O músico japonês Yuzo Koshiro é um dos grandes compositores de trilhas sonoras de videogames nos anos 80 e 90, e com seu trabalho na franquia Streets of Rage, garantiu seu nome no topo da indústria.
A sua contribuição na construção da cultura audiovisual foi importante para toda uma geração de gamers impactada por seu trabalho musical.
Se o Commodore 64, um videogame de 8 bits lançado em 1982, tinha jogos com compositores influenciados por rock progressivo e europop — que também movimentaram a cena de maneira relevante — Koshiro se encarregou de mostrar aos ouvidos da molecada dos anos 90 sons como breakbeat, electro, hardcore, house, jungle, techno, trance, hip hop, jazz e synthrock, tudo por meio de um cartucho plástico de circuitos integrados.
Techno e house chegarem aos ouvidos de crianças e adolescentes nas músicas de Streets of Rage, game de briga de rua lançado em 1991 pela Sega.
Ele usou as músicas que ouvia em clubes noturnos de Tóquio e de clipes da MTV como base.
Fã de new wave, dance music, technopop, música clássica e hard rock, Koshiro tem como artistas favoritos os californianos da banda de hard rock Van Halen, o grupo britânico de soul e reggae Soul II Soul, e Jeff Mills, produtor e compositor americano de techno.
Yuzo Koshiro tem dezenas de trabalho, mas a trilha de Streets of Rage é o norte de sua carreira. Ele é conhecido pelo título de Bare Knuckle no Japão
As ruas da música de Yuzo Koshiro
Segundo as próprias palavras de Yuzo Koshiro em um documentário sobre as trilhas sonoras de videogame produzido pela Red Bull.
Achei que se eu pudesse colocar isso nas músicas do jogo, eles ficariam muito felizes. Acho que foi a primeira vez que compus música priorizando o mercado ocidental ao invés do japonês. Eu sabia que o Mega Drive estava vendendo bastante nos EUA, a música club tocava constantemente na MTV. Então, eu sabia que eles adoravam (esses gêneros club e house).”
Yuzo Koshiro também revela que a Sega não especificou que tipo de música eles queriam para o game de Streets of Rage, então ele basicamente experimentou e mesclou tudo que ele gostava nas composições.
“Eu disse a eles que a música club definitivamente decolaria, e eu queria que [ela estivesse no game], daí fiz uma demonstração”, conta o compositor. Aos 20 anos, Yuzo teve a oportunidade de ir para Los Angeles, Estados Unidos, onde teve contato com a MTV americana, e a cultura das fitas-cassetes (K7), que comprou aos montes. Isso explica uma maior aproximação do músico com gêneros musicais que não eram populares no Japão, como house, club e techno.
O “ground beat”, um recurso sonoro que Yuzo usou na música de abertura de Streets of Rage, vem de muito desse estilo.
Koshiro tem centenas de trabalhos nos videogames, além de sua famosa trilha para Streets of Rage.
Entre eles, estão The Revenge of Shinobi, Namco x Capcom, Castlevania: Portrait of Ruin, Super Smash Bros. Brawl, Space Harrier, Actraiser 1 e 2, Beyond Oasis e The Legend of Oasis, Shenmue 1 e 2, e o mais recente, Super Smash Bros. Ultimate.
O poder do mixtape de uma K7
Filho de pai artista e uma mãe pianista, Koshiro, aos 3 anos de idade, já tocava piano, e aos 5, violino.
Adolescente viciado em fliperamas, jogava muito os jogos de tiro Space Invaders e Gradius. Comprava revistas de videogames, e usava a alcunha de YK2 para mandar algumas trilhas sonoras caseiras para essas publicações.
Seu professor particular de música foi Joe Hisaishi, compositor de trilhas do Studio Ghibli, a fábrica mágica de longa-metragens do cineasta Hayao Miyazaki.
Ao se formar na escola, Koshiro descolou um emprego na Nihon Falcom, uma das empresas mais antigas de videogames, na ativa desde 1981, bastante famosa por seus RPGs.
De cara, Koshiro ajudou a fazer trilhas para o game Dragon Slayer. Levou uma fita K7 com algumas composições próprias, e 10 delas foram usadas também no game Xanadu Scenario II.
Ele tinha apenas 18 anos. Aos 20, fez 90% da trilha de rock medieval clássico dos games de RPG Ys e Ys 2, uma das mais celebradas e vendidas em formato físico (CD e LP) até hoje na indústria. Foi também nessa época que fez a viagem para LA.
Depois de mais de 100 músicas para a softhouse Falcom– que não creditava seu trabalho — ele decidiu pular fora.
Em 1988, virou freelancer em diversas outras empresas de games. Madonna, Prince e Fine Young Cannibals estavam direto em seu toca-discos desde 1989.
Em um trabalho, Koshiro colocou techno, industrial e um dance experimental no game Revenge of The Shinobi, um jogo de ninjas com músicas tradicionais japonesas.
O jogo era da Sega, que o usaria para promover seu mais novo lançamento de console, o Mega Drive (nos EUA, o aparelho foi rebatizado de Genesis). A empresa até permitiu que o nome do músico aparecesse nos créditos iniciais do game.
E foi um sucesso, muito graças ao chip Yamaha YM2612, um poderoso hardware que o console trazia.
A trilha do cenário da fábrica é a única que foge do padrão, sendo inspirada pela canção que o Prince fez para o filme do Batman.
Para a mascote da empresa, o veloz Sonic, a trilha sonora ficou a cargo de Masato Nakamura.
Mas para as versões do jogo para o Master System e Game Gear, Yuzo Koshiro foi escalado. Ele não adaptou as antigas trilhas, e criou novas músicas.
Na criação de Streets of Rage, Yuzo Koshiro já estava no topo do estrelato. Seu nome era um dos poucos que conseguia publicidade na imprensa especializada. Ele literalmente estava voando.
A primeira faixa, Fighting in the Street, é a síntese de seu trabalho na época.
Suas influências transbordam no game. Soul2Soul foi tão forte que a batida da música Keep on movin deles, é quase idêntica a da abertura do jogo. Aliás, uma das músicas de Streets chama-se Keep the groovin (seria uma homenagem?).
Yuzo Koshiro – música de abertura de Streets of Rage
Soul II Soul- Keep On Movin’
Enquanto Sonic era para guris,
a pancadaria de Streets of Rage
conquistava os adolescentes
Especialistas, entusiastas e críticos concordam que a trilha sonora de Streets of Rage 2 (1992) é uma das melhores já feitas na indústria, muito a frente de seu tempo.
Yuzo Koshiro embaralhou as sonoridades de house, techno, breakbeat e funk para as músicas que rolam nos estágios do game de pancadaria. É uma boate confortável dentro de um videogame.
Nesse game, o compositor Motohiro Kawashima ajudou em algumas músicas. O CD da trilha foi bestseller por quase toda a década de 90.
Álbuns em CD eram disponibilizados nas lojas japonesas e elas sumiam das prateleiras. De acordo com Koshiro, nessa época ele estava muito influenciado por BlackBox (grupo italiano de disco), o cantor inglês de reggae Maxi Priest e Caron Wheeler, cantora inglesa de R&B do grupo já citado Soul II Soul.
Para os jogos Actraiser 1 e 2 — na concorrente Super Nintendo — o músico criou novas formas de programação para 8 canais sonoros mais complexas e detalhadas.
O mesmo ocorreu nas fitas de Secret of Mana e Tales of Phantasia. É graças a ele que ouvimos música clássica saindo de chips sonoros simples, produzidos pela Sony.
Segundo Koshiro, a inspiração nesses trabalhos foi John Williams, um dos compositores mais famosos de trilhas sonoras de filmes em Hollywood.
Parte do prestígio de Yuzo cai junto com a popularidade do estilo “tecnera”. Streets of Rage 3, de 1994, ficou devendo em qualidade de trabalhos anteriores.
Yuzo põe parte da culpa na criação e decisão de deixar as músicas para um software que criava sozinho a trilha, com uso de bases sonoras pré-programadas.
Ele quis ser diretor de jogos, e deixou o protagonismo da transição para outro talentoso e famoso compositor, Nobuo Uematsu, criador das trilhas sonoras dos games da Square, dona do RPG Final Fantasy.
Koshiro está na ativa até hoje, e alterna seus trabalhos na indústria de videogame com apresentações de concertos musicais e participações pontuais em projetos diversos relacionados a música.
Mais recentemente, a franquia Streets of Rage ressurgiu, e com ele, Yuzo Koshiro. Ele foi convidado para participar do processo de criação de trilha sonora do quarto game da franquia.
O músico se encontrou com os desenvolvedores após um de seus shows para a turnê Diggin’ in the Carts Live (nome do documentário da Red Bull), em 2018, Paris.
Ele teve a oportunidade de jogar o game ainda em desenvolvimento, e depois de mais alguns meses, no evento BitSummit no Japão, em junho de 2019, Yuzo Koshiro aceitou criar canções para o novo Streets of Rage.
Outros nomes de peso, tais como Olivier Deriviere, Yoko Shimomura, Keiji Yamagishi, Harumi Fujita, Das Mörtal e Groundislava também trabalharam na trilha.
Yoko é a criadora da trilha sonora do game de luta mais famoso de todos os tempos, Street Fighter II. Tem matéria dela no blog, aqui.
YOKO SHIMOMURA | A pianista que criou a trilha sonora de Street Fighter II
O game Streets of Rage 4 foi lançado no final de abril de 2020 para PlayStation 4 (PS4), Xbox One, Nintendo Switch e PC, via Steam.
O jogo não teve qualquer envolvimento direto da Sega, sua antiga casa, mas uma autorização concedida para três empresas diferentes — Dotemu, Lizardcube e Guard Crush Games — possibilitaram sua criação, e o game contra até mesmo com o carimbo de continuação oficial da série.
Você pode conferir o trabalho de Yuzo Koshiro, suas trilhas para Streets of Rage e muitos outros games, no mini documentário, Diggin’In the Carts Tour, da Red Bull, que detalha o trabalho de criação das trilhas sonoras de videogames. Além de Yuzo, dezenas de outros profissionais do mercado são entrevistados.
/ REDES SOCIAIS. Você pode acompanhar o Koshiro em seu perfil do Twitter. Aqui.
Yuzo Koshiro – Under Logic
Move Any Mountain
The Shamen, uma banda escocesa de electronic dance music
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