TRANSMISSÃO DE LIVE E COVID- 19 | Como o corona muda a música

Enquanto o mercado da música se encontra de certa maneira paralisado com as restrições que a pandemia de corona vírus (COVID-19) inflige a todos os setores de trabalho de praticamente toda a humanidade, outras áreas da indústria musical tentam analisar as apostas, e encontrar e explicar os novos caminhos e dinâmicas com que profissionais da área têm que lidar.

No mundo e no Brasil. Por aqui, Dani Ribas e Renata Gomes fizeram um recorte especial da Pesquisa DATA SIM sobre os impactos do coronavírus no mercado brasileiro para o blog do Mapa dos Festivais.

O artigo aponta caminhos encontrados nas transmissões ao vivo e as novas experiências que festivais, artistas e marcas podem propor ao público.

Saskia no Centro Cultural São Paulo – Sala Adoniran Barbosa, em 7 de dezembro de 2019. Foto de Victor Balde para o SIM 2019

A crise de proporções globais na indústria do entretenimento acentuou as dificuldades enfrentadas por artistas de menor porte, com orçamentos moderados e sem suporte de grandes empresas.

Nos EUA, o momento levou a categoria a se organizar em associações para concentrar esforços e fortalecer ações em prol da sobrevivência.

Na Inglaterra, artistas como PJ Harvey, Nick Cave e Johnny Marr assinam documento que pede que o governo britânico auxilie o setor de artes do país durante a pandemia.

De acordo com a carta escrita pela Creative Industries Foundation, o Reino Unido pode se transformar em um “terreno baldio cultural” se nada for feito em prol do mercado de cultura.

Festivais brasileiros como Bananada, Se Rasgum, Sarará, Carambola, DoSoL, Wehoo, GTR e Radioca promoveram no primeiro final de semana de maio transmissões ao vivo para arrecadar fundos para trabalhadores da música, na plataforma ‘Devassa Tropical Ao Vivo’. Doações ocorreram durante as lives.

Pesquisas na indústria da música ajudam a contornar o corona

A mídia em geral tem dado bastante destaque ao impacto da COVID-19 no setor da música. O DATA SIM realizou a primeira das pesquisas que embasam tais impactos, que você pode conferir aqui.

Resultados apontaram adiamento ou cancelamento de mais de 8 mil eventos em 21 estados do Brasil, com uma projeção de público de 8 milhões de pessoas.

As atividades dessas empresas envolvem 20 mil profissionais e prejuízo direto de R$ 483 milhões.

A extração especial que Dani e Renata fizeram para a pesquisa para o Mapa dos Festivais aponta que 355 das 536 empresas que responderam à pesquisa afirmaram realizar atividades como Organização de Eventos (57% de todas as menções) e Palco (24% das menções).

Essas duas atividades são essenciais para a música ao vivo que acontece nos festivais, e juntas são 66% das empresas ouvidas na pesquisa.

A música ao vivo – seja em festivais ou casas noturnas – responde por boa parte das atividades da cadeia produtiva e é uma grande engrenagem desse ecossistema, tanto do ponto de vista da renovação do cenário musical (como todos os fãs de festivais sabem), como do ponto de vista das empresas envolvidas.

O êxito absoluto de festivais on-line que surgiram no período, como o Festival Fico em Casa BR, Música em Casa (Universal Music), TamoJunto (O Globo) e o Somos Mucho!, para citar apenas alguns dos muitos exemplos que surgiram, é auto-explicativo.

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Saskia no Centro Cultural São Paulo – Sala Adoniran Barbosa, em 7 de dezembro de 2019. Foto de Victor Balde para o SIM 2019

Antes da pandemia, as projeções de crescimento da música ao vivo no mundo mostravam que em 2023, as vendas de ingressos de música ao vivo excederiam US$ 25 bilhões no mundo todo, um aumento de 14% em relação a 2019.

Contribuiu para isso a maneira a maneira dos fãs descobrirem os shows, principalmente por meio das mídias sociais, ferramentas centrais para o acompanhamento de artistas e informações sobre os próximos shows. Os dados são de uma pesquisa do Facebook.

Segundo o estudo de Dani e Renata, esse é um terreno amplo a ser explorado pelas marcas. Se na jornada de compra tradicional mais de um quinto (23%) dos frequentadores de shows dizem que recorrem ao conteúdo de marcas que seguem nas mídias sociais para decidir a ida aos próximos shows, no digital essa interação pode ser ampliada à máxima potência.

O envolvimento contínuo e genuíno das marcas no apoio, patrocínio e criação de conteúdos relacionados aos festivais pode gerar muitas oportunidades para todas as partes envolvidas. Festivais, artistas, sites, blogs, produtores de conteúdo, o próprio público e, principalmente as marcas, só têm a ganhar com a soma geral de esforços. E isso não pode ser encerrado em época de pandemia, já que o digital assume ainda maior importância nesse contexto. Emoções e experiência são pilares da construção e fortalecimento das relações entre todas estas partes também em ambiente digital.

É importante ressaltar que não cabe somente aos artistas reinventarem a maneira de conexão com a comunidade de fãs, as marcas também precisam descobrir novas formas de dialogar com o público que agora está se conectando de maneira inteiramente digital. Não será suficiente apenas “divulgar” lives e participações em festivais on-line. Aqueles que querem se destacar na imensidão do mar digital terão que repensar todo seu marketing e todo o fluxo de comunicação com esse novo consumidor.

Não basta apenas criar interações digitais ou simples aparições exclusivas no aconchego do lar. É preciso criar experiências que conectem. A descoberta dessas aparições e as próprias lives devem fazer parte de uma mesma experiência social, compartilhada com a comunidade, e em estreita conexão com os signos e símbolos da época e do projeto artístico do músico ou da proposta de valor da marca.

É no contato próximo com o público que as expressões individuais ganham dimensão coletiva, pois é quando tocam em pontos e questões do momento presente. É aí que deixam de ser apenas inspiração individual para ressignificar concepções e serem pertinentes ao seu tempo histórico. É isso o que faz a relevância em tempos de disputa por atenção. E há inúmeras maneiras de estar próximo, sem necessariamente estar perto fisicamente, de criar uma conexão genuína e em total sintonia com o momento presente.

Festivais – e agora as lives – são os espaços em que essa potência se materializa, onde a música alimenta a cultura com novas perspectivas partir das expressões artísticas individuais, que poderão transformar o mundo em que vivemos. Sem eles, e sem espaços de formulação de sentido como os festivais e lives, estaremos fadados a reproduzir eternamente um presente sem perspectiva.”

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Terno Rei no Centro Cultural São Paulo – Sala Adoniran Barbosa, em 7 de dezembro de 2019. Foto de Victor Balde para o SIM 2019

O lance das lives levanta outro interessante debate a respeito de fama e quantificação de músicas mais tocadas e popularidade de estilos para os brasileiros.

A OMB (Ordem dos Músicos do Brasil) e ECAD (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição) são as referências quando se pensa em números. Atores e players do mercado concordam que em ambos os casos não é muito boa referência.

O ECAD é um escritório criado pelo Governo Federal (Lei 12.853/2013, que é um complemento da Lei 9.610/1998), mas funciona como entidade privada. E nem todos os músicos do Brasil estão com a OMB.

Nas lives que já fazem parte do dia-dia de quarentena, o repertório não necessariamente é todo autoral. Como as regras sobre direitos autorais variam de site para site, isso pode trazer problemas para o artista que estiver fazendo transmissão.

NÚMEROS, FESTIVAIS E OS SENTIDOS COLETIVOS DA PANDEMIA

Por: Dani Ribas e Renata Gomes, especialmente para o Mapa dos Festivais.

Os dados completos, aqui.

/ SIM. A Semana Internacional de Música de São Paulo é o maior encontro da música na América Latina. Você pode encontrar todo o trabalho dos caras aqui: www.simsaopaulo.com

/ DANI RIBAS. Doutora em Sociologia da Música (UNICAMP). Diretora de Pesquisa do DATA SIM e da Sonar Cultural. Presta consultoria a artistas e dá cursos on-line sobre Empreendedorismo na Música, Gestão de Carreiras, Gestão de Projetos, Formação de Público, e Relevância Artística.

/ RENATA GOMES. Publicitária, mestre em Comunicação, Cultura e Mídia e atua há mais de uma década como docente universitária e consultora, desenvolvendo estratégias para marcas, startups e artistas do segmento musical. É conselheira e curadora de eventos de inovação, música e cultura (São Paulo Tech Week, Startup Weekend Music & Arts, SIM São Paulo), colabora como pesquisadora e analista de dados no DATASIM, colunista do site Mundo da Música e faz parte do board da ong Women in Music Brasil, que se dedica a apoiar e empoderar mulheres da indústria da música e entretenimento.

/ FACEBOOK E MÚSICA. A pesquisa do Facebook citada na matéria foi realizada em 2019 para saber como as pessoas descobrem e planejam a ida a shows. Trata-se da Concerts Consumer Journey Study” da Kantar Profiles, pesquisa on-line encomendada pelo Facebook com 505 entrevistados com mais de 18 anos, Brasil, julho a novembro de 2019), está disponível aqui.

/ MUDANÇA DE PLANOS. O SIM chegou a fazer um levantamento da maioria dos festivais — presenciais — que aconteceriam em 2020. Foi num distante e imaginário janeiro de 2020. Matéria do DESTRUTOR aqui.

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