Jogo de Assassinos pega carona numa onda cinematográfica bem específica da segunda metade dos anos 90, cheia de filmes que misturam elementos de gênero policial, comédia e humor negro, iniciada com Pulp Fiction – Tempos de Violência (1994, de Quentin Tarantino) e Fargo (1996, dos irmãos Coen) — esses que, por sua vez, beberam de filmes dos anos 1970, para fazer um produto mais pop e comercial, e que funcionou muito bem, como audiência e crítica comprovam.
A trama de matança dentro de uma prisão, com 100 bandidos com 1.000 armas até restar apenas 3, que ganharão 10 milhões de dólares, com uma sensacional trilha sonora de mambo para ditar o ritmo e cortes.
Um ano antes, Drink no Inferno, do Tarantino, já mostrava a potência de uma produção B com música latina para ser cool.
Acontece que Jogo de Assassinos vem com uma direção que entrega definitivamente o que ela é: uma produção do cineasta Albert Pyun.
O diretor ficou principalmente conhecido por dirigir filmes B de ação, e se especializar no sub-gênero cyborg.
Cavou um nicho único com seus trabalhos, e de forma independente, é merecedor de elogios por sua atuação visceral no meio. Selfmade man, luta pelos seus filmes e visão com a mesma gana com que consegue avançar, mesmo com dificuldades, em longas de qualidade diferenciada do mainstream.
Há mercado para isso, e ele fez a sua contribuição. Pyun pariu uma cacetada de exemplares da cinessérie de porrada e artes marciais Best of The Best, e acabou com o Capitão América em sua primeira estreia nos cinemas nos anos 1990 — usava escudo transparente, era motoqueiro e o Caveira Vermelha era italiano.
Albert Pyun é bom no campo que atua — é um diretor de baixo orçamento, com concepções e alguma sofisticação, e que consegue atores e atrizes de renome para seus longas.
Seus híbridos de artes marciais e ficção científica em futuros pós-apocalípticos distópicos entregam o que prometem, se você tiver a guarda baixa o suficiente para aceitar o que está em campo neste jogo, que só pede para ser divertido e escapista.
E Jogo de Assassinos é divertidíssimo. Os criminosos se matando, as alianças de última hora e convenientes, um fiapo de roteiro que é tudo que precisa: chegar vivo até o final até desse battle royale, e que até mesmo precede esse mood — Battle Royale é um romance do escritor japonês Koushun Takam, originalmente concluído em 1996, mas só publicado em 1999, uma história sobre alunos do ensino médio forçados a lutar um contra o outro até a morte em um programa administrado por um futuro governo totalitário japonês, agora conhecido como a República da Grande Ásia Oriental.
Ficou famoso, se tornou mangá e filme em 2000, e criou um sub-gênero que leva seu nome. Jogo de Assassinos se antecipou a alguns conceitos, e mostra com eficiência uma comédia criminal séria dentro de uma prisão com 100 bandidos traidores que em vez de serem executados, são forçados a divertir os chefões em um jogo mortal entre assassinos.
Jogo de Assassinos
(Mean Guns, 1997,
de Albert Pyun)
A despeito de toda a trasheira — que surpreendentemente é muito menos percebida aqui, devido à natureza do filme “simples e realista” — o diálogo de abertura que Vincent Moon executa vem de um sofisticado trecho de Assim Falou Zarathustra, do filósofo Friedrich Nietzsche.
A abertura com nomes de créditos dos atores é pontuada ao sons de tiros de armas de fogo, mais estiloso anos 1990, impossível.
Temos 100 criminosos pertencentes a uma organização chamada Sindicato, convocados para uma prisão de segurança máxima na véspera da inauguração, por um dos líderes, Vincent Moon (Ice-T).
Todos eles de alguma maneira traíram o Sindicato, seja com intenção, sem querer ou estando no lugar errado e na hora errada.
Todas as armas de fogo dos bandidos foram confiscadas na entrada, todos receberam um cartão com o “pecado” descrito, e todos vão morrer, com exceção de 3, que ainda podem sair com 10 milhões de dólares no bolso, caso descubram quais, de 3 malas, que o dinheiro está, pois em uma está uma bomba.
Não há escapatória, as saídas foram seladas e há atiradores no telhado para matar qualquer um que não quiser entrar no jogo.
Para se matarem, Moon joga as armas confiscadas no hall onde todos estão. E joga as munições de outro lado, além de bastões de baseball, numa grande cena de inversão de expectativa.
No meio dessa zona, temos os protagonistas, a maioria deles assassinos profissionais, como o assassino meio maluco Lou (Christopher Lambert), acompanhado da (filha?) pequena Lucie (Hunter Doughty), Marcus (Michael Halsey), D (Kimberly Warren) e a contadora infeliz Cam (Deborah Van Valkenburgh).
Paralelo a isso, temos Bob (Jerry Rector), que de cara já sabemos que é um traidor, como indica seu cartão, e sua vadia, Barbie (Tina Cote), uma das melhores personagens do filme, que contra todas as expectativas, consegue se sair muito bem.
Ainda temos a hilária dupla de escrotos Hoss (Yuji Okumoto) e Crow (Thom Mathews).
Toda a ação é televisionada para os chefões assistirem e não perderem nada nesse battle royale. Lou é um assassino “traumatizado” com uma criança que matou em uma execução que parece ter saído do controle, e flashbacks fazem parte da maioria de suas aparições.
Ninguém confia nele, com quem D parece ter um asco especial. Uma situação que rende muitos risos é com Bobby, baleado várias vezes e que teima em não morrer.
Barbie surpreende e se sai bem melhor que seus colegas criminosos, e isso que ela é apenas uma piranha de bandido — que alias, fode com a amizade inabalável dos brothers Hoss e Crow.
Cam era uma contadora que documentou algumas transações financeiras do Sindicato, que comprometem diretamente Moon. Ela é interceptada antes, e é a única “não-criminosa” na prisão, mas recebe o cartão.
A saber de alguns: Bob (“Bad Bob – The Traitor“), Lou (“You Kill Little Girls“), Cam (“Snitch“, uma gíria americana para dedo-duro), D (“You Messed With The Wrong Boss“).
Hoss e Crow não tem seus cartões revelados, mas eles mesmo explicam em um diálogo sobre uma bolsa cheia de dinheiro que desviaram do Sindicato.
A pequena Lucie na verdade não é filha de Lou, e sim uma garota vítima de um pedófilo, como visto em alguns flashbacks.
Ela é o elo que une de certa forma os 4 últimos personagens restantes da matança na trama: Lou, Moon, Marcus e Cam. O desfecho, no melhor estilo dos “impasses mexicanos”, é dos momentos mais legais do filme.
Tudo acaba onde começou, no lobby da prisão onde Moon anunciou esse verdadeiro jogo de assassinos.
Mambo
Melhor trilha sonora
Como diversas outras obras da cultura pop — Réquiem Para um Sonho, Highlander, Silent Hill e Top Gear (os videogames) –, Jogo de Assassinos também encontrou na força de sua trilha sonora um mood potente que se sustenta à parte do filme.
A maravilhosa trilha de Jogo de Assassinos é obrigatória, com todas as faixas gostosas e dançantes produzidas em sua maior parte em cima dos trabalhos musicais de Pérez Prado, que aliás, é o artista musical favorito de Moon no longa.
Com efeito, tem até uma música dele em Jogo de Assassinos: “Jose“. Adios é assinada por Enric Madriguera e cantada por Cindy Edwards. Todas as restantes foram compostas por Tony Riparetti, colaborador frequente de Albert Pyun.
Dámaso Pérez Prado (1916–1989) foi um músico cubano de extremo sucesso nos Estados Unidos durante os anos 1950, um dos principais responsáveis pelo mambo.
Teve inúmeros hits, como “Patricia“, “Mambo Jambo” e “Cherry Pink and Apple Blossom White“.
Ele assinou muitas canções como Dilo! também. O mambo foi um estilo musical muito popular na região caribenha, um tipo de dança de salão de origem cubana e com influências dos ritmos africanos e do jazz, criado nos anos 1930, fruto de uma fusão de várias sonoridades musicais.
O termo com que ele foi batizado provém de uma gíria comum entre os músicos negros – “estás mambo?”, ou seja, “tudo bem com você?”
Em 1939, o mambo moderno é criado por Orestes López e Cachao López, que, influenciados principalmente pela contradança espanhola e a contradança francesa, criaram um ritmo com esses elementos em um derivado misturado com música africana.
O maestro Damaso Perez Prado foi o principal eixo criativo do estilo, que revolucionou a paisagem musical, superando até as tradicionais big bands norte-americanas, graças ao talento de outros que se juntaram à ele, como os músicos Xavier Cugat, Tito Puente e Beny Moré.
Roberto Amarol canta em Esta Noche Sin Ti, Chupacabra, Mambo Mambo, Es La Hora De La Verdad, Loco, Salsipuedes, Land Of Illusions e Barb’s Fight, e as restantes são instrumentais: The Elevator, Parking Lot, The Chase, Lou’s Theme, Rules Of The Game, Cover My Butt, The First Showdown, Hoss And Crow, Up To Bat, The Pictures, The Bell Tolls, Big Showdown e Vamanos, todas de Riparetti.
Um jogo para fazer
o jogo de assassinos
Um detalhe que não é muito bem esclarecido em Jogo de Assassinos é a razão de Vincent Moon se reunir com os últimos três sobreviventes e aceitar participar do “impasse mexicano” do clímax.
Acontece que ao matar o Comissário de Polícia na abertura do longa, fica implícito que essa morte não teve autorização do Sindicato, logo, Vincent Moon, na posição de um dos líderes, foi o escolhido para comandar a matança e inclusive obrigado a participar dela, por essa execução precipitada.
Outro momento que faltou explicar melhor foi a relação de Marcus com Moon. Ele não teve sua enorme arma apreendida na entrada da prisão — uma pistola Desert Eagle, uma semi-automática que utiliza vários calibres, como o .50 Action Express, .44 Magnum, .357 Magnum e .22 Long Rifle — e ele sabia qual mala continha a grana da “recompensa” e qual tinha uma bomba.
Isso aconteceu porque Moon não acreditava que Marcus fosse realmente um traidor do Sindicato, como fica explícito quando vemos o que está escrito em seu cartão perto do fim: “You’re the only one that lives!”
As filmagens de Jogo de Assassinos ocorreram dentro do The Los Angeles County Twin Towers Correctional Facility, duas torres que realmente são parte de um complexo presidiário dos EUA. Este é um longa raro na carreira de Albert Puyn, gravado em um formato 2:35.1 anamorphic widescreen.
Jogo de Assassinos repete a parceria de Albert Pyun e Michael Halsey em filmes, e de novo em Morte Anunciada (1998), um longa que tem o ator Charlie Sheen no elenco (creditado como Charles), gravado na Irlanda.
Aliás, Pyun costuma trabalhar com atores recorrentes, como Kimberly Warren, Yuji Okumoto, Tina Cote e Thom Mathews, vistos em outras produções dirigidas por ele. Christopher Lambert trabalhou no longa-metragem por apenas 2 dias, o tempo que foi necessário para gravar suas cenas.
Ele recebeu 2 milhões de dólares pela participação, que ainda incluía mais um dia. Seu contrato ainda previa mais um filme de Pyun, que nunca foi feito (pra variar).
Em algumas cenas que ele usa um bastão de baseball como arma, fica clara a referência dos filmes de Highlander pelo qual o ator ficou conhecido.
THERE CAN BE ONLY ONE | Highlander – O Guerreiro Imortal vive para sempre
Albert Pyun
Jogo de Assassinos é dedicado à memória de Stephen J. Friedman, um dos profissionais de cinema pioneiro em filmes independentes em Hollywood, produtor de filmes como A Última Sessão de Cinema (1971), Inimigo Meu (1985) e Kickboxer: O Desafio do Dragão (1989).
Albert Pyun tem em Jogo de Assassinos, produzido pela Filmwerks (a Lionsgate é a dona atual do espólio), com quem fez vários outros filmes, uma obra bem acima da média, e que vale o play.
Além de continuar por conta própria a franquia Cyborg, iniciada com Cyborg – O Dragão do Futuro (1987) ele ainda criou outra, Nemesis, um Blade Runner de renda baixa, mas estiloso o suficiente como cyberpunk para gerar três longas.
Quase foi o diretor de O Vingador do Futuro (1990), que no fim ficou com Paul Verhoeven.
Albert nasceu perto de uma base militar do Havaí, onde começou a filmar os soldados locais e a paisagem paradisíaca da ilha. Sua carreira é bastante extensa, com mais de 50 títulos na carreira.
Seu primeiro filme foi The Sword and the Sorcerer (1982), traduzido aqui como A Espada e os Bárbaros, uma aventura sanguinária medieval, seguido do sci-fi pós-apocalíptico Viagem Radioativa (1985), que lançou a carreira de Michael Dudikoff (da franquia Guerreiro Americano/American Ninja) e cimentou a fama de diretor criativo com pouco orçamento do diretor.
Também fez Caçada Perigosa (1986), O Planeta dos Prazeres (1986), Down Twisted (1987), Uma Estranha em Los Angeles (1988), Jornada ao Centro da Terra (1988), o já citado Cyborg: O Dragão do Futuro (1989) e Alien – O Exterminador (1990), uma cópia descarada do Alien de Ridely Scott.
Pyun foi o diretor que mais fez filmes para a Cannon Films — nos anos 1990, dirigiu inacreditáveis 24 produções.
A mais notável foi o horroroso Capitão América (1990); Nemesis: O Exterminador de Androides (1992); Nemesis 2: A Última Esperança (1995); Nemesis 3: Espaço de Tempo (1996); Nemesis 4: Lágrimas dos Anjos (1996); Kickboxer 2: A Vingança do Dragão (1991); Cavaleiros de Aço (1981); Omega Doom: A Maldição (1996); Adrenalina (1996); Hong Kong 97 – Fuga e Sangue Frio (1994); Morte Anunciada (1998) e Jogo de Assassinos (1997). Paralelo a isso, dirigiu para a Charles Band’s Full Moon Pictures os filmes Dollman: 33 cm de Altura… e Atira! (1991) e Arcade: A Realidade Mortal (1993).
Nos anos 2000, Albert Pyun dirigiu uma continuação não-oficial de Ruas de Fogo (1984), chamado Road to Hell (2008), inclusive com os atores Michael Paré e Deborah Van Valkenburgh reprisando os papéis de Tom Cody e Reva, respectivamente.
Também fez Invasion (2004), o thriller Bulletface (2010) e Tales of an Ancient Empire (2010), uma sequência de A Espada e os Bárbaros.
Em 2012, Albert Pyun foi diagnosticado com esclerose múltipla, e uma de suas “maiores obras”, Nemesis: The Dark Rift, ficou incompleta.
Em 2013 ele anunciou sua aposentadoria, mas inacreditavelmente apareceu com o filme The Interrogation of Cheryl Cooper (2014), seguido de outras pequenas (mais ainda?) produções.
Em 2015 ele lançou trailers conceituais de obras como “Star Warfare Rangers” e “Cyborg Witch of Endor” (mais tarde renomeada como “Interstellar Civil War“, em 2017). O filme marcaria sua trigésima terceira colaboração com o compositor Tony Riparetti, responsável pela trilha sonora de Jogo de Assassinos.
Muitos atores passaram pelas lentes e direção de Pyun, como Jean-Claude Van Damme, Sasha Mitchell, Christopher Lambert, Natasha Henstridge, Brion James, Tim Thomerson, Jackie Earle Haley, Teri Hatcher, Rutger Hauer, Olivier Gruner, Charlie Sheen, Burt Reynolds, Steven Seagal, Rob Lowe, Ice-T, Snoop Dogg, Kevin Sorbo, Tom Sizemore, Andrew Dice Clay, Dennis Hopper, Kevin Gage, Robert Patrick, Seth Green, Dennis Chan, Ned Beatty, Darren McGavin, Ronny Cox, Kris Kristofferson, George Kennedy, Richard Lynch, Lee Horsley, Richard Moll, Courteney Cox, Tom Matthews, Nicholas Guest, Kathy Ireland, Deep Roy, Michel Qissi, Andrew Divoff, David Carradine, Vincent Klyn, Mitch Pileggi, Yuji Okumoto, Cary-Hiroyuki Tagawa, Michael Pare e Deborah Van Vulkenburgh.
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