MUTANT WARS | As sobras de uma guerra que nunca aconteceu

Mutant Wars foi um evento planejado para as histórias em quadrinhos dos X-Men no fim de 1990, mas que acabou sendo cancelado antes de sua conclusão. O evento estava programado para ocorrer nas revistas Uncanny X-Men, Excalibur (roteiros de Chris Claremont), New Mutants e X-Factor (roteiros de Louise Simonson), e prometia trazer uma grande guerra envolvendo mutantes de diferentes facções.

A única informação oficial da editora Marvel Comics a respeito de Mutant Wars saiu em Marvel Age Preview #1, publicada em abril de 1990, sendo que a saga seria lançada em setembro, outubro e novembro do mesmo ano, em um arco de 12 partes nas 4 revistas, muito provavelmente com Jim Lee entre os artistas.

Mutant Wars
Marvel Age Preview #1, com Mutant Wars citada na capa
Mutant Wars
A única informação da saga Mutant Wars da Marvel Comics é essa página da revista Marvel Age Preview #1

A Marvel Age (1983 — 1994, com 140 edições) era a revista informativa da Marvel Comics, e trazia entrevistas, matérias, artigos e toda a programação de lançamento das revistas da editora. A Marvel Age Preview era uma edição especial no caso. Só que nem mesmo a Marvel Age publicada em abril (edição #89) trouxe alguma menção a respeito de Mutant Wars.

A trama de Mutant Wars se desenrolaria a partir de uma intensificação das tensões entre os mutantes, com diversas facções, estabalecidas em dezenas de histórias anteriores, em uma guerra que mudaria o status quo mutante do Universo Marvel. Claremont e Simonson tinham a intenção de explorar a divisão ideológica entre os X-Men e outras facções mutantes, como o Clube do Inferno, Carrascos, Apocalipse e muitos outros, que desde as sagas Massacre de Mutantes (1984), Queda de Mutantes (1987) e Inferno (1988), estavam orbitando o lore dos heróis mutantes. Essa divisão resultaria em uma guerra aberta entre os diferentes grupos, com consequências significativas para a mutandade.

Na época, os X-Men estavam saindo da fase “Australia Team“, com todos seus  integrante mortos e/ou desaparecidos, com Forge (aliado dos heróis) e Banshee (antigo x-man) procurando por eles.

As outras equipes nem na Terra estavam: o X-Factor (que na verdade eram os X-Men originais) tinham abandonado há muito o “disfarce” de caça-mutantes (mote principal do início do título) e estavam em meio a um conflito racial em outro planeta; os Novos Mutantes estavam retornando do espaço também e logo entrariam em um longo run de aventuras em Asgard; e o Excalibur estava em uma aventura interdimensional por diferentes Terras paralelas.

Marvel Age #62, com uma matéria sobre os X-Men “mortos”. A arte é de Marc Silvestri, e mostra os X-Men enfrentando os Carniceiros. A seção The Mutant Report era exclusiva para os heróis mutantes e seus diversos títulos na revista, e serviu de base para diversas informações desta matéria

Pelo pouco que pode se inferir das palavras apresentadas sobre Mutant Wars em Marvel Age Preview #1, essa guerra entre os mutantes seria uma metáfora para conflitos reais do mundo, refletindo os desafios enfrentados por minorias e grupos marginalizados.

Talvez Claremont e Simonson utilizassem a saga como uma oportunidade para explorar questões morais e éticas relacionadas aos mutantes. Afinal, temas como o uso responsável dos poderes mutantes, a natureza da liderança e o impacto do preconceito e do medo na sociedade eram usados com frequência pelos dois roteiristas. Claro, com a certeza das grandes cenas de ação que essas guerras mutantes teriam no traço de Jim Lee, e provavelmente de outros artistas, como Marc Silvestri.

Mutant Wars seria uma guerra total entre as alianças dos X-Men (desmantelados ou reorganizados?); X-Factor; Novos Mutantes (liderados por Cable); o Clube do Inferno (ainda com Magneto como “Rei Cinza“?); uma dissidência desse clube, liderada por Sebastian Shaw (antigo Rei Negro); as forças de Apocalipse (Os Quatro Cavaleiros? Caliban e mais alguém? Quem?); os Carrascos (facção do Sr. Sinistro); e o Rei das Sombras, na forma do Legião e Moira MacTaggert e o resto dos residentes da Ilha Muir (todos associados e conhecidos dos X-Men).

X-Men vs Força Federal, em Queda de Mutantes
X-Factor, em Queda de Mutantes
Novos Mutantes e Cable, líder da equipe
Mutant Wars
John Byrne em uma rara aparição na arte dos mutantes da Marvel após sua saída, em The New Mutants #75
X-Men vs Clube do Inferno (com Nimrod ao fundo)
Apocalipse e seus Cavaleiros
Os Carrascos no Massacre de Mutantes
Rascunho inicial do Senhor Sinistro, por Marc Silvestri
Forge e seu encontro com o Rei das Sombras, aqui sob a forma de Amahl Farouk. Os X-Men neste ponto narrativo já estão mortos e/ou desaparecidos

Seria “mutante contra mutante”, “facção contra facção”, cada uma tentando ser a mais forte para sobreviver, em um evento que prometia mudar o Universo Marvel para os mutantes. No entanto, por motivos desconhecidos até hoje, o evento Mutant Wars foi cancelado antes sequer de sua execução. Só que isso não impediu de vermos vários indícios e dicas de que ela se aproximava, e sobras (inclusive editoriais) dessa guerra que nunca aconteceu.

As edições programadas para Mutant Wars deram lugar a outra saga, o Programa de Extermínio, que em nada lembrava o plot original.

Algo de militar, de guerra, de Mutant Wars, pode ser percebido logo na primeira página do Programa de Extermínio, com os destaques horizontais de personagens da saga
Arte promocional de Programa de Extermínio, desenho de Jim Lee

Porém, é seguro afirmar que a força crescente e eventual pressão da arte em cima do roteiro prejudicou qualquer planejamento estratégico de construção de histórias que Chris Claremont, o maior arquiteto X na época, planejava para os X-Men.

O enorme impacto visual que o artista coreano Jim Lee conseguia em seus desenhos nos X-Men acabou por sobrepujar o que Claremont queria fazer com os personagens. Os X-Men já eram uma potência nos quadrinhos, mas agora estavam com uma força comercial atômica em toda a indústria.

Jim Lee começa a desenhar os X-Men com alguma regularidade a partir desse arco de histórias com Psylocke e Wolverine
Nesta etapa, Jim Lee já controlava grande parte do roteiro da revista, forçando Chris Claremont a acomodar o que ele desejava desenhar

Se Jim Lee quisesse desenhar a Guarda Imperial de Shiar, Claremont teria que acomodar isso no seu roteiro. A saída da editora Ann Nocenti, em Uncanny X-Men #232 (1988), que melhor conduziu Claremont em seus roteiros, e a entrada de Bob Harras, que tinha outra visão editorial para os X-Men, foi um ponto de inflexão, ainda mais com a entrada de Jim Lee no título.

Marvel Age #66 trouxe uma entrevista com Ann Nocenti, a melhor editora que os X-Men já teve. No detalhe da arte, feita por Marc Silvestri, a última capa da saga Queda de Mutantes, com os heróis “mortos”

ANN NOCENTI | Uma jornalista no editorial da Marvel Comics

Se com Claremont os X-Men cresceram, saíram da escola, se tornaram heróis, verdadeiras lendas do Universo Marvel (pós-saga Queda de Mutantes), e protegiam o mundo todo como “fantasmas vivos” a partir de uma base secreta no outback australiano, com Bob Harras e Jim Lee teríamos velhos inimigos como Magneto e os Sentinelas e até mesmo a velha Escola Xavier de volta, na mesma Westchester-NY-EUA, inclusive com o ilustre professor e seus alunos originais.

No fim, tudo voltou ao status anterior pré-Massacre de Mutantes, com os heróis orbitando a Escola Xavier

Louise Simonson, que foi editora dos X-Men, trabalhando com Chris Claremont de Uncanny X-Men #137-182 (1980–1984), também sofreria o mesmo revés criativo com Rob Liefeld, o novo desenhista Novos Mutantes, revista que ela conduzia desde a saída de Claremont, em New Mutants #54 (1987) — ela escreveu New Mutants #55–80, 82–91, 93–97, Annual #4–6 (1987–1991).

Muito mais estridente que Lee, Liefeld era o representante máximo do que os quadrinhos de super-heróis estavam se tornando, mais violentos e exagerados, com atitudes badass e design de ação acima de qualquer outro aspecto narrativo quadrinhístico. Vale dizer também que Louise estava nos roteiros do X-Factor desde o número #6, em 1986.

No contexto dos quadrinhos da Marvel, os mutantes eram uma espécie de seres humanos geneticamente diferentes, possuindo habilidades extraordinárias que muitas vezes os tornavam alvos de discriminação e medo por parte dos humanos “normais”.

Essa dinâmica refletia as divisões e hostilidades presentes na sociedade da época (e ainda hoje, óbvio), onde questões como diferenças raciais, culturais e ideológicas eram intensamente debatidas.

Chris Claremont foi fundamental na construção dessa narrativa complexa. Ele habilmente abordou temas como intolerância, preconceito e a busca por igualdade, utilizando o conflito entre mutantes e humanos como metáfora para as lutas sociais e políticas da época.

É importante destacar que os anos 1980 foram marcados por eventos geopolíticos significativos, como a Guerra Fria, a intensificação dos conflitos no Oriente Médio e a corrida armamentista entre os EUA e a União Soviética.

Esses elementos se refletiram nas tramas dos X-Men, onde a paranoia e o medo de uma guerra nuclear eram temas recorrentes — não por acaso os X-Men e mutantes são chamados também de Filhos do Átomo e a saga pedra angular Dias de um Futuro Esquecido usa esse tema.

Os X-Men pré-Massacre de Mutantes, arte de Arthur Adams
Os X-Men pós-Queda de Mutantes, arte de Alan Davis

Ao longo das histórias, Claremont explorou as nuances dessas tensões, mostrando personagens mutantes lutando não apenas contra ameaças superpoderosas, mas também contra o preconceito e a discriminação enraizados na sociedade.

Ele destacou a importância da coexistência pacífica e da compreensão mútua entre diferentes grupos, transmitindo uma mensagem de tolerância e inclusão que ressoava com o espírito da época. Era isso ou era guerra.

Uma guerra entre mutantes e humanos — e mutantes contra mutantes — nos quadrinhos dos X-Men durante os anos 1980 não era apenas uma batalha de poderes, mas uma reflexão profunda sobre as divisões e desafios enfrentados pela sociedade daquela época, capturando as ansiedades e esperanças de uma era marcada por mudanças e conflitos globais.

> O QUE FOI CONSTRUÍDO (1986-1990)

(a partir daqui, vamos nos referir à revista Uncanny X-Men como UXM.)

Em UXM #210 (1986), Chris Claremont preparava a saga Massacre de Mutantes, com os assassinos Carrascos invadindo os túneis dos Morlocks, mutantes (geralmente deformados) que vivem nos túneis de esgoto de Nova York, onde promoverem uma verdadeira chacina.

Um mapa de publicações da Marvel para a saga Massacre de Mutantes

Os Carrascos também eram mutantes, mas mesmo assim matavam impediosamente seus irmãos de raça, a mando do Senhor Sinistro. Seria a mais nova ameaça que os X-Men teriam que enfrentar, sendo que nas edições anteriores do título os heróis já tinham enfrentado Nimrod, um avançado robô exterminador de mutantes vindo do futuro distópico da saga Dias de um Futuro Esquecido (UXM #141-142, de 1981) e a Força Federal, a equipe mutante de black-ops do governo americano, antiga Irmandade de Mutantes reformada, liderada por Mística.

Nimrod em Uncanny X-Men #209

Outra “ameaça” presente era o X-Factor, a equipe original dos X-Men. Os antigos heróis na época se apresentavam como uma equipe de caça-mutantes, um disfarce na verdade para se aproximar de quem “perseguiam” para protegê-los e ensinar a controlar seus poderes.

A linha editorial na época não permitiu que as duas equipes se aproximassem e interagissem em qualquer história que fosse (Claremont não gostou do retorno de Jean Grey e da própria revista do X-Factor), assim, o disfarce deles parecia real até para os X-Men atuais. A edição de UXM #210 reflete exatamente isso ao mostrar Vampira vendo um anúncio do X-Factor e ficando horrorizada.

Vampira vê um anúncio do X-Factor e fica horrorizada

Mas o que importa nessa edição é que Magneto, antigo vilão e um homem em processo de redenção, atual diretor da Escola Xavier (o Professor X estava afastado da Terra e no espaço com a Imperatriz Lilandra, dos Shiars, e os Piratas Siderais, desde UXM #200, de 1985), aceita um convite do Clube do Inferno para criar uma aliança.

A organização é uma sociedade maçônica com intenções de controlar o mundo por meio do Círculo Interno, um pequeno grupo secreto de mutantes dentro do clube. Sebastian Shaw, o Rei Negro desse clube, oferece o cargo de Rei Branco para Magneto. Shaw diz que as ameaças frequentes de grupos como X-Factor, Força Federal e Nimrod (que o Clube e os X-Men enfrentaram juntos na edição anterior) podem acabar com eles, mas que com a força de uma unidade seria possível resistir. Magneto decide avaliar o convite e considera aceitar.

O X-Factor, na verdade os X-Men originais sob o disfarce de “caça-mutantes”, observam Magneto, outrora o maior vilão que eles combaterem, entrar no Clube do Inferno. Ele também não acredita no que ouve da equipe, e os considera traidores do sonho de Xavier. Esse mood entre X-Men e X-Factor iria durar algum tempo
Sebastian Shaw explica para Magneto quais forças estão em ação na época — o X-Factor, Força Federal e Nimrod, e que uma aliança parece ser o meio mais seguro de sobreviver, para ambos os grupos
Nimrod surge nas páginas finais de Uncanny X-Men #191 (1984)
Ele rapidamente ganha a simpatia de haters de mutantes. Arte de John Romita Jr. para Uncanny X-Men #196

Quando UXM #219 (1987) foi lançada, o Massacre de Mutantes já tinha ocorrido e aterrorizado os X-Men, com Noturno, Lince Negra e Colossus seriamente feridos. Magneto já tinha aceitado o convite para ser membro do Clube do Inferno e era o Rei Branco. Essa é a edição que Alex Summers, o Destrutor, antigo x-man, se junta ao time de novo.

DESTRUTOR | O poder do plasma nos X-Men

Sofrendo com sonhos terríveis com o grupo, Alex, que estava afastado da vida de herói há muito tempo e vivia junto com sua namorada Lorna Dane, outrora também da equipe, decide procurar seus antigos companheiros na Mansão X.

Não há ninguém lá, mas ele consegue achar uma pista que o leva ao Clube do Inferno, onde encontra Magneto. Desconfiado da redenção do vilão, ele exige conversar com os X-Men, mas Magneto prefere não passar a informação, já que teme pela segurança de Alex (e ele está correto).

O Destrutor já tinha procurado os X-Men, mas a telepata Psylocke fez ele pensar que tudo estava bem e o enviou de volta para casa, por isso os sonhos terríveis. No fim, Alex acaba encontrando os X-Men e Magneto nos túneis dos Morlocks. E fica a par dos terríveis acontecimentos do Massacre de Mutantes.

O Massacre de Mutantes foi tão terrível que os X-Men consideraram até tirar a vida de Alex para poupá-lo do que viria
Mutant Wars
Magneto cita a guerra entre mutantes, uma “Mutant Wars, pela primeira vez em Uncanny X-Men #219

É quando Magneto lhe explica que começou uma guerra. De mutantes contra mutantes. E que a primeira batalha foi essa (X-Men vs. Carrascos). E que eles sofreram as primeiras baixas. E que não serão as últimas.

A edição de UXM #219 termina com os Carrascos perseguindo Lorna Dane e a mutante psíquica sem corpo chamada Maligna possuindo a namorada de Alex. Essa edição é importante também pois foi com Destrutor nos X-Men que tivemos a última peça que Claremont juntou para trabalhar com um time que iria dura muito tempo, e que refletia o que ele queria para a revista dos heróis (na verdade o último integrante foi Colossus, inserido aos 45 minutos do segundo tempo)

Marvel Age #43, com uma matéria explicando o Massacre de Mutantes, os heróis retirados de campo e os novos integrantes dos X-Men, uma formação que seria consolidada por um longo tempo

Com uma deusa do clima como Tempestade na liderança; o selvagem samurai assassino Wolverine; o gigante blindado Colossus; o poderoso homem-canhão de plasma Destrutor; o extraterrestre sortudo de 4 dedos Longshot; a cantora raio laser Cristal; a fortona voadora e ladra de poderes Vampira; e a telepata Psylocke, os X-Men saíram do lugar-comum Costa Leste dos Estados Unidos e rodaram o mundo em aventuras, mesmo quando morreram na batalha contra a entidade extradimensional Adversário no fim da saga Queda de Mutantes (1988).

A saga aconteceu nos títulos Uncanny X-Men #225-227, X-Factor #24-26 e New Mutants #59-61, com tie-ins em Daredevil #252, Power Pack #35, Captain America #339 e Fantastic Four #312.

Os X-Men em Queda de Mutantes
Arte promocional de Queda de Mutantes, desenho de Alan Davis
Cards da Marvel da saga, lançados em 2011

A morte dos heróis foi televisionada para todo o mundo a partor de Dallas, EUA, cidade onde ocorreu a batalha, em um evento transmitido para todo o mundo. Só que eles foram revividos em segredo logo em seguida pela entidade celestial Roma. E renasceram como verdadeiras lendas do Universo Marvel. Os heróis mutantes também ganharam da deusa o Portal do Destino, artefato místico capaz de dar um reboot na vida de quem o adentra.

Os X-Men “morrem”, renascem e se tornam Lendas do Universo Marvel
A melhor formação dos X-Men

Com uma base secreta em uma cidade abandonada no outback australiano, tomada dos ciborgues assassinos Carniceiros em UXM #229, (inspiração direta do mood Mad Max 2 – A Caçada Continua, de 1982) os X-Men eram agora verdadeiros fantasmas vivos, invisíveis a formas de detecção como foto ou vídeo, e até mesmo de artefatos místicos.

Os Carniceiros, ciborgues assassinos de mutantes

Eles podiam agir em qualquer lugar do mundo, imediatamente, graças a um novo aliado, o aborígene Teleporter, que os leva a qualquer localidade com seu poder. Os X-Men fazem o que devem fazer e partem sem deixar pistas, no máximo com um símbolo para serem lembrados de alguma maneira. No entanto, a saga Queda de Mutantes já tinha provocado baixas e mostrado para Magneto o perigo dos confrontos que se aproximavam. O Novo Mutante Cifra foi morto na saga, e o Mestre do Magnetismo fica arrasado com a perda de seu aluno.

A morrte de Cifra, em New Mutants #60-61, abala os Novos Mutantes, que também ficam arrasados com a “morte” dos X-Men

A “morte” dos X-Men se tornou uma verdade para todo mundo no Universo Marvel, incluindo seus aliados e até amigos, como os Novos Mutantes. Essa “morte” serviria para proteger seus entes queridos, que assim não se tornariam alvos por tabela nos conflitos antimutantes que estavam acontecendo.

Essa formação dos X-Men também participou dos eventos da saga seguinte, Inferno (1988), que envolveu várias edições de X-Men, X-Factor e New Mutants (além de dezenas de outras tie-ins de revistas Marvel).

Aqui, Claremont e Simoson optam por não envolver os Novos Mutantes diretamente –eles ainda pensam que os X-Men estão mortos — mas promove o esperado encontro dos X-Men com o X-Factor, além de revelar as verdades sobre Madelyne Pryor, esposa de Scott Summers, o Ciclope, do X-Factor.

Madelyne Pryor se torna a Rainha dos Duendes na saga Inferno

Ela era na verdade clone de Jean Grey, a Garota Marvel, construída pelo Sr. Sinistro. Pryor acabou por virar uma vilã com grandes poderes místicos, e em UXM #243 (1988) temos o clímax. É uma das grandes sagas de Claremont no título mutante, exemplo de construção lenta e gradativa de plots, bem conduzido pelos editores Ann Nocenti e Bob Harras. Como diz uma arte promocional, às vezes construir um bom plano leva uma vida inteira.

Arte promocional da Marvel para a saga Inferno
Essa em especial exemplifica bem o trabalho de Ann Nocenti e Chris Claremont na condução dos X-Men
Aqui finalmente os X-Men e o X-Factor se encontram

O X-Factor entende que os X-Men estão vivos e os X-Men reconhecem que o X-Factor nunca deixaram o heroísmo e os ideias de Xavier. No entanto, tudo depois é desgraça para os heróis mutantes. Nas aventuras seguintes, Vampira desaparece em uma luta contra uma fusão do Molde Mestre — um robô assassino de mutantes, que cria outros robôs, os Sentinelas — com Nimrod. No fim de UXM #247, Vampira e o robô duplo foram sugados para dentro do Portal do Destino.

O ultraavançado futurista Nimrod tem seu “fim” abrupto aqui, ao ser absorvido por um resto antigo de um ultrapassado Molde Mestre. Nem sempre Claremont acerta
No combate dos X-Men contra o Molde Mestre, temos uma rara chance de (não) ver os heróis afetados pelos efeitos de invisibilidade da ressureição

A edição seguinte tem Tempestade morta em um confronto com a vilã Babá, que marca também o primeiro trabalho do artista Jim Lee com os X-Men. Longshot também deixa a equipe nesse número, em busca de suas origens e mundo natal (a dimensão governada pelo vilão Mojo).

Os X-Men começam a morrer “de verdade” após Inferno

Os X-Men remanescentes — Destrutor, Cristal, Colossus e Psylocke (Wolverine estava em uma longa aventura em sua revista própria, nas edições #17-23) — enfrentam Zaladane na Terra Selvagem em UXM #249-250. Até que em UXM #251 (1989), Destrutor, Psylocke, Colossus e Cristal atravessam o Portal do Destino para escapar dos Carniceiros, que voltaram para reclamar sua base.

Os sobreviventes decidem adentrar o Portal do Destino para escapar da morte certa pelos Carniceiros

Esse ponto narrativo seria uma grande virada para os heróis, já que Claremont tinha planos ambiciosos para a equipe “desaparecida e morta” dos X-Men. O produto X-Men era um sucesso avassalador de vendas, com os personagens mais populares do que nunca (desde UXM #249 a revista era lançada 2x por mês nas bancas), e mesmo assim Claremont se mostrava ousado e criativo para tecer uma narrativa que não tinha paralelo em seus pares — qual outra editora tratava seus heróis como “criminosos”, os matava e brincava com as possibilidades de retorno em diferentes naturezas e aspectos em 1989?

Os X-Men “Australia”
Marvel Age #85 trouxe uma lista dos mutantes mortos e desaparecidos dessa fase de Chris Claremont nos X-Men. Curiosamente já solta um spoiler sobre o paradeiro de Destrutor

Em Marvel Age #85 (1990), Claremont confirmou que a destruição e reformulação da equipe era parte de um plano bem maior. Ele ressaltou a apresentação da jovem mutante Jubileu (que surge em UXM #244, de 1989) como prova disso, e que “outros personagens poderão ser desenvolvidos até que possam ser considerados novos integrantes e, em alguns casos, novos personagens serão introduzidos.”

Chris promoveria uma lenta reconstrução da equipe, em muitos eventos que levariam a confrontos com a terrível entidade psíquica mutante Rei das Sombras, o clã de assassinos demoníacos Tentáculo, a morte de Wolverine (!) pelas mãos de Lady Letal, até uma grande batalha final, com o ápice previsto em UXM #294 (para comemorar as 200 edições dos Novos X-Men, que estrearam em Giant Size X-Men, de 1975, seguida de UXM #94) e finalmente na edição comemorativa Uncanny X-Men #300, com a morte do Professor Charles Xavier e o retorno definitivo de Wolverine.

Arte de Marc Silvestri para The Wolverine Saga (1989)

E dizer que todos esses planos eram certos e executáveis é um erro. Afinal, todas as ideias apresentadas por Chris Claremont não eram necessariamente boas. O fato dele querer estabalecer que Wolverine era filho de Dentes de Sabre (!) com uma anja anã (!!), e Gambit ser um clone-irmão do Sr. Sinistro (!!!), sendo os dois por sua vez construtos de um garoto mutante que nunca cresceu, e que conviveu com um pequeno Scott Summers em um orfanato, de quem nutriu uma imensa obsessão (!?!), é salutar.

De qualquer maneira, Mutant Wars seria uma peça de relevância na construção que Claremont pretendia para seus X-Men. E em New Mutants #75 (1989), Louise Simonson, com arte de John Byrne, faz uma das mais forte alusões às guerras mutantes, em um confronto muito mais moral do que físico entre Magneto e Sebastian Shaw,

Os Novos Mutantes tinham acabado de retornar de uma aventura espacial, e encontram a Escola Xavier destruída, exatamente por conta dos X-Men contra os Carrascos e o Sr. Sinistro. Eles são atacados por Dentes de Sabre (que sobreviveu à explosão), o derrotam, mas logo são encontrados pelo antigo mentor, Magneto, que surge no local com o resto do Clube.

Por conta dos eventos de Inferno, Illyana Rasputin, a Magia, reverteu à infância. A mutante teleportadora de tempo e espaço, e bruxa poderosa, educada em magia negra, era uma das mais poderosas figuras entre os alunos de Xavier, e Shaw considera isso uma perda irreparável de capital de poder, e culpa diretamente Magneto por esse erro.

Mutant Wars

Mutant Wars
Magneto revela as verdades sobre suas ações com os X-Men desde Uncanny X-Men #200

É quando os dois começam a discutir e brigar. Na sequência de diálogos a seguir, Louise vai muito além e estabelece que Magneto deliberadamente deixou os X-Men enfrentar os Carrascos no Massacre sozinhos, e não quis participar dos eventos fatídicos em Dallas, tudo para avaliar melhor as ameaças dos antagonistas e por não querer ajudar os humanos, respectivamente.

Isso não coaduna com o horror que Magneto presenciou em sua infância e juventude (ele é sobrevivente de campos de concentração nazista) com a matança que presenciou nos túneis dos Morlocks, e é um retcon difícil de engolir, mas como a Louise Simonson e Chris Claremont são bem sintonizados, é seguro supor que isso teve a anuência do escritor dos X-Men (até porque Magneto estava muito mais presente nas histórias dos Novos Mutantes mesmo).

A intenção de Magneto em aceitar a proposta de Xavier em UXM #200 de conduzir sua escola de mutantes era formar uma aliança com os X-Men e os Novos Mutantes, e ter o Clube do Inferno na manga também era uma forma segura de estabelecer uma base forte de paz entre todos. O Mestre do Magnetismo queria enfrentar os desafios de uma guerra que ele já via se aproximar do horizonte.

Mutant Wars
A revelação é chocante para os Novos Mutantes

Quando os Carrascos surgiram, ele deixou sua “primeira linha de defesa estratégica” atuar, os X-Men, mas a ferocidade dos vilões se provou maior do que ele previra. Magneto culpou a “derrota” dos heróis por eles seguirem Xavier e sua filosofia. E ele deixa de ajudar os heróis em Dallas de propósito para provar essa fraqueza.

Mutant Wars
Até mesmo a morte dos X-Men foi “prevista” por Magneto

Magneto prevê uma guerra entre as diversas facções existentes, designadas por Shaw como X-Factor, Apocalipse, Tropa Alfa (primeira citação da equipe de super-heróis canadenses, que tem vários mutantes em suas fileiras), Carrascos e o próprio Clube do Inferno (ele não cita mais a Força Federal e Nimrod).

O Mestre do Magnetismo quer se fortalecer com aqueles que julga serem mais fortes. Ele exemplifica como Genosha, a ilha-nação na costa africana que escraviza mutantes, tem trabalhado o ódio e a obediência como parâmetros usados pelo outro lado dessa guerra para varrer o mundo. Será mutante contra mutante, e o vencedor vai ganhar tudo, diz Magneto.

Mutant Wars
Mais uma vez, Shaw cita as facções mutantes aqui

Magneto derrota Shaw, que acaba expulso do Clube do Inferno, prometendo retaliação na sequência. A edição termina com Magneto deixando os Novos Mutantes seguirem seu caminho, mas dizendo que nas guerras que se aproximam, eles verão que ele está certo. E fala para Roberto da Costa, o mutante brasileiro Mancha Solar, que ele será o primeiro a ficar do seu lado.

Mutant Wars
O discurso mais contundente de Magneto com o tema proposto de Mutant Wars

Nisso, chegamos no ano de 1990. Na época, descontando os eventuais atrasos, imprevistos, trocas de profissionais e retrabalhos, as revistas em quadrinhos na indústria de super-heróis na época costumavam estar em produção meses antes de suas publicações programadas. Se uma saga seria publicada em setembro de 1990, é seguro apostar que em uns 3 ou 4 meses antes, a edição já estava sendo produzida.

O começo de 1990 tem UXM #259, com roteiro de Chris Claremont e arte de Marc Silvestri, e mostra o renascimento de Colossus e Cristal pós-Portal do Destino. A edição também é importante por mostrar o Rei das Sombras possuindo David Haller, o Legião, o poderoso mutante nível ômega filho de Charles Xavier.

Como já dito, o vilão estava sendo preparado para uma grande saga por Claremont, em uma lenta narrativas entrelaçada por diversos personagens e situações, e que culminaria na chamada Saga do Rei das Sombras, algo que teria ainda mais impacto futuramente, em grandes planos claremontianos para o vilão e todos os mutantes.

Louise Simonson escreveu New Mutants #87, revista que marca a estreia de Cable, um enorme soldado cheio de armas, olho faiscante e braço biônico, uma figura militar que em breve se tornaria líder dos Novos Mutantes — e totalmente preparado uma uma guerra/”mutant wars”. Também foi a estreia da Frente de Libertação Mutante, um grupo de terroristas mutantes liderados por Conflyto, um supremacista mutante. A criação de Cable é do desenhista Rob Liefeld, artista regular do título na época.

Cable estreia no universo mutante. Era o início de uma fagulha que iria incendiar as revistas, dentro e fora
Um enorme soldado com braço biônico e com uma arma gigante, não tinha como ter uma figura mais adequada para uma saga chamada Mutant Wars
Em Marvel Age #82, podemos ver os rascunhos iniciais de Cable por Rob Liefeld

Louise também escreveu X-Factor #52, onde temos Arcanjo contra Dentes de Sabre, ainda caçando morlocks no mood Massacre de Mutantes. No número anterior, #51, vimos o antigo morlock Caliban sendo preparado por Apocalipse (um dos primeiros mutantes da Terra, um poderoso ser milenar que obedece apenas uma lei: a sobrevivência do mais forte), para se tornar um guerreiro, em mais uma dica da guerra de facções que estava chegando.

Vale citar ainda X-Factor #50, final da saga Judgement War, na qual o X-Factor estava perdido em um mundo nos confins do universo, que estava sendo julgado pelos deuses espaciais Celestiais, em uma sociedade à beira do colapso, emulando um conflito entre humanos e mutantes.

No final da aventura, a nave espacial da equipe de heróis mutantes — que se chama…Nave — retorna para a Terra e, por acaso, o Professor Xavier estava por perto em outra nave. O antigo mentor sente a presença de seus alunos originais, mas nada pode fazer a respeito, já que aparentemente está acamado. Xavier tinha feito sua última aparição no x-lore em uma aventura em New Mutants #51 (1987), que tem roteiro de Simonson.

Por fim, tivemos Excalibur #20, com roteiros de Michael Higgins (o Chris deve ter pego uma folguinha), em uma aventura que mostra a equipe britânica de mutantes enfrentando um vilão cósmico sem importância.

Esse era o status mutante das 4 x-revistas (havia outras) que Mutant Wars trabalharia.

Marvel Age Preview #1 tem data de capa de junho de 1990. Mas já estava nas bancas americanas desde abril, uma característica peculiar do mercado editorial da época. E é um tanto difícil concatenar datas com os frequentes atrasos e lambanças editoriais da Marvel.

Mas podemos rascunhar algo aqui para entender melhor essa guerra que se aproximava.

Em abril de 1990, a Marvel Age Preview #1 aparece no mercado.

E segundo a Marvel Age #88, os x-títulos então nas bancas desse mês são:

  • UXM #262, com Forge e Banshee tendo que enfrentar morlocks renegados liderados por Masque. Os dois estavam em busca dos X-Men mortos e desaparecidos e tem ajuda de Jean Grey, do X-Factor, para buscar pistas com a turma de Masque. Claremont também tece uma trama com os Magistrados de Genosha. Valerie Cooper, a assistente presidencial para assuntos superhumanos (e antiga líder executiva da Força Federal), questiona a presença deles em solo americano em uma reunião política. Os genoshanos estão atrás de uma dissidente, que por acaso está com o Colossus renascido, e o tema guerra de alguma maneira se faz presente.
Forge e Banshee em sua busca pelos X-Men
  • UXM #263 continua com Forge e Banshee em sua x-busca, e o tema de guerra proposto por Mutant Wars permeia a revista com força. O exemplo mais claro é a aparição de Alexei Vazhin, coronel da KGB (serviço secreto soviético) e figura político-militar de grande importância na comunidade de espionagem (que apareceu pela 1ªa vez em UXM #194, de 1985, no primeiro confronto dos X-Men com Nimrod, onde já fazia análises sombrias sobre um futuro de guerra, um “armageddon“).
Alexei Vazhin: “James Bond, Nick Fury e George Smiley em um só”

Ele conversa com sua análoga americana Valerie Cooper sobre jogos de guerra entre diversas facções. Ele identifica ao menos três: a Frente de Libertação Mutante, Apocalipse e Sr. Sinistro. Ele frisa também Magneto, que deseja uma coexistência entre humanos e mutantes com a mutantade no topo, e como seu pior pesadelo, mutantes escravizados, se tornou real em Genosha.

Suas análises a respeito do confronto entre as diversas facções mutantes levam a crer que será o fim da humanidade como conhecemos

Vale citar ainda a edição seguinte, UXM #264, em mais um encontro entre Alexei e Cooper, que dessa vez identifica o Rei das Sombras como ameaça mais perigosa de imediato, controlando diversas pessoas e figuras-chaves no mundo para promover o caos. O coronel pede para Valerie ficar atenta, pois é nos Estados Unidos onde os superseres mais poderosos se encontram (ele cita Destrutor e Thor), logo, é atrás dela que irão (e isso realmente aconteceu, em UXM #265).

Na edição seguinte, o discurso de Vazhin (que é Claremont) já muda para uma ameaça mais imediata: o Rei das Sombras

ALEXEI VAZHIN | James Bond, Nick Fury e George Smiley em um só

  • New Mutants #90 tem Dentes de Sabre nos antigos túneis dos Morlocks caçando possíveis sobreviventes do Massacre de Mutantes. Ele é confrontado por Caliban, já um guerreiro extremamente poderoso preparado por Apocalipse, e os Novos Mutantes, liderados por Cable. O roteiro é de Louise Simonson.
  • Excalibur #23 tem uma aventura escrita por Claremont e desenhada por Alan Davis em uma das muitas temáticas interdimensionais da equipe. Alias, as edições #24-25 seriam algumas das últimas contínuas de Claremont no comando do título, onde estava desde o número #1 (1988) — ele ainda escreveria a #27 e 32-34. Ele fecha sua passagem com um confronto entre Rachel Summers/Fênix II e Galactus. A moça já estava há tempos no Universo Marvel regular (desde UXM #184, de 1984), depois que escapou da morte certa da saga Dias de um Futuro Esquecido. Ela era parte importante do Excalibur, uma equipe britânica de heróis que tinham os x-men Noturno e Lince Negra, sobreviventes do Massacre de Mutantes, e que escaparam da morte certa em Queda de Mutantes.
  • X-Factor #55 tem roteiro de Peter David (Louise de folga, certeza), em uma história despretensiosa do Fera contra o vilão Mesmero.

O tema de guerra ainda aparece em Avengers West Coast #56 (1990), a revista dos Vingadores da Costa Oeste. Nela vemos Magneto de volta à vilania total e como ele coopta seus filhos Feiticeira Escarlate e Mercúrio para se tornarem vilões também. Wanda comenta sobre um confronto final entre humanos e mutantes pelo destino do planeta se aproximando, e que apenas seu pai poderia conduzi-la nessa guerra. O argumento e desenhos são de John Byrne.

John Byrne trabalha com um Magneto vilão em seu run pelos Vingadores da Costa Oeste, e dessa vez no roteiro também, toca no assunto confronto e guerra entre humanos e mutantes

MUTANT WARS: O QUE SERIA
(MAIO–NOV.1990)

Marvel Age Preview estabelece que antes de Mutant Wars, teríamos a saga Dias de um Futuro do Presente. E realmente essa saga aconteceu e foi lançada!

Dias de um Futuro do Presente foi uma saga de 4 partes, publicada em Fantastic Four Annual #23, New Mutants Annual #6, X-Factor Annual #5 e X-Men Annual #14, todos anuais de 1990, escritos por Claremont, Louise Simonson e Walt Simonson, esposo de Louise, talentoso desenhista que também roteirizava a revista do Quarteto Fantástico na época.

Mutant Wars
A saga Dias de um Futuro do Presente iria preparar o terreno para Mutant Wars

A saga em questão trabalha diretamente a proposta apresentada em Dias de um Futuro Esquecido. Trata-se do Ragnarok Mutante, um futuro distópico controlado pelos robôs Sentinelas, onde todo mutante é caçado e morto.

É simplesmente a maior história dos X-Men até hoje, e serve de template para toda e qualquer história de super-herói que trate de viagem no tempo ou realidades alternativas. Claremont e Byrne foram os autores, em um mood tão poderoso que nunca mais saiu do radar da x-mitologia, nem da vista de outros roteiristas.

Dias de um Futuro Esquecido, uma das maiores sagas mutantes (e da Marvel Comics)
Os Sentinelas tomaram o controle dos EUA e mataram quase todos os mutantes, e também os super-heróis
Alguns poucos X-Men sobreviventes tentam mudar esse futuro distópico com uma viagem no tempo

John Byrne era o maior artista da Marvel nessa época, desenhista que serviria de inspiração para muitos outros (como Jim Lee e Marc Silvestri), e que já estava com poder suficiente para co-roteirizar o título. Ele começou (desenhando) em UXM #108 (1977) e foi até a o UXM #143 (uma edição depois de Futuro Esquecido).

Ele estava tão envolvido com as tramas que começou a criar atritos com Claremont, até que decidiu deixar os X-Men, em uma rusga que destruiu qualquer chance da retomada da parceria que construiu as melhores histórias dos X-Men.

A “continuação” da saga começa começa com a inexplicável aparição de um Franklin Richards adulto, namorado de Rachel Summers, e que tinha sido morto logo no começo do arco de Futuro Esquecido. Ele surge no presente do Universo Marvel regular, e começa a procurar sua família e amigos — o Quarteto Fantástico e os X-Men.

A partir daí, o Quarteto acaba envolvido em meio a diversos outros personagens do x-lore, como os Novos Mutantes (já liderados por Cable), o X-Factor e Forge & Banshee, sendo que é aqui que finalmente a dupla começa a encontrar os X-Men mortos e desaparecidos, como Tempestade — estranhamente rejuvenescida e sem memórias de sua vida de heroína — e o já citado Gambit, um mutante ladrão francês charmoso.

A co-protagonista da saga é Rachel Summers/Fênix II, e ela é a chave para entender porque Franklin Richards está vivo de novo. Ou não.

Uma das capas de Dias de um Futuro do Presente

Arte promocional da saga, na arte de Michael Golden
Um inexplicável Franklin Richards surge na frente de Banshee e Forge (que ainda estão na busca pelos X-Men) e parece confuso a respeito de quem realmente são. Também vemos aqui o antagonista da saga, o caçador de mutantes Ahab
É aqui que finalmente Forge reencontra Tempestade

FORGE | O Cheyenne xamã mutante inventor militar cyborg dos X-Men

Vale citar que Fantastic Four Annual #23 tem capa de John Byrne, o máximo que ele fez com os heróis mutantes na época (ele ainda mantinha boas relações com Louise, por isso que fez New Mutants #75). Sua capa tem Ahab, um caçador de mutantes da realidade de Futuro Esquecido, e que está atrás de Franklin e Rachel.

Ahab é o antagonista que impulsiona a trama, mas ele não apareceu no material promocional da saga apresentada em Marvel Preview #1. O que é certo é que a arte de Dias de um Futuro do Presente na Marvel Age Preview nos indica que algo mudou no meio do caminho.

Arte original de DIas de um Futuro do Presente

Esse desenho acima de Marc Silvestri (que não fez nada na saga), com Rachel, Franklin, Jean Grey, o Senhor Fantástico, o Coisa, Tocha Humana, Míssil, Fera e Wolverine (que não aparece em nenhum momento, a não ser em uma história filler, “The Fundamental Things“, escrita por Claremont, no final de UXM Annual #14), em poses de fuga/ataque, nunca foi usada na saga. Ao fundo, perigosos Sentinelas se aproximam.

Era o aviso que algo estava mudando por dentro do planejamento.

Mutant Wars

Mutant Wars

As edições da saga Mutant Wars, de acordo com Marvel Age Preview:

(setembro)

Uncanny X-Men #267
New Mutants #95
Excalibur #28
X-Factor #60

(outubro)

Uncanny X-Men #268
New Mutants #96
Excalibur #29
X-Factor #61

(novembro)

Uncanny X-Men #269
New Mutants #97
Excalibur #30
X-Factor #62

AS FACÇÕES:

X-Men
X-Factor
Novos Mutantes
Clube do Inferno
uma dissidência do clube, por Sebastain Shaw
Carrascos
Apocalipse
Rei das Sombras (Legião, Moira etc)

Mutant Wars

O texto descritivo de Mutant Wars mostra Dias de um Futuro Esquecido como exemplo de futuro sombrio para os mutantes. E informa que todas as linhas estavam traçadas, com cada mutante no Universo Marvel em aliança com alguém. Vale ressaltar que atores importantes do x-cenário construído por Chris Claremont estavam ausentes aqui, como a Força Federal, Nimrod, Carniceiros, Magistrados de Genosha, entre outros.

E não está claro se Magneto estaria em sua própria “facção” ou se ainda estaria aliado ao Clube do Inferno (mas como vimos nas histórias anteriores, ele já parecia estar operando como vilão solo).

Lembre-se: foi por meio de Magneto que Claremont e Simonson ficaram falando da guerra que se aproximava.

Páginas de Marvel Age #92, com uma lista de mutantes no Universo Marvel

Os heróis em Mutant Wars iriam tentar impedir as facções de se dividir em facções beligerantes. Mas, na maioria das vezes, o texto frisa, a questão é a sobrevivência, mesmo que isso implique sacrifício. A Marvel prometia que Mutant Wars iria afetar todas as vidas de cada mutante no Universo Marvel pelos anos que viriam, em um evento que seria tão impactante quanto a morte da Fênix Negra (cuja saga é ponto alto de toda a mitologia dos X-Men, criada por Claremont e Byrne).

E é importante notar como a Marvel apresentava essa saga: “The Mutant Wars” vinha com o subtítulo “The First Salvo“, “a primeira salva“, no sentido de salva de tiros. Ou seja, seria apenas o começo de algo maior.

Nas informações complementares da revista, na seção dedicada aos x-títulos regulares, dá pra saber mais um pouco do que antecederia Mutant Wars.

Mutant Wars

Em Uncanny X-Men, Forge e Banshee encontrariam Alison Blaire, a Cristal, renascida pós-Portal do Destino. O trio acabaria nos escombros da Mansão X, onde seria atacados por Masque. Jean Grey, do X-Factor, se juntaria aos heróis. Wolverine, Jubileu e Psylocke continuariam em sua busca própria pelos X-Men, mas os paradeiros de Vampira e Destrutor permaneceriam desconhecidos.

O Rei das Sombras, na forma de Legião, estava fazendo uma espécie de versão sombria da Escola Xavier na Ilha Muir, e a pequena Tempestade estaria em sua mira. A Marvel Age Preview ainda informa que Jim Lee assumiria a revista Uncanny X-Men e Marc Silvestri iria para a revista do Wolverine (roteiros de Larry Hama).

No X-Factor de Simonson, um Colossus renascido se encontraria com o X-Factor, depois que a nave deles sofresse uma pane na cidade de Manhattan. E teríamos mais desenvolvimento da relação de Jean Grey com Rachel Summers, que é sua filha com Ciclope na realidade de Futuro Esquecido.

Mutant Wars

E no Excalibur de Claremont (com Terry Kavanagh como editor), a saga interdimensional da equipe teria fim e seriam eles quem deveriam investigar estranhos acontecimentos na Ilha Muir, dando início, enfim, aos eventos de Mutant Wars.

Os Novos Mutantes de Simonson, liderados por Cable, iriam enfrentar a Frente de Libertação Mutante, que teria matado o filho de Cable, e um novo personagem chamado Cougar iria balançar o coração de Lupina nos Novos Mutantes. A equipe estaria totalmente militarizada e treinada para o começo de Mutant Wars.

Marvel Age #82 trouxe material de rascunhos de Rob Liefeld, e aqui podemos ver o personagem Cougar em artes de estudo

Marvel Age Preview #1 ainda cita Wolverine como protagonista das próximas edições de Marvel Comics Presents, título especial da editora, mas em histórias sem relações com Mutant Wars, e sua revista própria não teria ligações com a saga (mesmo sendo com o editor Bob Harras), com uma aventura do mutante baixinho contra ciborgues e criminosos em Madripoor.

Mutant Wars

Também teríamos uma publicação especial dos Piratas Siderais, com a equipe e o Professor Xavier e a Imperatriz Lilandra dos Shiars em uma aventura no planeta Phalkon, que seria a fonte da Força Fênix (!), com participações de Rapina, a Guarda Imperial e até mesmo do Excalibur e o X-Factor. O roteiro seria de Terry Kavanagh com arte de Dave Cockrum.

> E O QUE (NÃO) ACONTECEU (MAI–JAN./1991)

Podemos começar com as informações complementares do que aconteceria antes da saga, segundo a Marvel Age Preview. Forge, Banshee e Jean Grey realmente enfrentaram Masque e morlocks renegados, mas sem a presença de Cristal. Colossus encontrou o X-Factor, mas de outro jeito.

FORGE | O Cheyenne xamã mutante inventor militar cyborg dos X-Men

Claremont saiu do Excalibur e a equipe não teve envolvimento em absolutamente nada dos x-títulos por um longo tempo. O filho de Cable só apareceria anos depois, em outro contexto, e o personagem Cougar, de Liefeld, seria levado para outro lugar/universo/editora. A única coisa realizada mesmo foi a publicação da edição especial dos Piratas Siderais, uma história confusa que tem sim o Excalibur e X-Factor (esse mais ou menos).

E nas edições programadas para serem Mutant Wars?

  • Uncanny X-Men #267 tem a história de como a jovem Ororo recobra as memórias, revelando o que aconteceu de fato em UXM #248, quando ela enfrentou a vilã Babá. Ela e Gambit têm que fugir dos Farejadores do Rei das Sombras e da própria Babá e seu Fabricante de ÓrfãosÉ depois dessa edição que Uncanny X-Men Annual #14, de Dias de um Futuro do Presente, teria que ter sido publicada, já que foi aqui que a “Tempestinha” recuperou suas memórias.
  • Uncanny X-Men #268 é a clássica história de Claremont e Lee com um Wolverine mais jovem na época da Segunda Guerra Mundial, quando faz uma parceria inusitada com o Capitão América. E ambos salvam uma garotinha chamada Natasha Romanoff de virar uma assassina do Tentáculo — ela futuramente seria a superespiã e heroína Viúva-Negra. Grande parte do plot foi de Jim Lee, já mostrando sua força criativa em cima dos roteiros de Claremont.
Uma das capas mais emblemáticas dos anos 90 no quadrinho de super-heróis, por Jim Lee
  • Uncanny X-Men #269 mostra Vampira saindo do Portal do Destino. A mutante não sofreu efeito nenhum (algo nunca explicado até hoje), mas teve a psique de Carol Danvers, a Miss Marvel, finalmente retirada de sua cabeça, com a heroína até mesmo tendo um corpo pra si agora. Ambas ressurgiram em meio à x-base secreta no outback australiano, onde são atacadas pelos Carniceiros. As duas conseguem fugir com ajuda de Teleporter, mas ele joga Vampira na Terra Selvagem e Carol na Ilha Muir (a razão? ninguém sabe). O Rei das Sombras já tinha dominado todos os residentes da ilha, como Moira, Polaris e outros. O vilão ataca Carol e a transforma em uma espécie de zumbi em estado de decomposição progresso, e que precisa das energias vitais de Vampira para sobreviver. Absolutamente do nada, ela surge na Terra Selvagem e ataca Vampira, e se não fosse a intervenção de Magneto (a razão? por que ele está lá? ninguém sabe), a heroína morreria.

Vale citar que na edição seguinte, Uncanny X-Men #270, começa Programa de Extermínio, a saga substituta da Marvel para Mutant Wars.

Programa de Extermínio, a saga que entrou no lugar de Mutant Wars

Os Magistrados de Genosha (incluindo um Destrutor renascido como um deles, pós-Portal do Destino) vão atrás dos X-Men e Novos Mutantes e metade são capturados, com a outra metade tendo que resgatar seus colegas. A saga junta os Novos Mutantes liderados por Cable, a pequena Tempestade, Gambit, Forge e Banshee e o X-Factor contra Cameron Hodge, um fanático antimutante, antigo aliado humano dos heróis no X-Factor, revivido como uma aberração cibernética, que agora controla as forças militares de Genosha.

X-Men, X-Factor e Novos Mutantes vs Magistrados de Genosha

Wolverine, Psylocke e Jubileu acabam indo para lá também, e finalmente grande parte dos X-Men estão reunidos novamente. O Excalibur ficou totalmente de fora de Programa de Extermínio, e demoraria mais algum tempo para Kitty Pryde e Noturno reverem seus amigos. Entre as baixas nessa “guerra”, Warlock, o mutante alien dos Novos Mutantes, e a degradação de Lupina, da mesma equipe, transformada em mutóide pelos Magistrados. A pequena Tempestade sofreu o mesmo processo, mas conseguiu reverter, inclusive retornando para sua forma adulta.

Programa de Extermínio foi a “grande crise das equipes X”, como a própria revista informa, em vez de “guerras mutantes”

Programa de Extermínio é uma saga que não tem nada do que foi acordado em Mutant Wars, e parece ter sido construída às pressas, já que em nenhum momento Cameron Hodge foi visto nos bastidores das histórias anteriores (diferente dos Magistrados, presentes desde UXM #259).

De qualquer maneira, a saga já estava sendo desenrolada em outros x-títulos originalmente programados para Mutant Wars, outro exemplo da desorganização editorial da Marvel com os mutantes na época.

  • New Mutants #95 é a segunda parte do Programa de Extermínio; o número seguinte é a 5ª parte, e a #97 é a 8ª parte. X-Factor #60 é a 3ª parte; o número #61 é a 6ª; e X-Factor #62 trouxe a 9ª, que é a finalização da saga. Todas foram escritas por Louise Simonson, que deixou o comando das duas revistas tempos depois, extremamente aborrecida com a interferência editorial e de Rob Liefeld.

Além dos heróis de Excalibur estarem fora do Programa de Extermínio, suas revistas apresentaram conteúdos genéricos. Excalibur #28 é uma revista com roteiro de Terry Austin, clássico arte-finalista dos X-Men (o melhor para o lápis de John Byrne), em uma aventura ordinária com o Capitão Britânia e Meggan. O número seguinte teve roteiro de Michael Higgins, em uma aventura com Noturno e Rachel Summers, e Excalibur #30 teve roteiro de Dana Moreshead.

SOBRAS DE GUERRA

O desmantelamento dos X-Men que começou em UXM #251 infelizmente também parece ter sido o desmantelamento dos planos do x-escritor Chris Claremont para os X-Men. Isso já pode ser notado na edição anterior, UXM #250. É aqui que Lorna Dane, a Polaris, perde seus poderes magnéticos e ganha superforça e invulnerabilidade, além de crescer em tamanho.

Chris disse em Marvel Age #85 que ela poderia até mesmo mudar seu codinome. O caso é que ela parecia afetar as emoções das pessoas ao se redor, como um magnetismo reverso de ódio e luxúria, em um plot apresentado antes de Chris tecer seus planos com o Rei das Sombras, que tinha exatamente esse poder sobre as pessoas.

Lorna Dane, a Polaris, ganha novos poderes em UXM #250

Quando somos apresentados a uma Tempestade mais jovem em UXM #253 (1989), vemos um Rei das Sombras possuindo o agente do FBI chamado Jacob Reisz, que seria o corpo hospedeiro do vilão por um longo tempo.

Legião, o grande vetor do Rei das Sombras na construção da vindoura Saga do Rei das Sombras de Claremont, num primeiro momento parecia estar na verdade atuando sob influência de uma das suas muitas personalidades, Jack Wayne — uma das mais malignas no caso. De qualquer maneira, essas sutis diferenças não foram explícitas o suficiente para ficarem entendidas o bastante.

Legião, no mood Jack Wayne, dominado pelo Rei das Sombras, no plot de Chris. Na mesma página, Vampira na Terra Selvagem, um plot de Jim

Em UXM #254 (1989), a mutante vidente Sina tem uma visão sobre o futuro. É um mundo onde tudo está cristalizado, onde ela vê “estátuas” de Mística (sua mulher e companheira na Força Federal), e dos integrantes do Quarteto Fantástico: Reed Richards, o Senhor Fantástico; a Mulher-Invisível; Tocha Humana; o Coisa; e mais 3 figuras desconhecidas (dois moços e uma moça).

A cristalização toma conta de tudo, alcançando as estrelas, até a própria Sina, quando ela se vê estilhaçada com todo o resto. Era uma premonição de sua morte? Um vislubre do que deveria ter sido apresentado em Dias de um Futuro do Presente, que tem a presença do Quarteto Fantástico e associados? Ou mesmo de Mutant Wars?

Sina e sua premonição “cristalizada”

Teria sido Legião/Jack Wayne quem matou Sina em UXM #255, quando os Carniceiros invadem a Ilha Muir para matar todos os poucos associados dos X-Men que sobraram. Na mesma edição, o Tentáculo capturou uma Psylocke renascida do Portal do Destino. E em UXM #256-257 vemos o desdobramento disso, com a história de Psylocke transformada em Lady Mandarim, em seu mood ninja definitivo, roteiro de Claremont e arte de Jim Lee, quando o artista ganhou o coração dos leitores. Talvez seja aqui que tudo começou a ruir para um Mutant Wars. Lee tinha uma espécie de “estúdio interno” em que ele, Portacio e o artista Scott Williams faziam trabalhos em equipe, chamado Homage Studios (inclusive ele é o “crédito” de arte em UXM #267). A rapidez e qualidade que eles entregaram o arco triplo da aventura de Wolverine e Psylocke realmente chamou a atenção de Bob Harras.

A lavagem cerebral que Wolverine sofre pelo Tentáculo teria ramificações muito mais fortes de acordo com os planos de Claremont

Em UXM #257, Legião/Jack Wayne possui Polaris, aumentando seu controle telepático sobre todos os residentes na Ilha Muir, e finalmente, como já dito, em UXM #259 o Rei das Sombras possui Legião — lembrando: a edição é a primeira de 1990, ano da finada saga Mutant Wars. Então, o Rei das Sombras simplesmente pegou carona no plano de Jack Wayne de sair possuindo geral? Parece que sim, já que o próprio Rei parece insatisfeito com a morte de Sina, conforme vimos em UXM #265. Como será que Claremont iria concatenar toda a preparação de Mutant Wars com o que já construía para a Saga do Rei das Sombras?

O Rei das Sombras domina Legião

Em UXM #266, tivemos a estreia de Gambit no x-lore. Era a mesma época de Dias de um Futuro do Presente, com o ladrão francês fazendo sua primeira aparição na saga, já amigo da pequena Tempestade indo atrás dos X-Men com ela, sendo que a série de aventuras que contaria isso nem tinha sido publicada. Outra prova da confusão editoral do x-office na época.

Gambi entra no universo mutante

No mesmo mês estava nas bancas a Marvel Age #90, de julho de 1990, onde Jim Lee diz em uma entrevista que queria desenhar a Guarda Imperial de Shiar, e quem sabe o Professor Charles Xavier. Ele tinha saído da revista do Justiceiro, a Punisher War Journal, para assumir de vez os X-Men, e talvez aqui ele e Bob Harras já estivessem no controle total da revista, já que definitivamente a Guarda e Xavier não estavam nos planos de Claremont.

Entrevista com Jim Lee em Marvel Age #90

A Guarda Imperial de Shiar, na arte de Jim Lee

Bob Harras, em uma entrevista em Marvel Age #78 (1989), já dizia que o plano era trazer Xavier na X-Factor #50, pra fazer o contraponto de Magneto, que estava como vilão novamente. Lembram-se que o Professor X aparece de fato no final da aventura?

E mesmo Programa de Extermínio pareceu sofrer alguma interferência. Em Marvel Age #94, de novembro de 1990, para promover a Uncanny X-Men #271, a revista informa em uma arte promocional que Wolverine, Psylocke e Jubileu (mas é a jovem Tempestade desenhada) enfrentariam Novos Sentinelas como parte da saga. Mas não há Sentinelas presentes na história, quanto mais novos.

Marvel Age #94, com anúncio de Uncanny X-Men #271, arte de Jim Lee

A edição New Mutants #98 foi a estreia do mercenário tagarela Deadpool, mostrando a força de Rob Liefeld, que criou o personagem. Na edição seguinte, temos mais uma “sobra”, com Cable falando de uma guerra entre mutantes e humanos, em um plot de Liefeld com ajuda do novo escritor da revista, Fabian NiciezaNew Mutants #100 é a última edição do título dos Novos Mutantes, onde finalmente conhecemos a verdadeira face de Conflyto — ele seria o próprio Cable, de um futuro ainda mais distante. A revista dos Novos Mutantes agora se chama X-Force, a representação máxima do poder de Liefeld na Marvel da época, uma onda que logo chegaria no título dos X-Men.

Primeira aparição de Deadpool

Curiosamente, em Uncanny X-Men #273, de fevereiro de 1991, temos um exemplo bem claro das tais facções mutantes (e não-mutantes) em atividade, quando logo nas páginais iniciais da revista vemos Cable mostrando aos líderes Tempestade, dos X-Men, e Ciclope, do X-Factor, nos eventos imediatamente posteriores de Programa de Extermínio, todos os inimigos que ameaçam a existência dos mutantes.

A saber: Clube do Inferno; Masque e seus Morlocks; Andrea e Andreas Strucker, os Irmãos Fenris; Tentáculo; Zaladane; e ainda Genosha com seus Magistrados, além da equipe mutante de assalto especial (Press Gang) e Cameron Hodge (mesmo que eles tenham sido enfrentados uma edição atrás). Nada é dito sobre as outras facções citadas em Mutant Wars, mas a atitude beligerante de Cable é reflexo disso.

Ele quer confronto direto e até mesmo liderar os mutantes nessa guerra. Chris Claremont também usa esse momento para diferenciar os X-Men reunidos e suas diferenças com o que Cable representa.

Os vários inimigos dos X-Men, prontos para uma guerra
Jean Grey literalemnte diz que Xavier não criou os X-Men para guerras
Ele diz que a situação é inevitável: cita as baixas ocorridas em Queda de Mutantes e Programa de Extermínio e aponta que os X-Men estão em frangalhos, todos espalhados, facilitando os ataques inimigos

A edição é marcante também pela participação de vários artistas, além de Jim Lee: Whilce Portacio (arte-finalista de Lee e desenhista de vários títulos, inclusive do Justiceiro); Klaus Janson; Rick Leonardi; Michael Golden; Larry Stroman; Marc Silvestri (já fazendo Wolverine); e surpreendentemente John Byrne, reeditando por algumas páginas a parceria de sucesso de anos atrás.

E é com Byrne que Claremont também revê o que ele próprio construiu. Nas palavras de Tempestade, ela reflete sobre seu plano de deixar todos pensarem que os X-Men estavam mortos e ficar na Austrália, longe de todos. Também analisa o que o X-Factor defende, Magneto representa e o que Cable quer.

Claremont revê tudo que fez até aqui por meio dessa conversa de Ciclope, Jean Grey e Tempestade. Tudo na arte de John Byrne

UXM #273 termina com a roqueira mutante e teleportadora Lila Cheney vindo pra Terra para buscar os X-Men para ajudar o Professor Charles Xavier em uma batalha nos confins do espaço, em uma série de aventuras que terminaria só em UXM #277, quando o mentor percebe que tem que retornar para a Terra para enfrentar o Rei das Sombras.

O retorno de Xavier para a Terra para enfrentar o Rei das Sombras

Magneto em Uncanny X-Men #275, logo após matar Zaladane. Renega o trabalho de Xavier, retorna à vilania, e avalia como ameaças o Clube do Inferno (do qual ele acabou de sair) e o Rei das Sombras (que ele nunca enfrentaria)

Desde UXM #253 as edições dos X-Men deveriam trabalhar o tema da Saga do Rei das Sombras, e ela de fato foi, mas em meio a tudo que Jim Lee também queria. No fim, a saga se tornou a Saga da Ilha Muir, que engloba as edições de Uncanny X-Men #278, X-Factor #69, Uncanny X-Men #279, X-Factor #69 e Uncanny X-Men #280, com a X-Factor #70 como epílogo. Mas acontece que UXM #279 foi a última edição que Chris Claremont escreveu (e só até a página 12) dos X-Men.

Foi Fabian Nicieza quem finalizou a história e a saga em si. Não há participações do Excalibur nem dos Novos Mutantes/X-Force.

Fabian Nicieza assume os X-Men

O Rei das Sombras tinha planos de dominar não só a Terra, mas “as estrelas“. Aliás, essa foi literalmente a última palavra escrita no título mutante pelo escritor Chris Claremont. Será que era isso que signficava as visões de cristal de Sina, afinal?

A última página dos X-Men escrita por Chris Claremont, após 16 anos de histórias

CHRIS CLAREMONT | O arquiteto da fabulosa mitologia dos X-Men

Aliás, podemos encerrar esse artigo com uma sina terrível: a ironia. A Marvel se livrou do arquiteto da mitologia mutante por 16 anos, Chris Claremont, e deu ao novato escritor e talentoso desenhista Jim Lee o controle criativo do x-universo. E mais: um novo x-título só pra ele, uma revista chamada simplesmente de X-Men — as 3 primeiras edições ainda tiveram Claremont no co-roteiro, mas depois o coreano tocou sozinho.

X-Men #1, de Chris Claremont e Jim Lee

Essa nova revista partiu de uma ideia original de Claremont, lá daqueles grandes planos dele. Ele dividiria a equipe em “azul” e “dourado“. Mas foi a partir daqui que Jim Lee se tornou um ultra-superstar das HQs, tocando sozinho o barco do jeito que queria. Talvez até escolhendo quem desenhar.

Divisão com a Equipe Azul e Equipe Dourada dos X-Men, pós-Saga da Ilha Muir, e que estrela o novo mood dos X-Men. Arte de Jim Lee

As imagens acima são a divisão oficial da equipe, feita em X-Men #1-3 (1991), ainda com Claremont co-roteirizando. No entanto, podemos ver que em artes de cards da Marvel lançadas no mesmo ano de 1991 outro line-up que nunca aconteceu nas HQs. Será que era o que Chris Claremont pensava ao fim de sua Saga do Rei das Sombras? Os desenhos são de Mark Bagley.

Cards dos X-Men, com um line-up nunca visto nos quadrinhos

Jim Lee também fez uma arte promocional (parte dela, a central, presente em Marvel Age Preview #1), com integrantes desse line-up, como Destrutor e Polaris, que não ficaram no que se estabeleceria depois. Até Teleporter, da fase Australia, está presente.

Arte de Jim Lee com os X-Men. Esse line-up também nunca foi visto nas HQs

Em outro material promocional, também de 1991, usado apenas uma única vez pela Marvel, em Advance Comics #32 (revista informativa que na verdade era um catálogo mensal da distribuidora de quadrinhos Capital City Distribution, que operou de 1980 a 1996 no mercado americano), temos uma arte muito interessante, com outro x-line-up, no que parece ser o momento da divisão de equipes azul e dourada, em uma arte dupla de Jim Lee e Whilce Portacio para promover duas revistas, X-Men e Uncanny X-Men, ambas com Chris nos roteiros, além de já entregar o que seria um X-Factor renovado (roteiro de Peter David e arte de Larry Stroman) e o Excalibur (que além da arte teria roteiro de Alan Davis).

Perceba que o time X-Men (Azul) seria composto de Tempestade, Vampira, Jubileu, Forge, Guido, Psylocke, Wolverine e Fera, com arte de Lee. E o Time Fabulosos X-Men (Dourado) seria com Ciclope, Jean Grey, Arcanjo, Homem de Gelo, Colossus e Gambit, com arte de Portacio. Perceba também que Guido está no X-Factor, o que não faz sentido. A arte que Jim fez nessa peça promocional foi usada 10 anos depois pela Marvel, na capa de X-Men by Claremont and Lee Omnibus (2011); a de Stroman se tornou a capa de X-Factor #71, com o novo line-up e proposta da equipe; e a de Davis a de Excalibur #42. A que Portacio fez muito provavelmente seria a de Uncanny X-Men #281, mas não foi usada. Vale citar também que os nomes de Lee e Portacio vinham antes de Claremont nessa propaganda, o que diz muito sobre o mood criativo que imperava ali.

Jim Lee pouco levou (e modificou muitos) dos plots de Claremont, como a revelação de um novo personagem em desenvolvimento (Bishop), Gambit como um traidor (não ainda), Wolverine ainda sob efeito da lavagem cerebral do Tentáculo (descartado), o Rei das Sombras ainda influenciando diversas figuras-chaves do lore mutante (não foi feito), entre muitos outros.

Arte de Jim Lee para X-Men #3 (1991), no qual a Marvel indica o que vinha por aí para os heróis, já sem participação de Claremont

Claro, Lee era melhor desenhista que roteirista, e precisava de ajuda. E conseguiu de, olha só quem: John Byrne. Se antes Byrne era o desenhista dos X-Men e interferia demais nos roteiros de Claremont em uma das maiores fases dos mutantes, agora temos o artista em um papel trocado. Jim Lee desenhava um plot que pensava — o que significava poses e cenas de ações ultracool com personagens em design e estilo primorosos — e Byrne tinha que bolar um sentido narrativo nisso tudo, além de encaixar diálogos.

Byrne fez isso de UXM #282 (1991) ao #285, mais o #288 (1992), até sair dos X-Men. De novo. Quem decidiu abraçar a bucha foi Scott Lobdell.

A ironia é letal até o fim: além da UXM #288 ser a última de John Byrne, também foi a última de Jim Lee “escrevendo” (e desenhando e “escrevendo” foi a X-Men #11) — apenas 9 edições depois que Chris pulou fora. Lee, junto com outros desenhistas da Marvel, como Rob Liefeld, Marc Silvestri, Whilce Portacio, Todd McFarlane (que estava explodindo com o Homem-Aranha), Erik Larsen (também com o Aranha) e Jim Valentino (que estava revitalizando os Guardiões da Galáxia), pediram demissão da Marvel para fundar a própria editora, a Image Comics, em 1992, em um movimento que desestruturou toda a indústria de quadrinhos de super-heróis, para refazê-la de um jeito que nunca havia acontecido antes.

Arte promocional da Image Comics em 1992
Image #0, que trouxe um preview de todos os títulos dos 7 artistas fundadores
Os logos dos vários títulos da Image Comics
Os humanos meio aliens de Wild C.A.T.S., os “X-Men” de Jim Lee
Os mutantes ciborgues de Cyber Force, os “X-Men” de Marc Silvestri

MARC SILVESTRI | A cinética e dinâmica na narrativa visual

CYBER FORCE | Os mutantes cibernéticos dos anos 90 na Image Comics

Strike Force, um grupo de mercenários com superpoderes, uma proposta um pouco mais original de Marc Silvestri em sua própria empresa
Whilce Portacio foi na mesma vibe e criou os Wetworks, mercenários com poderes alienígenas, simbióticos e biônicos

Em resumo, Jim Lee conseguiu fama com os X-Men, e a usou para sair dela para fazer a sua própria, deixando os Filhos do Átomo sem guerras mutantes para travar, sem seu pai adotivo de coração, Chris Claremont, tudo na reta final de um futuro sonhado por ele com Uncanny X-Men #300, que também seria uma comemoração de aniversário de 30 anos da equipe, criada por Stan Lee e Jack Kirby, em 1963.

X-Men #1, de Stan Lee e Jack Kirby (1963)
Giant Size X-Men, de Len Wein e Dave Cockrum (1975)
X-Men #94, de Chris Claremont e Dave Cockrum (1975)
X-Men Shattershot (1992), escrita por Fabian Nicieza, com arte de Jim Lee e outros artistas
Marvel Age #122 (1993), edição que comemora os 30 anos de X-Men
Uncanny X-Men #300 (1993), de Scott Lobdell e John Romita Jr. e Dan Green

> 1990

O ano de 1990 poderia ser marcado por Mutant Wars, caso fosse lançada de fato. Pois outros grandes eventos da Marvel no ano na verdade pequenos. Tivemos apenas Fator Terminus (com os Vingadores) e a segunda Guerra de Armaduras do Homem de Ferro (não teve Mutant Wars mas teve Armor Wars II então), enquanto que na DC Comics nada de relevante foi publicado em questão de sagas — diferente de edições pontuais, muito importantes, que deixam a Marvel bem pra trás nesse quesito.

Mas se não tivemos a saga Mutant Wars na Marvel, tivemos publicações como Spider-Man #1, o início do arco Tormento, marcado pela estreia nos roteiros de Todd McFarlane, que também fez a arte — vendeu milhões de exemplares –, e a graphic novel Elektra Vive, de Frank Miller (que ganhou o Eisner, o “Oscar” dos quadrinhos).

Spider-Man #1, uma nova revista do Homem-Aranha, por Todd McFarlane
Arte promocional da Marvel para a nova revista dos X-Men, com Chris Claremont e Jim Lee, em 1991, dizendo que venderia mais que Spider-Man do Todd. E vendeu mesmo

Quem se destacou mesmo em 1990 foi a DC, com o lançamento da minissérie Livros da Magia, escrita por Neil Gaiman (que ganhou 2 Eisner: Melhor Escritor e Melhor Série por seu Sandman); a minissérie Hawkworld, do Gavião Negro, escrita por John Ostrander e Timothy Truman (também ganhadora, do formato indicado, do Eisner), além de Animal Man #26, com a história Deus Ex Machina, a última edição da revista do Homem-Animal, escrita por Grant Morrison, um marco da inventividade nos quadrinhos de super-heróis.

Homem-Animal e Grant Morrison

Vale destacar outras HQs ganhadoras do Eisner lançadas em 1990, como Concreto, de Paul Chadwick; Xenozoic Tales, de Mark Schultz (mais conhecido pela animação que ganhou, que leva o nome de Cadillacs and Dinosaurs); Give Me Liberty, de Frank Miller e Dave Gibbons (mais um capítulo de sua saga com a personagem Martha Washington), além das premiações dos artistas em si, com o próprio Miller e Geof Darrow, por Hard Boiled; Steve Rude, por Nexus; o grande artista Al Williamson (como Melhor Arte-Finalista), e o Hall da Fama, com a inclusão dos nomes de gigantes como Robert Crumb e Alex Toth.

Foi no ano de 1990 que também faleceu o artista Bernard Krigstein, aos 71 anos, co-criador da HQ Master Race, escrita por Al Feldstein para a editora EC Comics em 1955, na revista Impact #1, uma história em quadrinhos que influenciou a linguagem das HQs, seguida por mestres como Will Eisner, Jack Kirby e Harvey Kurtzman. Art Spiegelman, outro grande artista, fã confesso, escreveu um artigo sobre ele na New Yorker em 2002. O texto define a revolução causada pelos onze quadros na página final.

> FUTURO DE CRISTAL

Parte do mood “cristal” da premonição fatal de Sina foi usado anos depois, em 1995, no arco Desafio do Legião, quando ele retorna no tempo para matar Magneto, mas acaba matando seu pai sem querer, o que acaba ocasionando a megassaga Era do Apocalipse, conduzida pelo novo roteirista que assumiu os X-Men depois de Claremont, Scott Lobdell. Os momentos finais do Universo X-Marvel (apenas os títulos mutantes foram afetados) foram de cristalizações literais dos eventos que aconteciam no momento que Legião matou Xavier.

Era do Apocalipse, a megassaga dos X-Men em 1995

Por fim, vale destacar o tema de uma guerra mutante “Mutant Wars” na última fase dos X-Men: a House of X/Powers of X, escrita por Jonathan Hickman, desenhada por Pepe Larraz e R.B. Silva, em vigor desde 2019 e prestes a terminar.

House of X, de Jonathan Hickman e Pepe Larraz (2019-2024)
Magneto foi uma das peças centrais dessa fase, chamada informalmente de Era de Krakoa
A guerra é citada, mas de uma maneira não-óbvia. Texto de Jonathan Hickman

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