CAPITÃO ALLEN ADAM | O Superman Quântico da Terra 4

Há uma infinidade de versões do Superman pelo Multiverso DC, mas o Capitão Allen Adam é mais do que especial. Esse Superman Quântico mescla mais elementos do super-herói Capitão Átomo (anteriomente um super-herói da Charlton Comics e atualmente da DC Comics) e do Doutor Manhattan (esse, por sua vez, um pastiche do Capitão Átomo da Charlton, em universo à parte da DC regular), em uma reinvenção dos dois, a priori diretamente da obra seminal Watchmen (1986), de Alan Moore e Dave Gibbons, do que o Superman. Tudo para termos mais um mito do kryptoniano nos quadrinhos.

O Allen Adam do qual iremos tratar aqui fez sua estreia em Final Crisis: Superman Beyond #1 (2008), com arte de Doug Mahnke, um spin-off da megassaga Crise Final, ambas escritas por Grant Morrison. O escocês é um dos escritores mais celebrados dos quadrinhos de super-heróis. Escreveu as séries Homem-Animal (1998-1990), Liga da Justiça da América (1997-1999), DC Um Milhão (1998), a série limitada All-Star Superman (2005-2008), a minissérie Sete Soldados da Vitória (2006) e Batman (2006-2010). Depois de Crise Final e Superman Beyond, ele escreveu mais uma série do Homem-Morcego, Batman & Robin (2009-2011), a minissérie Batman – o Retorno de Bruce Wayne (2010-2011) e as duas séries pós-reboot Novos 52 Batman Inc. (2011-2013) e Action Comics (2012-2013). Isso para ficarmos apenas na DC Comics.

Capitão Allen Adam
Capitão Allen Adam como o Superman Quântico da Terra-4

No contexto da Crise Final, que trata da ameaça de Darkseid e da Equação Anti-Vida, em mais uma ameaça de destruição total do Universo DC, com a Terra como epicentro e campo de batalha, Adam é um dos vários Supermen reunidos para resistir. Crise Final foi a última megassaga da DC antes dela fazer um reboot em seu universo criativo e editorial.

Capitão Allen Adam
Capitão Allen Adam e o Multiverso contextualizado (texto de Morrison)

O Capitão Allen Adam é mostrado na trama como um ser com poderes quase divinos, mas emocionalmente distante, quase como um autista. Em certo momento da história, o Monitor Zillo Valla remove certas drogas do sistema orgânico dele, e o faz ainda mais poderoso. É graças a isso que Allen Adam se funde com o Superman e o Ultraman para criar um ser invencível, o único capaz de derrotar o Monitor Mandrakk, um dos antagonistas da história.

Capitão Allen Adam
O Capitão Allen Adam ajuda os Supermen e depois parte para seu mundo natal

Mal-conduzida editorialmente, Crise Final sofreu atrasos e grande parte de seus acontecimentos não repercutiram do jeito que deveriam, já que ela seria o último passo antes de uma grande reformulação na editora, que deveria ser uma definitiva, já que Crise Infinita (2005-2006) não promoveu isso.

A DC então decidiu por mais uma saga mais drástica, Flashpoint/Ponto de Ignição (2011), que resetou o Universo DC em mais de 80 anos de cronologia. Foi uma zona, com personagens como Batman e Lanterna Verde mantendo seus status anteriores em vários conceitos, enquanto outros sofreram um banho de loja completo, como Superman e Mulher-Maravilha. Muitos caíram em um limbo editorial e criativo, como o Flash Wally West, enquanto outros sofreram mudanças atrozes, como Amanda Waller, Lobo e outros.

Por toda a década de 2010, a DC tentou arrumar essa cronologia pós-Novos 52. Uma delas foi Multiversity (2014-2015), também escrita por Grant Morrison, uma série de 10 edições especiais com histórias separadas que compõem a saga toda. E o Capitão Allen Adam retorna em uma delas, chamada Pax Americana. Com arte de Frank Quitely, essa HQ se provaria o “Watchmen de Grant Morrison”, em uma notável inversão de valores da obra de Moore, com o escritor escocês empenhado na narrativa de demonstrar que é possível ser alguém poderoso e ainda assim humano.

Doutor Manhattan em Watchmen

Capitão Allen Adam e Pax Americana

Capitão Allen Adam
Pacificador, Questão, Capitão Allen Adam, Besouro Azul e Sombra da Noite

Grant estabelece que o Capitão Adam — sem codinome específico, chamado simplesmente de Capitão Adam –reside na chamada Terra-4, o universo dedicado a personagens baseados no line-up da Charlton Comics:  Pacificador, Questão, Besouro Azul, Sombra da Noite e Capitão Átomo (aqui, Capitão Adam). Trata-se de uma homenagem à homenagem usando os heróis que deram origem à homenagem. Além disso, Pax Americana divide seu grid de páginas em quadrados múltiplos de 8, enquanto Watchmen funcionava com múltiplos de 9, e claro, a narrativa de Grant e Frank trabalha muito com simetria, com várias cenas espelhadas.

O grid ajuda a conduzir o mistério da trama

Na história, descobrimos a origem do Capitão Allen Adam, em um acidente envolvendo urânio que lhe deu poderes divinos, destruindo seu corpo físico e aumentando sua mente e percepção da realidade e níveis inimagináveis. Ao reconstruir seu corpo, ele não era mais humano, e estava mais perto do divinidade que qualquer outro ser humano no Multiverso DC.

Ele agora era capaz de manipular matéria e energia em níveis quânticos. O escopo de seus poderes era tão alto que apenas drogas seriam capaz de suprimir os diversos efeitos que tal onisciência promovia, a começar pela autoconsciência de entender as hiperestruturas narrativas de onde está inserido, como uma página de quadrinhos, mundo 4D e o Efeito do Observador.

Capitão Allen Adam
Os quadrinhos são uma metáfora até dentro da história de Multiversity de Morrison. E ele usa isso para explicar noções de tempo e espaço para nós mesmos

Adam consegue ver os construtos da realidade no tempo e espaço, assim tendo a chance de ver as motivações e pensamentos das pessoas ao seu redor. Morrison usa a hiperestrutra de uma página de HQ para nos fazer entender melhor isso: quando se lê uma página de história em quadrinhos, podemos ver o que os personagens falam/pensam, e podemos ver o início e o fim da página na mesma leitura. Inclusive é com gibis que o próprio Allen Adam é “controlado”.

Mas não é isso que Pax Americana trata em essência. Como não poderia deixar de ser, o governo americano logo faz uma equipe de super-heróis em torno desse ser superpoderoso. Tudo começa décadas atrás, antes do presente (2014). Vance Harley, um desenhista de história em quadrinhos, e também o vigilante Yellowjacket (primeiro herói da Charlton Comics, sem relação com o herói de mesmo nome do Universo Marvel). Uma tragédia ocorre e o filho dele fica traumatizado por anos, até que misteriosamente recebe a visita do Capitão Allen Adam no túmulo do seu pai.

O superser lhe conta sobre Algoritmo 8, algo indefinido, mas que faz possível compreender a estrutura por trás do aparente caos do mundo, e assim prever o futuro. Na época atual, Haley é o Presidente dos Estados Unidos, e uma série de mortes chama a atenção do vigilante Questão, que consegue conectar os crimes ao Algoritmo 8.

Questão começa a investigar diversos assassinatos
O Algoritmo 8 parece está por tudo

De muitas maneiras, o Capitão Allen Adam foi a primeira versão do Doutor Manhattan no Universo DC regular antes da integração do próprio Manhattan na saga Doomsday Clock (2019) — outro pretenso reboot criativo e editorial da DC.

Doomsday Clock, o Relógio do Apocalipse, coloca em confronto Dr. Manhattan e Superman
O roteiro é de Geoff Johns, que coloca uma referência aos heróis da Charlton na história

O padrão nas coisas que faz tudo acontecer da maneira como acontece é um tema irresistível, e acompanhar Adam fluir dessa maneira no roteiro de Morrison é muito legal. E esta criação do escocês trouxe consigo não apenas um poder incomensurável, mas também reflexões profundas sobre o contexto geopolítico dos anos 2000 e o papel da cultura pop como um escapismo fantasioso, embora muitas vezes permeado por problemáticas inerentes.

É fundamental questionar e problematizar as narrativas de poder absoluto e imperialismo cultural presentes na indústria cultural, incluindo os quadrinhos de super-heróis. O Capitão Allen Adam, assim como outros personagens, pode ser um ponto de partida para reflexões mais profundas sobre como imaginamos e representamos o poder em nossas narrativas ficcionais e como isso se relaciona com as realidades do mundo em que vivemos.

Os anos 2000 foram marcados por uma série de crises geopolíticas que moldaram o mundo contemporâneo. A década começou com os atentados de 11 de setembro de 2001, que desencadearam a chamada Guerra ao Terror, liderada pelos Estados Unidos contra organizações terroristas como a Al-Qaeda. Essa guerra trouxe à tona questões de segurança nacional, invasão de privacidade e ações militares controversas.

Além disso, a crise financeira de 2008 abalou a economia global, gerando recessão e desafios financeiros para muitos países. As tensões geopolíticas também se manifestaram em conflitos regionais, como a Guerra do Iraque e o conflito entre Israel e Palestina, entre outros.

Zona Verde (2010), filme que trata do Iraque pós-11 de Setembro

ZONA VERDE | Quando Bourne foi para o Iraque pós-11 de Setembro

A representação do Capitão Allen Adam como um ser de poder incomensurável reflete, em certa medida, os anseios de poder e controle presentes na sociedade dos anos 2000. Em um mundo marcado por incertezas e conflitos, a ideia de um herói que pode enfrentar qualquer desafio com facilidade pode servir como um escape de fantasia para os leitores e fãs de quadrinhos.

No entanto, é importante reconhecer a problemática inerente a essa representação de poder absoluto. A noção de um herói americano, especialmente um com poderes cósmicos, pode ser interpretada como uma expressão de imperialismo cultural e valores hegemônicos. Isso levanta questões sobre como a cultura pop muitas vezes reproduz e perpétua narrativas de dominação e controle, mesmo que de forma fictícia.

Não à toa, Pax Americana é um termo relacionado diretamente a esse conceito. A palavra latina é sobre a hegemonia norte-americana no mundo. Também indica o período de relativa paz entre as potências ocidentais e outras grandes potências do fim da Segunda Guerra Mundial em 1945, coincidindo com a atual dominação econômica e militar dos EUA, em estreita colaboração com a ONU. Este conceito coloca os EUA no moderno papel que poderia ter o Império Romano em sua época (Pax Romana), algo inclusive que o o Presidente Haley cita.

Supermen

Superman, de John Byrne, pós-Crise nas Infinitas Terras, em 1986

Desde sua estreia em Action Comics #1, em 1939, o Superman se tornou um ícone dos quadrinhos e um dos personagens mais influentes da cultura pop. Sua popularidade e sucesso levaram a uma multiplicidade de personagens baseados em suas características e poderes, refletindo a busca por heróis inspiradores e poderosos no universo dos quadrinhos americanos. Inclusive na própria DC. Duplamente, já que originalmente ela aumentou seu rol de personagens com a fusão e aquisição de outras editoras com seus line-ups.

A editora DC Comics é uma amálgama de outros 3 editoras, fundadas nos anos 1930 nos Estados Unidos.

  • National Comics Publications (1934–1961), com personagens como o Superman, Aquaman, Arqueiro Verde e outros.
  • All-American Publications, Inc. (1939–1949), com personagens como Mulher-Maravilha, Flash, Lanterna Verde, Gavião Negro, Eléktron/Átomo etc.
  • Detective Comics (1937~), que acabou por batizar uma revista e a própria editora como DC Comics (sim, DC Comics significa Detective Comics Comics). Na edição #27 (1939) da revista, estreou o Batman.

Nos anos 1950, todas já operavam informalmente como DC Comics. E não demorou nada para surgir similares do Superman. A começar pela prima dele: Supermoça, em Action Comics #252 (1959), criada por Robert Bernstein e Al Plastino. Antes mesmo já tinha “outro”, que na verdade era o próprio Superman, só que mais jovem: o Superboy, em More Fun Comics #101 (1945), pelos criadores do original, Jerry Siegel e Joe Shuster. Anos depois, apareceria “um irmão” dele, na verdade um alienígena com poderes semelhantes aos do Superman, adotando a identidade de Mon-El na Terra, em Superboy #89 (1961), por Robert Bernstein e George Papp.

Ainda no campo de “parentes”, tivemos a estreia de Karen Starr, a Poderosa, em All Star Comics #58 (1976), por Gerry Conway e Ric Estrada, sendo uma versão alternativa da Supergirl de uma Terra paralela, com poderes semelhantes ao Superman. Também temos o Superboy Prime, que estreou em DC Comics Presents #87 (1985), por Elliot S! Maggin e Curt Swan. Isso para ficar apenas no Pré-Crise.

O template de Superman serviu para muitos outros similares, em várias editoras, incluindo nanicas e gigantes, como Marvel, Image, Wildstorm, Milestone e muitas outras (algumas delas inclusive compradas pela DC). Alguns dos mais famosos são:

  • Capitão Marvel (Whiz Comics #2, 1940, de Bill Parker e C.C. Beck)
  • Marvelman (Marvelman #1, 1954, de Mick Anglo)
  • Hyperion (Avengers #85, 1971, de Roy Thomas e John Buscema)
  • Gladiador (The Uncanny X-Men #107, 1977, de Chris Claremont e Dave Cockrum)
  • Supremo (Youngblood #3, 1992, de Rob Liefeld)
  • Ícone (Icon #1, 1993, de Dwayne McDuffie e M. D. Bright)
  • Mr. Majestic (WildC.A.T.s #11, 1995, de Brandon Choi e Jim Lee)
  • Samaritano (Astro City #1, 1995, de Kurt Busiek e Brent Anderson)
  • Apollo (StormWatch #4, 1998, de Warren Ellis e Bryan Hitch)
  • Sentinela (Sentry #1, 2000, de Paul Jenkins e Jae Lee)
  • Omni-Man (Invencible #1, 2003, de Robert Kirkman e Cory Walker)
  • Homelander (The Boys #3, 2006, de Garth Ennis e Darick Robertson)
  • Plutoniano (Irremediable #1, 2009, de Mark Waid e Peter Krause)
  • Superior (Superior #1, 2010, de Mark Millar e Leinil Francis Yu)
Gladiador na capa de Fantastic Four #249 (1982)

Até em mangás, como são chamados os quadrinhos japoneses, podemos ver muita da lore do Superman usada em personagens, a começar por um dos mais icônicos, Goku, o protagonista de Dragon Ball, criado em 1984 por Akira Toriyama. Um dos mais recentes é All-Might, de My Hero Academia, do artista Kohei Horikoshi, surgido em 2014.

Um homem encontra na Terra um bebê vindo do espaço para escapar da explosão de um planeta. Eles se chamam Jonathan Kent e Gohan. O bebê se chama Kal-L e Goku. O planeta é Krypton e Vegeta. Esse bebê se tornara o maior herói do novo mundo que ele adota como lar

A multiplicidade de personagens baseados no Superman reflete não apenas a popularidade do herói, mas também a busca por explorar diferentes aspectos de sua mitologia. O mercado de quadrinhos americano viu nesses personagens uma oportunidade de expandir e oferecer novas perspectivas e desafios para esses heróis. Esses similares do Superman desempenham um papel crucial na diversificação e enriquecimento do mundo dos quadrinhos, proporcionando aos leitores uma ampla gama de histórias e aventuras para explorar.

/ ALLEN ADAM. O Allen Adam original surgiu pela editora Charlton Comics em Space Adventures #33 (1960), pelo escritor Joe Gill e o desenhista Steve Ditko. Depois que a empresa foi adquirada pela DC Comics no começo dos anos 1980, os heróis foram introduzidos no Universo DC em Crise nas Infinitas Terras (1986), e o Capitão Átomo fez sua reestreia em Captain Atom #1 (1987), escrito por Cary Bates e Greg Weisman, com arte de Pat Broderick, mas dessa vez com o nome de Nathaniel Adam.

Capitão Átomo na Charlton Comics
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Capitão Átomo na DC Comics

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