas sociais e estudantis, e algo mais pessoal no título Sr. Milagre, com o protagonista baseado em um amigo de Kirby, Jim Sterank0, um dos maiores artistas dos quadrinhos e escapista (!).

Mas o público e crítica não entenderam a genialidade dos conceitos apresentados por Kirby, que criava um universo no café da manhã se quisesse. O artista era muito bom em conceitos, mas sem uma edição mais contundente, era volume demais em pouco tempo e compreensão rasa na corrida inerente de produção.

Jack Kirby

Ele ficou apenas 5 anos nessa segunda passagem na DC, que frequentemente forçava o artista a trabalhar em personagens e projetos dos quais não gostava.

As vendas de OMAC não foram o que a DC esperava, e a edição #9 nunca saiu, mesmo com o gancho (redesenhado depois) que Kirby deixou na oitava e última edição (que nem tem arte de capa de Kirby, e sim de Joe Kubert). Com isso, o Rei voltou para a Marvel.

A Agência Global da Paz ficaria fora do radar da DC por um bom tempo, mas o OMAC não. Para isso, precisamos falar de Kamandi.

KAMANDI

Kamandi: The Last Boy on Earth (1975—1978)
Roteiro e arte de Jack Kirby, 59 edições

Kirby escreveu e desenhou a maior parte de Kamandi (37 edições) até sair do título (e da DC) no começo de 1976 (ele também desenhou as edições 38 a 40, mas com roteiro de Gerry Conway). A série continuou com outros roteiristas, como Paul Levitz, Dennis O’Neil, David Anthony Kraft, Elliot S. Maggin e Jack Harris, com artes de Pablo Marcos, Keith Giffen e Dick Ayers.

Kamandi é um jovem herói em um futuro pós-apocalíptico. Depois de um evento cataclísmico chamado “O Grande Desastre“, os poucos seres humanos foram reduzidos a selvageria em um mundo destruído e sem civilização, agora dominado por uma intrigante sociedade composta por animais inteligentes e evoluídos, a maioria com forma humanóide. Como o último rapaz na Terra, Kamandi têm que se virar com os poucos aliados que têm para sobreviver nesse mundo selvagem e sem leis.

O novo velho mundo de Kamandi

A iconografia mais conhecida da série é a capa de Kirby para o número #1, com a Estátua da Liberdade caída e detonada ao fundo, remetendo diretamente ao clímax criativo do filme Planeta dos Macacos, lançado 6 anos antes.

Kamandi, O Último Rapaz da Terra, roteiro e arte de Jack Kirby
Uma das páginas mais impactantes dos quadrinhos, apesar da imagem já ter sido vista antes, no cinema

Criado pelo seu avô idoso, Kamandi tem conhecimento do mundo pré-Grande Desastre graças a uma biblioteca de microfilmes e vídeos antigos, mas passou a maior parte do tempo dentro de um bunker chamado Comando D, e o menino desconhece o estado do mundo lá fora. Quando seu avô é morto por um lobo, Kamandi deixa o local em busca de outros postos humanos.

No decorrer de suas aventuras, ele logo descobre que os únicos outros humanos inteligentes que restam na Terra são Ben Boxer e seus amigos Steve e Renzi, um trio de mutantes geneticamente modificados para sobreviver nessa Terra. Ele também faz vários amigos animais, incluindo o Dr. Canus, o cientista canino do Grande César (líder do Império Tigre) e filho adolescente de César, Tuftan. Adições posteriores ao elenco incluíram a alienígena Pyra, a garota Spirit e o detetive consultor Mylock Bloodstalker e seu associado Doile. Kamandi e seus amigos exploram o mundo na esperança de um dia restaurar a civilização e a humanidade.

De início, OMAC poderia ter sido até uma extensão de Kamandi, mas Jack não via dessa forma, e essas ligações não aconteceram. Ao menos por enquanto.

O conceito original para Kirby criar o Kamandi é uma das histórias mais interessantes dos bastidores dos quadrinhos de super-heróis. O já citado filme O Planeta dos Macacos (1968), dirigido por Franklin J. Schaffner, era um dos mais famosos produtos da cultura pop na época.

O clímax de Planeta dos Macacos, filme de 1968, lançado nas telonas 6 anos antes de Kamandi

Sua distopia futurista pós-apocalítica travestida de discussão social e racial, maquiagens incríveis para os personagens — macacos que dominam um mundo onde os humanos são menos inteligentes que neanderthais — e uma trama de viagem no tempo e revelações chocantes eram o ápice do entretenimento.

Ele gerou uma cinessérie de sucesso: De Volta ao Planeta dos Macacos (1970), de Ted Post, Fuga do Planeta dos Macacos (1971), de Don Taylor, e Conquista do Planeta dos Macacos (1972) e A Batalha no Planeta dos Macacos (1973), ambos dirigidos por J. Lee Thompson.

O editor da DC Comics, Carmine Infantino, tentou adquirir a licença da franquia para publicar uma revista em quadrinhos. Como não conseguiu os direitos da franquia (que foram para a Marvel), ele pediu a Jack Kirby uma série com um conceito similar. Algumas fontes afirmam que Kirby não tinha visto os filmes, o que é difícil de acreditar.

De qualquer maneira, o Rei já tinha criado uma história muito semelhante, intitulada “The Last Enemy!“, publicada na revista Alarming Tales, da Harvey Comics, em 1957, que antecede até mesmo o romance no qual o filme é baseado, Planeta dos Macacos (1963), escrito por Pierre Boulle, mesmo autor do livro A Ponte do Rio Kwai (1952), transformado em outro filme de sucesso em 1957 pelo diretor David Lean, um dos gigantes do cinema.

Não bastasse isso, Kirby também tinha uma projeto de tira de jornal, criada em 1956, intitulada Kamandi of the Caves. Assim, Jack reuniu todos esses elementos e o Kamandi nasceu na DC Comics.

Embora seu plano inicial fosse não trabalhar na revista, o cancelamento de Forever People abriu espaço para isso. Fora que, por força de contrato, Kirby tinha que entregar um mínimo de 15 páginas escritas, desenhadas e editadas por semana — só a parte desenhada significa para muitos artistas ainda hoje uma produção mensal.

Jack Kirby, a despeito de ter sido obrigado ou não, fez uma ligação explícita de Kamandi com o Universo DC na edição #29, de 1975, onde Kamandi descobre um grupo de macacos que cultuam um traje do Superman, e que falam do herói tentando impedir o Grande Desastre. E várias outras revistas do mesmo ano e depois foram reforçando esses laços.

Ao que parece o Grande Desastre vitimou até o maior super-herói do Universo DC — mas não sua roupa

Em The Brave and the Bold #120 (1975), escrita por Bob Haney, Kamandi encontra Batman em uma viagem no tempo. O título era dedicado principalmente a parcerias do Homem-Morcego com diversos personagens do Universo DC, e Kamandi teve sua vez. Em Superman #295 (1976), escrita por Elliot S. Maggin, fica estabelecido que o uniforme visto na edição #29 de Kamandi foi de fato do Homem de Aço, que acabou por ser jogado 1000 anos no futuro, indo parar na Metropolis de 2975.

Na viagem, como de costume no Universo DC Pré-Crise, o Super conseguiu “ver” os acontecimentos ao longo do percurso temporal, e toma conhecimento da queda da humanidade para a selvageria, a ascensão de animais humanoides inteligentes, indicando os eventos do Grande Desastre. O Superman conhece um superser chamado Jaxon, que usa o uniforme visto em Kamandi.

Até que chegamos nas edições #49-50 de Kamandi, em 1977, que estabelecem de vez em um flashback que o avô de Kamandi era ninguém menos que Buddy Blank, o OMAC. E apresenta até um breve retorno do satélite Irmão-Olho. O roteiro também é de Elliot S. Maggin, o mesmo de Superman #295.

Kamandi se torna OMAC, roteiro de Elliot S. Maggin
O começo da história é bem calcado na realidade dos anos 1970, com a iminência de um ataque nuclear por conta dos conflitos da Guerra Fria
O Irmão-Olho é desperto depois de centenas de anos depois do Grande Desastre para ajudar o neto de Buddy Blank, Kamandi
Kamandi fica até com o mood visual que Buddy Blank como OMAC

No ano seguinte, na edição Karate Kid #15 (1978), escrita por Bob Rozaskis e Jack Harris, o personagem-título, da Legião dos Super-Heróis, jovens combatentes do crime na Terra e no universo do distante futuro do Século XXX, se vê em meio a uma ameaça em uma viagem no tempo, onde acaba por encontrar Kamandi. A aventura continua em Kamandi #58 (1978), também escrita por Rozaskis e Harris, onde eles entendem que suas realidades são possíveis futuros alternativos do Universo DC regular do presente, que ambos já conhecem.

O número seguinte de Kamandi, #59 é o último da série. Escrita por Jack Harris, ele traz uma história extra escrita e desenhada por Jim Starlin, que faz a ponte em definitivo com OMAC, promovendo mais revelações a respeito dos dois. Sabemos agora que Buddy Blank/OMAC viveu suas aventuras com a Agência de Paz Global cerca de 60 anos antes do Grande Desastre. E que o nascimento de Kamandi foi o começo do fim da civilização — Blank e Kamandi escaparam por estar no Comando D.

 

Cerca de 60 anos do Grande Desastre e o nascimento de Kamandi, Buddy Blank viveu suas aventuras com a Agência Global da Paz

Os desdobramentos disso demoraram para sair. O próximo número de Kamandi nunca foi lançado, e o título, junto a vários outros, foi cancelado devida a baixas vendas e um péssimo momento editorial e comercial da DC Comics, apelidado de “Implosão DC”.

No mesmo ano, em Hercules Unbound #10–11 (1977), título estrelado pela divindade grega de mesmo nome em um contexto pós-apocalíptico de Terceira Guerra Mundial (!), escrita pelo roteirista Cary Bates e desenhada por Walt Simonson, o héroi e os chamados Cavaleiros Atômicos atuam juntos contra o Dr. Skuba e seus asseclas, definindo assim que eles existiam na mesma timeline de OMAC.

O Cavaleiro Atômico é a identidade secreta de Gardner Grayle, um soldado do futuro que lidera uma equipe de outros cavaleiros atômicos, que lutam contra o vilão Barão Negro em uma distopia pós-nuclear em um tempo não-determinado (o que agora já sabemos que é na mesma timeline de OMAC). Os Cavaleiros Atômicos surgiram em Strange Adventures #117 (1960), do roteirista John Broome e o desenhista Murphy Anderson.

O desfecho de Kamandi #59 só foi publicada, em preto e branco, em Cancelled Comic Cavalcade #2 (1978), uma série interna (!) de pouca tiragem que a DC fez para tentar reunir o material cancelado de outras revistas, material extremamente raro e cobiçado entre colecionadores. Para o grande público, o desfecho só foi ser de conhecimento maior mesmo para quem comprou as edições Warlord #37-39 (1980).

Depois da aventura principal do protagonista da revista, Guerreiro, com texto e arte de Mike Grell, tínhamos mais uma filler, de apenas 8 páginas. E foi com esse espaço que Starlin continuou sua história. Ficamos sabendo mais da relação do OMAC e Kamandi, além da própria origem da Agência Global da Paz, em 3 histórias. Foram publicadas outras 7, com OMAC enfrentando outras ameaças, escritas por Dan Mishkan e Gary Cohn.

Antes de contar a origem da Agência Global da Paz vale citar duas revistas importantes publicadas depois de Kamandi aparecer nas histórias de OMAC em Warlord. Em DC Comics Presents #57 (1983), escrita por Dan Mishkin, o Superman encontra os Cavaleiros Atômicos em meio a uma trama de pós-guerra nuclear, que ocorre no ano de 1986, que parece ser apenas a alucinação de um homem chamado Gardner Grayle. Ou não.

Superman em uma aventura com os Cavaleiros Atômicos durante uma guerra atômica de 1986
O título da história é “Days of The Future Past”, o mesmo que a Marvel já tinha feito para uma história dos X-Men, 3 anos antes

Pouco depois, em DC Comics Presents #61 (de setembro de 1983), escrita por Len Wein e desenhos de George Perez, o OMAC faz uma parceria com Superman, enfim estrelando uma aventura ao lado do maior super-herói de todos os tempos.

OMAC finalmente encontra o maior super-herói da DC, o Superman

OMAC volta no tempo atrás de um robô assassino que tem a missão de matar um antepassado de Buddy Blank, uma história que precede em um ano a trama do filme O Exterminador do Futuro (de outubro de 1984), mas que se passa dois anos depois de algo parecido visto em The Uncanny X-Men 141-142, da Marvel Comics, de outubro de 1980, na história Days of The Future Past, conhecida aqui como a famosa saga Dias de um Futuro Esquecido.

Essa, por sua vez, tem elementos de um episódio de Dr. Who, visto em Day of the Daleks (09×01), que foi ao ar em 1972. A história de Wein com OMAC e Superman é bem legal, cheia de ação, mistério e porrada, com um bom plot twist no final.

O GRANDE DESASTRE

As origens da Agência Global da Paz, a despeito de seu verniz de organização secreta política de espionagem e ação militar, estabelecido por Kirby em OMAC, na verdade tem uma pegada bem mais cósmica, conforme Jim Starlin escreveu na aventura tripla vista em Warlord.

O final de Kamandi #59, que prometia entregar a origem secreta da Agência Global da Paz, mas que só saiu na revista do Warlord

Uma raça de alienígenas humanoides psíquicos chamada Visionaries (“Visionários”) pegou para si a missão de salvar civilizações, preferenciamente por meios científicos indiretos. Em algum ponto não-determinado no futuro da Terra, eles descobrem que o planeta se aproxima de um evento que batizam de “O Grande Desastre”, e fica implícito que isso se deveria a enormes conflitos entre as nações.

Um cientista Visionário chamado Professor Z previu o Grande Desastre

Os Visionários então criam a Agência Global da Paz na intenção de impedir essa tragédia. Disfarçados de humanos, os aliens operam na Terra como uma poderosa força da lei e da ordem, que consegue prender a maior parte dos criminosos de toda a natureza do planeta.

Para impedir esse Grande Desastre, os Visionários criaram a Agência Global da Paz, e definiram que precisariam de um supersoldado, criando assim OMAC

Um dos cientistas da organização, o dr. Myron Forest (humano, não Visionário), cria um satélite orbital para para fazer a vigilância de eventos críticos no planeta. Ele o batiza de Irmão-Olho. É nisso que o balconista Buddy Black se vê em meio as eventos fantásticos narrados na revista OMAC de Kirby.

OMAC combateu diversos vilões, que poderiam promover a ignição do Grande Desastre

 

Mas apesar de todos os esforços do OMAC e da Agência Global da Paz, infelizmente, o Grande Desastre ocorreu.

Página de Kamandi #59. A Agência Global da Paz não conseguiu impedir o fim do mundo.

Não se sabe as circunstâncias e detalhes, mas uma misteriosa energia emergiu em diversos pontos da crosta terrestre, conhecida como Vórtex. Houve imensos terremotos e maremotos que destruíram a superfície da Terra, e um armagedom nuclear entre os países sobreviventes, ainda em guerra, varreu a sociedade do planeta.

A Agência Global da Paz, que tinha como objetivo impedir o Grande Desastre, falhou. A DC Comics acabou por definir que essa Terra destruída, a Terra do OMAC e de Kamandi, era a Terra-AD (de “After Disaster“, “depois do desastre”).

O mundo depois do Grande Desastre

Vale citar que ainda em 1976, lá no ano quando Kamandi encontrou a roupa do Superman na edição #29, a DC Comics já tinha algo planejado a respeito desse Grande Desastre.

De acordo com informações da revista The Amazing World of DC Comics #12 (1976), que trazia artigos e matérias a respeito da editora, um texto chamado “Earth After Disaster!” revela os grandes planos da DC para esse evento.

O conceito abraçaria, além de OMAC e Kamandi, temas vistos na revista dos Novos Deuses, aventuras dos Cavaleiros Atômicos, Hercules e outros títulos, além de elementos da continuidade regular das histórias do Universo DC.

O artigo, escrito por Paul Levitz, editor e roteirista da DC, narra uma série de acontecimentos. Ele dá até a data que ocorreria o Grande Desastre: outubro de 1986. Ou seja, a Terra-AD não seria um futuro distante, e sim bem próximo.

Tenha em mente que estamos em 1976, e as revistas da época tratavam o tempo atual como o situacional dentro da revistas, que ainda não sofriam tanto com o peso de décadas de cronologia e milhares de histórias. Logo, para Paul Levitz e o lore criativo que perpassa as revistas, os próximos anos seriam uma época de avanço e progresso tecnológico, que poderia resultar em uma nova era de paz e prosperidade.

Mas na ideia de Levtiz, muitos outros eventos paralelos iriam frear esse avanço benéfico. Darkseid descobria enfim que a Equação Anti-Vida, algo que ele busca como meta de vida, e que pode lhe revelar os segredos e controle de todo o Universo, está dentro da mente de Zeus (sim, o deus grego). Logo, temos uma guerra entre Apokolips e o Olimpo.

Darkseid e uma (de muitas) representação da Equação Anti-vida, em Swamp Thing #62 (1982), texto e arte de Rick Veitch

Ares, o Deus da Guerra, trai sua família e ajuda Darkseid a entrar no Olimpo. Ele é banido para a Terra como punição, e começa a devastar o planeta. O Irmão-Olho já estava ativo na época, e Ares o destrói, impossibilitando a atuação de OMAC.

As maquinações do Deus da Guerra fazem as nações se atacarem mutuamente com suas ogivas nucleares, dando início a Terceira Guerra Mundial, no contexto da destruição mútua assegurada (tradução do inglês mutual assured destruction ou, abreviadamente, MAD, que significa louco em inglês), uma estratégia militar onde o uso maciço de armas nucleares por um dos lados iria efetivamente resultar na destruição de ambos – atacante e defensor (isso é baseado na teoria da intimidação, através da qual o desenvolvimento de armas cada vez mais poderosas é essencial para impedir que o inimigo use as mesmas armas).

Algumas pessoas em todo o mundo conseguem se refugiar em bunkers, entre eles Buddy Blank, em um chamado Comando D, perto de Nova York. Foi nessa época que um químico mutagênico chamado Cortexin, substância que tinha a intenção original apenas de estimular as habilidades de raciocínio dos animais, transformou humanos em seres mais primitivos e animais em seres mais inteligentes.

Uma das páginas do artigo de Paul Levitz, com parte da bibliografia desenhada por Paul Levtiz

A Terceira Guerra Mundial devastou o mundo. A maioria das pessoas foi morta, juntamente com a maior parte da vida vegetal e animal, com as cidades em ruínas. Um dos sobreviventes na Europa foi Hercules, que começa a lutar contra os soldados de Ares. Na América, Gardner Grayle e outros sobreviventes formam os Cavaleiros Atômicos, tentando recompor a sociedade. Suas aventuras aconteceriam nesse contexto, e o encontro com o Superman seria um fato consumado afinal de uma guerra atômica, exatamente no ano de 1986. Longos 20 anos se passariam, e durante todo esse tempo a guerra dos deuses do Olimpo e Apokolips ainda estava acontecendo. Mas a Cortexin se encarregou de impedir qualquer avanço de reconstrução.

Então, em 2006 teríamos uma Terra já habitada por animais humanoides inteligentes e seres humanos primitivos.

A Guerra dos Deuses terminaria com a vinda do povo de Nova Gênese ao conflito, quando Darkseid seria morto. A Terra ficaria sem deuses, que a abandonam à própria sorte. Parece que a Mãe Natureza dependia da intervenção (ou não) deles, já que diversos cataclismos como terremotos, erupções vulcânicas e maremotos devastam o que sobrou do mundo.

É depois disso tudo que Kamandi emergiria do Comando D, onde seu avô, Buddy Blank, o criou. Passados 1000 anos depois das aventuras do último rapaz da Terra, a humanidade teria recomeçado a retomar a sociedade, sendo que seria nessa época que o Superman encontraria Jaxon. Esse recomeço seria um futuro alternativo ao da Legião dos Super-Heróis, onde nunca houve uma Terceira Guerra Mundial causada por Ares, e que em teoria é o futuro “certo” do Universo DC.

Só que a DC não levou adiante esse planos por motivos óbvios, já que o ano de 1986 veio e a editora optou em resetar seus 50 anos de cronologia de modo editorial e comercial, em um reboot chamado Crise nas Infinitas Terras. Nisso, a Terra-AD foi uma das que foi limada da continuidade.

Crise nas Infinitas Terras, a mãe de todas as megassagas

Mas mesmo após Crise nas Infinitas Terras, algo disso permaneceu, como visto em History of the DC Universe #2 (1986), a bíblia da DC para seu pós-reboot. A guerra nuclear, em vez de 1986, acontece mais depois, em algum ponto do Século XXI, como podemos ver nas aventuras de Jonah Hex, personagem clássico de faroeste, que antes e mesmo depois da Crise, estava vivendo em um futuro apocalítico, no título Hex (Hex, 1985—1987, 18 edições, de Max Fleisher e Mark Teixeira), uma revista totalmente influenciada pelo filme Mad Max 2 – A Caçada Continua (1982).

O personagem clássico de faroeste da DC, Jonah Hex, agora em um futuro pós-nuclear, estilo Mad Max

A DC Comics levaria anos para retomar o OMAC e Kamandi, aparecendo em outros contextos, e ainda mais tempo a Agência Global da Paz, também diferente do que vimos. Durante todo o tempo pós-Crise nas Infinitas Terras, eles ficaram em off, mas com a proximidade de outra saga similiar, Crise Infinita, eles começam a ficar on de novo.

OMAC

OMAC e várias agências de espionagem em um thriller que seria um dos melhores materiais da DC Comics nos anos 2000

Na esteira dos eventos chocantes de Crise de Identidade (2004-2005), o Batman teve a mente apagada por seus companheiros da Liga da Justiça por discordar do uso do mesmo método contra supervilões.

Na edição especial Contagem para a Crise Infinita #1 (2005), escrita por Geoff Johns, Greg Rucka e Judd Winick, temos o pontapé para Crise Infinita, continuação direta de Crise nas Infinitas Terras, onde vemos o desdobramento desse apagamento mental.

O Batman ficou tão puto com seus amigos e colegas que criou um sistema de vigilância global e orbital para se assegurar do que ocorria no mundo e não correr o risco de ser enganado. E o batiza de Irmão-OlhoO roteiro dessa parte do especial é de Greg Rucka, que arquitetou uma longa e surpreendente narrativa de espionagem e traição em um dos melhores thrillers nos quadrinhos de super-heróis dos anos 2000 na DC, em um desdobramento de vários títulos ao longo dos anos.

E tudo começou nessa edição, que desemboca direto em Crise Infinita #1, escrita por Johns.

Mas houve diversos derivados. Uma delas foi The OMAC Project, minissérie em 6 edições, escrita por Rucka.

Ela continua segundos após o chocante final de Contagem Regressiva, onde o Besouro Azul, antigo integrante da Liga da Justiça, descobriu o grande segredo do Irmão-Olho, pagando a vida por isso com um tiro na cabeça dado por um de seus melhores amigos: Maxwell Lord, outrora empresário medíocre ligado à Liga da Justiça Internacional.

O chocante final de Contagem Regressiva para Crise Infinita, com Maxwell Lord matando o Besouro Azul

Por motivos até hoje nunca revelados, ele subiu nas posições da comunidade de espionagem no Universo DC e se tornou líder da organização secreta Xeque-Mate, que baseia suas operações e mood visual no jogo de xadrez, com Rainhas, Reis, Bispos e Cavalos. Como líder dessa organização, Max rouba o Irmão-Olho do Batman.

Lord fez mais. Ele acoplou o sistema do Irmão-Olho a uma série de ativações que envolvem um vírus que transforma pessoas comuns em agentes-robôs dormentes assassinos controlados, usados na agenda pessoal de Lord: erradicar os meta-humanos (nome dado aos seres superpoderosos na Terra do Universo DC). E Max os chama de OMAC, que nesse novo contexto significa Observational Meta-human Activity Construct.

Logo depois de matar o Besouro Azul, Max ativa o Irmão-Olho
Batman descobre que não controla mais o Irmão-Olho, além da morte de seu amigo

O vírus também leva o nome OMAC. Foi inoculado via vacinas na população mundial em geral, e graças ao Irmão-Olho, qualquer um deles pode ser acionado ao redor do globo. Maxwell Lord assassinou o Besouro Azul exatamente porque ele tinha uma tecnologia que podia parar a ativação dos OMACs. Na mentalidade de Max Lord, todos os meta-humanos não são confiáveis, a despeito dele mesmo ser um, com o poder de controlar mentes.

Sasha Bordeaux, agente do Xeque-Mate, antiga guarda-costas de Bruce Wayne (e caso amoroso), é infectada pelo vírus OMAC, mas de alguma forma resiste. Ela se torna uma “meio-OMAC” e chave para destruí-los por dentro. No decorrer de vários acontecimentos, Max controla mentalmente Superman, que estava prestes a matar qualquer um em seu caminho. E a Mulher-Maravilha não vê alternativa a não ser matar Max para livrar seu amigo do controle mental do vilão.

Sasha Bordeaux e Batman comntra um OMAC

A chocante cena final de Wonder-Woman #219
Com a morte de Lord, o Irmão-Olho entra em modo automático

O Irmão-Olho então ativa todos os seres humanos inoculados com o vírus OMAC na Terra, o que resulta em 1.100.000 agentes prontos para matar todos os meta-humanos da Terra.

Os agentes OMACs do Irmão-Olho: seres humanos infectados que se transformam em máquinas assassinas equipadas com diversos armamentos
A IA do satélite entra em contato com o “Criador”, como ele chama o Batman

Os antigos companheiros do Besouro Azul na Liga da Justiça Internacional lutam contra os OMAC, e mais um deles morre para salvar os outros: Soviete Supremo

No final, os super-heróis se juntam para combater os OMACs e destroem quase todos. O Irmão-Olho está autômato agora, e libera imagens na mídia do assassinato de Maxwell Lord pelas mãos da Mulher-Maravilha, jogando a opinião pública contra ela.

Todos os heróis contra os OMACs
No final da minissérie de Greg Rucka, o Irmão-Olho libera as imagens da morte de Max Lord para a mídia mundial

Na saga Crise Infinita em si, o Irmão-Olho tem papel fundamental nos planos de Alexander Luthor, o grande vilão por trás de tudo — foi ele inclusive quem cortou as ligações do Batman com o satélite e o pôs nas mãos de Max.

Batman durante a Crise Infinita, entendendo o que aconteceu com seu satélite, o Irmão-Olho

A Crise Infinita também restabeleceu 52 Terras do Multiverso DC. A Terra-AD retorna, nomeada agora como Terra-51. Depois do fim da saga, o Irmão-Olho caiu bastante danificado na Arábia Saudita. Oficiais militares de países como Rússia, Israel e China buscam o satélite, já que ele contém dados sensíveis de praticamente todo o globo. Toda essa história é contada em OMAC Project: Infinite Crisis Special, uma edição especial que complementa The OMAC Project.

Mais uma edição especial de The OMAC Project
O Irmão-Olho cai na Arábia Saudita

Batman, Sasha Bordeaux e o Diretor Bones, que comanda o Departamento de Operações Extranormais – DOE, uma divisão especial do governo americano para monitorar e trabalhar de perto com a população meta-humana, buscam encontrar o Irmão-Olho.

Mas Sasha, a contragosto, tem que trabalhar com Amanda Waller, ex-líder da Força Tarefa X, que tem como principal equipe o Esquadrão Suicida, e agora no comando do Xeque-Mate, passa por cima da autorização do DOE de Bones.

O Presidente dos Estados Unidos encarrega Amanda Waller de retomar o controle do Xeque-mate e limpar toda a sujeira causada por Maxwell Lord e o Irmão-Olho
Sua autoridade passa por cima até do Diretor Bones e do DOE, que estava operando o Xeque-mate com Sasha

Amanda está acompanhada de Beatriz da Costa, a super-heroína Fogo, ex-integrante da Liga da Justiça Internacional (e uma das melhores amigas do Besouro Azul, inclusive ajudando a investigar a morte dele), e agora de volta ao mundo da espionagem, já que antes era uma agente do Serviço Secreto Brasileiro (!).

Bordeaux e sua colega, a agente Jessica Midnight, desafiam Amanda e armam um plano próprio para destruir o Irmão-Olho. Trata-se de uma ação extrema de Sasha, que acaba por descobrir que não foi Maxwell Lord quem a transformou em uma “meio-OMAC”, e sim o próprio satélite. A agente detona uma bomba no interior do satélite e aniquila a IA, e de quebra consegue se livrar da maior parte da automação biônica que estava sofrendo, voltando a ser mais humana (inclusive na aparência).

As duas obras de The OMAC Project foram o pontapé para a criação de um novo Xeque-mate em 2006, com um novo título próprio, Checkmate, com a própria Sasha Bordeaux, Jessica Midnight, Fogo e outros agentes — como King Faraday, outro figurão do mundo da espionagem na DC — , todos comandados por Amanda Waller, que agora responde não mais só para os Estados Unidos, e sim para a ONU.

Uma nova revista do Xeque-mate

Checkmate é um thriller de ação e espionagem com muita geopolítica dentro do mundo colorido de super-heróis da DC Comics. Trata-se de uma construção ímpar de Greg Rucka, que conseguiu executar com os 3 títulos um produto obrigatório da editora DC Comics nos anos 2000.

 

No mesmo ano, a DC lançou 8 edições de um título chamado simplesmente OMAC, mas com roteiros de Bruce Jones e desenhos do artista brasileiro Renato Guedes. Nele descobrimos um back-up do Irmão-Olho se infiltrou nos computadores do NORAD, o sistema de defesa aérea dos Estados Unidos.

CRISE FINAL

No acontecimentos posteriores de Crise Infinita, um ano da cronologia foi pulado para contar as histórias atuais nos títulos regulares, como Superman, Batman e cia.

Junto com o novo título do Xeque-Mate de Greg Rucka, tivemos uma série de outras revistas, como uma nova da Mulher-Maravilha, que agora tinha que estar afastada da visibilidade como super-heroína, adotando então a identidade de Diana Prince, uma agente secreta do Departamento de Assuntos Meta-humanos, outra organização secreta na DC, liderada pelo Sargento Steel (outro figurão da espionagem, um tipo de “Nick Fury da DC”, com direito a charuto na boca e tudo), e lado a lado em campo com Tom Tresser, vulgo agente Nêmesis, o Mestre dos Disfarces da DC.

Depois de matar Maxwell Lord, a Mulher-Maravilha precisava ficar um tempo fora de atividades, então ela se torna a Agente Diana Prince, do Departamento de Assuntos Meta-humanos
Ela faz par com agente Tom Tresser
Tresser é o agente Nêmesis, o mestre dos disfarces do Universo DC

Um título de destaque nessa fase foi a série semanal 52, que contou uma história integrada desse pulo de 1 ano dentro do pós-Crise Infinita, mostrando como o atual status foi estabelecido.

O sucesso levou na criação/cópia de algo similar para a próxima saga da DC, a Crise Final. Então tivemos Countdown to Final Crises, semanal também, com 52 edições.

O início de 2007 foi tomado por peças promocionais da DC que traziam o que a editora estava preparando. Um slogan promocional trazia ninguém menos que uma arte de Darkseid dizendo que havia “um grande desastre chegando”. Outra arte promocional, com vários heróis e vilões tradicionais da DC com a Estátua da Liberdade caída ao fundo, referência direta a primeira capa do Kamandi de Kirby.

Darkseid e o Grande Desastre
A DC fez uma referência clara aqui a capa de Kamandi #1, apesar de aparentemente fazer alusão a um evento não-relacionado a uma saga envolvendo os Lanternas Verdes

Logo, não foi surpresa nenhuma que o resto da mitologia kirbyana de OMAC e Kamandi aparecesse finalmente na continuidade regular do Universo DC. Mas uma pena que o projeto editorial, conduzido pelo roteirista Paul Dini, não mantenha uma qualidade narrativa que prenda o suficiente. Contagem Regressiva para a Crise Final é confusa, tem ligações demais com outras revistas regulares da época e não situa com clareza seus acontecimentos.

Os Novos Deuses envolvidos diretamente com a saga Crise Final

Temos aqui Darkseid convencido que algo destruirá o Universo e ele pode se tornar o Senhor do Quinto Mundo, referência direta a um novo status de existência, tal qual estabelecido por Jack Kirby no Quarto Mundo nas revistas dos anos 1970.

Os protagonistas, entre tantos outros, são a Moça-Maravilha/Tróia/Donna Troy, Robin II/Capuz Vermelho/Jason Todd, Lanterna Verde/Kyle Rayner e Eléktron/Átomo/Ray Palmer, que viajam por diversas das Terras paralelas recriadas no fim de Crise Infinita.

Em Contagem Regressiva #31, com roteiros de Keith Giffen e Sean McKeever, Buddy Blank e seu netinho loiro (cujo nome não nos é revelado) fazem sua estreia no Universo DC regular — no caso, na Terra-51. Blank é um engenheiro da Wayne Enterprises (empresa de Bruce Wayne, o Batman). Ele faz parte de um projeto que recuperou uma porção não-especificada do Irmão-Olho (de onde? da realidade principal? dessa Terra?)

Karatê Kid e Una, dois membros da Legião dos Super-Heróis, vêm do futuro em busca de ajuda de Blank. Eles querem mais informações sobre o vírus OMAC, pois um derivado dele está assolando o futuro, chamado Morticoccus.

Karatê Kid e o Irmão-Olho. Na imagem também estão Una, Buddy Blank e Kamandi

Ao longo da série, Buddy Blank e seu neto aparecem em mais 12 edições de Contagem Regressiva. O Irmão-Olho acaba acoplado novamente aos computadores do NORAD, e na esteira de vários acontecimentos, ele entra em contato com Karatê Kid e Una. A IA fala de “um grande desastre” por vir, e direciona eles para Bludhaven, cidade onde outros acontecimentos acomentem os heróis, inclusive com participações de novos Cavaleiros Atômicos, na primeira aparição deles no pós-Crise (nas Infinitas Terras).

A partir de Countdown #6, o Grande Desastre está em seus estágios iniciais na Terra-51, devido ao surto do vírus Morticoccus, que está afetando os seres humanos tornando-os animalescos enquanto dá aos animais características humanas, fazendo aqui o papel da Cortexin na Terra-AD. Nem Karate Kid sobrevive ao vírus.

Agora sim o Grande Desastre, mas na Terra-51, e não na continuidade regular

Em Countdown #5, com roteiros de Paul Dini e Keith Giffen, e arte de Jim Starlin, o vírus afeta Buddy Blank e sua filha, mas seu neto está seguro. Una lhe dá um Anel de Voo, que ele usa para ir até o Comando Cadmus (uma espécie de Comando D, usada para controlar o Irmão-Olho), um bunker equipado para eles sobreviverem.

É o começo da origem de Kamandi nesse mundo. Antes da série terminar, o Irmão-Olho transforma em certo momento Buddy Blank no OMAC com o visual que conhecemos, em sua primeira aparição nesse mood na continuidade regular.

Buddy Blank se torna o OMAC, em sua primeira aparição pós-Crise (Infinitas Terras e Infinita)

Vale destacar uma edição especial de OMAC nessa fase, chamada Countdown Special: OMAC #1 (2008), que trazia histórias clássicas do personagem reunidas, um gibi obrigatório, bem como Countdown Special: Kamandi #1, na mesma proposta.

No ano de 2009, finalmente temos a introdução da Agência Global da Paz no Universo DC regular.

AGÊNCIA GLOBAL DA PAZ

Apesar das negativas de ser mais um reboot, a verdade é que Crise Final foi um projeto editorial mal-ajambrado que não deu certo em sua realização, a despeito de ter um dos melhores roteiristas da indústria no comando: Grant Morrison, criador de vários títulos da editora desde o pós-Crise e grande fã e entendedor da cronologia DC.

Segundo Grant, a premissa da história de Crise Final é definida como o dia em que o mal venceu o bem. Durante toda a trama é citada uma batalha desconhecida para os humanos, quando deuses benignos (Nova Gênese) e malignos (Apokolipis) se enfrentaram. E o mal triunfou. Essa vitória causou uma destruição quase completa dos Novos Deuses, que tiveram que se fundir a Equação Anti-Vida e reencarnarem em corpos humanos.

Arte promocional de Crise Final
Os Novos Deuses e Darkseid em meio aos seres humanos da Terra

Um novo campo de batalha se dá na Terra, com a população inteira começando ser atacada e escravizada pelo exército de Darkseid. Grant foi ambicioso e usou praticamente todos os personagens do Universo DC que conseguiu, a começar por Anthro, um garoto que vive aventuras na Pré-História, surgido em Showcase #74 (1968), criado pelo artista Howie Post.

Anthro é o primeiro Cro-Magnon, o precursor da raça humana na escala evolutiva. Metron, um Novo Deus, surge em sua frente e lhe entrega uma chama divina. Pouco depois, Kamandi surge no que parece parece ser uma distorção do tempo e pede “a arma” que Metron lhe deu, fazendo uma ligação interessante entre o primeiro rapaz da Terra e o último rapaz da Terra.

Anthro, o primeiro Cro-Magnon no Universo DC, encontra Metron, o Novo Deus do Conhecimento

Entre inúmeros desdobramentos da comunidade dos super-heróis em deter Darkseid, o Sr. Incrível, integrante da Sociedade da Justiça, e na época um dos cabeças do Xeque-Mate (junto com Amanda Waller), monta uma resistência contra o vilão.

Sasha Bordeaux, Valentina Vostok (ex-Mulher-Negativa) e o resto do Xeque-mate são atacados pelas forças de Darkseid

Ele usa Sasha Bordeaux, ainda na organização (e sua atual namorada) para forçar o Irmão-Olho — qual? da continuidade regular? aquele de Contagem Regressiva para Crise Final? — a usar vários agentes OMAC para lutar, revelando assim que a IA ainda mantém milhares de pessoas sob seu poder virótico escravizador.

A manobra “reverteu” grande parte do “exército” do vilão contra ele, já que o modo OMAC se sobrepôs ao poder de Darkseid nas pessoas. O Irmão-Olho aceitou isso apenas por entender que o mundo seria destruído nas mãos do vilão.

Poucos ficam vivos na Crise Final

No ápice da saga, que envolve múltiplas realidades e mundos paralelos do vasto Multiverso do Universo DC, o Irmão-Olho se auto-intitula agora Lorde OlhoGavião Negro e Mulher-Gavião são aparentemente consumidos pelas labaredas de fogo dele — e lidera milhares de OMACs e pessoas que se abrigaram no Comando D — qual? da continuidade regular? aquele de Contagem Regressiva para Crise Final? — para um novo mundo, a Terra-51 — qual? aquele de Contagem Regressiva para Crise Final? uma já nova Terra-51? –, oferecendo a chance para a heróina Questão, identidade da ex-detetive Renne Montoya, em ser a líder da Agência Global da Paz, na (enfim!) primeira menção da organização na continuidade regular da DC.

Renee Montoya, a Questão, é convidada para a Agência Global da Paz
Perto do final da saga, ela já é uma agente da Agência Global da Paz

Pelo que dá para entender na narrativa de Grant Morrison, uma entidade chamada Judge of All Evil (“Juiz de Todo o Mal”) remove todos os elementos da Crise Final da continuidade regular e cria uma nova história para a Terra-51 — qual? aquele de Contagem Regressiva para Crise Final? uma já nova Terra-51?

A Agência Global da Paz seria o Xeque-Mate reformado dessa (seja qual for) Terra-51.

O que dá para entender por certo é que Morrison na verdade fez um ode a toda mitologia kirbyana em Crise Final. Ele começou com a morte dos Novos Deuses, as divindades do Quarto Mundo, e seu final anuncia a chegada do Quinto Mundo – algo que nunca foi explorado criativamente pela DC Comics.

Uma matéria do site Omelete trouxe aspas do escritor a respeito do que ele pretendia:

“É minha visão do alto, de um Monitor, do Universo DC como uma entidade; antes que eu tire umas aguardadas férias para fazer outros trabalhos. É minha versão de terror/sci-fi de tudo que amo na DC, tudo que já pensei ou senti sobre a DC, em uma série. É sobre a confusão e a agitação de entrar neste continuum ficcional selvagem e colorido quando criança, e uma tentativa de definir o que torna a DC singular e vibrante em relação a outros universos de super-heróis. Também oferece uma cosmologia completa de dimensões superiores, incluindo a nossa, e um vislumbre do impulso criativo de Deus, então acho que vale o preço na capa, gosto de dizer. Está recheada de segredos ocultos, filosóficos e transformativos também e quanto mais você lê, mais você vai entendê-los.

Também é uma tentativa deliberada de mostrar como as ditas ‘regras’ podem ser quebradas para criar diferentes efeitos nos nossos quadrinhos. É uma forma de usar gibis de super-heróis para falar do mundo ‘real’ que não depende de manchetes de jornal, ‘relevância’ falsa ou linguagem e imagens ‘adultas’.

Me vi pensando como seria se a narrativa dos quadrinhos parasse de copiar o cinema e a TV e buscasse alguns recursos da ópera, por exemplo. Que tal quadrinhos densos, carregados de referências, herméticos, que parecem mais poesia do que prosa? Que tal quadrinhos carregados de significados e possibilidades múltiplas, prismáticas? Quadrinhos compostos como música? Em um mercado dominado por séries ‘lado esquerdo do cérebro’ [que geram reações racionais], achei que seria revigorante oferecer uma alternativa ‘lado direito’ [reações emotivas].

Assim como Marvel Boy, em 1999, precedeu as tendências narrativas da última década, Final Crisis tenta predizer como as técnicas ‘zapping’ podem se desenvolver enquanto entramos no Quinto Mundo da Era da Informação de Obama e ela começa a se definir em oposição às ‘regras’ da geração passada.

É tudo acima. Eu queria espremer tudo que amo nos gibis de super-herói em um… artefato, carregado e condensado, o que significou usar todas as lições que aprendi em uma vida inteira vivendo de escrever.”

Grant Morrisson foi o que mais trouxe conceitos de Jack Kirby e de seu OMAC e Kamandi, atualizando seus lore para se encaixar na narrativa super-heroística convencional. Ter Questão, que vem com um mood visual sem rosto, como uma agente da Agência da Paz Global, é exemplo disso.

Comentários de Grant Morrison em 2007 na San Diego Comic-Con Internacional indicam que Kamandi iria aparecer na última página de Crise Final, espelhando o aparecimento de Anthro. No final, é um Anthro mais velho que aparece no seu lugar (ainda na pré-História), à beira da morte em uma caverna, onde também surge o Batman, que aparentemente tinha sido morto por Darkseid.

No mesmo ano, tivemos a minissérie Final Crisis Aftermath: Escape, escrita por Ivan Brandon, estrelando o agente Nemesis.

Final Crisis Aftermath: Escape (2009)
Roteiro de Ivan Brandon e arte de Cliff Richards, 6 edições

As referências ao OMAC na mini do Nemesis são claras, a começar com uma Mulher-Maravilha como “pseudo-pessoa”, além do próprio OMAC, mas quem?
Parte da trama é descobrir sua identidade e o que ele quer

Os planos eram ambiciosos para a série, como diz um informe na contracapa do encadernado:

Bem-vindo a Electric City, onde nada é o que parece. Os agentes sem face da Agência de Paz Global sequestraram os maiores espiões do Universo DC e os mantém em um complexo onde nada é estático, onde a única constante é que não há saída. Mas se não há uma, qual a razão de tantos deles estarem desaparecendo e nunca mais serem vistos no local?

Acordando no pesadelo que é a Electric City, Tom Tresser, o mestre dos disfarces conhecido como Nemesis, sofre junto aliados que parecem saber tanto do lugar quanto ele. Será que Tom poderá liderá-los em busca da liberdade? Ou a única saída é a morte?

A Agência de Paz Global vai exercer sua influência no Universo DC, controlada pelo escritor Ivan Brandon e os artistas Marco Rudy e Cliff Richards (desenhistas da HQ, que teve capas por Scott Hampton).”

Nemesis e os agentes da Agência Global da Paz na capa da edição #2
Há participações de diversos outros personagens relacionados ao mundo da espionagem, como Cameron Chase, agente do DOE

Temos aqui Tom Tresser acordando em um lugar misterioso que ele logo descobre ser Electric City, mesmo nome da cidade de atuação do OMAC de Kirby. E lá Nemesis têm que superar os intricados jogos mentais que diversos agentes da Agência Global da Paz fazem ele sofrer.

A mini inclusive abre com a aparição de um agente da Agência Global da Paz

Há diversos outros prisioneiros, como agentes e operativos de agências secretas da DC, como a própria Amanda Waller, Rick Flag, Cameron Chase, Fogo/Beatriz da Costa, Pacificador e até um Cavaleiro Atômico. Também vemos alguém que diz ser…o dr. Myron Forest, criador original do Irmão-Olho? e Buddy Blank??

Cameron Chase, Fogo e o Cavaleiro Atômico com Nemesis
Nenhum deles é capaz de derrotar o OMAC

Tudo parece ser uma tortura ilusória para arrancar deles segredos obscuros da comunidade meta-humana, num esforço para destruí-los.

Cameron Chase, uma agente secreta do DOE, e que parece ser a única pessoa real lá. Ou não?

Final Crisis Aftermath: Escape é um thriller que mistura temas de seriados como O Prisioneiro (1967) e LOST (2004-2010), duas sérias que têm como meta o mistério de situações e acontecimentos inexplicáveis. A narrativa de Brandon é bacana, mas exige atenção e releitura, e a bem da verdade, se mostra confusa muitas vezes.

 

Como o agente Nemesis pode escapar do labirinto mental de Electric City?

No contexto apresentado por Brandon, a Agência de Paz Global procura e armazena diversos dispositivos e tecnologia de alta periculosidade, como a Esteira Cósmica do Flash (uma das mais famosas máquinas do tempo no Universo DC) e até a Máquina dos Milagres, uma das principais peças para a vitória dos super-heróis em Crise Final, capaz de transformar em realidade qualquer pensamento (!!).

Nemesis na Esteira Cósmica do Flash, na capa da edição #4

Todos eles ficam depositados na Electric City, que é um plano extradimensional que interage apenas em ocasiões especiais com o Universo DC. A intenção deles é prevenir futuras sementes que possam eclodir novas Crises por aí, e tal qual a Agência Global da Paz nas histórias de Kirby, tentam promover um desarmamento na população terrena, mas em vez de artefatos nucleares, são artefatos cósmicos-místicos.

No decorrer da história, Nemesis desvenda parte do labirinto mental em que foi jogado (a trama não é muito clara também), e pelo que dá para inferir, temos aqui Buddy Blank ativo como OMAC nesta Electric City.

Cameron Chase e um agente da Agência Global da Paz. Será que ela consegue escapar?
Nesse ponto a narrativa fica mais críptica. Tresser parece entender quem é o OMAC e diz que ele é Buddy Blank

No final, Nemesis compreende parte da trama, mas Brandon deixa dúvidas no ar, deixando claro que há um Irmão-Olho que ainda não conhecemos, e que há um comando da agência nas mãos de alguém que não sabemos

A Agência Global da Paz então incorpora o agente Nêmesis em suas fileiras, que já tinha Cameron Chase e o Diretor Bones — como visto em uma história publicada no mesmo ano, em Justice Society of America #27, de 2009 –, além de Montoya, a despeito disso não ter sido desenvolvido depois da citação de Crise Final.

No fim, Cameron Chase junto com Tresser escapam da Electric City, onde a Agência Global da Paz pareceu aplicar um teste neles para entrarem na organização

Aliás, o próprio Nemesis teve uma nova minissérie no ano seguinte, The Impostors (2010), também com roteiros de Brandon, mas o fato da Agência de Paz Global ter sido estabelecida foi completamente ignorada — ainda que a trama também seja críptica. Tudo leva a crer que tudo foi cancelado com um novo reboot por vir.

Ainda há o Irmão-Olho e o OMAC, mas nada de Agência Global da Paz. Brandon faz uma trama de duplo, onde alguém que se diz ser o verdadeiro Tom Tresser o acossa. A mini termina com ele preso. Mas ele quem?

OS NOVOS 52

Infelizmente, a DC decidiu resetar todos seus 80 anos de cronologia no ano de 2011, incluindo tudo que fez no Pós-Crise. Tudo do OMAC e Kamandi não valeria mais nada. Incluindo a Agência de Paz Global.

A saga Flashpoint, traduzida no Brasil como Ponto de Ignição, escrito por Geoff Johns, deu início a um novo reboot, chamado Os Novos 52. Entre os milhares de personagens e conceitos em tábula rasa, OMAC foi um dos afetados.

Flashpoint e os Novos 52

Um novo título do OMAC, escrito por Dan Didio e desenhado por Keith Giffen, é estrelado por Kevin Kho, um cambojano que se envolve com um Xeque-Mate liderado por Maxwell Lord, com um Sargento Steel como agente, em uma trama que mistura elementos dos Novos Deuses com o Irmão-Olho, além de novos agentes OMACs sob poder de Max. Não há nada de Buddy Blank tampouco Agência Global da Paz nessa nova história.

Mas a organização aparece em versões alternativas em outros títulos dos Novos 52. Na nova saga semanal da editora, em The New 52: Futures End #21 (2014), escrita por Giffen, Brian Azzarelo, Jeff Lemire e Dan Jurgens, temos uma Agência da Paz Global alternativa em um futuro alternativo, bem como um Irmão-Olho.

Em Batman Beyond #2 (2015), temos outra versão do Irmão-Olho, com agentes sem rosto, iguais aos da Agência de Paz Global, como seus agentes, também escrita por Dan Jurgens.

Como parte de uma nova continuidade do DC Rebirth, chamado aqui de Renascimento, outro reboot depois dos Novos 52, as fronteiras entre o crível e o mínimo organizado foram desintegrados.

DC Renascimento

A DC afirma que agora tudo é válido na cronologia, ao sabor da força do roteiro e vontade dos roteiristas e desenhistas, causando uma confusão imensa do que vale de fato na cronologia regular, o que é alternativo e o que foi reescrito por retcon.

Em Darkseid Special #1 (2017), em uma histórica secundária, escrita por Paul Levitz, vemos uma versão da Agência de Paz Global, que aqui se chama Autoridade de Paz Global.

OMAC e a Autoridade Global da Paz

No mesmo ano, em alusão a comemoração de 100º aniversário do nascimento de Jack Kirby, a DC publicou o primeiro número de The Kamandi Challenge, uma minissérie em 12 partes com cada edição apresentando uma nova equipe criativa (um total de 12 escritores e 12 artistas para a minissérie). Nessa nova continuidade, é a primeira aparição de Kamandi na cronologia.

Kamandi Challenge, uma ode da DC Comics ao trabalho de Kirby, com 24 artistas diferentes

Nisso, Kamandi voltou na minissérie Checkmate, um novo título para a organização secreta Xeque-Mate, onde ficamos sabendo ela está sendo liderada por um misterioso homem chamado King. Que depois descobrimos ser Kingsley Jacobs. Que depois descobrimos ser uma identidade fake criada por um Kamandi mais velho, feita para interagir com diversos personagens da inteligência e da comunidade de espionagem, como Amanda Waller e o Diretor Bones, para deter os planos do vilão Leviatã, outrora Mark Shaw, o Caçador (curiosamente, outro personagem kirbyano criado nos anos 1970 junto com OMAC e Kamandi).

King reúne vários figuras importantes do Universo DC para lutar contra o Leviatã. Ele é o cara loiro com coque samurai

Em Generations Forged #1 (2021), Kamandi (garoto) e OMAC (Buddy Blank? sei lá eu) aparecem juntos, ao lado de vários outros super-heróis deslocados de seus tempos originais — como um Batman em começo de carreira, com um visual de 1939 — em uma aventura-homenagem a diversas histórias da DC Comics.

Até esta matéria, nada de Agência Global da Paz no Universo DC até agora.

Mas o Grande Desastre parece estar nos planos da DC Comics novamente. Em Green Arrow #3 (2023), escrito por Joshua Williamson, com arte de Sean Izaakse, vemos o herói Arqueiro Verde finalmente tendo a chance de reunir toda sua família, o que incluí seu antigo pupilo Roy Harper, morto anos atrás, e até a filhinha dele, Lian, morta ainda lá no Pós-Crise nas Infinitas Terras. Como já dito, com a saga Renascimento, qualquer coisa vale, e Williamson decidiu trazer a menina de volta. Acontece que, em determinado momento, o Arqueiro Verde entra em contato com seu eu futuro, que o adverte que “O Grande Desastre” está chegando, e que sua família não deve permanecer junta, pois isso seria a causa dessa tragédia.

OMAC

A série original de Jack Kirby para OMAC teve uma espécie de continuação, feita por um de seus maiores admiradores, o gigante John Byrne, um dos maiores roteiristas e desenhistas de quadrinhos de super-heróis dos anos 80 e 90. E a Agência da Paz Global está aqui também.

Arte promocional da DC para o OMAC de John Byrne

OMAC: One Man Army Corps (1991-1992)
John Byrne

A trama começa no futuro de OMAC, onde ele está lutando nas últimas batalhas da Grande Guerra das Corporações, contra as maquinações de seu arqui-inimigo Mr. Big, o vilão final de sua missão na Agência Global da Paz. O herói já mata o vilão antes da metade da primeira edição, cumprindo seu destino. Ou assim parece.

O OMAC de John Byrne é um produto ímpar do mercado. Publicada em 4 edições, é praticamente uma graphic novel separada, em formato prestige, em preto e branco, com violência gráfica, nudez, cenas de sexo, futuro distópico, Nova York dos anos 1930, Segunda Guerra Mundial, viagem no tempo, loops e a arte mais fantástica já feita por Byrne. Nada poderia ser mais destoante que um gibi ordinário de super-heróis.

A melhor arte de John Byrne está nessa mini do OMAC, que é a única obra que trata do material kirbyano em sua essência, sendo até uma espécie de “retrocontinuação”

Há referências até aos heróis da DC na HQ, além da morte mais satisfatória que Adolf Hitler já sofreu em uma HQ.

Imagens que trazem paz

E ver os agentes da Agência Global da Paz no traço de Byrne também é muito legal, já que eles desempenham um papel importante na trama da viagem no tempo e recondicionamento da timeline, já que Byrne brincou com vários desse conceito aqui, com direito a uma página de digressões a respeito no final.

A Agência Global da Paz no traço de John Byrne

Um material de qualidade tão grande quanto o próprio OMAC de Jack Kirby.

Por fim, vale citar antes de encerrar essa matéria que a única menção de OMAC e o Irmão-Olho na DC Comics antes dos conceitos retrabalhados por Greg Rucka na metade dos anos 2000 foi na edição Solo #3 (2005), onde o artista Paul Pope faz uma releitura da origem do personagem. Esse título experimental da DC permitia total liberdade para seus criadores, em histórias fora da cronologia regular.

OMAC por Paul Pope

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