O Caçador Mark Shaw foi criado por Jack Kirby na revista 1st Issue Special #5, publicado pela editora DC Comics em agosto de 1975.
Kirby, escritor e desenhista de quadrinhos americanos de super-heróis, conhecido pela alcunha de Rei, tamanho seu poder e prestígio na indústria, foi o co-criador de dezenas de personagens do Universo Marvel.
Depois de uma briga com Stan Lee, seu amigo e rival, e um dos chefões da Marvel Comics, foi para a DC Comics, onde criou os melhores conceitos, heróis e vilões do Universo DC, numa série de títulos chamados O Quarto Mundo, onde apresentou uma galeria de — literalmente — Novos Deuses, que enriqueceriam a mitologia das HQs para sempre
Junto a isso, o artista desenvolveu outras propostas, e o Caçador Mark Shaw foi uma delas, em uma retomada de um antigo personagem que tinha criado quase 30 anos antes.
Foi apenas uma edição desse retorno, e aparência e design do seu novo Caçador Mark Shaw lembravam muito seu antigo Caçador Paul Kirk, publicado em Adventure Comics #74 (1942).
Foi só no final dos anos 1980, após uma reorganização editorial e criativa da DC, a fim de despertar interesse do público e renovar as vendas — um recurso que na indústria do entretenimento se chama reboot — que o Caçador Mark Shaw ganharia mais destaque no Universo DC, graças ao roteirista John Ostrander, um dos melhores profissionais da indústria, que trabalha com um herói de uniforme mais misterioso, um capuz em cima de uma máscara estilosa e um bastão cheio de recursos, todos derivados de uma série de decisões que amarraram sua origem à de outros personagens, expandindo e muito os conceitos apresentados por Jack Kirby.
De herói relutante, vilão e membro da Liga da Justiça, espião, caçador de recompensas, herói, assassino e grande vilão com planos de dominação mundial, Mark Shaw usou mil máscaras nas HQs, e sua trajetória é uma das mais interessantes da cultura pop, ainda que distante da sofisticação que o Caçador Paul Kirk, do escritor Archie Goodwin e o desenhista Walt Simonson, promoveram alguns anos antes.
O Caçador Mark Shaw é marcado por diversas personas e identidades ao longo de sua carreira. Participou do Esquadrão Suicida (como criminoso e caçador de recompensas), teve participação fundamental na saga Invasão!, onde atuou em Cuba junto com o Flash e Fidel Castro (!?), foi um dos vários envolvidos na Conspiração Janus, a primeira saga da DC sobre o seu mundo de espiões e organizações secretas, se torna um perigoso serial killer black-ops a serviço do governo americano, e retornou recentemente em mais uma saga envolvendo agências secretas, como líder e dono do título Leviatã, um dos maiores vilões da DC na atualidade.
O Rei Jack Kirby
e o Caçador dos anos 1940
Em janeiro de 1941, em Adventure Comics #58, da editora DC Comics, estreou o investigador criminal Paul Kirk, que nunca usou a alcunha de Manhunter/Caçador, apesar do termo sempre aparecer no título de suas histórias, aventuras pulp criadas por Ed Moore, que escrevia e desenhava.
Esse Paul Kirk também jamais usou um uniforme de herói.
Em março de 1942, surgiu na revista Police Comics #8, publicada pela editora Quality Comics, um herói chamado Caçador (Manhunter), a identidade heroica de Donald “Dan” Richards, um policial que decide combater o crime, com um uniforme azul e um cachorro como parceiro, o Thor, The Thunder Dog, o “Cão-Trovão“. O personagem foi criado por Tex Blaisdell e desenhado por Alex Kotzky.
Em abril de 1942, um mês depois da estreia de Manhunter/Caçador da Quality Comics, em Adventure Comics #73, a DC Comics publica uma história com um personagem chamado…Manhunter/Caçador.
Esse Manhunter, de nome Rick Nelson, foi criação de Joe Simon e Jack Kirby, em sua primeira passagem pela DC. A arte do Rei ainda não tinha sua principal característica de design poderoso e geométrico quadrado, mas era suficientemente cinético para se destacar de outras artes da época.
No número seguinte, Adventure Comics #74, o nome Rick Nelson foi alterado para Paul Kirk, mas não parecia ser o detetive pulp. Agora Paul Kirk era um caçador de esporte muito habilidoso, bem treinado fisicamente e especialista de armas de fogo — provavelmente os editores juntaram os nomes Manhunter e pensaram se tratar do mesmo personagem.
O mood Rick Nelson se manteve, com Paul Kirk dando apenas seu nome. Esse Paul Kirk caçador (de verdade agora) tinha uma vida frívola cheia de tédio, até que um amigo é assassinado por bandidos.
É quando ele decide caçar a maior das presas…os criminosos, que também é a deixa para justificar o nome “manhunter“, que numa tradução livre é “caçador de homens” ou “caçador humano“, inclusive reforçado pelo mote “ele persegue a presa mais perigosa do mundo…“, como apresentado no texto de introdução de suas histórias.
O Caçador/Paul Kirk usava um uniforme de malha vermelha com uma máscara azul, era um mestre na arte das lutas de mãos nuas, e caçava bandidos apenas com sua força e habilidades, sem o uso de nenhuma arma.
O Caçador/Paul Kirk/Manhunter de Jack Kirby foi um dos primeiros trabalhos do artista para a DC Comics, e apareceu em outras aventuras até Adventure Comics #92, de 1944, sua última aparição na Era de Ouro (pré e pós-Segunda Guerra Mundial) dos quadrinhos.
Em 1956, a editora DC Comics comprou os direitos dos personagens da Quality Comics, e o Caçador/Dan Richards/Manhunter veio junto.
O Caçador de Archie Goodwin
e Walt Simonson dos anos 1970
No início dos anos 1970, Jack Kirby, agora com status de rockstar na DC, graças a sua temporada na Marvel, criou um extenso material sob a direção de Carmine Infantino, publisher (uma figura acima do editor-chefe) da DC. Seu maior trabalho foi o chamado Quarto Mundo: quatro títulos que tratavam sobre novas divindades entrando em contato com a Terra e a mudando para sempre: Os Novos Deuses e Senhor Milagre, ambos de 1971; O Povo da Eternidade (1972); e Superman’s Pal, Jimmy Olsen (1974).
Foram nessas revistas que a DC ganhou o seu maior vilão: o diabólico Darkseid.
Na edição 4 da revista dos Novos Deuses (The New Gods), havia uma republicação de Adventure Comics #74 (1942), com a primeira aparição do Caçador/Paul Kirk.
O escritor Archie Goodwin, que estava na DC na época, viu essa revista. Archie já era um veterano na indústria de quadrinhos, com um longo currículo de trabalhos na Warren Publishing, a herdeira espiritual da EC Comics, duas editoras que tratavam os temas de terror e horror com maturidade e qualidade mais sofisticada, com grandes artistas gráficos e roteiristas no visual das revistas.
Ele subiu de posto até ser editor da Warren, e ajudou dezenas de artistas na carreira. Goodwin também escreveu aventuras do Quarteto Fantástico e Homem de Ferro para a Marvel Comics no começo dos anos 70, até substituir rapidamente na DC o editor veterano Julius Schwartz no comando da revista Detective Comics, a casa de ninguém menos do que o Batman, e que dá nome para a editora (o D e o C vem do título) entre 1973 e 1974.
Goodwin tinha ideias para um novo conceito e tramas para um personagem que tinha em mente, e assim que viu a história do Paul Kirk, soube que tinha encontrado o cara que queria, logo depois de ter topado com um desenhista promissor em início de carreira, Walt Simonson, que se tornaria outro gigante das HQs.
Aproveitando que o Caçador/Paul Kirk estava fora do radar há dezenas de anos, Goodwin o usou para uma série de histórias curtas publicadas em Detective Comics #437 (1973) até o #443 (1974).
Arte promocional de uma edição especial do Caçador Paul Kirk e sua ficha técnica oficial da DC
Nas mãos de Archie Goodwin e Walt Simonson, Paul Kirk se tornou um dos mais letais lutadores do Universo DC, treinado em várias artes marciais, habilidoso no uso de armas de fogo e facas.
Mais que isso, Goodwin e Simonson souberam capturar o espírito de seu tempo, em 1973, e produzir uma HQ afiada como uma adaga Bundi (uma das estilosas armas que Kirk carrega), que corta fundo assuntos e temas complexos como neurose pós-Segunda Guerra Mundial, políticas mundiais, conspirações secretas e ciência fantástica em uma HQ de ação desenfreada com um personagem (aparentemente) invencível.
CAÇADOR PAUL KIRK | O Arco-Íris da Gravidade de Archie Goodwin e Walt Simonson
Jack Kirby e o
Caçador Mark Shaw
nos anos 1970
Depois dos títulos do Quarto Mundo, Jack Kirby tentou retomar o conceito do Manhunter, mas é imprecisa a razão de não retomar em específico Paul Kirk.
Talvez o peso do excelente trabalho que Archie Goodwin e Walt Simonson desenvolveram, um ano antes, e o status final do personagem no encerramento da história, tenha impedido o Rei, ou talvez, como é dito em materiais jornalísticos do meio da época, Jack não quis “tomar” o lugar de ninguém na editora, e ocupou um espaço inédito.
O fato é que esse novo Manhunter/Caçador é Mark Shaw, um promotor de justiça de Gotham City, indignado com a criminalidade, que assume o manto do herói ao ter contato com um artefato chamado Medalhão do Leão, o que o leva ao Himalaia, onde conhece o misterioso Culto de Caçadores (The Manhunters), que se dedica ao combate contra o crime, sob a tutela de um Grande Mestre, que o treinou em várias artes marciais.
O título 1st Issue Special era uma série de antologia em que personagens eram apresentados em aventuras únicas, e Mark não voltou para outra.
Além de revitalizar o Caçador, Jack Kirby tentou uma nova pegada super-heroística para o personagem Sandman (1974), com quem já tinha trabalhado em Adventure Comics; criou Etrigan, O Demônio (1972), um rimador demoníaco da época de Camelot; Kamandi (1972), a sua visão sobre o Planeta dos Macacos (filme que a DC acabou perdendo o direito de adaptar, e que transformou nessa nova série); OMAC (1974), uma sensacional proposta futurista de ação com guerras corporativas e conceitos orwellianos com satélites e robôs assassinos; Kobra (1976), sobre terrorismo internacional, e que seria utilizado pela DC em suas histórias de espionagem; entre outros trabalhos.
A infeliz verdade é que por mais que os trabalhos de Jack Kirby sejam venerados hoje em dia, na época, o meio profissional da DC Comics de certa forma desprezou o Rei, e ele acabou voltando para a Marvel Comics, onde continuaria sua visão cósmica e grandiosa de fatos, como a criação dos Eternos, personagens que em breve ganharão filme pela Marvel Studios.
Mark Shaw retornaria em março de 1977, na revista da Liga da Justiça (Justice League of America #140), escrita por Steve Englehart e desenhada por Dick Dillin e Frank McLaughlin, onde o Culto dos Caçadores apresentado por Kirby foi atrelado a um culto robótico intergaláctico, os Caçadores Cósmicos (The Manhunters, no original), ligados diretamente à mitologia da Tropa dos Lanternas Verdes.
Os Guardiões do Universo, criadores da Tropa, utilizavam androides como sua primeira experiência de executar um policiamento espacial. Mas por diversos problemas de entendimento do que era justiça e ética, os robôs foram deixados de lado.
O Culto dos Caçadores visto em 1st Issue Special era parte dos Caçadores Cósmicos, que agora querem impor a sua própria visão de justiça em todo o universo.
Shaw, depois de perseguir o Lanterna Verde/Hal Jordan e derrotar vários membros da liga da Justiça (!), descobre toda a verdade e se rebela contra os Caçadores Cósmicos.
Importante citar uma interação dele com o Batman, que ao ver ele se apresentando como Caçador, pergunta se ele tem relação com Paul Kirk, com quem trabalhou de perto na saga de Goodwin e Simonson.
Shaw que deixar seu passado de Caçador para trás, então assume a identidade de Privateer (traduzido no Brasil como Mosqueteiro), e aparece como herói em Justice League of America #143, onde tenta um lugar junto à mesa de Superman, Batman e Mulher-Maravilha na Liga da Justiça.
Com efeito, ele se aproxima bastante dos personagens, e até flerta com Diana. Mas isso não durou muito, já que ele ainda estava sob influência do Culto dos Caçadores.
Em Justice League of America #149 – #150, ele consegue acesso ao satélite da Liga (base de operações da equipe), assume outra persona, o vilão Star- Tsar, e luta contra os heróis junto com um vilão clássico da equipe, o Chave.
No fim, Shaw ainda tenta disfarçar sua atuação dupla, mas o super-herói androide Tornado Vermelho descobre suas reais intenções de Shaw, o desmascara em definitivo e enfim, Mosqueteiro/Mark Shaw é preso.
Mark Shaw abandona a persona de Caçador depois de descobrir a verdade depois do culto, e se torna Privateer (Mosqueteiro), e tenta um lugar junto à Liga da Justiça
Anos 1980: Crise nas Infinitas Terras
e Milênio criam o Caçador Mark Shaw
Em 1985, a DC Comics promoveu a maior saga de quadrinhos de super-heróis do mercado até hoje, a Crise nas Infinitas Terras, que reuniu todos os milhares de personagens da editora para um reboot, que envolveria o lançamento de novas revistas com os personagens em início de carreira, com 50 anos de cronologia sendo desconsiderados em sua maior parte.
Superman foi recriado por John Byrne, Batman foi recriado por Frank Miller e David Mazzuchelli, Mulher-Maravilha foi recriada por George Perez, e assim por diante, com a DC recontando a origem de seus personagens. E o com o Caçador Mark Shaw não seria diferente.
A saga posterior de Crise foi Lendas, escrita por John Ostrander (Len Wein à revelia) e desenhada por John Byrne. Apesar de pouco apreciada pelo fandom, é nela que temos a primeira aparição da Mulher-Maravilha na nova cronologia.
Na história, Godfrey, um Novo Deus disfarçado de apresentador de TV sensacionalista (!) incita os americanos a renegarem os heróis, o que resulta numa paralisação temporária da Liga da Justiça e de outros heróis.
É a deixa para o surgimento de Amanda Waller e seu Esquadrão Suicida, que ditariam os rumos do envolvimento do Governo com a comunidade de super-heróis.
Amanda é uma política casca grossa, que obriga super-vilões a trabalharem pra ela em missões secretas black-ops em troca de redução de pena. Para mantê-los na linha, instala bombas em suas cabeças.
Seu Esquadrão é formado por criminosos e eles ajudam a salvar os Estados Unidos no lugar dos heróis, que no final da saga, acabam desmascarando Godfrey e retomam as atividades de vigilantismo.
Junto com o Esquadrão Suicida, foi criado o Xeque-mate, uma equipe para atuar em operações militares, baseadas em peças do xadrez — os líderes são bispos e os agentes de campo são cavalos, por exemplo.
As duas organizações ficam sob o comando da Força Tarefa X, o nome dado para o escritório político governamental, chefiado por Amanda Waller.
O pós-Crise é marcado pelo lançamento da uma nova revista da Liga da Justiça e do Esquadrão Suicida, resultados diretos do que foi apresentado em Lendas.
Milênio é a saga seguinte, um evento semanal de 8 edições publicado em 1987, escrita por Steve Englehart, com ilustrações de Joe Staton, uma das sagas mais fracas da editora DC Comics. Seres alienígenas escolhem 10 pessoas na Terra para evoluir a raça humana.
Parte da trama envolve a primeira “polícia” que o Universo teve, os já citados robôs Caçadores Cósmicos. Depois de banidos pelos Guardiões do Universo, os androides decidem arquitetar um plano de vingança e posicionar um Caçador (ou um agente a serviço deles) em cada planeta que existe vida, disfarçado das formas dominantes desses mundos.
É a parte mais legal de Milênio, com cada herói que tinha uma revista na DC descobrindo que um personagem de seu núcleo próximo era um Caçador Cósmico disfarçado.
Também fica estabelecido — retroativamente — que o culto apresentado por Jack Kirby em 1st Issue Special era na verdade parte desse plano de dominação dos Caçadores Cósmicos. Essa costura narrativa acabou sendo usada para explicar TODOS os heróis que usaram a alcunha de Caçador na DC, em muitas revisões retroativas para acomodar tudo.
Nisso, até o pobre Thor, o Cão-Trovão do Caçador Dan Richards, se tornou um robô do mal dos Caçadores Cósmicos (!).
Na revista Secret Origins #22, a edição inteira é dedicada ao line-up dos Caçadores da DC com essa trama de fundo.
Os Caçadores Cósmicos foram destruídos em Milênio pelo super-herói mágico Senhor Destino (re-apresentado em Lendas), que derrota o Grande Mestre, líder do Culto dos Caçadores e dos Caçadores Cósmicos, em outra dimensão, e o Besouro Azul descobrindo a base secreta deles na Terra, em histórias apresentadas na revista da Liga da Justiça.
Enquanto isso, Amanda Waller e seus vilões também combateram os Caçadores Cósmicos. E foi a oportunidade de John Ostrander, o roteirista do novo Esquadrão Suicida (um extraordinário trabalho, insuperável até hoje: violento, denso, adulto e intrigante, como nenhuma HQ infanto-juvenil se atreveu a fazer) re-introduzir Mark Shaw.
Depois dos eventos ocorridos no satélite da Liga, quando foi preso como Mosqueteiro, Mark ficou encarcerado na prisão de Belle Reeve, a base secreta do Esquadrão Suicida. A partir de Suicide Squad #8, o psiquiatra Simon LaGrieve ajuda Shaw a restabelecer sua sanidade, ao mesmo tempo que ele cumpre as missões para pagar por seus crimes e ser libertado.
E, por ser agora um “ex”-Caçador, Shaw estava mais do que qualificado para enfrentar as ameaças dos Caçadores Cósmicos. Ironicamente, o infiltrado da equipe era o próprio Mosqueteiro, com o verdadeiro Mark Shaw preso e tendo que ser resgatado por seus companheiros de equipe.
Essa história é importante no Esquadrão Suicida pois marca a morte de Karin Grace, integrante do Esquadrão Suicida, que estava apaixonado por esse falso Mark Shaw, deixando de lado seu antigo afeto por Rick Flag, o líder da equipe.
Shaw ficou tão recuperado, que abandona a persona de Mosqueteiro, e decide retomar o manto de Caçador, agora como um caçador de recompensas. E ele chega a chamar Rick Flag para fazer parceria, que ele recusa.
As histórias de Ostrander em Esquadrão Suicida precedem muitos temas adultos que nas HQs de hoje são arroz com feijão. Era algo inédito de se ver um grupo de criminosos fazendo missões escusas para o governo americano, com sanção para atuar e assassinar pessoas no complexo industrial-militar e cenário geopolítico dos anos 80, do Oriente Médio a União Soviética, de países do Terceiro Mundo da América Latina a congressistas em Nova Orleans.
Para fazer o Esquadrão Suicida, John Ostrander se baseou no filme Os Doze Condenados (1967), de Robert Aldrich, um clássico do cinema, com uma equipe de soldados descartáveis reunida para levar a cabo missões perigosas contra as forças do Eixo na Segunda Guerra Mundial, e pegou influências da série Missão Impossível, que passou na TV de 1966 a 1973.
Com efeito, a equipe já existia na Era de Ouro, com ex-combatentes da Segunda Guerra Mundial combatendo ameaças, e foi reformulado por John Ostrander.
Rapaz branco que estudou teologia para ser padre e depois se tornou agnóstico, John também foi ator, uma profissão que exige se fingir de algo que não é, de representar uma ficção a maior parte do tempo.
Ostrander pegou a primeira HQ para escrever aos 26 anos, e fez histórias de faroeste, ficção científica, tramas policiais e de misticismo, sempre entremeadas com algum aspecto político da época.
O Esquadrão Suicida de John Ostrander mistura política, ação, espionagem e conflitos pessoais de maneira soberba
Nos 66 números do seu Esquadrão Suicida, Ostrander executou uma representação sem igual no mainstream americano de quadrinhos.
É geopolítica com supervilões se ferrando em prol do governo americano, e super-heróis que mais atrapalham que ajudam.
São tramas de espionagem e ação na gelada e arruinada URSS, em países miseráveis da América Latina, combates contra fanáticos de religiões hindus assassinas, espiões e matadores do mercado terrorista árabe, e até conflitos internos de políticos americanos corruptos.
E quem mandava em tudo era Amanda Waller. E não, nunca que os comandados dela eram os mocinhos da história — muito longe disso na verdade.
O primeiro título do Caçador
Máscaras
Todos nós vestimos uma, todos os dias. Dúzias delas. Usamos a mesma cara nos negócios, nossa cara caseira, nossa cara familiar. Eles revema um aspecto de nós mesmos, enquanto escondem o nosso rosto verdadeiro. Colocamos máscaras umas sobre as outras, raramento mostrando nosso íntimo. Elas protegem, isoma, identificam, asseguram e simbolizam.
Quase tudo pode funcionar como uma máscara. Uma gravatinha yuppie amarela é uma máscara. A aparência punk é uma máscara. O gênero playboy de Bruce Wayne é uma máscara tão boa quanto seu capuz de Batman e igualmente necessária. A insígnia do Superman, os óculos de Clark Kent, também. Máscaras projetam a imagem que desejamos que o mundo veja. São elementos do nosso ser, e assim, válidos.
O necessário é olhar através da máscara e encontrar o rosto verdadeiro.
Em nós mesmos, e nos outros também“John Ostrander, 1988
John Ostrander, junto com a roteirista Kim Yale, reabilitam Mark Shaw, que abandona finalmente a identidade de Mosqueteiro e retoma o manto do Caçador, com um novo uniforme e um bastão tecnológico de poder. Ele até chama Rick Flag para serem parceiros como caçadores de recompensas, mas o coronel recusa.
Ostrander e Kim Yale (sua esposa), junto com o desenhista Doug Rice, fizeram a maior parte das 24 edições que compõe a primeira série chamada Manhunter, de junho de 1998 e abril de 1990. Mark Shaw agora é um caçador de recompensas, tem algumas colaborações com Amanda Waller (uma das suas principais “fornecedoras” de trabalho), mas também atua de modo independente, aceitando serviços de aluguel em alguns momentos, e outros sendo um super-herói de fato.
É um material de início muito bem pensado e conduzido — era o Caçador em sua revista própria no pós-Crise, antes mesmo de alguns medalhões da editora, como o Aquaman!
No primeiro número, já temos a aparição de Stephen Forrest Lee , vulgo Dumas, um assassino de aluguel que pode mudar de forma, e que seria o maior inimigo do Caçador Mark Shaw, em vários confrontos mostrados na revista, até ser morto (só que não).
Vale destacar que Dumas é um dos poucos mutantes no Universo DC.
Entre os vilões capturados por Mark Shaw, estão a Mulher-Gato e o Pinguim (inimigos do Batman), Capitão Frio (inimigo do Flash), Conde Vertigo entre outros.
A edição #2 de Manhunter já tem na capa o grande inimigo do Caçador Mark Shaw, o assassino Dumas (e um aviso que a DC não é apenas para crianças). Na outra capa, o Conde Vertigo, um vilão clássico da editora
A revista própria do Caçador Mark Shaw teve tanto apelo que até os editores brasileiros da Abril publicaram o material, a partir de Os Novos Titãs #44, de janeiro de 1990.
A edição também conta com uma entrevista (não-creditada) com John Ostrander e Kim Yale, que revelam muito sobre a proposta do Caçador Mark Shaw.
Tomo a liberdade de reproduzir alguns trechos abaixo (a citação acima é um extrato da proposta que Ostrander fez para a série)
(…) sempre fiquei impressionado com a imagem do Caçador. Vi o personagem pela primeira vez no material do Kirby, numa reimpressão desses almanaques gigantes da DC. ‘Ele caça a presa mais perigosa do mundo’, dizia seu slogan. (…) Alguma coisa em Paul Kirk vulgo Caçador, mexia comigo. (…) Então, conheci a clássica retomada do personagem por Archie Goodwin e Watl Simonson. Adorei o uniforme redesenhado e, quando vi a adaga Bundi….rapaz, aquilo era do cacete! A edição era completa, e mesmo assim, em comprei até as reedições. Muito boa.
Aí Kirby voltou para refazer o persponagem num negócio chamado 1st Issue Special, introduzindo a Seita dos Caçadores e aquele bastão envenenado. Surge Mark Shaw na lenda dos Caçadores. O que acontece é que cada encarnação do Caçador me oferecia algo novo, diferente, inesperado, imagens que mexiam muito comigo.
Em parte, me tornei escritor porque gostaria de fazer com os outros o que fizeram comigo — criar histórias e imagens que pudessem também mexer com as pessoas. Eu tinha vontade de passar nos meus argumentos a mesma emoção que eu sentia com as minhas leituras. E, se estou escrevendo o Caçador, é porque eu queria fazer isso. É um personagem com pedigree.”
O sucesso de Crise e Lendas detonou outra série envolvendo todo o universo DC — Milênio –, escrita por Steve Engleheart e usando a Seita dos Caçadores como vilões principais. A estratégia era de que cada título DC revelasse, entre seu elenco de apoio, um agente dos Caçadores, afetuosamente apelidado pela equipe de criação como a ‘banana’.
Para o Esquadrão Suicida, eu comecei a ter uma ideia bem canalha. Eu faria Mark Shaw se juntar ao Esquadrão (como Privateer), esperando que os leitores presumissem que ele fosse a banana (mas é claro que não era). Shaw estaria reformado e se juntaria ao que seria chamado de Equipe Avançada — mas não como Privateer. Ela assumiria novamente o nome de Caçador, e quando não estivesse em missão, seria cum caçador de recompensas. Contei tudo isso para o Steve, e ele escreveu um memorando detalhado para Bob Greenberg (um dos editores da DC) explicando a ideia. Eu estava preparado. UAU! Finalmente, ia poder brincar com o Caçador.”
Os Novos Titãs #46 da editora Abril, a estreia do Caçador Mark Shaw no Brasil, e uma entrevista com John Ostrander e Kim Yale
Na arte de seu Caçador, John queria Doug Rice, com quem já tinha trabalhado em Dynamo Joe, da editora First Comics.
“Ele gosta muito de animação e mangá. É um artista autodidata (…) o desenho do uniforme, o bastão e suas extensões, tantas coisas nessa revista refletem sua imaginação e criatividade.” Ostrander diz que o artista, que é seu padrinho de casamento, fuma cachimbo, o que explica várias cenas de Shaw relaxando em seu lar fumando um também.
Na época, John Ostrander escrevia para a DC Comics, além do Esquadrão Suicida, o título do Nuclear e Wasteland (com Del Close).
Ele também escrevia Grimjack para a First Comics, além de minisséries e especiais (como o encontro do Esquadrão com a Patrulha do Destino).
Barbara Randall (Kesel), a editora responsável pelo novo título do Caçador, notou que era trabalho demais, e ambos concordaram com a ajuda de uma co-autora: Kim Yale, a mulher de Ostrander — aliás, os dois eram recém-casados (!). John e Kim tratam o assunto com bom humor na entrevista. Eis o que Kim fala a respeito.
(…) Em primeiro lugar, eu tinha que ler quadrinhos às escondidas quando era garota, pois meus pais os proibiam. (…) alguns títulos, furtivamente lidos nas casas de outras crianças, ainda estão na minha memória: Gavião Negro, Legião de Super-heróis, Liga da Justiça (os personagens sobrenaturais como o Sr. Destino e o Espectro me atraíam muito). Fpi só na faculdade que encontrei liberdade para ler quadrinhos, encorajada por um namorado que delirava com um cara chamado Steranko (sofisticado desenhista de HQs com traçõ dinâmico e cinematográfico) com a mesma paixão que eu dedicava à Hitchcock e Hamlet. Como adorava cinema e rock´n´roll, a imagística/sinergia de Steranko me alucinou. Comecei a comprar e ler quadrinhos por interesse, incluindo edições de Will Eisner (criador de Spirit, clássico das HQs) e da Warren (editora renomada de HQs de terror, herdeira espiritual da EC Comics) (…) Doutor Estranho, de Steve Engleheart, a Tumba de Drácula, de Marv Wolfman, O Sombra, de Denny O´Neil e Mike Kaluta, e o Caçador Paul Kirk, de Archie Goodwin e Walt Simonson.
O Caçador tem uma honorável linguagem como super-herói, de sua criação original com Simon-Kirby à estonteante encarnação de Goodwin e Simonson. John Doug e eu insistimos que o uniforme do Novo Caçador incorporasse elementos de Paul Kirk. De certa forma, Mark Shaw e eu — em nossa interpretação do Caçador — temos pontos em comum. John e eu compartilhamos a mesma formação teatral. Tenho experiência de 5 anos em segurança de lojas, hospitais e indústrias. Máscaras são cruciais em ambos os mundos.”
Kim, antes de fazer o Caçador, tinha trabalhado na editora Eclipse Comics, co-argumentou o especial anual do Esquadrão Suicida, o especial do Pistoleiro e fez a série Munden´s Bar (derivado de Grimjack).
Um destaque no título do Caçador foi Invasão!, a saga seguinte da DC a rolar na continuidade, quando a Aliança Alienígena, formada por várias raças extraterrestres, invade a Terra para destruir todos os super-heróis, considerados uma ameaça universal.
É outras das histórias subestimadas da editora: ela tem tudo que se espera de quadrinhos de super-heróis, como muita correria, parcerias improváveis, diversos personagens atuando em conjunto e ação da primeira até a última página.
E o mais importante, é em Invasão! que a DC estabelece o fato de ter seres superpoderosos na Terra: alguns humanos tem o metagene, um gene muito específico que, sob condições de stress psicológico, físico ou externo — químico, biológico, radioativo — é ativado, e que opera uma mudança no corpo da pessoa.
É ele que torna seres humanos comuns em metahumanos, termo que primeiro aparece aqui e depois adotado pela DC até os dias de hoje para se referir aos seus superseres.
O Caçador Mark Shaw participa dessa saga em sua revista própria e faz parceria com o Flash, que nessa altura da cronologia DC, era Wally West, o sobrinho de Barry Allen, o Flash que se sacrificou em Crise nas Infinitas Terras.
Era apenas o começo de uma longa carreira que Wally teria nos quadrinhos, a caminho de se tornar o mais lembrado e querido Flash das HQs da geração millenial.
A parceria do Caçador Mark Shaw e o Flash se dá em meio a intrigas palacianas com os extraterrestres transmorfos Durlanianos e o Partido Comunista que governa Cuba, com direito a participação de Fidel Castro (!) e a mãe do Flash, que repreende Castro (!) em uma cena hilária depois do barbudo sentenciar o herói à morte (!!).
Ah, e o pai do Flash é revelado como um agente dos Caçadores Cósmicos. O próprio Mark Shaw sofre com os durlanianos, já que eles o reconhecem como alguém ligado aos infames Caçadores. A participação do Shaw também aconteceu no título do Flash.
Caçador e Flash
As histórias seguintes focam criminosos atrás dos espólios da guerra que a Invasão! provocou no planeta, e temos o Caçador tendo que lidar com a ameaça do Kobra, organização terrorista criada por Jack Kirby na revista de mesmo nome (na mesma época que criou Mark Shaw em 1st Issue Special).
Na edição #17, o Caçador Mark Shaw enfrenta o Batman, com os dois heróis tendo que resolver um caso cruzado em Gotham City.
Caçador e o Batman
Por óbvio, quando heróis se encontram, eles lutam. Ademais, o Batman ainda passa um sermão em Mark Shaw
Nos números finais, Shaw tem que enfrentar um novo Dumas, um mafioso japonês que injetou o DNA do assassino original em si mesmo.
Shaw é obrigado a roubar a Espada Imperial de Hiroito, Imperador do Japão, em um final aterrorizante no Himalaia, no mesma caverna de origem do Culto aos Caçadores, mostrada em sua origem.
Lá, ele enfrenta o que parece ser um Homem das Neves leonino (!!), mas que na verdade é um alien felino cyborg chamado N´Lasa (!!), contemporâneo dos Caçadores Cósmicos na época da rebelião dos androides, e conhecido dos Guardiões do Universo de Oa.
Há milhares de anos exilado na Terra, ele deu origem a vários cultos de assassinos (!!!), inclusive o de Dumas.
Em meio a devaneios terríveis com o Culto dos Caçadores e até Lanterna Verde/Hal Jordan, Mark Shaw tem que enfrentar Dumas e aprender o que N´Lasa quer lhe ensinar a respeito de ser um verdadeiro “caçador”.
O confronto final do Caçador Mark Shaw com Dumas acontece no covil do Culto dos Caçadores no Himalaia
A maioria das histórias do personagem saíram aqui, inclusive suas participações em tramas de outros personagens e sagas.
Um exemplo foi a Conspiração Janus, saga da DC envolvendo todas as agências de espionagem da DC, que foram alvo de um mega ataque promovido pelo Kobra e sua organização terrorista (criada anos antes dos similares vistos na franquia transmídia G.I Joe/Comandos em Ação).
As séries individuais formaram um crossover com Capitão Átomo, Xeque-mate, Nuclear, Caçador e Esquadrão Suicida (esses três últimos escritos por Ostrander), e foram apresentadas ao público brasileiro em Superalmanaque DC #2 (junho de 1991), da editora Abril.
A partir desse momento, o agente Sargento Steel (criado por Pat Masulli na editora Charlton Comics em Sarge Steel #1, de 1964, empresa mais tarde comprada pela DC), um personagem sempre atrelado ao mundo da espionagem, introduzido em Lendas junto com o Esquadrão Suicida e Amanda Waller, e com cargos executivos no Xeque-mate e Esquadrão Suicida, vai ter alguma participação nos bastidores de Mark Shaw.
Caçador enfrenta o Kobra na saga Conspiração Janus; os dois personagens foram criados por Jack Kirby
O Caçador dos anos 1990
Em 1992, a DC publicou uma revista do Eclipso, clássico inimigo da Liga da Justiça, um demônio milenar em forma de diamante que controla mentes e que quer, adivinha só, acabar com o mundo.
Amanda Waller requisita novamente os serviços de alguns de seus agentes e comandados, e monta o Shadow Fighters (“Lutadores das Sombras”), uma equipe especial criada para deter o diabão, e o Caçador Mark Shaw foi um deles.
O roteirista Robert Loren Fleming juntou vários personagens inusitados para essa revista, como o Rastejante e Pacificador.
São narrativas típicas dos anos 90, cheias de ação desmedida, páginas espalhafatosas para artes grandes e de alto impacto. Shaw sai de uma semi “aposentadoria”, e pede de novo seu bastão de Caçador, deixado com N´Lasa em sua última aventura, para ajudar seus colegas no Shadow Fighters. Eclipso massacra quase todos: mata o Pacificador, Rastejante, Dra. Meia-Noite, Pantera, Major Vitória, Comandante Steel e o Caçador Mark Shaw. A maioria deles seria revivida em algum ponto, mas o Caçador permaneceu morto — posteriormente, seria estabalecido que seria outra pessoa personficando Mark Shaw aqui.
Em setembro de 1994, a DC lançou a saga Zero Hora, mais um reboot estilo Crise, com a mesma proposta: zerar tudo, arrumar a casa, lançar novas revistas.
Com uma minissérie de número regressivo, a edição #4 saiu em setembro de 1994, e a #0 em fevereiro de 1995.
Archie Goodwin estava na DC de novo, e era editor de vários títulos. E um mês depois de Zero Hora ser lançada, ajudou o escritor Steve Grant e o desenhista Vince Giarrano a relançar o Caçador, no segundo título Manhunter — que inclusive também teve uma edição #0.
O Caçador/Chase Lawyer fez sua primeira aparição em Zero #1, de agosto de 1994, antes de ganhar seu título próprio, que durou 13 edições.
Com uma proposta radicalmente diferente, Chase está ligado à psicopatas, magia (!), invocações demoníacas (!!), músicas rock´roll (!!!) e até mesmo uma banda, chamada Chase and The Manhunters (!?!).
O último número é marcado pela aparição do Caçador Mark Shaw, que retorna para dar uma força para o novo Caçador contra o demônio Wild Huntsman e o velho inimigo de Shaw, Dumas.
Em 1999, foi lançada uma edição especial, Manhunter: The Special Edition, que reuniu todas as histórias do Caçador/Paul Kirk publicadas em Detective Comics #437 – #443, com uma inédita no final, com o Batman, Asano e Christine St. Clair caçando um clone fugitivo, desenhada por Walt Simonson, uma história sem balões, já que o co-criador, Archie Goodwin, morreu antes de finalizar a obra.
Ela respeita o material antigo e encaixa a história sem afetar a continuidade da obra-prima. O roteirista James Robinson ajudou Simonson na história.
A Caçadora dos anos 2000
Em 2001, na primeira temporada do desenho Liga da Justiça — o ápice do universo do desenho animado apresentado pela animação dos anos 90 do Batman –, os Caçadores Cósmicos foram os principais inimigos dos heróis no quarto e quinto episódio, chamado In Blackest Night, especialmente focado no Lanterna Verde/John Stewart. Infelizmente, Mark Shaw não foi abordado.
Em março de 2002, o escritor Kurt Busiek e o desenhista Dan Jurgens foram responsáveis por lançar a revista Power Company, um grupo de heróis renegados da DC, e um deles era um clone do Caçador/Paul Kirk, sobrevivente da saga do Caçador Paul Kirk de Archie Goodwin e Walt Simonson (sem relações com Manhunter: The Special Edition).
Ele assume o nome Kirk DePaul, com um design de uniforme baseado no original de Simonson, criado pelo desenhista Tom Grummet.
O manto do Manhunter/Caçador só seria retomado na DC em 2004, quando o escritor Marc Andreyko e o desenhista Jesús Saíz criam Kate Spencer, no terceiro volume de Manhunter.
Ela é uma defensora pública em Gotham City, (quase igual ao Mark Shaw), fica farta dos criminosos sempre escaparem da lei e adota o nome de Manhunter para ser uma vigilante. Ela se apropria de um uniforme modificado dos Darkstars (outra polícia espacial da DC, substituta dos Lanternas Verdes), as luvas do Azrael (identidade secreta de Jean-Paul Valley, o jovem guerreiro que substituiu Bruce Wayne como Batman na clássica saga Queda do Morcego), e antigo bastão do Caçador/Mark Shaw.
No Brasil, a personagem foi batizada como Justiceira em vez de Caçadora, uma alcunha que é usada por outra personagem da DC Comics, Huntress, criada em abril de 1989, uma vigilante relacionada ao Batman, sem ligações com a mitologia dos Caçadores.
A pegada urbana e crime nas ruas funcionou muito bem no título da Justiceira/Kate Spencer, que durou 38 edições, de outubro de 2004 a março de 2009.
Kate Spencer foi muito popular na época, e quando a revista perigava ser cancelada, a gritaria dos fãs conseguia mantê-lo nos gibis.
Spencer é neta da Sandra Knight, a Lady Fantasma, uma heroína clássica da Quality Comics (a editora que criou o primeiro Caçador/Dan Richards, lembram?) e Iron Munro, um super-herói que fez parte do Young All-Stars, grupo onde conheceu os Caçadores Paul Kirk e Richards.
Kate foi a personagem Manhunter que mais teve sucesso editorial da DC Comics, e foi convidada até mesmo para ser integrante de grupos de super-heróis, como as Aves de Rapina e Sociedade da Justiça da América.
Um arco em especial foi marcante, quando diversos personagens relacionados ao Caçador começaram a ser assassinados.
Primeiro um idoso Dan Richards é morto; depois é a vez de um afastado Chase Lawyer; e até mesmo arrogante como Kirk dePaul, o clone apresentado em Power Company. Tudo leva a crer que o assassino é Dumas, e que a última vítima seria a própria Kate.
Mas na verdade o serial killer de caçadores era ninguém menos que Mark Shaw (!), que estava dominado mentalmente por uma persona de seu antigo inimigo, Dumas.
É estabelecido nessa trama que Shaw sofreu experiências do governo (provavelmente em sua época com o Esquadrão Suicida), que lhe injetou nanitas (computadores microscópicos que alteram corpo e mente) para ser um agente adormecido e servir em missões secretas quando ativado.
O Caçador Dan Richards e o Caçador Chase Lawyer encontram seu fim
Kirk dePaul, o clone de Paul Kirk, também morre pelas mãos do serial killer de Caçadores
Uma série de revisões estabelece que Chase e Mark sofreram experiências de lavagem cerebral pelo governo
Chase Lawyer também teria sofrido o mesmo procedimento, e suas aventuras e combates contra demônios seriam fruto dessa paranoia (!). Até mesmo os fatos de Shaw com N´Lasa seriam alucinações dessas experiências clandestinas (!!).
No fim, Kate consegue restabelecer a sanidade de Mark Shaw antes de ser morta, e ele, com efeito, se torna um aliado da heroína em sua trajetória.
Sargento Steel teria sido o responsável por essas programações mentais. Inclusive, a aparição de Mark Shaw na saga mostrada na revista Eclipso teria sido na verdade um engodo, com um impostor enviado por Steel.
E em algumas missões, ele enviava Shaw como o próprio Dumas (!).
Em certo ponto, Mark Shaw é considerado para assumir o manto de Azrael, que também vinha de uma organização secreta assassina e com históricos de programação mental, chamada Ordem de São Dumas. E sim, Stephen Forrest Lee , o Dumas, era um integrante dessa ordem.
É a última aparição de Mark Shaw no universo tradicional da DC antes de mais um reboot, dessa vez muito mais intenso para o personagem.
Anos 2010:
Novos 52, Renascimento e Doomsday Clock
No reboot Novos 52, Mark Shaw é um agente federal
No começo da nova década, em 2011, a DC Comics fez o reboot Os Novos 52, bem mais radical do que ocorrido em Zero Hora, jogando fora mais de 50 anos de grande parte de suas histórias. Com efeito, a editora se livrou de todo o universo pós-Crise na Infinitas Terras, e grande parte (se não todo ele) do background histórico de TODOS os Caçadores foi pro lixo.
Nesta nova cronologia, existe apenas Mark Shaw. Ele é mostrado agora como um agente federal do governo americano, com a tarefa de caçar Barbara Minerva, a Mulher-Leopardo, inimiga da Mulher-Maravilha.
Ele ainda é citado como um “manhunter“, mas no contexto de ser um dos melhores caçadores do governo, e não como Caçador de fato. Shaw trabalha junto com o pessoal do A.R.G.U.S. (Advanced Research Group United Support), uma organização de operações militares secretas do governo americano, que surgiu em Justice League #7, de maio de 2012. Apareceu para isso e sumiu depois.
Em 2016, a DC fez outro reboot (é, pois é), o Renascimento, o que de novo deixou todo o line-up dos Caçadores em branco (é, pois é).
Em 2017, saiu Manhunter Special, uma edição única escrita por Dan DiDio e desenhada por Keith Giffen e Sam Humphries, com uma aventura despretensiosa do Caçador Paul Kirk, passada nos anos 1940.
O Retorno do Caçador Mark Shaw como Leviatã
Em agosto de 2019, a DC lançou a saga Evento Leviatã, descrito como “um thriller de mistério que se estende ao longo do Universo DC e atinge todos os personagens”.
Era a oportunidade perfeita de apresentar com qualidade os personagens relacionados ao mundo da espionagem da editora, junto com os super-heróis urbanos, com já visto em Conspiração Janus.
O roteirista Brian Michael Bendis, que estava há anos na Marvel, veio para a DC com status de rockstar. Ele bem que tentou, mas não conseguiu. É preciso ignorar várias questões cronológicas nessa saga de Bendis, mais um exemplo claro como uma trilha de estrume de como a DC gerencia sua marca.
O roteirista faz o que quer, e passa por cima de vários conceitos já estabelecidos.
Sua história, desenhada magistralmente por Alex Maleev, mistura conspiração e espionagem e reúne algumas das mentes investigativas mais brilhantes da DC, mas desperdiça personagens importantes do lore de espionagem da editora — como o Nemesis/Tom Tresser, um dos mais intrigantes membros do Esquadrão Suicida, companheiro de Mark Shaw na equipe e sempre relacionado ao mundo da espionagem na DC –, ainda que tenha colocado em destaque Kate Spencer, a Justiceira/Manhunter, que inexplicavelmente sobreviveu intacta ao reboots Novos 52 e Renascimento.
Os heróis tentam encontrar o responsável por destruir todas as agências secretas dos governos para criar uma nova ordem mundial, e a chave é Kate.
No final, é revelado que o líder, Leviatã, é ninguém menos do que Mark Shaw.
Bendis “recanoniza” o passado de Shaw como Caçador em seu título dos anos 1980, eventos que não podem ser encaixados na nova cronologia.
Não bastante isso, o roteirista ressuscitou o Questão/Vic Sage — um bem vindo e desejado retorno, na verdade. O roteirista nem se deu ao trabalho de promover um reencontro de Shaw e Spencer.
Aliás, nem o Superman o reconheceu — outro erro cronológico ou uma liberdade de “foda-se“? Quem sabe? Isso ainda importa na “cronologia” que a DC “tem”?
No fim de 2019, quando Evento Leviatã já tinha sido concluído, ainda saía a megassaga Doomsday Clock, que a DC tentava colar como um novo (de novo!) pretenso reboot e direcionamento criativo.
Por vários problemas, erros e atrasos do criador, Geoff Johns, a saga, que também integra a obra seminal Watchmen ao Universo DC regular, começou em 2017 e só terminou em dezembro de 2019, sem maiores efeitos na continuidade.
Nas duas últimas edições, ao lado de Adão Negro e de outros vilões, podemos ver um Caçador, com um design bem próximo de um Caçador Cósmico. E, logicamente, isso também nunca foi explicado.
Apenas mais um exemplo claro de toda a lambança que foram os anos 2010 no editorial da DC Comics.
Em 2012, em Arrow, o seriado de TV do Arqueiro Verde, no episódio Damaged (01×05, de 2012) a atriz Chelah Horsdal interpretou Kate Spencer, que retornou em outros episódios, como advogada de Oliver Queen, o herói da série.
No episódio Corto Maltese (03×03), de 2014, Mark Shaw aparece, interpretado por David Cubitt, e é apresentado como um ex-operativo da A.R.G.U.S., comandada por Amanda Waller (Cynthia Addai-Robinson), que também está na série.
Inclusive, a relação dela com Shaw na série é um aceno à passagem dos dois personagens no Esquadrão Suicida de John Ostrander, o melhor roteirista que compreendeu o infeliz Mark Shaw e sua trajetória errática de lutas de identidade e máscaras.
A DC ainda trabalhará com o Leviatã/Mark Shaw. Em junho desse ano, a DC lançará Checkmate (Xeque-mate, a organização secreta), a sequencia do Evento Leviatã, com a mesma equipe criativa: o roteirista Brian Bendis e o desenhista Alex Maleev.
Como vemos na capa, a Justiceira/Kate Spencer ainda está no foco. Essa era uma publicação que foi afetada por causa da pandemia, e era para ter saído ano passado, com o nome de Event Leviathan: Checkmate.
Mesmo caso da edição especial Manhunters: Secret History, escrita por Marc Andreyko e desenhada pelo artista brasileiro Renato Guedes, que, por enquanto, está sem previsão de retorno.
Pela capa desenhada por Guedes, vemos que talvez tudo vale ainda na DC — o pós-Crise e pré-Novos 52.
Quando não há regras, como saber a próxima máscara que Mark Shaw usará?
Karate Kid (da Legião dos Super-heróis) vs Caçador. Arte de Michel Fiffe
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