O PEQUENO MÁGICO | Nem a magia de Raul Julia e Francis Ford Coppola funcionam

O adolescente Danny Masters é filho de Harry Masters, um dos maiores escapistas da história — artista especializado em escapar de armadilhas mortais e “mágicas” –, o que explica o título do filme O Pequeno Mágico.

E ele não quer mais nada na vida a não ser seguir os passos do pai, que sumiu depois de ser acusado de um crime que não cometeu.

Quem dirige O Pequeno Mágico é o renomado diretor de fotografia Caleb Deschanel, que com os desenhistas de produção Dean Tavalouris e Stephen H. Burum, situam a narrativa do filme em uma porção de espaço-tempo não-determinada nos Estados Unidos, variando cenários, roupas, itens e objetos dos anos 1930, 1940 e 1950.

Criado pela tio e tia (que é sensitiva), Danny tenta achar seu lugar no mundo, mesma situação do filme, que não se decide em nenhum momento sobre o que quer ser: não é exatamente uma fantasia, tampouco uma aventura, não é (exatamente) uma comédia, o que nos leva ao entendimento que O Pequeno Mágico não é coerente em nenhum nível.

O Pequeno Mágico
O poster de O Pequeno Mágico é exatamente uma manobra clássica do escape

Talvez seja uma metáfora para as próprias mágicas da qual Danny aprende e aplica em suas aventuras?

O roteiro do filme é de Melissa Mathison e Stephen Zito, em cima do romance de mesmo nome de David Wagoner, The Escape Artist (1965), título original do longa.

Essa origem literária permitiria melhor qualidade, ainda mais pelo currículo de Melissa — escreveu E.T.: O Extraterrestre (1982), dirigido por Steven Spielberg — mas não é o caso aqui.

O filme foi produzido pela empresa Zoetrope Studios, de Francis Ford Coppola, especializada em obras que continuamente ultrapassaram as fronteiras do cinema americano, tal qual o prestigioso nome de Coppola no meio cinematográfico. Mas o Pequeno Mágico se mostra um filme menor.

Raul Julia, nosso ator protagonista aqui no blog, nesta Maratona Cinematográfica Raul Julia, interpreta o vilão do longa, Stu Quiñones. Ele vinha direto de outro filme de Coppola, dirigido pelo próprio, O Fundo do Coração (1981), um musical megalomaníaco que, ora vejam, também foi um fracasso comercial.

O Pequeno Mágico
Raul Julia em O Pequeno Mágico, um de seus primeiros papeis como vilão

A atriz Teri Garr estava com ele por lá também, e retorna aqui, no papel de Arlene, companheira do vilão.

O Pequeno Mágico
Teri Garr e Raul Julia

O elenco é de primeira linha. Além de Raul e Teri, temos Joan Hackett, John P. Ryan, Desidario (Desi) Arnaz, M. Emmet Walsh e Jackie Coogan, cortesia do poder magnético de Coppola e sua produtora.

O Pequeno Mágico
(The Escape Artist, 1982, de Galeb Deschanel)

Sibyl (Joan Hackett) e Burke (Gabriel Dell) fazem de tudo para segurar os anseios do sobrinho Danny Masters (Griffin O’Neal) em sair pelo mundo atrás de aventuras e entender o que aconteceu com seu pai, mas como mágica, o menino dribla todos os artifícios.

Danny é um gênio em truques de cartas, malabarismo, prestidigitação (adivinhação), arrombamento de fechaduras e roubo de carteiras.

Sua aspiração de manter viva a tradição de seu pai de maior escapista do mundo (“perdendo apenas para Houdini“) — Harry Houdini era o nome artístico do húngaro Ehrich Weisz (1874-1926), dos mais famosos escapistas e ilusionistas da história.

O Pequeno Mágico
Harry Masters, “só perdia para Houdini”

Esse desejo de Danny o levará aos caminhos coloridos e perigosos da mágica, onde corrupção e a verdade inevitável por trás do assassinato de seu pai serão seus prêmios no final de tudo.

Uma das primeiras cenas começa com Danny lançando um desafio à polícia (idêntico ao Houdini, presente na arte de capa do poster do filme).

O Pequeno Mágico
Um dos desafios mais complexos da arte do escape

Ele aposta com eles que pode escapar de sua cela de segurança máxima (a razão de estar preso? vai saber), mesmo que suas mãos e pés estejam algemados. Isso leva a um longo flashback que supostamente revela a razão por trás do desafio.

A narrativa quebrada de vai e vêm não-linear de O Pequeno Mágico mais atrapalha do que desperta curiosidade. Mas entendemos em um flashback mais sobre sua infância com seu tio e sua tia, que também são artistas de vaudeville.

O que é imediatamente quebrado para a volta ao presente para uma série de novas aventuras engraçadas, longe da tensão do começo, logo abandonada.

Danny Masters é velho antes do tempo, autoconfiante e cético em relação a todos os adultos, ao mesmo tempo que é um adulto em miniatura, o que irrita muito em diversos momentos de O Pequeno Mágico.

O Pequeno Mágico
Raul Julia é Stu Quiñones

Quando o prefeito Leon Quiñones (Desi Arnaz) e seu filho, Stu (Julia) são introduzidos, já sabemos de cara que serão os vilões, ainda que não pareçam ameaçadores (Leon nem é de verdade mesmo, o que diz muito sobre as não-decisões do filme).

O pequeno Mágico é um filme de aventura e fantasia que não se fez.

Strong Medicine (1981)

Raul Julia estrelou outro filme entre O Fundo do Coração e O Pequeno Mágico. Strong Medicine, lançado em 1981, é filme conceitual preto e branco, com legendas com estampas nas chapas, um mood teatral em estética de TV como design de produção, uma das obras mais experimentais do qual Raul já participou.

Trata-se de uma narrativa avant-garde com uma heroína histérica Rhoda, que luta contra a opressão da sociedade que vive. Ela sofre em sua festa de aniversário, que a recomenda férias, e a trama usa isso como força para a quebra da quarta parede na narrativa.

Richard Foreman foi o diretor, sendo o único de seus trabalhos na área. Ele é um dos nomes mais consagrados do teatro americano. Raul faz apenas uma ponta, sendo a protagonista Kate Manheim, junto com David Warrilow e Ron Vawter.

Um pequeno filme

Griffin O’Neal segura bem o que o papel exigia, mas o roteiro truncado não ajuda de todo

O Pequeno Mágico foi gravado em 1980 (ao mesmo tempo que O Fundo do Coração), mas lançado apenas em 1982.

Griffin O’Neal teve que realizar os truques sozinho nas filmagens, mas teve a ajuda de Ricky Jay, um expert de circo em mágica e truques de carta, que ajudou na produção como um todo.

Em 1986, Griffin fez A Aparição, um dos filmes mais estilosos dos anos 1980, década fácil para conseguir esse adjetivo.

A APARIÇÃO | A terrível vingança do piloto espectral

Caleb Deschanel teve pouco destaque no trabalho de direção, mas fez seu trabalho de direção de fotografia foi incrível e de destaque, com 6 nomeações ao Oscar: Os Eleitos – Onde o Futuro Começa (1983), Um Homem Fora de Série (1984), Voando Para Casa (1996), O Patriota (2000), A Paixão de Cristo (2004) e Nunca Deixe de Lembrar (2018).

O ator Jackie Coogan interpreta o dono de uma loja de mágica no filme, e sua presença no longa tem uma ligação curiosa com Raul Julia.

Um dos papéis mais famosos de Raul seria Gomez Addams em A Família Addams (1991), grande filme de comédia macabra dirigida por Barry Sonnenfeld, baseada na clássica série de TV A Família Addams (1964-1966), onde Jackie era o intérprete do Tio Fester.

John. P. Ryan está de novo em um filme com Raul Julia, depois de terem feito juntos o telefilme Death Scream, em 1971.

Griffin O’Neal e John P. Ryan

O ator teve participação em grandes filmes, como no já citado Os Eleitos, Cotton Club (1984), Ligadas pelo Desejo (de 1996, o segundo filme dos então Irmãos Wachowski), o clássico da comédia oitentista com Te Pego Lá Fora (1987), além de porcarias divertidas como Nasce um Monstro (1974), Desejo de Matar IV (1987) e Comando Delta 2: Conexão Colômbia (1990).

O ator também gabaritou a maior parte dos seriados americanos, e teve papéis em The Falcon (1966), N.Y.P.D. (1967-1968), The F.B.I. (1968-1969), Kojak (1974), Starsky and Hutch (1977-1979), Havaí 5- 0 (1979), Casal 20 (1980), M*A*S*H (1982) e Miami Vice (1989).

DEATH SCREAM | Um grito na noite e ninguém para ajudar

A Zoetrope Studios é um estúdio de cinema fundado por Francis Ford Coppola e George Lucas, e que produziu não apenas os filmes de Coppola (incluindo O Poderoso Chefão Parte II e A Conversação, ambos de 1974, Apocalypse Now, de 1979, O Poderoso Chefão Parte III, de 1990, Drácula de Bram Stoker, de 1992), mas também produções de George Lucas (anteriores ao blockbuster Star Wars), como THX 1138 (1971), bem como longas de diretores consagrados, como Jean-Luc Godard (Sauve qui peut (la vie), de 1980), Akira Kurosawa (Kagemusha, de 1980), Wim Wenders (Hammet, de 1982), Kenneth Brannagh (Frankenstein de Mary Shelley) e muitos outros.

FRANKENSTEIN DE MARY SHELLEY | Poder mítico do livro supera Kenneth Branagh

O filme foi lançado pela Orion Pictures, estúdio que entregou belos exemplares cinematográficos como A Vida de Brian (1979), Excalibur (1981), Rambo – Programado Para Matar (1982), Exterminador do Futuro (1984), Platoon (1986), os filmes do Robocop (1987-1990-1993), os filmes de Bill & Ted (1989-1991), entre dezenas de outros.

Vale destacar a produção da Zoetrope em Sete Minutos Para o Paraíso, comédia romântica adolescente de 1985, dirigida por Linda Feferman, e estrelada por Jennifer Connelly, outra das favoritas por aqui no blog, dona da primeira Maratona Cinematográfica do Destrutor.

SETE MINUTOS PARA O PARAÍSO | Jennifer Connelly e a comédia adolescente

JENNIFER CONNELLY | Pequena biografia de uma grande atriz

Maratona Raul Julia

Raul Julia em O Pequeno Mágico

Raul Rafael Carlos Julia y Arcelay nasceu em San Juan, cidade de Porto Rico, em 9 de março de 1940. Era o mais novo de quatro irmãos.

Desde cedo, o pequeno Raul Rafael demonstrava interesse pelas artes dramáticas. E quando ficou grande — grande mesmo, com 1,87 de altura — se encantou com a performance do ator Orson Bean em uma boate noturna, o que fez tomar a decisão de estudar teatro na Universidade de Porto Rico.

Se mudou para Manhattan (NY), em 1964, e rapidamente encontrou trabalho em peças e shows da Broadway.

O Internet Movie Database50 créditos de atuação de Raul Julia como ator em produções de cinema e filmes para a TV. O imenso legado criativo de Raul Julia no cinema será resenhado aqui, tal qual já fizemos por aqui com a atriz Jennifer Connelly, e traremos todas essas produções para cá.

Abaixo, um vídeo produzido pelo American Masters, que destaca profissionais da arte e cultura nos Estados Unidos. E a rendição deles para o talento de Raul Julia.

Obrigado por ler até aqui!

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1 comentário

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