Miranda sobre música:
Nada nesse mercado tem regra, e artista é a coisa mais infernal que se tem para aguentar nessa vida. Tratar e cuidar de pessoas assim é uma evolução na vida, e mesmo com tanto nego passando na minha mão, eu ainda não sei de toda a parada.
Eu costumo escutar o que traz algo novo mesmo sendo velho.
Não vou ser enganado, mas se for bom, o negócio vai conquistar.
Sou curioso, o que me amolece também.”
Mais conhecido pelo grande público como jurado em vários programas de calouros — Ídolos, Astros e Qual é o Seu Talento? — o jornalista e produtor musical Carlos Eduardo Miranda era desbocado e despreocupado com convenções, e conhecia e analisava a cena da indústria fonográfica como poucos.
Escreveu sobre música e ajudou a criar música. Dono de verborragia invejável, era engraçado e critico de si mesmo.
E foi peça chave na construção de vários novos sons de artistas famosos na música dos anos 90. Bati um papo com ele em outubro de 2017, por conta do Festival Febre, que rolou em Sorocaba-SP.
Miranda morreu em 22 de março de 2018, após sofrer um mal súbito em sua casa, localizada em São Paulo, um dia após seu aniversário de 56 anos.
MUITO resumidamente: gaúcho, Miranda ajudou várias bandas locais (como DeFalla, Replicantes, Garotos da Rua e TNT), até decidir vir para São Paulo, no final dos anos 80.
Participou de um tributo ao mutante Arnaldo Baptista. Ajudou na produção do álbum Sanguinho Novo, enquanto fazia bicos como técnico de som e resenhava filmes pornô para a revista SET, especializada em cinema.
Miranda comandou o selo Banguela Records junto ao Titãs, usando a grana obtida para lançar diversas outras bandas que formaram o cenário musical de rock nos anos 90, como Raimundos, Mundo Livre S/A, Maskavo Roots, Little Quail e Graforreia Xilarmônica.
Assim, foi o produtor do primeiro disco da Graforréia e dos Raimundos, botou o Skank na roda, empresariou como estepe o Sepultura, produziu discos do O Rappa, Otto, Virgulóides, Blues Etílicos, Cordel do Fogo Encantado, Cansei de Ser Sexy, Móveis Coloniais de Acaju, MQN, Mundo Livre SA e diversos outros.
Foi jornalista da Bizz, revista que cobria música no Brasil, e criou e dirigiu o site Trama Virtual, uma rede de distribuição online de artistas independentes por MP3, uma iniciativa anterior ao MySpace, um dos primeiros casos bem sucedidos de música na internet no Brasil — o Cansei de Ser Sexy nasceu aqui.
No Febre, quis saber que músicas ele escutava e o que pensava a respeito de onde a música como negócio ia parar.
Miranda, o que você escuta e aonde?
Mais prático ouvir no celular. Eu acumulo muita tralha, velho, não tenho mais espaço pra guardar minhas coisas.Escuta esses malucos que fazem música vietnamita. Escuta esse cantor de rap aqui. Olha essa mina. Agnes Obel, Fernando Ribeiro, Brian Eno, Petra Haden, Filta Frekz, The Clash, Genesis, Talk Talk, Pet Shop Boys, Tim Bernardes, Paul Anka, Gaby Amarantos, Paulo Miklos.
(Miranda usa Apple Music para ouvir música, enquanto trabalha e está em casa sem fazer nada.)
“Mentira que eu não faço nada, faço coisa pra caralho, a diferença é que estou sempre ouvindo música“.
Como um músico, sem o amparo de uma arquitetura empresarial ou de uma gravadora, pode conseguir aparecer?
“Cada pessoa tem que ser como é, como quando a gente encontra as pessoas na rua, ser pé no chão, e ir até onde conseguir enxergar, velho. Ser leve. A dureza na vida acontece para temperar. Se você acha que quer ser músico, então seja. Se quiser ganhar dinheiro, então faça um curso técnico, tem Senai aqui não tem? (Sorocaba). Porque uma coisa não anda de mão dada com a outra. O lance é ter tesão com o que quer fazer. E fazer. Fazer sem focar em outra coisa que não seja seu tesão. E de tanto fazer, uma hora a coisa acontece. É assim para todo mundo, para todas as coisas. E se você quer ganhar dinheiro, então tem que fazer o que o mercado quer, não o que te dá tesão. Escolhe aí, mano.”
Carlos Eduardo Miranda fazia (sem querer e por querer) um livre exercício mental de criatividade para a construção de uma carreira profissional na música, com muito cinismo e um otimismo realista da qual é difícil não dar o braço a torcer.
Quando questionado a respeito de como alunos de um curso de produção fonográfico podiam se inserir no mercado de trabalho, ele não titubeou quando falou para mentir.
“Minta. Mas minta sabendo o que diz e sabendo fazer. Eu fiz muito isso, o mundo sempre corre mais rápido do que podemos acompanhar, mas você tem que estar sempre arrumadinho. E eu me arrumei muito fazendo isso.“
Miranda participou no dia 7 de outubro de 2017 um painel de música chamado “A Mitológica Produção Musical“, na unidade do SESC-Sorocaba, como parte dos eventos que o Festival Febre fez acontecer na cidade. Na ocasião, ele estava acompanhado dos também produtores Gustavo Ruiz e Gui Jesus.
Miranda e seu trabalho na música
O Febre recebeu em 14 palcos espalhados pela cidade nomes como Tiê, O Terno, Karina Buhr, Tulipa Ruiz, Deaf Kids, Linn da Quebrada, Craca e Dani Nega, Leptospirose, LeãoCaçapa e muitos outros.
Convidados como Bruna Veloso, Fabiana Batistela e Pena Schimdt e outros debateram em 6 painéis, 3 workshops e 1 mini curso, ao mesmo tempo que as feiras de arte e música aconteciam no Sesc.
O mais recente trabalho de Miranda, antes de seu falecimento, foi em Manaus. Os cantores Anne Jezini, Natália Matos e Victor Xamã subiram ao palco do Teatro Amazonas, na primeira edição do Filomedusa Festival.
A cantora paraense Natália Matos foi a primeira se apresentar, sob direção musical assinada pelo produtor.
Em dezembro de 2018, a SIM São Paulo produziu um vídeo que reuniu diversas personalidades da música que trabalharam com Miranda.
Pessoas como Rafael Ramos (produtor), André Forastieri (jornalista), Gabriel Thomaz (Autoramas), Samuel Rosa (Skank), Digão (Raimundos) e muitos outros deram depoimentos.
O vídeo passou na cerimônia da segunda edição do Prêmio SIM 2018, no CCSP.
/// SEM DENTES. Faça um favor a si mesmo nessa quarentena: procure e assista Sem Dentes: Banguela Records e a Turma de 94. Documentário dirigido pelo jornalista Ricardo Alexandre, que narra a história por trás do rock nacional no começo dos anos 90, destrinchada por alguém que presenciou e reportou a cena toda. Tem depoimentos de vários artistas, gente que estava no palco e fundo, da indústria e de outros jornalistas também. Um dos focos é a Banguela Records, selo criado pelo Miranda, uma das últimas respiradas criativas que o gênero teve.
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