No primeiro filme dirigido por Ewan McGregor, o ator compõe com Jennifer Connelly e Dakota Fanning a história da queda de uma família, que acompanhamos em momentos intercalados de angústias intimas e os problemas sociais/raciais que incendiaram a América em retratada Pastoral Americana, baseado em um livro premiado do escritor Phillip Roth.
Pastoral Americana é uma meditação sobre a vida idílica que Seymour Levov tem — ou acha que tem — e é um forte exercício de tentação para derrubar esse exemplar físico e moralmente impoluto de Newark.
A ele é negado antever ou evitar todas as coisas terríveis que acontecem com sua esposa e filha.
A menina ainda é mais problemática, fechando os olhos às minúcias e diferenças de sua família ao contexto das chamas que queimam os Estados Unidos pelos direitos civis e dos negros, da Guerra do Vietnã e da escalada de violência do país.
No livro de Roth, publicado em 1997 e vencedor do Pulitzer no ano seguinte, o escritor registrou o fim do sonho americano nos anos 1960, com os protestos contra a guerra, os movimentos pelos direitos civis e os tumultos em Newark que resultaram em dezenas de mortes.
A riqueza de eventos, costurada com a visão da fratura da família Levov, é um jogo de espelhos criativo da sociedade americana.
Jennifer Connelly em Pastoral Americana interpreta Dawn, nome que prenuncia sua queda, de miss a mulher frívola e que se castra mentalmente para superar a tragédia que se abateu sobre sua família, se tornando algo fútil que nos faz perder o interesse.
O centro gravitacional é Seymour e sua filha, é por meio dos dois que o roteiro do filme trabalhará as questões levantadas por Philip Roth em seu livro, a crônica da vida americana, cortada em diálogos afiados e que sangram direto do coração.
Pastoral Americana
(American Pastoral, 2016,
de Ewan McGregor)
spoilers
Seymour “Swede” Levov (Ewan McGregor) e sua esposa Dawn (Jennifer Connelly) vivem uma existência idílica nos anos 1960 nos Estados Unidos, até o amadurecimento da filha do casal, Meredith “Merry” Levov (Dakota Fanning), que trará o signo da tragédia para a família.
Philip Roth não alivia em nada para construir as bases do desastre: Merry é atraída sexualmente pelo próprio pai, Swede sofre pressões contantes por causa dos distúrbios raciais e sociais que assolam os arredores de sua empresa de luvas, e Dawn, de uma mulher que sabe exatamente o que quer, passa a ser menos fiel à sua família.
Swede — a tradução na dublagem e legendas no Brasil trata como “Sueco” — era um atleta festejado, soldado na Segunda Guerra, casou-se com Dawn, ex-miss, desejada por todos, com quem tem uma filha, Merry (interpretada em diferentes idades, pelas atrizes Ocean James, Hannah Nordberg e Dakota Fanning).
Mas desde o começo estava fadado a extinção, o que já podemos prever ao notar que ele toca os negócios de seu pai, Lou Levov (Peter Riegert), uma fábrica de luvas.
Quando Merry (Dakota Fanning) começar a sofrer afetações sociais no ambiente escolar e a acadêmica, é o inferno para a família Levov, pois de uma gagueira infantil para chamar a atenção do pai em detrimento da mãe, sua sede por atenção chega à militância de políticas extremistas.
Com efeito, ela participa de atos terroristas locais, com resultados letais, que afetarão sua família para sempre.
McGregor e Roth já dão pistas da construção de identidade da menina, quando ela vê na TV as cenas da autoimolação do monge budista Thích Quang Duc em 1963, em protesto contra a política do governo do Vietnã do Sul.
Ela fica mais de um ano desaparecida dos olhos de todos, se enche de ideias pré-concebidas sobre sua família, sua origem, seu repertório.
Os Estados Unidos viu mais de 4 mil bombas serem explodidas no país nos distúrbios dos anos 1960, e Merry se torna parte disso.
Dawn simplesmente não suporta a pressão e surta, e a miss princesa se vê acossada em um sanatório. Quando ela finalmente sai, tem que buscar um novo “eu”, por isso a cirurgia plástica, por isso um amante.
Quando finalmente Merry é reintroduzida na trama, ela é adepta de uma seita indiana minimalista, como forma de expiar (ou não) as três mortes que diz que provocou.
Estuprada e desdentada, é a morte em vida para Seymour, que ainda deve manter a promessa de se afastar para sempre dela.
É desconcertante o final, quando a filha visita o pai morto no velório, e passa reto por Dawn, uma mulher morta para ela há muito tempo.
São três mortos em cena, mas apenas um enterrado.
A América em chamas
de Philip Roth
Pastoral Americana não começa com Ewan McGregor e Jennifer Connelly em tela, e sim com Jerry Levov, irmão mais novo de Swede, interpretado pelo ator Rupert Evans, e Nathan Zuckerman, interpretado por David Strathairn, ninguém menos que o próprio Philip Roth na forma de uma persona.
O filme de McGregor teve menos de duas horas para acomodar a complexidade de um romance de mais de 400 páginas, e óbvio que os resultados ficaram aquém do esperado.
Sua estrutura narrativa começa Zuckerman (alter ego do próprio Roth) como o narrador da história a partir do encontro com Jerry numa reunião de ex-colegas de classe. É por meio dele que acompanharemos o desenrolar da história.
Neto de imigrantes que fugiram dos pogroms do Leste Europeu, Roth, ao inventar a figura de Seymour Levov, fez nele um modelo dos personagens masculinos que protagonizam suas novelas, a maioria “self-made man” que acreditam que podem eles mesmos serem senhores do destino e existência.
O romance no qual Pastoral Americana foi baseado ganhou o Pulitzer — o “Oscar” do jornalismo –, e o script de um filme a respeito do livro rodava em Hollywood desde 2006. Paul Bettany estava escalado como Swede, Jennifer Connelly como sua esposa e a filha do casal seria a atriz Evan Rachel Wood, quando o projeto cinematográfico de adaptação do livro teve início, em 2004.
Mas com o passar dos anos, apenas Jennifer Connelly permaneceu em Pastoral Americana. O filme teve sua estréia mundial em 9 de setembro de 2016, no Festival Internacional de Cinema de Toronto de 2016, sendo lançado nos cinemas dos Estados Unidos em 21 de outubro de 2016 pela Lionsgate.
“A paixão pela especificidade, pela materialidade hipnótica do mundo em que alguém vive, está no coração da tarefa que cada romancista norte-americano se impôs desde Herman Melville e sua baleia e Mark Twain e seu rio: descobrir a mais impressionante e evocadora representação verbal de cada uma das coisas americanas”, disse Roth na comemoração de seu 80º aniversário, em 2013, em Newark.
Philip Roth e
uma pastoral literária
Em uma entrevista em 1985, Roth definia assim a questão essencial sobre a qual giravam ele e sua literatura: “É a tensão entre a fome de liberdade pessoal e as forças da inibição”.
Philip Milton Roth nasceu em 1933, e foi um dos mais consagrados romancistas dos Estados Unidos, bastante conhecido pela sua temática literária à comunidade judaica. Fez dezenas de romances, contos e ensaios.
Roth foi o terceiro escritor americano, depois de Eudora Welty (1909-2001) e Saul Bellow (1915-2005), a ter a sua obra consagrada pela Library of America ainda em vida. Vencedor de vários dos principais prêmios literários do planeta, como o Pulitzer (1997), por Pastoral Americana, o National Book Awards e o National Book Critics Circle Awards (ambos em duas ocasiões), ele foi laureado em 2011 com o Man Booker International Prize.
Recebeu da Casa Branca a National Medal of Arts, em 1998, e a National Humanities Medal, em 2010.
Seu livro mais conhecido, O Complexo de Portnoy (1969), que o catapultou ao sucesso, lhe permitiu construir uma lendária “trilogia americana”, que lhe abriu definitivamente as portas do Olimpo literário – Pastoral Americana (1997), Casei com um Comunista (1998) e A Marca Humana (2000).
Roth deixou a escrita em 2012, ano em que foi premiado com o Príncipe de Astúrias das Letras.
Ele assinou mais de 31 livros que retrataram a sociedade norte-americana, e faleceu aos 85 anos, vítima de Insuficiência cardíaca, em Nova Iorque, em 2018.
Com sua morte, os Estados Unidos perderam o seu maior escritor. Ele definiu a literatura americana da segunda metade do século XX com Complexo de Portnoy, Casei com um Comunista e Complô contra a América.
A frase pode ser exagerada para quem vê em Roth apenas o protótipo do escritor judeu ordinário, mas as condições de seus personagens — judaicos ou não — ultrapassa convenções artísticas e atinge de igual maneira todos que tem impacto com sua literatura. Roth entendeu que os seres humanos podem alimentar a ilusão de que são senhores do seu destino, mas as barreiras impostas pelo que, quando, onde, como, e, especialmente, o por quê, é quem determina o que somos e o que não somos, o que podemos e não podemos.
Não à toa, é isso que define o lide do jornalismo. Não à toa, é o que Philip queria ser, um jornalista, de acordo com essa matéria do El País, de agosto desse ano.
Foi um gigante das letras que seguiu os passos do seu maior mestre, Franz Kafka (1883-1924), na análise irônica e brutal da insignificante condição terrena de heróis que assumem proporções essencialmente trágicas, na dimensão clássica da palavra.
Philip Roth teve outras incursões pelo mundo do cinema, além de Pastoral Americana, como Revelações (2003), Indignação (2016), e o mais recente, The Plot Against America, desse ano de 2020, baseado em seu livro Complô Contra a América (2004), transformada agora em uma minissérie da HBO.
Philip Roth, entretanto, não se sentia cômodo com sua reiterada categorização como escritor judeu-americano. As declarações dadas em outra matéria do El País confirmam isso. “Essa qualificação não faz sentido para mim”, disse.
“Se não for um americano, não sou nada”, ou, como resumiu em outra ocasião, rejeitando o reducionismo e ressaltando seu propósito de universalidade: “Eu não escrevo judeu, escrevo norte-americano”. Em sua autobiografia The Facts (2008), dizia com humor sobre seu pai: “Seu repertório nunca foi enorme: família, família, família, Newark, Newark, Newark, judeu, judeu, judeu. Mais ou menos como o meu”.
“Já não possuía a vitalidade mental, nem a energia verbal e a forma física necessárias para construir e manter um longo ataque criativo de qualquer duração sobre uma estrutura tão complexa e exigente como um romance”.
Quando optou por deixar o ofício, Philip Roth grudou um post-it no seu computador que dizia: “A luta com a escrita terminou”. Para avaliar sua obra, citava esta frase que o pugilista Joe Louis disse quase no final da vida: “Fiz o melhor que pude com o que eu tinha”.
40º filme de Jennifer Connelly
Pastoral Americana
Estados Unidos
/// MÃE DAS FANNING. Além de Dakota Fanning, Jennifer Connelly interpretou a mãe da personagem de Elle Fanning, irmã de Dakota, no longa Traídos pelo Destino.
/// 2016. Nos cinemas estavam em cartaz filmes como Os 8 Odiados, Spotlight: Segredos Revelados, A Grande Aposta, Creed – Nascido para Lutar, Caçadores de Emoção – Além do Limite, Jem e as Hologramas, O Regresso, A Garota Dinamarquesa, 13 Horas: Os Soldados Secretos de Benghazi, O Quarto de Jack, Orgulho e Preconceito e Zumbis, Presságios de um Crime, Eu Sou Carlos Imperial, Zootopia – Essa Cidade É o Bicho, Batman vs Superman: A Origem da Justiça, Mogli – O Menino Lobo, O Escaravelho do Diabo, Capitão América 3: Guerra Civil, X-Men: Apocalipse, Rock em Cabul, Tudo Sobre Vincent, Invocação do Mal 2, As Tartarugas Ninja – Fora das Sombras, Como Eu Era Antes de Você, Doce Veneno, Independence Day 2: O Ressurgimento, Porta dos Fundos – Contrato Vitalício, Caça-Fantasmas, Jason Bourne, Esquadrão Suicida, Star Trek: Sem Fronteiras, Demônio de Neon, Doutor Estranho, Rogue One – Uma História Star Wars, Capitão Fantástico, Invasão Zumbi e muitos outros.
/ OS FILMES DE JENNIFER CONNELLY.
1- Era Uma Vez na América (1984)
2- Phenomena (1985)
3- Sete Minutos Para o Paraíso (1985)
4- Labirinto – A Magia do Tempo (1986)
5- Essas Garotas (1988)
6- Etoile (1989)
7- Hot Spot – Um Local Muito Quente (1990)
8- Construindo Uma Carreira (1991)
9- Rocketeer (1991)
10- O Coração da Justiça (1992)
11- Do Amor e de Sombras (1994)
12- Duro Aprendizado (1994)
13- O Preço da Traição (1996)
14- Círculo das Vaidades (1996)
15- Círculo das Paixões (1997)
16- Cidade das Sombras (1998)
17- Amor Maior que a Vida (2000)
18- Réquiem Para um Sonho (2000)
19- Pollock (2000)
20- Uma Mente Brilhante (2001)
21- Hulk (2003)
22- A Casa de Areia e Névoa (2003)
23- Água Negra (2005)
24- Pecados Íntimos (2006)
25- Diamante de Sangue (2006)
26- Traídos pelo Destino (2007)
27- O Dia em que a Terra Parou (2008)
28- Coração de Tinta (2008)
29- Ele Não Está Tão a Fim de Você (2009)
30- 9 – A Salvação (2009)
31- Criação (2009)
32- Virginia (2010)
33- O Dilema (2011)
34- E…que Deus nos Ajude!!! (2011)
35- Ligados pelo Amor (2012)
36- Um Conto do Destino (2014)
37- Marcas do Passado (2014)
38- Noé (2014)
39- Viver Sem Endereço (2014)
40- Pastoral Americana (2016)
41- Homem-Aranha De Volta ao Lar (2017)
42- Homens de Coragem (2018)
43- Alita – Anjo de Batalha (2019)
44- Top Gun – Maverick (2022)
45- Bad Behaviour (2023)
/ AS SÉRIES DE JENNIFER CONNELLY.
1- The $treet (2000)
2- O Expresso do Amanhã/Snowpiercer (2020-2024)
3- Matéria Escura (2024)
Jennifer Connelly e seu Instagram: https://www.instagram.com/jennifer.connelly/
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