No vasto universo dos quadrinhos da DC Comics, temos um personagem que desempenha um papel crucial na supervisão e vigilância dos seres superpoderosos — em meio a muitos outros, como Sargento Steel e Amanda Waller –, e ele é o menos famoso e mais misterioso Bones, ou Diretor Bones, como ficaria mais conhecido.
Ex-supervilão com um temível poder de toque da morte, ex-super-herói, sempre falando por rimas e fumando, e agora um verdadeiro Homem de Preto dentro do universo da espionagem, sempre engravatado e ainda fumando, sua aparência esquelética fazem dele um personagem único nos quadrinhos. É como se ele liderasse um Arquivo X dentro da DC Comics.
À frente do Departamento de Operações Extranormais (DEO), o Diretor Bones é responsável por manter o equilíbrio e a segurança em um mundo onde indivíduos com habilidades extraordinárias de roupas coloridas que caminham entre os humanos comuns combatendo o crime no fantástico e perigoso Universo DC.
O Diretor Bones é o tipo de personagem que representa o poderoso aparato estatal de controle e regulação — tal qual Waller e Steel. Os escritores da editora DC Comics usam esses tipos de personagens em diferentes contextos de escala de poder nessa equação e outras organizações similares, mas Bones permanece no comando do DEO quase sempre.
Sua posição como líder dessa organização o coloca no centro da conexão entre a supervisão dos superpoderosos e o complexo industrial-militar dos Estados Unidos.
Esse trabalho de supervisão e monitoramento vai de encontro ao que fazem outras organizações secretas governamentais que operam pelo Universo DC, como a Agência (o primeiro órgão a fazer esse tipo de trabalho, criado pela ex-super-heroína russa Valentina Vostok, a Mulher-Negativa), Força Tarefa X (que coordena as operações do Xeque-Mate — herdeiros da extinta Agência –, grupo de operativos e agentes secretos, baseados hierárquica e visualmente nas peças de xadrez, e o Esquadrão Suicida, o grupo de criminosos black-ops que os Estados Unidos empregam em missões sigilosas, quase sempre comandados por mão de ferro por Amanda Waller) e o Departamento de Assuntos Metahumanos, do Sargento Steel, algo um pouco mais próximo da realidade civil e no contato “amistoso” com os super-heróis, mais ou menos como a S.H.I.E.L.D., da Marvel Comics, comandada pelo velho herói de guerra e superespião Nick Fury — sendo que Steel lembra demais ele também, tanto em modos como visual.
Aparentemente, para ter esses cargos, é preciso fumar cigarros e charutos: Fury, Steel e Bones o fazem (Waller não).
O DEO, sob a liderança do Diretor Bones, tem a missão de monitorar, controlar e proteger tanto os seres superpoderosos quanto os cidadãos comuns. Sua agência está envolvida em atividades de investigação, inteligência e aplicação da lei relacionadas a qualquer ameaça extranormal. Isso inclui desde ações de supervisão de indivíduos com poderes extraordinários até o combate a organizações criminosas e ameaças globais.
No decorrer das histórias apresentadas por diversos autores que usaram o Diretor Bones no Universo DC, Bones trabalhou com vários personagens, mais notavelmente a Sociedade da Justiça (primeira equipe de super-heróis da DC), a Justiceira (nome dado na tradução BR para Manhunter, a identidade heróica de Kate Spencer, herdeira do manto dos Caçadores — Paul Kirk e Mark Shaw –, sendo que Caçadora seria um nome muito mais adequado, a despeito de ser igual a outra personagem da DC, relacionada ao Batman) e a Batwoman, essa última levada às vias de fato.
No entanto, a conexão entre a supervisão dos superpoderosos e o complexo industrial-militar dos EUA é complexa e muitas vezes controversa. Por um lado, a vigilância é considerada essencial para garantir a segurança e proteção da sociedade contra indivíduos com poderes que podem ser usados para o bem ou para o mal.
Por outro lado, a supervisão excessiva e o controle estatal levantam questões sobre os direitos individuais e a liberdade. O poder conferido ao Diretor Bones e ao DEO pode facilmente ser utilizado para fins políticos ou para restringir a autonomia dos seres superpoderosos, limitando seu potencial para ajudar a humanidade.
Dada sua extravagante aparência (herdeira direta de sua origem pré-Crise nas Infinitas Terras), com a pele e órgãos transparentes (!), com o esqueleto à mostra (!), a figura caveirosa de Bones (“ossos” em inglês) remete diretamente à morte.
Logo, ele é o personagem menos indicado para interações pessoais com autoridades civis. O que explica a preferência de diversos autores em usar figuras humanas convencionais como Amanda Waller e Steel nessas posições de poder.
O papel do Diretor Bones como uma figura de autoridade em um contexto mais underground é crucial para explorar e examinar essas questões complexas. Sua liderança no DEO representa nem sempre representa um ponto de equilíbrio entre a necessidade de segurança e controle e a garantia dos direitos e liberdades individuais.
Operações sigilosas e escusas e até mesmo assassinatos (e tentativas de) acontecem sob seu comando. E é exatamente isso que ocorre nas aparições do Diretor Bones nos quadrinhos da DC Comics, como a Justiceira e a Batwoman puderam comprovar.
Mesmo assim, as histórias com ele produzidas nos convida a refletir sobre a necessidade de equilíbrio, transparência e responsabilidade na supervisão daqueles que possuem habilidades além do comum.
A origem secreta de Robert Todd, o Mister Bones
O personagem apareceu pela primeira vez em Infinity, Inc. #16 (1985), como Mister Bones, e foi criado pelos roteiristas Roy Thomas e Dann Thomas, com arte de Todd McFarlane. Roy já era uma lenda na época, o sucessor de Stan Lee como editor da Marvel, no auge da popularidade dos personagens, no fim dos anos 1960 e 1970.
Uma vez na DC, começou a recuperar os antigos personagens da Era de Ouro dos Quadrinhos (1939-1961). Isso incluiu criar um título para os filhos, afilhados e associados dos membros da Sociedade da Justiça. Nasceu assim, a Corporação Infinito.
Já Todd McFarlane ainda era um desenhista novato, e que trilharia um caminho de sucesso na Marvel Comics quando pegasse o Homem-Aranha para desenhar. Ele literalmente mudaria os rumos da indústria de quadrinhos de super-heróis quando criou, junto com outros artistas, a editora Image Comics, que ditou o jeito de enxergar, vender e produzir quadrinhos de super-heróis.
A maior criação foi de McFarlane foi Spawn, o Soldado do Inferno, que estreou em Spawn #1, de 1992. Você pode ver a imagem abaixo. E também ver uma ilustração do artista para o Mr. Bones publicada em Who’s Who: The Definitive Directory of the DC Universe Update ’87 #4 (1987).
Como se nota, o traço do artista já queria chegar em sua criação máxima. Vejam essa página de Infinity, Inc. #28 (1986), de McFarlane.
Thomas e McFarlane criaram Mister Bones originalmente como supervilão, parte da equipe Helix, criminosos que antagonizavam a Corporação Infinito. Seu poder era o toque de cianeto (uma perigosa substância química real), que matava qualquer um na hora. Sem poder encostar em ninguém, o personagem já vivia um dilema interno significativo.
Seu traje é baseado em Black Terror, ou Terror Negro, um clássico personagem dos quadrinhos americanos da Era de Ouro, e que caiu em domínio público. Ele é um super-herói que apareceu pela primeira vez na revista Exciting Comics #9, publicada pela Nedor Comics em janeiro de 1941, criado por Richard E. Hughes e Don Gabrielson.
Na origem de Bones, como tantas na cultura pop, temos um cientista louco. Dr. Benjamin Love era um ginecologista que injetou uma droga experimental mutagênica em 6 mulheres grávidas. Todas elas tiveram nenês com superpoderes (o que, em teoria, os torna mutantes, tal qual na Marvel Comics). O médico as sequestra e cria todas como se fossem seus filhos (!), até que eventualmente, quando adolescentes, descobrem suas verdadeiras origens, graças a um diário que o dr. mantinha.
O jovem Robert Todd (vale destacar também que ele é um rapaz negro) aparentemente mata o médico com seu poder de toque de cianeto. Ele também é superforte. Todd, junto com os outros — Penny Dreadful, Tao Jones, Kritter, Baby Boom e Arak Wind-Walker — decidem criar um grupo chamado Helix, baseado no que vinham de propaganda de super-herói que assistiam na TV — no caso, a Sociedade da Justiça.
Mas eles não agiriam por heroísmo. Em um primeiro momento, sequestram Lyta Hall, a Fúria (filha da Mulher-Maravilha), da Corporação Infinito, para tentar algum dinheiro. As duas equipes se enfrentam e outras lutas acontecem, com direito a nova Pantera (Yolanda Montez) descobrir que também fazia parte do projeto Helix, que agora tinha um novo membro, seu primo, Carcharo (em um mood tubarão).
Mr. Bones é preso mas consegue salvar seus amigos, e depois é libertado pelo Dr. Love (que ainda estava vivo, já que implorou por sua vida no último encontro com Bones). Carcharo considera isso uma traição e sequestra Bones.
Na luta que se segue, Carcharo é esfaqueado, mas arranca a perna de Bones (!) em uma mordida. Mas claro, pra isso, tocou a pele de cianeto do rapaz, e morre envenenado. O restante da equipe do Helix se deixa capturar para garantir atendimento médico para Bones, que acaba por receber uma perna biônica da Doutora Meia-Noite (Dra. Beth Chapel), de quem fica amigo.
No decorrer de várias edições da revista, os membros do Helix são colocados sob cuidados médicos, e Bones acaba de fato integrado às fileiras da Corporação Infinito, tomando parte em algumas aventuras, até um acontecimento trágico interromper essa trajetória de super-herói do personagem.
Durante o casamento de Hector Hall (filho do Gavião Negro) e Lyta, a vilã Arlequina (Marcie Cooper, filha de Dan Richards, um dos primeiros Caçadores da DC, e segunda a assumir o nome de Arlequina, depois de Molly Mayne), invade o casamento, junto com um suscetível Solomon Grundy (o Frankenstein pré-Hulk da DC).
E ambos forçam Bones a matar o herói Sideral (Sylvester Pemberton) com seu toque mortal. O personagem foi co-criado por Jerry Siegel, um dos pais do Superman.
Devastado pela culpa, Bones, ferido pelos vilões, busca ajuda da Dra. Meia-Noite, e deixa a Corporação, ao mesmo tempo que o Dr. Love reaparece e retoma o controle de seus “filhos”, reativando o Helix. A primeira missão era matar Bones, mas eles se recusam. Bones acaba ficando do lado da Corporação, e o Helix acaba matando seu “criador”, num esforço para criarem identidade própria.
Mas Bones não tinha mais lugar no Helix, e mesmo com a Corporação entendendo que a culpa da morte de Sideral não foi dele, ele se recusa a retornar. E assim, Robert Todd, o Mister Bones, mergulha nas sombras. Aliás, Infinity, Inc. #53 (1988), é a última edição do título.
Todas essas histórias ocorreram em contextos pré e pós-Crise nas Infinitas Terras, a megassaga editorial e comercial da editora DC Comics lançada em 1986 para reformular suas revistas e seu (multi) universo.
Mais de 50 anos de cronologia foram revistos e diversos personagens e conceitos sofreram um reboot, a fim de despertar interesse em novos leitores e criar um novo gancho comercial para os títulos. Vários personagens começaram do zero, como a Mulher-Maravilha. Sua filha Lyta? Nunca nem existiu. Nisso, Bones ficou literalmente nas sombras, esquecido.
Diretor Bones
No mesmo ano que a revista da Corporação Infinito acabou, a DC Comics promoveu a saga Conspiração Janus (1988), um crossover de quadrinhos de 11 partes escrita por John Ostrander, Kim Yale, Paul Kupperberg, Cary Bates e Greg Weisman, espalhada por diversos títulos, como Esquadrão Suicida, Xeque-Mate, Caçador (Mark Shaw), Capitão Átomo e Nuclear. Na trama, o líder da organização terrorista Kobra joga todas as agências secretas americanas contra elas mesmas, a fim de destruí-las.
No final da saga, por conta dos confrontos das agências, o (então) presidente George Bush (pai) reorganizou todas elas. Entre suas várias decisões, Bush dissolveu a Força Tarefa X (que gerenciava o Xeque-Mate e Esquadrão Suicida), e promove o Sargento Steel para a alta cúpula no controle de todas as agências, que agora operam sob seu comando, no que viria a ser conhecido como o Departamento de Assuntos Meta-humanos, somente nomeado assim anos depois, na revista do Capitão Marvel, em The Power of Shazam! #15 (1996).
Dois anos depois, o Departamento de Operações Extranormais (The Department of Extranormal Operations – D.E.O., no original) faz sua primeira aparição em Batman #550 (1998), escrita por Doug Moench, nas artes de Kelley Jones e J.H. Williams III.
Também é a primeira aparição da agente Cameron Chase, que vem com uma espécie de slogan: “Ela caça a presa mais perigosa do mundo” (tradução livre da frase da capa abaixo), algo similar ao que já vimos no lore dos Caçadores Paul Kirk e Mark Shaw.
Um cientista da organização, Dr. Peter Malley, consegue uma amostra da pele do Cara de Barro (Cassius Payne) para o DOE. Mas a amostra acaba tomando controle do seu corpo, e agora temos o sexto Cara de Barro aterrorizando Gotham City.
Uma agente é designada para deter o monstro, e claro que ela bate de frente com o Batman, e é a Cameron. Ela é esperta e sagaz, e definitivamente não tem paciência para criaturas superpoderosas com roupas coloridas e delírios de combatentes do crime. O diálogo dela com o Batman abaixo é muito bom nisso.
Enquanto tudo isso acontecia, em algum momento ainda não-revelado, Bones decidiu parar com suas ações heroicas (ou criminosas) e se tornou um burocrata na escalada de poder político em Washington, até alcançar os escritórios desse tipos de operações secretas (como? a DC nunca explicou).
Ainda em 1998, a DC lançou o título Chase, escrito por D. Curtis Johnson, com arte de J.H. Williams III. A série acompanha a agente Cameron Chase vista em Batman #550 em suas missões como agente do Departamento de Operações Extranormais, investigando os meta-humanos da DC.
A série é muito boa ao mostrar o submundo da espionagem do Universo DC, mostrando com riqueza de detalhes o monitoramento e vigilância que o DOE faz. Como já dito, é como se fosse o Arquivo X dentro do Universo DC.
Depois de sua primeira missão, onde tem que encontrar um rapaz com perigosos poderes meta-humanos incendiários, Chase conhece Amanda Waller, que fica interessada no bom trabalho que a agente está fazendo, que acaba sendo designada para uma missão de black-ops no Peru junto com o Esquadrão Suicida.
Até que enfim conhece o diretor da agência da qual trabalha. E finalmente em Cameron Chase #4 (maio de 1998), temos a primeira aparição de Bones como Diretor Bones, do DOE.
No decorrer do título, Chase enfrenta outras ameaças, encontra os Titãs, é obrigada por Bones a tentar descobrir a identidade do Batman, entre outras missões. Foram 9 números, sendo que o décimo e último foi parte da saga DC Um Milhão.
JSA Secret Files and Origins #1 (1999) tem várias histórias e segredos da Sociedade da Justiça, e o mesmo escritor D. Curtis Johnson e o artista J.H. Williams III no argumento, com arte de Rick Burchett, entregam esse diálogo a respeito de como Bones conseguiu tal feito. Mais pra frente, a DC estabelece inclusive que o Departamento de Assuntos Meta-humanos é uma subdivisão do DOE, apesar de ter aparecido antes.
DC Files Secret Files and Origins Year 2000 Special também é uma edição especial no mesmo estilo e o escritor Scott Beatty já mostra esse mood de Bones.
A partir daí, o Diretor Bones apareceu outras vezes na revista da DC. Na nova revista da Sociedade da Justiça, conduzida pelo roteirista Geoff Johns, ele aparece em JSA #6 (2000), depois nas edições #11-12, 21 (onde Bones visita o túmulo de Sylvester Pemberton), 45 e 52.
Sua primeira missão foi liderar uma equipe da Sociedade da Justiça para deter uma ameaça da organização terrorista Kobra na Ilha Blackhawk, que na verdade tinha sido provocada pela própria DEO.
Em Martian Manhunter #17 (2000), escrita por John Ostrander (o arquiteto narrativo do Esquadrão Suicida) apareceu até na capa (arte de Tom Mandrake), pedindo ajuda de J’onn J’onzz, o Caçador de Marte, para um caso.
E em The Titans #30-31 (2001), o escritor Jay Faerber faz uma história dos Titãs tentando ajudar crianças meta-humanas que fugiram de um orfanato do DOE, o que proporciona esse diálogo ótimo no fim da aventura, entre o Asa Noturna e o Diretor Bones.
Em Green Arrow #22 (2003), escrita por Scott Beatty, com arte de Phil Hester, temos uma das melhores histórias do Diretor Bones, com o Arqueiro Verde/Oliver Queen, o vilão Conde Vertigo e um agente do DEO, que tem um final trágico.
Até que chegamos nas mais relevante participação do Diretor Bones na continuidade do pós-Crise nas Infinitas Terras.
Diretor Bones, Justiceira e Cameron Chase
Kate Spencer, uma advogada determinada, torna-se Justiceira com o objetivo de fazer justiça contra os supercriminosos que escapam do sistema legal. No entanto, sua abordagem mais sombria e implacável a colocou em conflito com o Diretor Bones e o DEO. Enquanto Kate procura impor sua própria visão de justiça, o Diretor Bones a considera uma ameaça e tenta detê-la.
Ao longo do título Manhunter, lançado em 2004, e escrito por Marc Andreyko e ilustrado por Jesus Saiz, vemos o embate entre Kate e o Diretor Bones, com cada um defendendo sua própria visão de justiça. Essa dinâmica entre Kate e o Diretor Bones foi a que melhor refletiu a tensão entre o indivíduo que busca fazer justiça por conta própria e a supervisão governamental dos seres superpoderosos.
Enquanto Kate questiona a eficácia e a corrupção do sistema legal, o Diretor Bones representa a estrutura de controle e vigilância estabelecida pelo Estado.
Bones aparece em 11 edições da revista, e o ponto alto acontece nas edições #20-25 (2007), com Kate Spencer e Cameron Chase, que eram antigas colegas de faculdade, são forçadas a trabalharem juntas em uma missão que envolve o assassinato do irmão de Cameron. Essa colaboração revela ainda mais as diferenças de visão de trabalho entre os dois personagens.
Nisso, a agente Cameron ganha mais relevância ainda, dada a sua proximidade com Bones. A correlação entre as visões de trabalho dela e o Diretor Bones é marcada por uma divergência fundamental na abordagem da supervisão e vigilância. Ela questiona a eficácia do sistema e acredita na importância dos indivíduos agirem por conta própria em busca da justiça.
Essas diferenças de visões colocam Cameron Chase e o Diretor Bones em constantes conflitos e desafios, pois cada um acredita em métodos e abordagens distintas para lidar com seres superpoderosos e suas atividades. Essa tensão entre a vigilância estatal e a autonomia individual contribui para a complexidade da narrativa e exploração desses personagens nos quadrinhos da DC Comics.
Na saga Crise Final (mais uma tentativa de reboot da DC, que não deu certo), Bones é visto morto junto com a Mulher-Negativa e outros membros da comunidade de espionagem do Universo DC em um dos inúmeros ataques que Darkseid promove na Terra durante a trama.
A última aparição do Diretor Bones antes dos Novos 52, reboot que jogou fora dessa vez 80 anos de cronologia de histórias da DC, foi em Justice Society of America #27, onde aparece vivo e aparentemente bem, conversando com seu velho amigo Esmaga-Átomo (Al Rothstein), da Sociedade da Justiça.
Bones liga para a Agência de Paz Global depois do encontro, outra organização secreta da DC, essa muito mais ampla em termos de escopo, pois atua de maneira dimensional e temporal (!).
Diretor Bones e Batwoman
Na nova realidade dos Novos 52, que ignora praticamente por completo o que foi feito no Pós-Crise, Bones é mostrado como Diretor Bones ainda, e manteve seu mood visual e poderes — diferente dos seus similares Sargento Steel e Amanda Waller, que passaram por diversas revisões (Amanda chegou a deixar de ser gorda para ser uma ex-militar gostosona genérica).
Quando Batwoman, também conhecida como Kate Kane, emerge como uma heroína em Gotham City, sua presença e métodos únicos chamam a atenção do Diretor Bones, por suspeitas de ligação com uma célula terrorista.
Bones apareceu em 15 edições da Batwoman, um título sensacional escrito por W. Haden Blackman, com ajuda de J.H. Williams III, desde o número #1, de 2011. Williams também faz os desenhos aqui, e é o artista que mais trabalhou com o Diretor Bones.
A correlação entre o Diretor Bones e a revista Batwoman se desenvolve por meio dos conflitos e interações entre os dois personagens, tal qual foi com Kate Spencer, a Justiceira. De novo, o Diretor Bones representa a vigilância e o controle estatal, enquanto Batwoman personifica a luta pela justiça e a proteção da cidade contra ameaças super-humanas.
No decorrer da história, a relação entre o Diretor Bones e Batwoman é marcada por desconfiança mútua e tensão. Enquanto o Diretor Bones busca impor a autoridade do DEO e manter a segurança da cidade, Batwoman defende a ideia de que os vigilantes e heróis têm um papel fundamental a desempenhar na proteção da comunidade.
Para isso, ela conta com a ajuda de Cameron Chase, que permaneceu como agente da DOE depois do reboot.
O embate da Mulher-Morcego e o Diretor Bones escalona a ponto do cara sequestar a irmã da heroína (!), chantageá-la para revelar a identidade do Batman (!!), e até mesmo tentar matar a moça (!!!), mesmo achando que era irmão dela (!?). No fim de um longo run, ele acaba baleado na cabeça e fica à beira da morte.
Destaque para Batwoman #24 (2013), com Bones vs Batman vs Batwoman. O Diretor Bones também interagiu com o jovem Besouro Azul, nas edições #10-12 (2012), escrito por Tony Bedard, inclusive aparecendo na capa.
O diretor quer analisar melhor o jovem herói Jaime Reyes (que apareceu recentemente no Universo DC, pouco antes dos Novos 52) e o acossa para que trabalhe para o DOE.
Depois do Renascimento, mais um soft reboot ocorrido em 2016, Bones apareceu em 6 edições da Supergirl (#13, 15-17, 19-20, 2017-2018), escritas por Steve Orlando, com ele acossando a heroína com o DOE, que de início procurou a organização, por meio de Cameron Chase, para tentar recuperar seus poderes.
No fim, a Supermoça consegue expor as atividades excusas do Diretor Bones.
Mas ainda não foi o fim dele. O Diretor Bones tornou a aparecer ainda operando o DOE na saga Evento Leviatã (2019), escrita por Brian Michael Bendis, o roteirista superstar da Marvel, agora na DC, e desenhada por Alex Mallev.
Na trama, o vilão Leviatã, secretamente Mark Shaw, outrora Caçador, coopta diversos agentes e militares, forma um país de mesmo nome, tudo para lançar uma ofensiva brutal para destruir todas as agências secretas de espionagem do Universo DC de então: A.R.G.U.S. (essa sim, bem mais parecida com a S.H.I.E.L.D., da Marvel), Spyral, Cadmus e o DOE.
Nisso, Bones é um dos poucos sobreviventes do massacre. Sua intenção era criar uma tábula rasa para os super-heróis operarem, sem supervisão e segredos sombrios de autoridades governamentais.
Na zona que estava a continuidade pós-Renascimento, Bendis pouco esforço fez para esclarecer as incongruências de relações antes e posteriores de diversos personagens entre si. Bones não conhece Kate Spencer, que ainda é inexplicavelmente a Justiceira (ela não tinha aparecido nem nos Novos 52.
E todos parecem ter esquecido de Mark Shaw como Caçador: muitos de seus equipamentos e lore atribuídos à Spencer; longas relações com vários heróis, como a Liga da Justiça (em sua persona de vilão, como Star-Tzar e Mosqueteiro), Batman e Amanda Waller (inclusive como membro do Esquadrão Suicida).
Bendis reúne a nata dos personagens detetives e alguns militares e operativos de agências secretas para construir algo que lembra Conspiração Janus. Apesar de nenhuma das sagas serem brilhantes, elas entregam o que se espera de um thriller do tipo: ação, mistério, reviravoltas e muita espionagem.
O escritor continuaria com o mood de Evento Leviatã em um novo título do Xeque-Mate, Checkmate, de 2021, que durou 6 edições, com Bones como parte de uma equipe que tenta deter a ameaça persistente de Shaw. O nome do título se refere menos à reconstrução da organização e mais para o tipo de equipe reunida.
Bones é O Esqueleto, a Justiceira é a A Caçadora, Steve Trevor é O Coronel, Arqueiro Verde é A Flecha, Questão é…O Questão (sic), Lois Lane é A Verdade e Tália Al Ghul é o Ás na Manga. Eles são liderados por um misterioso homem chamado King (sem referências ao primeiro agente secreto da DC: King Faraday, de 1951 (precede o James Bond em 2 anos), um grande desperdício de Bendis.
No fim da pequena saga, Leviatã/Mark Shaw aparentemente morre, Tália reassume a organização/país, e King se revela como Kamandi, clássico personagem da DC Comics, criado por Jack Kirby nos anos 1970, de uma realidade futura distópica sem humanos e dominado por animais antropomorfizados (Kirby criou a trama em cima de uma HQ planejada originalmente para ser uma adaptação do filme Planeta dos Macacos).
No caso, King/Kamandi retornou no tempo para tentar impedir Shaw de dominar o mundo (ele seria a causa do apocalipse?). E no fim, Amanda Waller surge no fim da trama, e oficializa o Xeque-Mate com esses integrantes. Na época, o Xeque-Mate e a Liga da Justiça chegaram a trabalharem juntos (até porque o Arqueiro Verde era líder da Liga também).
Mas ninguém levou a ideia de Bendis adiante. E em mais uma pífia tentativa de reorganizar o seu universo, a DC Comics promoveu a saga Infinite Frontier em 2021, publicada em 7 edições (o Diretor Bones aparece em 6 delas).
E o Diretor Bones tem a sua maior relevância em toda a sua trajetória aqui, numa saga escrita por Joshua Williamson e desenhada por Xermanico. Além dela, Bones é a estrela principal do spin-off Infinite Frontier: Secret Files, escrita por vários autores e desenhada por vários artistas. Vemos aqui Bones analisando e comentando sobre vários meta-humanos que participam dos eventos da saga principal.
Infinite Frontier veio depois da saga Dark Nights: Death Metal, onde vimos a queda da Muralha da Fonte, algo que fazia o limite do multiverso conhecido da DC Comics. A saga apresenta uma entidade acima desse limite (e de poder) chamada Perpetua e a ideia de um omniverso acima do multiverso DC que já conhecemos.
Houve ainda a tentativa de destruir esse multiverso e a substituição dele por uma versão corrompida pelo Batman que Ri, empoderado pela toda força do Dr. Manhattan, que desde a saga Doomsday Clock (2018) faz parte do Universo DC. Foi preciso o esforço dos heróis e a versão mais poderosa da Mulher Maravilha para deter tudo isso.
A intenção, no fim, foi para para tentar mais uma vez integrar os velhos conceitos, personagens e temas do Universo Pré-Crise nas Infinitas Terras (primeiro multiverso), pós-Crise (segundo multiverso, graças a saga Zero Hora, outro soft reboot, mais o Hipertempo, conceito de fluxo temporal ), Crise Infinita, com o nascimento de 52 (terceiro multiverso, graças a saga de mesmo nome, com 52 Terras), Os Novos 52 (terceiro multiverso), Renascimento (mais um multiverso? o quarto? Já me perdi. Ele trouxe conceitos do Pré-Novos 52, mas não TUDO do pós-Crise. Entendeu? Eu também não) e Doomsday Clock, ligado aos dois últimos, que era para ter sido um reboot considerável de tudo, mas que também não deu certo. Por certo, é impossível saber o que é canônico e o que não é.
Em Infinite Frontier, o Diretor Bones (de qual Terra? qual cronologia?) é mostrado na saga convencido que agora que o Multiverso (qual?) é de conhecimento mundial da população da Terra do Universo DC, o trabalho de supervisão e monitoramento dos meta-humanos ficará praticamente impossível. Mesmo assim, ele quer tentar. E pede ajuda de Cameron Chase.
No decorrer de Infinite Frontier ficamos sabendo que as oscilações temporais-dimensionais da enorme zona que se tornou o Universo DC está alcançando níveis críticos, como podemos ver no próprio Bones e sua discussão com os heróis da Sociedade da Justiça abaixo.
Bones faz um acordo escuso com o Novo Deus maligno Darkseid para tentar proteger a Terra das várias mudanças ocorridas pelas diversas Crises (passadas e vindouras): entregar todos os super-heróis e meta-humanos para o vilão. Mas Cameron Chase se nega e atira na perna de Bones.
No fim da saga, Darkseid teleporta todos os heróis para suas respectivas Terras, e Bones (lembrando que não se sabe de qual Terra) é mandado para a Terra Prime, conceito que integra o Universo DC, o falecido selo Vertigo e o selo Wildstorm (esse já integrado ao Universo DC, ou ao menos com personagens-versões deles lá).
É. Parece confuso, e é mesmo. Mesmo sendo leitor de quadrinhos de super-heróis há mais de 30 anos, não consigo entender, quanto mais explicar.
E agora chegamos em um ponto crítico em que a criatividade morre por si pela exaustão de uso desses conceitos.
No vasto multiverso da DC Comics, onde uma infinidade de mundos e realidades existem, a ideia de vigilância e monitoramento de seres superpoderosos pelo complexo industrial-militar americano se torna questionável e incoerente.
Essa abordagem, que pressupõe a necessidade de controle em apenas um mundo, perde sua relevância quando consideramos a existência de múltiplos universos com suas próprias dinâmicas e ameaças únicas.
Em um multiverso, cada realidade tem suas próprias versões de super-heróis e supervilões, com poderes e habilidades distintas. A presença desses seres pode variar de um mundo para outro, tornando o alcance da vigilância e do monitoramento altamente limitado.
O simples fato de existir uma infinidade de realidades com diferentes configurações de poderes desafia a eficácia de um sistema de vigilância centralizado em apenas um mundo.
Além disso, a diversidade de ameaças existentes em um multiverso amplia a complexidade da vigilância. Cada realidade pode ter suas próprias crises, conflitos interdimensionais e perigos específicos.
O foco exclusivo em um mundo e a crença de que a supervisão do complexo industrial-militar pode abranger todo o multiverso é simplista e desconsidera as peculiaridades de cada realidade.
Outro aspecto importante é a autonomia dos mundos e seus habitantes. Cada realidade do multiverso possui seu próprio conjunto de governos, agências de segurança e organizações de proteção. Essas entidades são responsáveis por lidar com os seres superpoderosos e as ameaças que surgem em suas respectivas realidades.
A imposição de um sistema de vigilância globalizado do complexo industrial-militar sobre essas realidades seria uma violação da soberania de cada mundo e uma intromissão injustificada.
É importante reconhecer que o multiverso da DC Comics é um espaço de criatividade e exploração de possibilidades.
Mas a ideia de um sistema global de vigilância sobre seres superpoderosos em um multiverso contradiz a própria essência do multiverso, que busca abraçar a diversidade e a liberdade criativa em cada realidade.
E essa narrativa e argumentação é diluída não apenas pelos autores usando Bones dessa maneira, mas até em Amanda Waller, que atualmente promove uma caça aos meta-humanos do Universo DC, com o Pacificador e o Esquadrão Suicida como ponta de lança.
Bones e o DOE em outras mídias da DC/Warner
Bones apareceu em ao menos um produto audiovisual da Warner, a casa-mãe da DC Comics, mas o Departamento de Operações Extranormais apareceu várias outras mídias.
O Diretor Bones apareceu em alguns episódios do seriado da Stargirl (2020-2023), a jovem heróina chamada Courtney Whitmore, chamada na tradução BR de Sideral. Ela é enteada de Pat Dugan, o parceiro do Sideral original, Sylvester Pemberton, aquele mesmo que Mister Bones foi forçado a matar nas HQs da Corporação Infinito.
A jovem encontrou os equipamentos do herói e acabou por fazer parte da Sociedade da Justiça. O seriado usa a personagem como protagonista e também tem diversos personagens da Sociedade da Justiça e outros relacionados — como o Bones, que tem voz do ator Keith David, ator de vários clássicos do cinema, como Enigma de Outro Mundo (1982), Platoon (1986) e outros.
Bones aparece em Summer School: Chapter Thirteen (02×13, 2021), onde é o diretor do Helix Institute for Youth Rehabilitation, e no arco duplo Chapter Seven: Infinity Inc. Part One e Frenemies – Chapter Eight: Infinity Inc. Part 2 (03×17 e 03×18, 2022), com Bones se envolvendo ativamente com os outros membros do Helix em confronto com a Stargirl e outros membros da Sociedade.
A outra “aparição” de Bones (só que não), aconteceu na 11ª temporada de Smallville, o seriado de TV que mostrava as aventuras de Clark Kent, antes dele se tornar Superman, mas que aconteceu exclusivamente no formato de quadrinhos digitais. Bones aparece como Mister Bones ao ser retratado como um dos membros do Shadow Pact, um grupo de superseres místicos, como Felix Fausto e John Zatara, que operou contra uma divisão nazista mística na Segunda Guerra Mundial. Eles acabam por ter contato com o Hades (!), o deus grego do submundo, que prometeu vida eterna para a equipe se eles o ajudassem a escapar de sua prisão.
Bones não cumpre esse acordo e é punido pela divindade: pele, órgãos e massa transparentes, menos o esqueleto. Tal qual como nas HQs, Bones se torna o Diretor Bones do DOE na continuidade dessa série. Ele depois é substituído por Steve Trevor, personagem militar do lore da Mulher-Maravilha. Essa HQ digital foi lançada em 2013 e escrita por Bryan Q. Miller, roteirista recorrente do seriado, e desenhada por Pere Perez.
Quem aparece em diversos produtos é o Departamento de Operações Extranormais. A começar nas telas de cinema, em Lanterna Verde (2011). O DOE é a organização a quem é entregue o cadáver do alienígena Abin Sur, o Lanterna Verde que morreu, para Amanda Waller (Angela Basset), a diretora da organização neste filme.
No mundo dos videogames, o DOE só apareceu no jogo Batman: Arkham Origins Blackgate (2013), produzido pela Armature Studios. O game é um spin-off da série Batman Arkham, e numa fase em que Batman e a Mulher-Gato precisam roubar dados sigilosos, é do DOE que eles pegam.
O DOE também aparece no seriado da Supergirl (2015-2021), sendo que a irmã adotiva da protagonista, Alex Danvers, é uma operativa cientista da organização, cujo líder aqui é o agente da CIA Hank Henshaw, que mais tarde se revela como J’onn J’onzz, o Caçador de Marte, clássico super-herói da Liga da Justiça. Bones não está na série, mas Cameron Chase sim, interpretada por Emma Caufield, e ela é agente do DOE.
Sua identidade assumida aqui é na verdade o nome do Superman Ciborgue, terrível vilão das histórias do Superman. Em episódios futuros, a própria Alex se torna diretora do DOE. A organização ainda foi mostrada nos diversos crossovers da série da Supergirl com suas séries irmãs do canal CBS/Warner, como Invasion! e Legends of Tomorrow.
De mais recente, o seriado Pacificador (2022) revela que a agente Emilia Harcourt (Jennifer Holland) era do DEO antes de ser agente da A.R.G.U.S., e isso faz com que o DOE exista dentro da continuidade (prestes a ser morta) do Universo Cinematográfico da DC (informalmente chamado de DCEU), também conhecido como o famigerado “Snyderverse“.
Obrigado por ler até aqui!
O Destrutor é uma publicação online jornalística independente focada na análise do consumo dos produtos e tecnologia da cultura pop: música, cinema, quadrinhos, entretenimento digital (streaming, videogame), mídia e muito mais. Produzir matérias de fôlego e pesquisa como essa, mostrando todas essas informações, dá um trabalhão danado. A ajuda de quem tem interesse é essencial.
Apoie meu trabalho
- Qualquer valor via PIX, a chave é destrutor1981@gmail.com
- Compartilhe essa matéria com seus amigos e nas suas redes sociais se você gostou.
- O Destrutor está disponível para criar um #publi genuíno. Me mande um e-mail!
O Destrutor nas redes:
- Instagram do Destrutor (siga lá!)
- Meu Twitter (siga lá!)
* Todas as imagens dessa matéria têm seus direitos
reservados aos seus respectivos proprietários, e são
reproduzidas aqui a título de ilustração.