Era Uma Vez na América é uma das obras primas da carreira do diretor Sergio Leone, que fez um épico de máfia com Robert De Niro no papel principal, e promoveu a estreia da pequena Jennifer Connelly nos cinemas.
Leone é uma lenda da indústria cinematográfica. Deixou de fazer O Poderoso Chefão para a Paramount Pictures para fazer seu próprio filme de gângsteres para a Warner Bros, depois de tomar contato com um livro de memórias de um ex-criminoso de Nova York — Leone queria contar esse lado sombrio da construção social americana.
Para para narrar parte dessa história, ele tem a pequena Jennifer Connelly, de 12 anos, que fazia apenas comerciais de TV, em sua estreia cinematográfica.
Seu papel foi da jovem Deborah Gelly, futuro interesse amoroso de Noodles, o personagem de De Niro. E aqui também foi seu debut de cenas envolvendo nudez — sim, ela aparece nua de costas, mesmo tendo apenas 12 anos de idade.
Como iremos acompanhar nessa maratona cinematográfica da atriz, esse aspecto de sua carreira irá ter diversos graus de importâncias negativas e positivas em sua formação dramática, e escolhas pessoais e profissionais em sua vida.
Era Uma Vez na América
(Once Upon a Time in America, 1984, de Sergio Leone)
Com música de Ennio Morricone, um dos maiores compositores de trilha sonora do cinema, o filme é uma produção conjunta dos EUA com a Itália, lançado nos cinemas em 1984.
Baseado no livro The Hoods, de Harry Grey (um pseudônimo para o ex-gângster que se tornou um informante, cujo verdadeiro nome era Harry Goldberg), Era Uma Vez na América é um épico de quase 4 horas que conta a história premente da criminalidade em Nova York dos anos 20, com foco no cotidiano de três garotos judeus que constroem seu caminho de crimes até a idade adulta, passando por cinco décadas.
As ruas do Lower East Side são pequenas para eles, e o entrelaçamento de companheirismo, ambição e traição, leva a direcionamentos desastrosos em suas relações.
Era Uma Vez Na América não é linear, com idas e vindas de acontecimentos ocorrendo ao prazer do roteiro e do diretor, em cortes bem colocados e instigantes. Em um momento estamos nos anos 20 com os protagonistas crianças, em outro estamos nos anos 30 com ele jovens, para depois sermos jogados nos anos 60 com eles adultos e perto da tragédia. São cenas 1920, 1932, 1933 e 1968.
Uma complexa série de memórias, flashbacks e sonhos movidos a ópio e assassinato pelos personagens deixa tudo mais nebuloso e instigante em Era Uma Vez na América.
Uma carreira forjada no Velho Oeste
O faroeste em Hollywood teve sua queda no final dos anos 1950. O gênero, no entanto, ainda teria seu canto do cisne na Europa. Armas Selvagens, dirigido por Michael Carreras em 1961, foi uma coprodução anglo-espanhola falada em inglês.
Ela marca o nascimento do faroeste espaguete, ou western spaghetti. O filme é da Hammer Productions, rodado em Almería, uma locação muito popular na Espanha.
O movimento iniciado por Carreras era o desejo de reinventar o faroeste americano e aproveitar elementos do cinema japonês de samurai, figura tão emblemática como os cowboys dos EUA.
Sergio Leone fez muitos filmes de western spaghetti, e seu Por Um Punhado de Dólares, com Clint Eastwood no papel principal, filmado em 1964, é considerado o ponto alto do gênero.
Em 1968, Leone filma Era Uma Vez no Oeste, o melhor longa-metragem do cineasta, e frequentemente no topo de listas de melhores filmes de faroeste de todos os tempos.
O mundo de Leone era violento e impelido pelas músicas inesquecíveis de Morricone. A bagagem de filmografia e expertise garantida nesse filmes e muito outros, como o clássico Três Homens em Conflito, terceiro de uma trilogia com Clint, deram estofo suficiente para a obra-prima de Era Uma Vez na América.
O relato escrito semibiográfico de Harry foi feito quando ele estava encarcerado prisão de Sing Sing, uma das mais emblemáticas da América.
Fulvio Morsella, irmão de Leone, tinha lido The Hoods para ele quando criança, o deixando impressionado sobre o poder da máfia no cotidiano de Lower East Side de NY.
A misé-en-scene de Sergio Leone
O livro de Harry era linear, mas Leone conscientemente quis criar um épico semi-surreal. Para isso, além dele próprio, o filme teve mais seis escritores trabalhando no roteiro. Em cinema, há um terreno muito particular de espaço-tempo.
São dois elementos usados para construir as narrativas pautadas por imagem em movimento, o que convencionou-se a chamar por misé-en-scene.
Significa “o que está na cena”. Leone se esmera em filmar isso ao limite. É obrigatório reparar na cena em que as duas gangues estão prestes a se matar, só dependendo dos desenlace do encontro dos dois chefões. O que pauta a cena é uma xícara de café e uma colher de açúcar.
Além de Robert De Niro e James Woods, trabalham no longa a atriz Elizabeth McGovern, como a Deborah adulta, os atores Treat Williams, Burt Young, Joe Pesci, Danny Aiello e William Forsythe.
Morricone terminou a trilha antes da conclusão das filmagens, e a música era tocada para criar uma ambientação extra para os atores. Com efeito, muitas vezes Leone dirigiu as cenas concatenando a música com o que pretendia mostrar em tela.
Há diversas cenas que presta homenagem a clássicos do cinema de gângster em Era Uma Vez na América.
Há referências a filmes como Beco sem Saída (1937), Seu Último Refúgio (1941), Anjos de Cara Suja (1938), Balas ou Votos (1936), Fúria Sanguinária (1949), Uma Vida Marcada (1948), O Grande Golpe (1956), Alma no Lodo (1931), Heróis Esquecidos (1939), A Dama de Shanghai (1947) e Os Corruptos (1953).
Uma história fragmentada, com pés rapados que se tornam poderosos e perdem tudo assim que conseguem. Leone era o mestre do western spaghetti, e aqui nessa trama de crimes não decepciona.
É uma pérola do cinema sobre amizade e lealdade. Desejo e morte. Tudo tem tom sépia, com influências fotográficas de trabalhos de pintores americanos como Reginald Marsh, Edward Hopper, Norman Rockwell e Edgar Degas (para as cenas de Deborah).
Robert De Niro e Leningrado
Sergio Leone nasceu em Roma em 1929. No início de sua carreira na indústria, teve trabalhos de produção não-creditados em clássicos do cinema como Quo Vadis?, Ben-Hur e Os Últimos Dias de Pompeia. Seu primeiro filme foi O Colosso de Rodes, filmado em 1961.
A visão desolada e niilista de Leone em Por Um Punhado de Dólares definiu como o faroeste espaguete seria. E mesmo que mantivesse estrelas no elenco, o diretor ia na direção contrária das convenções.
Era Uma Vez no Oeste ao mesmo tempo é o melhor faroeste de todos os tempos e o mais antifaroeste possível — sua crítica expansionista das fronteiras dos EUA e do poder da força do mercado são marcante no longa.
Não é a toa que ele usaria o mesmo título para seu último longa-metragem, Era Uma Vez na América. Foi logo depois de filmar Era Uma Vez no Oeste que Leone teria conseguido contato com o autor do livro The Hoods, e obtido mais informações e base para construir um filme do tamanho que pretendia.
Leone pretendia John Millius para a cadeira de direção, mas esse teve que recusar em virtude de seus compromissos com as filmagens de O Vento e o Leão e o roteiro de Apocalypse Now, ambos ainda na década de 70.
Sergio Leone morreu em 1989. Seus planos de cinema incluíam novamente trabalhar com Robert De Niro, em um filme sobre o cerco de Leningrado, na URSS.
Jennifer Connelly e Era Uma Vez na América
Sergio Leone tinha um material de oito a 10 horas de filmagens. Há duas versões do filme, com diferentes cortes e tempo de duração. O longa foi exibido originalmente no Festival de Cannes, em 1984, em uma versão de mais de quatro horas.
Porém, quando estreou no circuito comercial, sua duração foi reduzida a 134 minutos, por imposição da Warner. Posteriormente, nos anos 90, ainda houve uma versão para TV, com 229 minutos, e em 2012 o filme ganhou outra exibição em Cannes, em sua edição original.
Leone não descansou até conseguir a sua versão pessoal do longa-metragem. Ele queria entregar sua visão de narrativa épica sobre o século XX nos Estados Unidos.
O papel de David “Noodles” Aaronson, de De Niro, foi oferecido para Al Pacino e Jack Nicholson, que declinaram. Quando De Niro foi chamado, ele já estava filmando a segunda parte de O Poderoso Chefão, e ajudou na escolha do elenco.
Não há muito o que se falar da estrela principal da matéria, Jennifer Connelly, em Era Uma Vez na América. Pelo menos nesse filme em especial. Ela quase que não é escalada para o longa, pois a primeira pessoa que Leone queria para o papel era Brooke Shields, a eterna garota do filme A Lagoa Azul.
Complicações de agendas fizeram ela ser deixada de lado, e Jennifer conseguiu o papel graças a um amigo de seu pai, que tinha contatos na indústria cinematográfica. Quando surge na tela, ela aparece dançando balé, mais de 30 minutos depois do início do filme. Meiga, mostra que tinha talento para atuar, convencendo como uma menininha esperta em sua primeira aparição no cinema.
A performance de Jennifer Connelly em Era Uma Vez na América chamou a atenção de Dario Argento, diretor italiano de muitos filmes de terror, referência no gênero, e que trabalhou próximo de Leone em Era Uma Vez no Oeste.
Essa proximidade o levou a escalar Jennifer Connelly para seu próximo filme, Phenomena, o primeiro da atriz em um papel principal logo em seu segundo trabalho nos cinemas.
1º filme de Jennifer Connelly
Era Uma Vez na América
/// ENTREVISTA. O site de notícias de cultura pop Omelete fez uma entrevista com a atriz por conta do lançamento do seu filme Diamante de Sangue, em 2007, e ela comentou o seguinte sobre Era Uma Vez na América: “Foi o primeiro filme que fiz. Tinha 11 anos na época, fui para a Itália para filmar, e não tenho muito o que falar sobre o meu trabalho, mas foi uma experiência mágica. Eu não sabia no que estava me metendo, mas para mim o diretor Sergio Leone foi um cara fantástico. Lembro dele como um cara mítico atrás daqueles óculos grossos. Enfim, foi como um conto de fadas. Foi uma ótima forma de começar.”
/// PRÊMIO. Era Uma Vez na América venceu o BAFTA de 1985 nas categorias de Melhor Trilha Sonora e Melhor Figurino.
/// 1984. Nos cinemas passavam filmes como Footloose – Ritmo Louco, Greystoke – A Lenda de Tarzan, Loucademia de Polícia, Gatinhas e Gatões, Tudo por uma Esmeralda, Christine, O Carro Assassino, Scarface, A Última Festa de Solteiro, A História Sem Fim, Conan, o Destruidor, O Exterminador do Futuro, A Hora do Pesadelo, Chamas da Vingança, Um Tira da Pesada, Duna, Os Caça-Fantasmas, entre outros.
/// CANNES. O maior festival de cinema do mundo viu mais uma vez o filme ser exibido, em 2002. A maior parte dos atores que trabalharam em Era Uma Vez na América foram convidados — Jennifer Connelly entre eles. O evento acontceu um ano depois de Jennifer Connelly ganhar o Oscar de 2001, por Uma Mente Brilhante.
/// ROTEIRO. Sergio Leone reuniu vários escritores para produzir o roteiro de Era Uma Vez no Oeste, e o cineasta Dario Argento, um dos mestres italianos do terror, foi um deles. Ele fez o trabalho em parceria com Bernardo Bertolucci, outro diretor de cinema famoso e prestigiado. É por conta dessa proximidade com Leone, que Dario Argento se interessou pela menina Jennifer para ser sua protagonista no filme de terror que pensava. e que se tornou Phenomena, o segundo filme da carreira da menina.
/ OS FILMES DE JENNIFER CONNELLY.
1- Era Uma Vez na América (1984)
2- Phenomena (1985)
3- Sete Minutos Para o Paraíso (1985)
4- Labirinto – A Magia do Tempo (1986)
5- Essas Garotas (1988)
6- Etoile (1989)
7- Hot Spot – Um Local Muito Quente (1990)
8- Construindo Uma Carreira (1991)
9- Rocketeer (1991)
10- O Coração da Justiça (1992)
11- Do Amor e de Sombras (1994)
12- Duro Aprendizado (1994)
13- O Preço da Traição (1996)
14- Círculo das Vaidades (1996)
15- Círculo das Paixões (1997)
16- Cidade das Sombras (1998)
17- Amor Maior que a Vida (2000)
18- Réquiem Para um Sonho (2000)
19- Pollock (2000)
20- Uma Mente Brilhante (2001)
21- Hulk (2003)
22- A Casa de Areia e Névoa (2003)
23- Água Negra (2005)
24- Pecados Íntimos (2006)
25- Diamante de Sangue (2006)
26- Traídos pelo Destino (2007)
27- O Dia em que a Terra Parou (2008)
28- Coração de Tinta (2008)
29- Ele Não Está Tão a Fim de Você (2009)
30- 9 – A Salvação (2009)
31- Criação (2009)
32- Virginia (2010)
33- O Dilema (2011)
34- E…que Deus nos Ajude!!! (2011)
35- Ligados pelo Amor (2012)
36- Um Conto do Destino (2014)
37- Marcas do Passado (2014)
38- Noé (2014)
39- Viver Sem Endereço (2014)
40- Pastoral Americana (2016)
41- Homem-Aranha De Volta ao Lar (2017)
42- Homens de Coragem (2018)
43- Alita – Anjo de Batalha (2019)
44- Top Gun – Maverick (2022)
45- Bad Behaviour (2023)
/ AS SÉRIES DE JENNIFER CONNELLY.
1- The $treet (2000)
2- O Expresso do Amanhã/Snowpiercer (2020-2024)
3- Matéria Escura (2024)
Jennifer Connelly e seu Instagram: https://www.instagram.com/jennifer.connelly/
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