Tudo respira metal em Weaponlord: as armas dos lutadores, a estética da interface gráfica, os nomes estilosos, a trilha sonora heavy metal, o sangue e gore, e uma história épica e sinistra, ainda que baseada em clichês noventistas de lutas e guerreiro escolhido pelo destino para um grande feito.
A história passa por cima de um mercenário à beira da morte em um mundo antigo, bárbaro e medieval, que é possuído pelo espírito de um demônio antes de morrer.
Ele renasce e molda um novo mundo baseado em violência, sangue e morte. E cria um reinado demoníaco. Se torna um novo ser, chamado Zarak, o Demon Lord. E apenas outro ser poderá derrotá-lo. Um Weapon Lord, “senhor das armas”. Que pode ser você mesmo.
São sete guerreiros em uma estética bárbara medieval heavy metal em um jogo de luta que causou impacto em seu lançamento, mas não duradouro o suficiente para derrotar outros oponentes, como o cenário do mercado de videogames e os adversários da concorrência.
Weaponlord foi lançado em 1995 para os consoles Super Nintendo (o 16-bits da Nintendo) e o Mega Drive/Genesis (o 16-bits da Sega) pela Namco, mas o jogo foi produzido pela softhouse Visual Concepts.
Foi um game único em sua geração, já que estava espremido entre um momento significativo na indústria dos videogames, a transição do 2D para o 3D. O ano de 1995 era o melhor para Weaponlord, já que os consoles de 32-bits que seriam especialistas nesse 3D ainda estavam longe de serem lançados pela Sony, com sua estreia com o PlayStation, e Sega, com seu Sega Saturn.
E mesmo em um momento assim, a Visual Concepts e a Namco fizeram um dos jogos mais incríveis em termos de qualidade gráfica, já que Weaponlord conta com sprites (figuras pixelizadas) com um nível rico de detalhes, movimentação diferenciada, direção de arte, o character design, os cenários e a temática medieval selvagem, indo direto contra a sutileza e delicadeza letais de Samurai Shodown III (SNK), lançado no mesmo ano de Weaponlord, e abraçando temas de Conan (livros e filmes) e um mood de Highlander (filme) de combates de espada e decapitação.
Weaponlord
(1995, da Visual Concepts e Namco)
Weaponlord se destaca por ter uma jogabilidade mais técnica do que outros jogos de luta da época, com uma variedade de combos e mecânicas de bloqueio avançadas.
O jogo também possui uma variedade de personagens jogáveis, cada um com suas próprias habilidades e armas. Há dois modos de jogo em Weaponlord: Arcade Mode (para jogar de boa ou de versus com um amigo) e Story Mode, o que nos leva a uma jornada narrativa heavy metal pelo mundo de Weaponlord.
Há 7 jogadores disponíveis, armados até os dentes e prontos para esfolar qualquer um que apareça no caminho. Cada um deles têm de 9 a 12 golpes e técnicas especiais de ataque, e nisso reside sua qualidade única — e defeito?
Muitos deles envolvem pressionar e segurar os botões de ataque ao mesmo tempo do direcional, geralmente em direção ao oponente. Cada personagem também conta com um Deflect Move (um contra-ataque especial) bem como um Take Down (movimento que acerta o adversário quando ele se aproxima pelas costas).
Há ainda o Thrust Blocking, que cancela o ataque do oponente com um golpe — bem antes da Capcom ter feito algo parecido com o Parry em Street Fighter III; os Catchers, que paralizam o inimigo com um golpe da arma (pra ele levar muitos outros, é claro); Openers, que quebram a defesa do adversário; e os Double Overs, golpes que atordoam o inimigo para deixar ele com a guarda baixa.
E claro, em um jogo tão selvagem e visceral como Weaponlord, temos o Death Combo, uma combinação arrasadora de golpes em que o lutador mata seu oponente com vários golpes, que esfolam e desmembram os personagens.
O final dá 2 passwords (antigo pergaminho gamer usado para save states eras atrás, conhece?). Um permite retornar ao meio do percurso de lutas do game (pra que?) e outro libera o Demonlord Zarak para ser selecionável no Story Mode.
Há diferentes finais dependendo da quantidade de mortos que deixou pelo caminho.
Projeto, produção e desenvolvimento
Os primeiros jogos de luta 2D famosos, como Street Fighter e Mortal Kombat, eram baseados em sprites bidimensionais. Isso significa que os personagens e os cenários eram desenhados em camadas, o que permitia que os jogadores se movessem em apenas duas dimensões (esquerda e direita).
Esses jogos eram muito populares devido à sua jogabilidade simples e aos gráficos coloridos e animados.
Quando os primeiros jogos de luta 3D começaram a aparecer — sendo o primeiro Virtua Fighter (1993), da Sega, mas Tekken (1994), da Namco, que aprimorou o que foi apresentado — eles usavam gráficos tridimensionais para permitir que os jogadores se movessem em todas as direções e interagissem com cenários mais detalhados e complexos.
Isso também permitiu aos jogadores executar movimentos mais avançados e manobras de combate. É importante notar que essa transição não foi tão simples e imediata, muitos jogos de luta 2D ainda continuaram a ser lançados e muitos jogadores ainda continuam jogando esses jogos até hoje.
A transição foi gradual e os jogos 2D e 3D conviveram por um período de tempo, mas os jogos 3D acabaram se tornando mais populares e a demanda por jogos 2D foi diminuindo.
A transição dos jogos de luta 2D para 3D trouxe uma série de desafios para os desenvolvedores de jogos. Um dos principais desafios era garantir que a jogabilidade fosse suave e precisa, já que os jogadores agora podiam se mover em todas as direções.
Além disso, os desenvolvedores precisavam criar personagens e cenários mais detalhados e animações mais complexas.
Isso também trouxe algumas vantagens para os jogadores, como uma jogabilidade mais profunda e desafiante e gráficos mais realistas. Hoje em dia, a maioria dos jogos de luta são em 3D, mas ainda existem alguns jogos 2D que são muito populares entre os jogadores, como Guilty Gear (1998), criado pela Arc Systems Works, exclusivo do PlayStation e que rendeu uma franquia de mais de 10 games, com o último sendo Guilty Gear StrIVe (2021), lançado para o PlayStation 4.
O criador do conceito de Weaponlord foi James Goddard, ajudado de perto por Dave Winstead, que miraram em um design único de jogo. Eles trabalharam na Capcom (americana) em jogos como Street Fighter II: Champion Edition (1992), Street Fighter II: Hyper Fighting (1992) e Super Street Fighter II Turbo (1994).
Foi Goddard quem co-criou o lutador Dee Jay para a franquia de Street Fighter, e o mood bárbaro heavy metal de Weaponlord foi ideia sua, já que sempre foi um grande fã de Conan, (a épica criação literária do escritor Robert E. Howard).
O artista Omar “Omz” Velasco foi o character designer principal do game, auxiliado pelos artistas Alvin Cardona (que também fez artes gráficas para os cenários, com os sprites desenhados pixel por pixel no computador, e cenários pintados em seperado, escaneados e retocados por computador), Ray Wong e o próprio Goddard.
O responsável pela trilha sonora heavy metal de Weaponlord foi Brian Schmidt, que trabalhou em games como Desert Strike (1992), Mutant League Football (1993), BattleTech: A Game of Armored Combat (1994), Blackthorne (1995) e um montão de jogos de esportes.
Um dos primeiros nomes de Weaponlord em seu desenvolvimento era Melee, ainda sob direção de Ken Lobb, co-criador do jogo Killer Instinct (também trabalhou em sua sequência e em 007 GoldenEye).
GOLDENEYE 007 | A revolução do game em primeira pessoa nos anos 90
Mesmo quando ele deixou o projeto, o game ainda manteve esse nome. Weaponlord tinha previsão de sair só para SNES, mas a softhouse Visual Concepts criou a versão para Mega Drive.
E há diferenças do Weaponlord da Nintendo e da Sega. No SNES, o jogo é mais brilhante, tem mais detalhes nos cenários e o som é superior. Mas no Mega Drive, o game tem uma jogabilidade mais macia e a IA (inteligência artificial) é menos apelona.
Entre as críticas e análises de jornalistas especializados na área, é comum estabelecer Weaponlord como o antecessor de games de luta com armas, em especial um da própria Namco, o Soul Edge (1996), e que atropelou o pioneiro de luta com armas 3D dos videogames, Battle Arena Tohshinden, lançado no mesmo ano de Weaponlord.
Soul Edge foi tão poderoso e inovador que deu origem ao game Soul Calibur (1998), que continuou com sucesso a franquia em mais de 10 jogos. O mais recente é SoulCalibur VI (2018), lançado para PlayStation 4, Xbox One (console da Microsoft) e computadores.
A softhouse Visual Concepts foi fundada em 1988 na California. O primeiro jogo foi de esporte, Gnarly Golf, lançado um ano depois. Games de esporte seriam o forte da empresa aliás, como os da série NFL e Madden (ambos de futebol americano).
Depois de Weaponlord, a softhouse lançou o game de tiro Viewpoint, game de tiro estilo “navinha” lançado para o estreante PlayStation. Os jogos mais recentes foram WWE 2K22 (wrestling/luta livre) e NBA 2K23 (basquete), lançados em 2022 para os consoles PlayStation 4, Xbox One e os da última geração, PlayStation 5 e Xbox Series X/S.
A Visual Concepts tinha feito outro games de luta antes de Weaponlord, o inovador Clay Fighter (1993), jogo lançado para Super Nintendo e Mega Drive (um ano depois), com uma temática de humor e estética gráfica de massinhas (massa de modelar), que fez sucesso e teve várias adaptações e sequências.
A Namco é uma empresa japonesa de jogos eletrônicos fundada em 1955 como Nakamura Manufacturing. Originalmente, a empresa fabricava jogos mecânicos, como fliperamas, mas rapidamente se expandiu para outros tipos de jogos eletrônicos, incluindo jogos de arcade.
Em 1977, a empresa mudou seu nome para Namco (a abreviação de Nakamura Amusement Manufacturing Company) e lançou o jogo de arcade Galaxian, que se tornou um grande sucesso e estabeleceu a Namco como uma importante produtora de jogos de arcade.
É dela o jogo que talvez seja sinônimo de videogame: o Pac-Man (1980), popularmente conhecido como “Come-come”. Ele foi seguido de Galaga (1981), outro sucesso de tiro espacial.
Nos anos 90, além de estabelecer como seu o jogo de luta 3D com Tekken e com armas 3D com Soul Edge/Soul Calibur, a Namco ainda fez Ridge Racer (1995), um dos primeiros games de corrida 3D do mercado, ponta de lança do primeiro PlayStation em seu line-up.
Em 2005, a Namco se fundiu com a Bandai para formar a Bandai Namco Games, que se tornou uma das maiores empresas de jogos eletrônicos do mundo.
A Bandai Namco Games continua a lançar jogos para consoles e dispositivos móveis, incluindo jogos de sucesso como Dark Souls (2011), que se tornou sinônimo de jogo difícil, pára os saudosistas dos anos 80 e 90, e Dragon Ball Z: Kakarot (2020), além de manter seu portfólio de jogos de arcade. A Namco também possui parques temáticos e outras propriedades relacionadas a jogos e entretenimento em todo o mundo.
Simon Bisley e Weaponlord
A arte de capa do game é do ilustrador Simon Bisley, que tem um longo trabalho na área de quadrinhos, tanto em capas como em histórias.
Bisley é inglês e fez trabalhos em séries como 2000 AD, a maior revista em quadrinhos da Inglaterra, lar de personagens como o Juiz Dredd, o qual ele também desenhou; Lobo; Batman; Hellblazer (a revista de John Constantine); Patrulha do Destino; Authority (a equipe de super-heróis mais badass das HQs); Hulk e Wolverine (ambos da Marvel) e muitos outros.
O blog tem duas matérias extensas sobre a equipe: uma do criador Arnold Drake, e outro de Grant Morrison, que fez as maiores histórias do grupo.
GRANT MORRISON | Um rockeiro travesti escocês abduzido e pirado nas HQs
Bisley se notabilizou principalmente pela sua passagem nas HQs do guerreiro celta Slaine, que podia estar tranquilamente em Weaponlord.
Bisley ganhou o Eisner Awards (o “Oscar” dos quadrinhos americanos) por Batman/Judge Dredd: Judgment on Gotham (1991). Sua arte é tão heavy metal que ele também trabalha regularmente para bandas de heavy metal como Metallica e Slayer.
No caso do Slayer, Simon pintou um quadro para a revista Rock Power (1991), para celebrar o disco duplo ao vivo Decade of Aggression.
Aliás, foi nesse ano que o primeiro trabalho de Simon Bisley apareceu no Brasil. Foi a capa de Hellraiser #2, uma série de HQs baseada no filme de mesmo nome de 1987, que expande a mitologia apresentada na obra do criador, o escritor Clive Barker.
E aliás, que capa! Fonte: Guia dos Quadrinhos, o melhor site de pesquisas de quadrinhos do Brasil.
1995, o ano de porrada nos videogames
Além de Fatal Fury 3 e The King of Fighters 95 e o já citado Samurai Shodown, a SNK lançou World Heroes Perfect e Savage Reign, um game de luta de novo inovador, com um sistema de duplas (antes de X-Men vs Street Fighter), com lutadores armados e que se passa numa South Town futurista de 2051 meio Mad Max (!).
O já citado Battle Arena Toshinden, da softhouse Takara (que fez ports dos primeiros Fatal Fury e Art of Fighting para o SNES e Mega Drive) foi o primeiro game de luta 3D com armas, de início ponta de lança do lançamento do Playstation, irmão gêmeo de Weaponlord.
BATTLE ARENA TOSHINDEN | A origem dos jogos de luta 3D com armas
Killer Instinct 2 (Rare) teve gráficos impressionantes no arcade, um mix insuperável de 2D renderizado com 3D (nunca teve adaptação pois impossível reproduzir, e a versão Killer Instinct Gold do Nintendo 64 é uma vergonha).
KILLER INSTINCT 2 | O jogo de luta 2D/3D definitivo dos videogames
Fighting Vipers, game de luta com personagens urbanos como skatistas e um inovador sistema de “armaduras” de dano, e Virtua Fighter Remix, direto para Sega Saturn, uma versão do primeiro game com gráficos melhorados, foram as investidas da Sega.
Também foi o ano de Mortal Kombat 3, um dos mais esperados da franquia, que uniu o oriental místico dos dois primeiros jogos com o hi-tech ocidental na forma de ninjas cyborgs no line-up — nada mais cool nos anos 90 que isso.
A Midway tentou replicar seu sucesso de MK com War Gods, primeira incursão da softhouse no 3D, com resultados horríveis.
A Capcom veio com seu segundo Darkstalkers, Marvel Super Heroes, sequencia de X-Men Children of The Atom (1994) com uma incrível mecânica de uso das Jóias de Infinito até chegar ao chefão final Thanos, quase 25 anos antes de todo mundo ver isso no filme Vingadores 4 – Ultimato (2019).
Street Fighter Zero (chamado de Alpha nos EUA), o primeiro SF no mood anime — herança direta do sucesso do filme animado Street Fighter II – The Movie Animated (1994) –, que juntou personagens de Final Fight à franquia, revitalizou antigos, introduziu o hoje clássico 3 níveis de barra de especial, e que contou histórias passadas logo após o primeiro Street Fighter.
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