Durante o longo run de 16 anos de histórias escritas pelo roteirista Chris Claremont nos X-Men da Marvel Comics (1975-1991), uma das melhores fases foi a chamada “X-Men Australia Team“, seguida diretamente da informalmente conhecida “Busca pelos X-Men” ou “Era da Não-Equipe“. Com desenhos de Marc Silvestri e Dan Green, Claremont matou os heróis na saga Queda de Mutantes — Uncanny X-Men #225-227 (1987) — para logo depois revivê-los.
Na fase Australia, os X-Men agora eram fantasmas vivos em uma base secreta numa cidade fantasma no meio do outback australiano, prontos para derrotarem seus inimigos e proteger seus entes queridos sob o manto de verdadeiras lendas do Universo Marvel. Eles eram visíveis apenas a olhos nus, sendo indectáveis por meios eletrônicos e até místicos. Para todos os efeitos, existiam apenas quando agiam.
A equipe era liderada por Tempestade, ajudada de perto por Wolverine, Colossus, Longshot, Destrutor, Vampira, Cristal e Psylocke, com Madelyne Pryor (ex-esposa de Scott Summers, o Ciclope, atualmente no X-Factor), a jovem Jubileu e o aborígene Teleporter como “integrantes honorários”.
Por mais de 20 edições — dois anos de publicação, de Uncanny X-Men #228 (1987) a Uncanny X-Men #252 (1989) –, Claremont, sob direção da editora Ann Nocenti (e depois por Bob Harras), trabalhou com a equipe nesse mood, o mais inovador e original possível na época: os heróis mutantes eram vistos como criminosos fora-da-lei antes, e mesmo “mortos”, ainda eram hostilizados pelo público, mas que salvavam o mundo de diversas ameaças.
Entre aventuras e desventuras solos de personagens como Wolverine (seu título solo e com Destrutor em Fusão); as x-meninas no shopping; os x-caras na paródia de Invasão! (da DC Comics); os X-Men enfrentaram os ciborgues assassinos de mutantes Carniceiros, os aliens da Ninhada, conheceram Genosha e seus escravagistas de mutantes, participaram da x-megassaga Inferno (1988), enfrentaram a fusão de Molde Mestre e Nimrod (Vampira some aqui), Babá e o Fabricante de Órfãos (Tempestade morre aqui), foram para a Terra Selvagem lutar contra Zaladane, até que finalmente o resto do grupo morre/desaparece de vez em Uncanny X-Men #251, quando usam o artefato místico Portal do Destino para escapar da morte certa contra os Carniceiros, com o restinho da história indo a edição seguinte, #252.
Então, a partir de Uncanny X-Men #253, em vez de uma equipe coesa e centralizada como eram os X-Men Australia, Claremont apresentou uma série de histórias interconectadas que, juntas, formavam um grande arco narrativo de busca pelos X-Men. Essa estrutura fragmentada permitiu uma maior flexibilidade na narrativa, possibilitando a introdução de novos elementos e a exploração de diferentes temas e tons.
A Busca pelos X-Men
Uncanny X-Men #253
História: “Storm Warnings!”
Escritor: Chris Claremont
Artistas: Marc Silvestri (desenhos) e Steve Leialoha (arte-final)
Letrista: Tom Orzechowski
Colorista: Glynis Oliver
Editor: Bob Harras
Editor-chefe: Tom DeFalco
Neste começo de preparação de curto e longo prazo da busca pelos X-Men, Chris Claremont aproveitou para reintroduzir e/ou reorientar vários personagens ausentes há muito tempo do x-lore, usando de forma hábil o vasto e variado elenco de apoio de aliados dos heróis mutantes, agora que nem mesmo tem os titulares para trabalhar. É o começo da era da “não-equipe” dos X-Men.
Não que o roteirista se furte a usar tudo que ama nos X-Men. A começar pela própria Tempestade, que ele promove o retorno como uma garotinha sem memórias, confusa e desorientada em meio a uma ~~ tempestade ~~ em Cairo, Illinois. Essa trama deixa claro que ela está na mira de Jacob Reisz, um agente do FBI que aparenta ser mais do que é.
A edição também mostra os Carniceiros retomando sua base secreta — agora liderados por Donald Pierce, ex-Clube do Inferno. Lady Letal está com eles, e ela consegue rastrear seu arqui-inimigo Wolverine (e Jubileu, que salvou o mutante da morte certa em uma cru”X”ificação, mas a vilã opta por deixá-lo se recuperar para enfrentá-lo como se deve depois.
Outro “não-confronto” que ocorre é a abordagem de Claremont com Magneto, logo após a “reformulação” da escritora Louise Simonson e Johh Byrne vista em New Mutants #75, quando o Mestre do Magnetismo retoma sua persona vilanesca. Em um diálogo forte com Moira MacTaggert, a geneticista (então humana, aliada de longa data dos X-Men), vista pela última vez em UXM #230, Magneto explica de modo elegante sua leitura dos fatos envolvendo os X-Men desde Massacre de Mutantes e suas falhas como diretor da Escola Xavier, e como suas ações não surtiram o efeito que desejava.
O tema guerra aparece aqui com todas as letras, com Magnus alertando que ela se aproxima, um tema que faz referência óbvia ao vindouro megaevento The Mutant Wars, de 1990, que Chris Claremont preparava desde UXM #210, pré-Massacre de Mutantes, mas que a Marvel acabaria cancelando (e promovendo a raquítica Programa de Extermínio no lugar).
Magneto também conversa com Banshee (visto pela última vez em UXM #217) sobre os mesmos tópicos, com ele resoluto em retomar uma postura agressiva de reação nesta guerra que se aproxima. Moira quer barrar os acessos à Mansão X, destruída no confronto dos X-Men contra o Senhor Sinistro no clímax de Inferno, e manda Callisto selar o local — a líder dos Morlocks não era vista desde Massacre de Mutantes, e estava com vários de seus se recuperando na Ilha Muir. Claremont também retoma Polaris, vista na última aventura dos X-Men Australia em UXM #249-250, e que devido aos seus novos poderes de força e invulnerabilidade, procura a ajuda de Moira na Ilha Muir.
Quem também se desloca para lá a fim de buscar informações sobre Noturno, antigo x-man, agora líder da equipe mutante britânica Excalibur (e no momento ausente da Terra em uma aventura extradimensional), é sua antiga namorada, a feiticeira humana Amanda Sefton. Ela acaba encontrando a Brigadeiro Alysande Stuart, irmã de Alistaire, um militar aliado do Excalibur, e as duas decidem ir para a ilha.
Claremont retoma também o personagem Forge, que não era visto desde UXM #227 (episódio final de Queda de Mutantes, sendo o responsável direto pelo feitiço final que matou o Adversário, inimigo que os X-Men deram a vida para derrotar neste mesmo encantamento). Aqui ele tem sonhos precognitivos que lhe informam que Tempestade está viva, mas que está sob ameaça de um dos inimigos mais perigosos dos X-Men, o temível Rei das Sombras, que no plano astral se mostra na sua forma “clássica” Amahl Farouk, mas que parece ser na verdade o agente Jacob Reisz (aquele mesmo visto no começo da revista atrás de “Tempestinha”, a agora jovem Ororo).
FORGE | O Cheyenne xamã mutante inventor militar cyborg dos X-Men
A edição acaba com Pierce determinando aos Carniceiros que eles devem invadir a Ilha Muir e matar todos os aliados dos X-Men presentes no local.
Uncanny X-Men #253 se mostra assim a edição de transição entre os arcos de “dissolução” e “renascimento” dos X-Men Australia, o verdadeiro começo da “Busca dos X-Men”. Com todos os heróis (exceto Wolverine) possivelmente mortos e/ou desaparecidos, a narrativa de Claremont foca nesses personagens paralelos e aliados dos heróis para começar a plantar as sementes do eventual renascimento da equipe.
E isso acontecerá por meio de 4 grupos diferentes que dividirão o foco do título nos próximos meses: Wolverine & Jubileu (e futuramente com a presença de Psylocke, reformulada como uma ninja assassina chinesa), Forge e Banshe (que em UXM #254-255, após derrotarem a investida de Pierce e os Carniceiros na Ilha Muir, com a ajuda da Força Federal, firmam uma parceria para encontrar os X-Men mortos e desaparecidos), Tempestinha (futuramente com um novo parceiro, o misterioso Gambit) e os habitantes da Ilha Muir (que em breve saberíamos que estavam sob controle mental do Rei das Sombras) — todos parte de um grande plano de Claremont para a futura The Mutant Wars e a chamada Saga do Rei das Sombras.
Em um período em que os X-Men eram o título mais celebrado do mercado de quadrinhos, Claremont ousou desconstruir a formação clássica da equipe, desafiando as expectativas dos leitores e redefinindo o gênero de super-heróis. Cada grupo tem sua própria jornada, mas todos compartilham um objetivo comum: encontrar seus companheiros desaparecidos e lidar com a aparente dissolução dos X-Men. Esse enfoque fragmentado trouxe uma nova dinâmica à série, permitindo um desenvolvimento mais profundo e individualizado de cada personagem. Ao dar destaque a esses personagens secundários, Claremont enriqueceu o universo dos X-Men, mostrando que cada membro tinha um papel crucial na história.
Essa estratégia não só manteve o interesse dos leitores (bem, alguns com certeza), como também ampliou o escopo da narrativa, tornando-a mais complexa e envolvente. A habilidade de Claremont em manter a coesão dessa narrativa, mesmo com a dispersão dos personagens, é notável. Através de uma escrita habilidosa e de um planejamento cuidadoso, mesmo em meio a interferências editoriais, ele conseguiu tecer uma trama complexa onde cada história individual contribuía para o arco geral. Essa abordagem permitiu que os leitores se conectassem com cada grupo de personagens, ao mesmo tempo em que aguardavam ansiosamente pelo desfecho da busca e eventual reunião dos X-Men.
A representação de uma “não-equipe” também refletiu o estado fragmentado do mundo dos X-Men após eventos traumáticos como Inferno. Ao lidar com a perda e a incerteza, os personagens mostraram uma resiliência e determinação que ressoaram profundamente com os leitores. Claremont capturou a essência do que significava ser um X-Men, não através de uniformes e batalhas, mas através de coragem, esperança e solidariedade em tempos de adversidade.
Além disso, Claremont abordou questões sociais e políticas de maneira sofisticada e sensível, utilizando os X-Men como uma metáfora para minorias e grupos marginalizados. Em um momento em que a cultura pop estava começando a se tornar mais consciente dessas questões, sua narrativa de busca pelos X-Men se destacou pela relevância e profundidade, conquistando esse terreno de modo mais amplo e não-óbvio. Sua habilidade em criar personagens tridimensionais, explorar temas complexos e manter uma narrativa coesa mesmo em meio ao caos, tornou essa fase dos X-Men uma das mais memoráveis e influentes na história dos quadrinhos.
Foram então mais de 20 edições dessa “busca pelos X-Men”, até Uncanny X-Men #270, no começo da saga Programa de Extermínio, onde a maioria dos X-Men sobreviventes se reúnem (Destrutor, por exemplo), com o ápice em Uncanny X-Men #280, no final da Saga da Ilha Muir (antes Saga do Rei das Sombras).
Ao fazer essa narrativa de novas histórias de uma não-equipe estrelando no título mais quente da Marvel Comics, e de novo, de modo muito intenso e original, Chris Claremont também estava preparando sem saber sua cama de gato, em uma série de eventos editoriais e interferências do editor Bob Harras e de um novo desenhista, Jim Lee, que teria mais controle criativo de roteiro do que ele. Isso o afastaria dos X-Men, muito antes do que ele pensava — o escritor deixou a revista em UXM #279 (1991), antes do final da Saga da Ilha Muir, sendo que ele tinha planos para até Uncanny X-Men #300, em 1993, quando a equipe completaria 30 anos de criação.
CHRIS CLAREMONT | O arquiteto da fabulosa mitologia dos X-Men
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