O Corvo, dirigido por Alex Proyas e lançado em 1994, é um filme de ação baseado na série de quadrinhos de mesmo nome, escrita e desenhada pelo artista americano James O’Barr. As duas apresentam a história de Eric Draven (interpretado no longa-metragem por Brandon Lee), um músico que é morto junto com sua noiva por uma gangue de criminosos. Um ano depois, Draven ressuscita dos mortos graças a uma entidade sobrenatural — um corvo –, que o guia em uma missão de vingança contra os responsáveis por sua morte e de sua amada.
A abordagem mais sofisticada que O’Barr apresentou na HQ tinha uma estética mais sombria e realista, com forte influência do expressionismo alemão e do cinema noir, que foi traduzida com perfeição por Proyas e o diretor de arte do filme, Simon Murton. O filme é um exemplo do estilo visual gótico, que foi muito popular nos anos 90.
As roupas usadas pelos personagens, bem como a cenografia, apresentam uso frequente de preto, couro e maquiagem pesada.
Não bastasse isso, a trilha sonora de O Corvo foi um diferencial em relação ao que era publicado na época, apresentando uma mistura de gêneros musicais que não era comum em trilhas sonoras de filmes. Além disso, ela inspirou bandas de rock e metal criando uma nova tendência de música para filmes de ação.
A trilha sonora apresentou uma mistura de rock gótico, metal, grunge e música eletrônica, criando uma experiência sonora única que complementou perfeitamente a estética visual do filme. Proyas queria incorporar isso ao filme para criar uma atmosfera sombria e intensa.
O visual estonteante do Corvo é acompanhado de perto com o enorme impacto emocional que as músicas frenéticas promovem, graças aos trabalhos de bandas como Nine Inch Nails, Rage Against the Machine, Helmet, Pantera e My Life With The Thrill Kill Cult, entrecortadas por outras de teor mais melódico e atmosférico do mood gótico, como The Cure.
Cada música apresentada na trilha sonora tem um papel importante no filme, usada para reforçar a atmosfera de diálogos e as cenas de ação e luta.
Um bom exemplo é a cena em que Eric Draven invade um bar de motoqueiros.
A música Big Empty, do Stone Temple Pilots, toca em segundo plano, aumentando a tensão da cena e enfatizando a determinação de Eric em completar sua missão.
Quando Draven invade a boate Top Dollar é a música Burn do The Cure de fundo. A música acrescenta uma sensação de urgência e desespero à cena, enquanto a parte da letra “Burn like a fever, burn like a flame” ressoa com a determinação de Eric em vingar sua amada.
As músicas da trilha sonora
Burn – The Cure
Golgotha Tenement Blues – Machines of Loving Grace (do álbum Concentration, 1993)
Big Empty – Stone Temple Pilots (do álbum Purple, de 1994) — faixa escolhida para ser lançada como single. Originalmente seria a Only Dying, do disco Core (1992), mas depois da morte de Brandon, eles mudaram
Dead Souls – Nine Inch Nails (do The Downward Spiral, de 1994, uma cover do Joy Division, do disco Still, de 1981)
Darkness – Rage Against the Machine (uma regravação dos caras de uma música lado B composta em 1991, Darkness of Greed, pro primeiro disco do RATM)
Color Me Once – Violent Femmes
Ghostrider – Rollins Band (cover do Suicide, do álbum homônimo, de 1977)
Milktoast – Helmet (também conhecida como Milquetoast, o primeiro single da banda, para o álbum Betty, de 1994).
The Badge – Pantera (cover do Poison Ideia, do disco Feel the Darkness, de 1990)
Slip Slide Melting – For Love Not Lisa
After the Flesh – My Life with the Thrill Kill Kult (uma regravação dos próprios caras, de uma antiga música chamada Nervous Xians)
Snakedriver – The Jesus and Mary Chain (do álbum The Sound of Speed, de 1992)
Time Baby III – Medicine (uma regravação dos próprios caras, originalmente chamada de Time Baby II, mas na voz de Elizabeth Fraser, do Cocteau Twins).
It Can’t Rain All the Time – Jane Siberry (composta pela Jane e pelo compositor oficial das trilhas incidentais do filme, Graeme Revell).
Graeme fez a trilha incidental de O Corvo principalmente com música orquestrada com elementos de guitarra e eletrônico. Ele é neozelandês e teve uma banda de rock industrial e eletrônico no país, o SPK, que ficou famosa na Europa dos anos 1980.
Alguns de seus trabalhos mais famosos no cinema incluem as composições incidentais de filmes “clássicos” dos anos 90, como Terror a Bordo (1989), Street Fighter (1994), Mighty Morphin Power Rangers: O Filme (1995), Um Drink no Inferno (1996), Jovens Bruxas (1996), O Santo (1997), O Negociador (1998), Lara Croft: Tomb Raider (2001), Demolidor (2003), Freddy vs. Jason (2003), Eu, Robô (2004) — filme dirigido por Proyas –, Sin City (2005) e Presságio (2009), outro de Proyas.
A inclusão de faixas originais criadas especificamente para o filme também foi uma novidade na época. A trilha sonora do O Corvo foi lançada em 29 de março de 1994 pela Atlantic Records e alcançou o 1º lugar na parada de álbuns da Billboard Top 200 nos Estados Unidos.
James O’Barr fez questão de ter algo do The Cure e do Joy Division no filme, pois é grande fã das bandas. As letras de The Hanging Garden (do Pornography, de 1982), do The Cure, aparece em página inteira em uma das edições da HQ, que também tem seus capítulos com nomes de músicas do Joy, como Atmosphere e Atrocity Exhibition. Draven chega até mesmo a questionar dentro da HQ o significado da música Disorder, do Unknown Pleasures (1979).
Vale citar que no mesmo ano saiu Fear and Bullets (1994) , um álbum colaborativo entre James O’Barr e um amigo de longa data do artista, o músico John Bergin, que fizeram juntos uma trilha sonora para a HQ.
A sequencia de O Corvo foi The Crow: City of Angels (1996), com uma história diferente do Corvo com outro personagem (e outro diretor e elenco), mas vale citar que sua trilha sonora também trouxe vários artistas e bandas de rock como Hole, White Zombie, Korn e Iggy Pop. O Joy Division também se fez presente mais uma vez na forma de In a Lonely Place, em uma cover do Bush.
A banda de metalcore Ice Nine Kills lançou a canção A Grave Mistake, presente no disco Silver Scream (2018), inspirada diretamente no filme de Alex Proyas.
O Corvo, o filme
O Corvo é um conto de vingança hiperestilístico e esteticamente denso, nascido de um amor puro e amargor eterno de seu autor, James O´Barr. Com Draven e seu relacionamento com sua namorada constituindo o núcleo emocional do filme, o filme atinge uma honestidade emocional e uma autenticidade voltada para o personagem que muitas vezes escapa aos filmes de quadrinhos modernos.
Juntamente com estilo neonoir de Proyas e o visual onírico do mood gótico, O Corvo rapidamente se estabeleceu como algo verdadeiramente especial.
É um dos melhores filmes baseado em quadrinhos e subestimado em qualquer lista de filmes, podendo figurar com tranquilidade no terror, noir, suspense, romance ou até mesmo super-heróis.
Shelly é vivida por Sophina Shinnas, o policial Albrecht é interpretado por Ernie Hudson, e é ele quem cuida da pequena Sarah (Rochelle Davis), a menina que vivia andando com Eric e Shelly, já que sua mãe, Darla, interpretada por Anna Thomson, é uma drogada descabeçada.
O vilão é Top Dollar, líder da organização que controla as gangues em toda a cidade, e é interpretado por Michael Wincott, que do nada, no conflito final, decide enfrentar Eric no braço e espada (!), e que conta com uma participação essencial de Albrecht para que Eric ganhe.
Destaque para Thomas Rosales Jr. como um de seus comandados. Ele é um dublê de longa data na indústria cinematográfica americana, com mais de 100 longas no currículo, além de ser diretor de dublês também.
Burn do The Cure começa a tocar com 15 minutos de filme, quando Drave se maquia de Corvo. A narrativa nos mostra que a visão dessa misteriosa entidade pode ser acessada pelo personagem, que também revela ter um poder de psicometria, que permite ele ver o “histórico de vida” dos objetos que toca.
A cena da explosão na loja de penhora é uma das melhores cenas do filme. Drave mata um dos criminosos ao som de Big Empty e outro ao Golgotha Tenement Blues.
Em um bar podemos ouvir a música Time Baby III, para logo em seguida termos a chance de ver uma imagem do Hangman´s Joke, a banda de Eric (o roteiro ignora os outros integrantes), cujo disco a Sarah fica escutando.
O Corvo é dedicado à Brandon e Eliza, conforme os créditos finais, o que nos leva a crer que seja o nome da namorada do criador do personagem original das HQs.
O egípcio Alex Proyas foi diretor de vários clipes de música antes de se tornar diretor de cinema. Ele trabalhou com artistas como Fleetwood Mac, Yes, Sting, Rick Springfield, Crowed House, Cutting Crew, Alphaville e INXS. Também trabalhou muito no mercado publicitário, para marcas como Nike e Nissan. Muitos dos clipes já mostravam o apuro visual com que Proyas trabalhava.
Seu primeiro trabalho cinematográfico foi o curta-metragem Groping (1980), e seu primeiro longa foi exatamente O Corvo.
O filme ficou bastante conhecido na indústria cinematográfica pelo destino trágico do ator que fazia o protagonista. Brandon Lee era filho de ninguém menos do que o ator e lenda das artes marciais Bruce Lee (que também morreu em circunstâncias trágicas).
Uma gravação de cenas de tiros com Brandon personificado de Corvo causou a morte do ator quando uma arma carregada com balas de verdade foi usada na filmagem.
O tiro atingiu a barriga de Brandon, e ele não resistiu. Houve uma interrupção da produção por várias semanas, e seria o fim da carreira de Alex Proyas, que regressou ao seu país de origem, para desistir da carreira. Só voltou por insistência da família do ator falecido, que queria que o filme fosse lançado como forma de homenagear o ator.
As filmagens foram retomadas com algumas revisões de roteiro e uso de CG e dublês para completar as cenas que faltavam de Brandon para finalizar o longa.
Brandon Lee tinha só 28 anos, apenas 4 anos mais jovem do que seu pai, Bruce Lee, quando o artista morreu em 1973.
O Corvo teve mais 2 roteiristas creditados. David J. Schow, que já tinha escrito um episódio do seriado de TV A Hora do Pesadelo: O Terror de Freddy Krueger (1989) e os filmes de terror O Massacre da Serra Elétrica 3 (1990) — que tem o Viggo Mortensen pagando o aluguel –, Criaturas 3 (1991) — na estreia de Leonardo DiCaprio no cinema–, Criaturas 4 (1994) e O Massacre da Serra Elétrica: O Início (2006), entre outros.
O outro roteirista foi John Shirley, vindo diretamente do mundo dos desenhos animados, com trabalhos em series como Defensores da Terra (1986), Os Caça-Fantasmas (1986), BraveStarr (1987) e RoboCop: A Série Animada (1988), além de Spawn (1998) e Batman do Futuro (2000).
Depois de O Corvo, Alex Proyas fez outro filme impressionante, Cidade das Sombras (1998), um dark neonoir sci-fi que é um dos melhores do gênero, que trouxe temas que The Matrix (1999) só tocaria 1 ano depois. Alex também foi o diretor de Eu, Robô (2004), Presságio (2009), o infeliz Deuses do Egito (2016), entre outros.
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O Corvo, a HQ
Em 1978, a namorada de James O’Barr foi atropelada por um motorista bêbado. Ambos tinham só 18 anos de idade. Ela morreu e ele ficou arrasado. se alistando no Exército para tentar afogar sua angústia. Servindo na Alemanha, foi lá, nas horas vagas, em 1981, que ele começou a rascunhar o que seria o gibi do Corvo.
Sua tristeza e revolta com a morte da namorada deram o tom violento e melancólico ao personagem. A história é uma mistura de elementos de vingança, sobrenatural e romance, e apresenta uma visão sombria e poética da morte e do sofrimento.
O’Barr se inspirou em diversos elementos para criar sua HQ, incluindo poesia, música, filmes e literatura. A poesia de William Blake e Edgar Allan Poe, em particular, foi uma grande influência para a estética sombria e poética da história.
Além disso, O’Barr era um grande fã de rock e punk rock, e a música foi uma influência significativa para a HQ (bem como a cena underground de quadrinhos da época). O’Barr queria criar uma história que fosse diferente do que estava sendo feito na época, com uma estética visual e narrativa única.
Na história que concebeu, Eric Draven leva um tiro na cabeça e assiste sem poder reagir sua namorada Shelly ser currada e morta na sua frente. Os dois são abandonados na beira de uma estrada, e Eric chega a ser socorrido com vida, mas morre no hospital, assim como Shelly.
Um misterioso corvo ressuscita o rapaz para que ele busque vingança contra os responsáveis, e o agracia com alguns poderes, como resistência, força e agilidade fora do comum. Metodicamente, Eric vai atrás de cada um dos membros da gangue para realizar sua vingança.
A HQ é considerada um marco na história das HQs independentes americanas, influenciando obras subsequentes e estabelecendo um novo padrão de qualidade para as narrativas em quadrinhos. O sucesso de crítica e de público tornou O Corvo um cult.
Seu impacto no mercado mainstream foi significativo, ajudando a mudar a percepção do público sobre o potencial dos quadrinhos como meio narrativo e pavimentando o caminho para uma nova geração de quadrinistas independentes.
A primeira vez que O Corvo saiu foi na revista Deadworld #10 (1988), da editora Caliber, em uma arte de contracapa. A primeira vez que o personagem apareceu em uma história de fato foi em Caliber Presents #1 (1989), em Inertia, que serve de prequel para a série principal, que durou 4 edições, e em uma graphic novel chamada In A Caliber Christmas (um especial de Natal da editora), situado entre os números 2 e 3. Caliber Presents #15 (1990) trouxe o “número 5” de Corvo, fechando o arco original.
Depois da Caliber, O Corvo passou pelas editoras Tundra Publishing e Kitchen Sink Press, que trouxe entre 1996 e 1998 uma mini-série em 5 edições e uma one shot baseada nos conceitos apresentados por O’Barr.
O personagem ainda teve passagens no fim da década de 90 pelas editoras London Night Studios e até na Image Comics, com direito a uma história inédita de 10 partes com Eric Draven. As últimas editoras com as quais James publicou sua obra foram a Pocket Books (2002) e Gallery Books, que trouxe uma edição especial do autor em 2011 com 60 páginas inéditas das 5 histórias originais.
Em 2012, a editora IDW Publishing publicou 5 números de uma minissérie chamada The Crow: Death and Rebirth, escrita por John Shirley (um dos roteiristas do filme de Proyas), com ilustrações de Kevin Colden. Ela foi seguida de The Crow: Skinning the Wolves (2013), The Crow: Curare (2013), The Crow: Pestilence (2014) e The Crow: Memento Mori (2018).
A mais recente publicação do Corvo no Brasil é da editora Darkside Books, de 2018. Confira a resenha oficial deles da HQ:
E se a morte não fosse o fim para quem deseja vingança? A partir de uma tragédia pessoal, James O’Barr criou a história de Eric Draven, o protagonista de O CORVO que retorna para perseguir seus assassinos depois que estes interromperam uma vida de sonhos ao lado de sua amada Shelly. Sucesso desde quando começou a ser publicada de forma seriada e independente, em 1981, a jornada espiritual e a incapacidade de vencer o luto tocaram fundo os leitores, que se aproximaram de O’Barr, muitos de forma reverente. Outra tragédia marcaria o personagem: na adaptação de O CORVO para o cinema, Brandon Lee, que interpretava o protagonista, foi morto acidentalmente durante as filmagens, por uma bala de verdade, que deveria ser de festim. Todos esses incidentes, aliados à arte em preto e branco, as citações musicais de ícones do pós-punk e o lirismo de James O’Barr, carregam a graphic novel com uma sombria melancolia, que cativou e tocou o coração dos leitores ao redor do planeta.
A versão definitiva deste clássico dos quadrinhos traz a força da arte e dos textos góticos de O’Barr, em edição mais que especial. Além de reunir a história completa criada pelo autor na época do lançamento, O CORVO ? Edição Definitiva apresenta ainda trinta páginas de artes inéditas, e uma sequência que o quadrinista não se sentiu a vontade para produzir nos anos 1980, conforme O’Barr confessa na introdução inédita.
Ler esta edição é uma oportunidade de reviver e de conhecer os anos 1980 por um viés bastante sensível e belo, que perpetua o legado da obra original: a poderosa jornada de um anjo vingativo e a celebração do amor verdadeiro, de forma tão intensa, inteligente e inesquecível como sua concepção original.”
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