GRANT MORRISON | Um rockeiro travesti escocês abduzido e pirado nas HQs

A presença do escritor escocês Grant Morrison na indústria de quadrinhos de super-heróis é uma grande oportunidade de verificar como as HQs como as maiores vitrines da cultura pop podem representar mais do que aparentam.

Saído da cena punk escocesa, antecedendo muitas temas representativos de gênero — ele era travesti, hoje é não-binário e amanhã só ele sabe e importa –, dono de imensa criatividade para criar histórias de super-heróis, cheias de conceitos malucos, originais, adaptados e copiados, Grant Morrison se tornou um dos mais celebrados escritores de HQs.

Seu nome figura certo entre 10 Maiores Roteiristas de HQs de super-heróis em listas por aí. Seu toque mágico deu vida própria a uma série de personagens e equipes de renegados, à margem da fama e impacto de estrelas como Superman e X-Men, do qual ele também botou a mão, e não sem surpresas, também fez grandes histórias.

Grant Morrison
Homem-Animal, a primeira e talvez a melhor obra de Grant Morrison nos quadrinhos da DC Comics. Arte de Brian Bolland

Grant teve sua infância nas cidades de Govan e Corkerhill, na Escócia. Seu pai era um veterano da Segunda Guerra Mundial, e mais tarde se tornou pacifista e até mesmo um ativista anti-guerra, o que influenciou um jovem Grant a entrar em um grupo ativista anti-nuclear que praticavam atos de desobediência civil, o Committee of 100.

Em sua interessante progressão na labuta de escritor de HQs, o espírito mente aberta de Grant, a inclusão de suas experiências com drogas e viagens lisérgicas — ele afirma que concebeu sua HQ Os Invisíveis depois de ser abduzido por extraterrestres — com psicoativos, meditação, rituais vodus e interpretações de sonhos, formou toda a imagética escrita com que ele trabalha nas HQs.

Patrulha do Destino, outra obra colossal de sua carreira

Um dos destaques nas obras de Morrison é o personagem Gideon Stargrave, um espião britânico dos anos 1970 baseado no personagem Jerry Cornelius, criado por Michael Moorcock em seus livros — Michael é o criador de Elric, o precursor do hoje famoso Witcher no mundo da literatura –, tudo sob uma forte influência da novela The Day of Forever, do escritor JG Ballard. Gideon Stargrave foi reciclado para a série dos Os Invisíveis, o chamando de King Mob, já que ele escreve um personagem na história, o próprio Gideon, sob o pseudônimo de Kirk Morrison.

King Mob, arte de Duncan Fegredo
Os Invisíveis, a obra mais representativa da loucura de Grant Morrison nas HQs

Isso é apenas um exemplo da metalinguagem que Grant Morrison aplica em suas histórias em quadrinhos.

Grant Morrison
Grant Morrison

Ele nasceu 31 de janeiro de 1960, e tem 62 anos de idade (nem parece!), comemorados hoje. É um dos mais conceituados escritores de quadrinhos, com trabalhos também para TV, música e até cinema.

Pulps

Um dos produtos da cultura pop mais americano de todos os os tempos, as revistinhas de histórias em quadrinhos de super-heróis são herdeiras das revistas pulp, bastante populares no fim do século XVIII e até meados dos anos 1940.

Essas revistas, vendidas em bancas de jornais dos Estados Unidos, publicavam aventuras em texto, de capítulos curtos, com tramas de suspense, terror, criminais, policiais, fantasia, ficção científica e aventuras na selva, dentro outros temas.

Uma revista pulp de mistério

O pulp teve seu auge durante a década de 1920 e 1930 — de acordo com algumas informações do mercado, seriam mais de 2 milhões de revistas vendidas nessa época. Isso dava cerca de 15% da população americana consumindo revistas pulp.

Foi nesse movimento que nasceram heróis imortais da literatura, como o Tarzan, lançado por Edgar Rice Burroghs em outubro de 1912 (All-Story Magazine, outubro de 1912) e Conan, de Robert E. Howard, nos anos 1930 (Weird Tales #20, dezembro de 1932).

O nome pulp vem de pulpa, o tipo de matéria-prima de que eram feitas as folhas de papel das revistas, mais vagabunda, mais barata e que amarelavam com facilidade. O prestígio de quem escrevia pulp era mínimo, com os autores mal vistos no mercado.

Mas foram nos pulps que escritores como Jack London, Agatha Christie, Robert Bloch, Ray Bradbury, Dashiel Hammet e outros grandes nomes da literatura começaram a carreira.

Foi sob essa força criativa que os super-heróis surgiram. Foram os heróis dali e suas aventuras que forneceram grande parte do material para a maioria que surgiria em breve.

A gênese acontece na revista em quadrinhos Action Comics #1, de 1938, com a primeira aparição do Superman.

Superman surge no mundo dos quadrinhos

O herói trouxe junto uma onda infinita e colorida de outros superseres com cuecas por cima da calças e que decidiram combater o crime, e que nunca mais sumiriam de vista dos EUA, e por fim, do resto do mundo.

Super-heróis

Action Comics foi publicada pela editora que seria conhecida como DC Comics. Dela também era o Batman e Mulher-Maravilha, três dos maiores super-heróis de todos os tempos.

No começo dos anos 1960, uma editora que ficaria conhecida como Marvel publicou Fantastic Four #1, com roteiro de Stan Lee e arte de Jack Kirby, a revista de estreia do Quarteto Fantástico.

Grant Morrison
Um jovem Grant Morrison com Stan Lee

Foi um sucesso, seguido de outro, mais outro, incontáveis outros.

Para sempre a Marvel seria a rival a ser batida pela DC, que nunca mais conseguiria ultrapassar a novata.

Grant Morrison, DC Comics, anos 1980

Após a megassaga Crise nas Infinitas Terras (1985-1986), um movimento editorial e comercial da DC Comics que condensou 50 anos de cronologia de suas revistas em quadrinhos, e promoveu o relançamento de histórias “zeradas” de personagens, naquele que foi um dos primeiros reboots do mercado, como é chamado esse artifício criativo para despertar renovação de público e vendas.

Uma das artes mais conhecidas da saga Crise nas Infinitas Terras, desenho de George Perez

Superman (1986) seria refeito por John Byrne, Mulher-Maravilha (1987) por George Perez e Batman teve uma nova origem contada por Frank Miller e David Mazzuchelli, Batman – Ano Um (1987).

Crise nas Infinitas Terra, capa de uma edição com arte pintada por Alex Ross
O Superman de John Byrne

Devido ao sucesso do título Monstro do Pântano, escrito pelo inglês Alan Moore desde 1982, e que atravessou sem maiores impactos as reformulações vistas em Crise, os editores da DC prestaram mais atenção no material produzido pelo escritor.

Era sofisticado, com temas sombrios e pesados como terror, sexo e violência, e discussões mais elaboradas de problemas sociais e ecologia.

O público que esse tipo de quadrinho pegava era mais amplo, de leitores mais maduros e adultos consumindo as revistas.

Com efeito, Alan Moore se tornaria um gigante nos quadrinhos com esse trabalho, que abriria portas para muitas obras-primas do autor, como as autorais Do Inferno, V de Vingança e Watchmen, esse para a própria DC, a desconstrução definitiva dos super-heróis, usando heróis e vilões análogos ao da editora Charlton Comics.

Alan Moore, o escritor inglês que revolucionou os quadrinhos de super-heróis
Watchmen, a obra seminal de Alan Moore, com o artista Dave Giibons

No final dos anos 1980, a DC Comics, dona de zilhares de outros personagens, buscou na Europa alguns escritores para darem novas visões aos outros heróis.

O escocês Grant Morrison era um jovem punk travesti na época, e já tinha trabalhos autorais em quadrinhos na cena inglesa, e entrou no radar de Karen Berger, uma das editoras da empresa, que estava no país à busca de novidades.

Grant já tinha escrito histórias para a revista de antologia Warrior, para a Marvel UK (a divisão inglesa da Marvel), Doctor Who (da série de TV) e Zoids. O grande destaque desse começo de carreira é Zenith, um herói rockeiro publicado em 2000 AD.

Grant Morrison
Grant Morrison

Karen Berger contava com as bênçãos da Presidente da DC na época, Jenette Khan. Foram duas mulheres de enorme importância para o mercado de quadrinhos. Em pouco tempo Berger criaria o selo Vertigo, um dos mais sofisticados dos quadrinhos, para histórias que iram além do mood super-herói.

Grant Morrison escreveria vários títulos para a Vertigo, como Patrulha do Destino, incorporado ao selo pouco tempo depois que o autor assumiu o título

Berger estava acompanhada de Dick Giordano, outro gigante das HQs — desenhista, arte-finalista e agora editor na DC.

Indicado pelo próprio Moore, Karen aceitou encontrar com o jornalista e escritor novato Neil Gaiman, além de Peter Milligan e Jaime Delano (outro amigo de Moore, que na época era motorista de ônibus), na chamada “invasão britânica” nos quadrinhos americanos de super-heróis. E Grant Morrison foi outro dos escolhidos de Karen.

Grant Morrison
Grant Morrison

E o jovem escritor se provou bastante diferente ao escolher um personagem de terceira divisão, o desconhecido Homem-Animal, um super-herói obscuro que copiava poderes de…animais.

Homem-Animal
Animal Man #1-26 (1988-1990)

A primeira escolha de Grant Morrison na verdade foi Desafiadores do Desconhecido (um “pré-Quarteto Fantástico”, criado por Jack Kirby na DC anos antes dos heróis da Marvel), mas a HQ já estava reservada para outros trabalhos. A tal revista demoraria anos para sair: apenas em 1991, escrita por Jeph Loeb e arte de Tim Sale, em uma das primeiras parcerias da dupla.

Os Desafiadores do Desconhecido, arte de Brian Bolland

Assim, em 1988, a DC começou a publicar o Homem-Animal de Grant Morrison.

E nele, o autor tratou de maneira inédita temas como ecologia, consumo de carne, vegetarianismo e direitos dos animais, e a despeito da relação óbvia com o nome de personagem, também fez uma das melhores aventuras de super-heróis de todos os tempos.

Grant Morrison
Homem-Animal número 1

Mas o tema principal de Grant seria outro: a metalinguagem, ao ir mais longe ainda, ao SE inserir nas histórias em uma iniciativa poucas vezes vistas no mercado — pelo menos o americano.

Após diversas histórias criativas em aventuras comuns à atividade de super-herói, como combates com criminosos, viagem no tempo, interação com outros heróis e outras situações típicas do gênero, o Homem-Animal pouco a pouco começa a perceber a natureza fantástica onde “vive”.

Grant Morrison

Morrison agora conversava de fato com o Homem-Animal, e inclusive lhe dizia que era um personagem fictício de histórias em quadrinhos criado para vender gibis para crianças e adolescentes, em uma conversa pra lá de sincera e autodepreciativa.

Grant Morrison
O Homem-Animal encontra Grant Morrison
Grant Morrison
Grant explica ao herói a natureza de suas histórias e da própria mídia quadrinhos

Em seu livro Superdeuses (2012), entre diversas passagens sobre o trabalho desenvolvido em Homem-Animal, Grant afirma que

(…) Meus experimentos em Homem-Animal foram descritos como ‘metalinguagem’, ou ficção sobre ficção, e talvez fosse uma porta de entrada mais fácil para leitores, mas eu senti que estava diante de algo mais concreto e enraizado em abstrações e teorias. O universo ficcional com o qual interagia era tão ‘real’ quanto o nosso, e, quando comecei a pensar no Universo DC como um lugar, me ocorreu que havia duas formas de abordá-lo: como missionário ou como antropólogo.”

Grant Morrison

(…) Homem-Animal foi dedicado a meu amigo imaginário da infância, o Raposinha, quando entrei no que posso descrever apenas como a fase xamânica e liberada da minha carreira. Não queria nada além de contato de primeiro grau com a realidade ficcional, então comeceu a fazê-la imergindo de verdade no trabalho. Os resultados literalmente mudaram minha vida.”

O trabalho com o Homem-Animal lhe trouxe prestígio, e ele desenvolveu muitos outros trabalhos de alto impacto para a DC Comics.

Asilo Arkham

Em 1989, Grant também escreveu a graphic novel (gibi de formato e papel sofisticado para o mercado literário) Asilo Arkham (Batman: Arkham Asylum).

Trata-se de uma das obras mais psicológicas do Homem-Morcego, onde o verdadeiro protagonista é Abraham Arkham, o diretor do asilo para criminosos insanos de Gotham City, que na trama sofre uma rebelião de seus detentos, onde apenas o Cavaleiro das Trevas poderá deter.

O artista foi Dave McKean, o mesmo de Orquídea Negra, a primeira obra de Neil Gaiman na DC Comics.

A HQ é lida de cima para baixo, em vez da esquerda para direita, com so quadros altos e estreitos de McKean lembrando janelas de igrejas, tubos de ensaio, as frestas entre persianas, e criaram uma sensação de conto de fadas do mal com seu confinamento, de domínios em queda, que começara muito antes.

A HQ saiu no mesmo ano do filme de Tim Burton — que refez o Batman no mundo do marketing para sempre — e representa uma vitória pessoal, pero no mucho, para Grant Morrison, já que ele esticou no limite uma abordagem nada convencional para o herói, um mergulho em sua psicopatia e de outros personagens.

A HQ nem sairia, mas a situação foi contornada. Ela sofreu diversos cortes, e só publicada depois do lançamento do filme. Entre muitas situações censuradas, Morrison queria travestir o Coringa de Madonna (e fazê-lo usar o sutiã visto no clipe dela da canção Open Your Heart) e fazer sugestões de homossexualidade do Batman e Robin. A cena foi alterada para o Palhaço do Crime apalpar a bunda do Batman, em um dos momentos mais antológicos da cultura pop.

A ideia da publicação era pegar carona em A Piada Mortal, outra graphic novel de interação entre Coringa e o Batman, publicada um ano antes, escrita por Alan Moore e desenhada por Brian Bolland, artista inglês que fez centenas de capas para o Juiz Dredd e foi o capista do Homem-Animal.

Morrison tentou construir uma ode à loucura aqui, mostrando como verdades que não revelamos a nós próprios vão progressivamente distorcendo nossos pensamentos e ações. E ele não pode reclamar do trabalho e seus cortes. Embolsou U$ 150 mil dólares e logo estava morando em uma casa de 130 anos numa região milionária de Glasgow.

Essa primeira fase de Grant nos quadrinhos da DC pode ser melhor avaliada, pelo próprio, graças a uma entrevista concedida em Amazing Heroes #176 (1990), revista especializada em quadrinhos nos EUA, e que foi publicada no Brasil na Revista HQ #3.

Grant Morrison

Sobre o Asilo Arkham, o autor afirmou que

(menciono Robin) brevemente, como parte da zombaria sexual do Coringa. Arkham não tem conexão com nenhuma continuidade em particular. Na verdade, nem mesmo é uma história do Batman — é uma história sobre a psicologia humana onde usamos esses personagens como símbolos. Obviamente que a casa, o Asilo, não é um lugar físico: é a cabeça de alguém. Todos os personagens dentro dela representam diferentes funções psicológicas, características da personalidade e obsessões. Foi a única maneira que pensamos em fazer um material ‘realístico’ do Batman, como seria o Batman, como deteria suas mesquinharias e tudo isso. Ele foi usado de uma forma puramente simbólica.”

Mais que isso. “(…) se eu fosse um vilão dos quadrinhos, seria o Coringa. O Duas-Caras é muito bom também“, disse.

E sobre símbolos em Asilo Arkham:

Arkham Asylkum também está cheia de espelhos. É a principal imagem em Arkham. Eles aparecem em tudo que eu faço. A razão é que eu fiquei preso numa Casa de Espelhos quando criança (…) o lugar me aterrorizou completamente. (…) em Arkham há uma cena onde isso acontece, e o Dave McKean (o desenhista da graphic novel) fez uma brilhante entrada no Túnel do Amor em formato de coração, explicitamente sexual, com todas essas conotações horríveis (…) Há simbolismos importantes relativos aos peixes, que tem a ver com Cristo e serpentes crucificadas. Coisas jungianas… (…) o Batman enfiando um pedaço de vidro na mão).. sim, fantasias de Cristo. Na verdade, ele usa um espelho.”

Ainda sobre ela, Grant afirma em Superdeuses que

Em vez de Orson Welles, Alfred Hitchcock, Scorcese e Roeg, seríamos influenciados por Crowley, Jung, Artaud e a peça Marat/Sade, de Peter Weiss, pelo cineasta surrealista tcheco Jan Svankmajer e por seus discípulos ingleses, Os Irmãos Quay. Nossa história estaria recheada de simbolismos de tarô, o que permitiria uma explosão hierática, carregada de referências e deliberadamente não-americana de um ícone americano. Uma história de loucos e excluídos. Uma história não do mundo real, mas da parte interna da mente, a mente de Batman, nossa mente coletiva.”

Asilo Arkham parece ter mantido seu apelo ultrapassando gerações, inspirando o game de super-herói de maior sucesso da história, e está na quinta posição da lista de graphic novels best-sellers do New York Times enquanto eu escrevo (2012), (mais de) duas décadas após o lançamento.”

O game que Grant Morrison se refere acima é Batman: Arkham Asylum (2009), um dos raros games bem-sucedidos do Cavaleiro das Trevas nessa mídia, e que gerou várias continuações: Batman: Arkham City (2011), Batman: Arkham City Lockdown (2011), Batman: Arkham Origins (2013), Batman: Arkham Origins Blackgate (2013), Batman: Arkham Knight (2015), Batman: Return to Arkham (2016).

Grant Morrison disse em Superdeuses que gastou todos os royalties de Asilo Arkham em champanhe, drogas e jornadas de impulso pelo mundo.

No mesmo ano de 1989, Grant começou a escrever a revista da Patrulha do Destino, uma equipe da DC que existia desde os anos 1960.

Patrulha do Destino
Doom Patrol #19-63 (1989-1993)

Em 1989, Grant Morrison assumiu um novo título da Patrulha do Destino, a partir do número #19 (o roteirista anterior era Paul Kupperberg, cujo maior trabalho de destaque com certeza é o título do Vigilante), e até o número #53 (1993), faria 45 histórias das mais mais piradas que conseguiria, já que ele mesmo admite que tomava ácidos na hora de escrever os roteiros.

A equipe enfrentava ameaças bizarras como inimigos que recortam a realidade (!), uma rua viva travesti (!!) e uma irmandade de dadaístas que sugam Paris para dentro de um quadro (!!!).

(…) a Patrulha do Destino sempre foi tratada como um grupo de renegados incompreendidos, então lhes dei um novo propósito como os únicos heróis perturbados o bastante para lidar com o tipo de ameaça e sanidade e à realidade do qual nem o Superman daria conta. Com o artista Richard Case, e certa assistência no design de Brendan McCarthy, pai espirutual da minha abordagem na série, Patrulha do Destino monopolizou o mercado da ‘bizarrice’ e pegou o bastão que Steve Gerber havia passado dos Defensores (título de uma equipe da Marvel).”

Grant usou sonhos de amigos, desgostos de livros que leu quando criança, contos infantis, tudo numa escrita automática ao acaso, palavras desconexas e viagens mentais malucas do autor. Com efeito, em Superdeuses, Grant diz que

embora cada quadro isolado parecesse posado e anguloso, os personagens eram cheios de vida e carregado de significado. Eles interagiam conosco: nos faziam rir, chorar, sentir medo, ansiedade, entusiasmo. Eram personagens vivos, e sua realidade era o papel e a tinta. Que mundo real era essa fatia de papel do Universo DC vivo? Um universo 2D, escondido de todos, crescendo e respirando numa estranha relação simbiótica com seu público no mundo “não-ficcional” logo acima.”

As capas de Simon Bisley para a Patrulha eram outro grande destaque da obra

A origem da equipe é das mais inusitadas. Sob orientação do editor Murray Boltinoff, na revista de antologia My Greatest Adventure #80 (junho de 1963), o escritor Arnold Drake e o artista Bob Haney criaram Doom Patrol (Patrulha do Destino na tradução adotada no Brasil), um grupo de relutantes super-heróis que são liderados por um homem em uma cadeira de rodas.

A concepção visual dos personagens é do desenhista Bruno Premiani, um italiano que imigrou para a Argentina em 1930, fugindo do fascismo.

Meses depois, a Marvel publicou The Uncanny X-Men, de Lee e Kirby, com similaridades enormes entre as duas equipes: um mentor sábio de cadeira de rodas, jovens desajustados com poderes perigosos, e um grupo de vilões quase que com o mesmo nome: a Patrulha do Destino enfrentava a Irmandade Negra (Brotherhood of Evil), e os X-Men enfrentavam a Irmandade de Mutantes Malignos (Brotherhood of Evil Mutants).

O sucesso da Patrulha do Destino de Arnold Drake foi tanto que My Greatest Adventure #86 se tornou Doom Patrol no número #86, e vai até o #121, de outubro de 1968. Mesmo assim, a Patrulha do Destino se tornou um dos principais grupos do universo de heróis da editora.

Os inimigos bizarros já estavam aqui, como o Homem-Animal-Vegetal-Mineral

Grant ainda escreveu duas edições do título do John Constantine, personagem místico recorrente criado por Alan Moore em Monstro do Pântano, em uma história desenhada por David Lloyd, desenhista de V de Vingança, finalizada há menos de um ano na época, em Hellblazer #25-26 (1990).

Ele também fez três números da revista Secret Origins, que publicava histórias das origens secretas (oh!) dos personagens da DC. Em Secret Origins #39, Grant fez a do Homem-Animal; no #46, escreveu uma aventura simples para a Liga da Justiça; e no #50, fez mais uma despretensiosa do Flash, um de seus personagens preferidos.

Grant Morrison
Buddy Baker estava caçando animais na África quando uma nave extraterreste explodiu na sua frente
Grant Morrison
Ele ganhou poderes de captar as habilidades dos animais que estivessem próximos a ele
Grant Morrison
Grant Morrison expande essa origem e cria um plano-mestre por trás desses eventos, incluindo os ETs

Morrison também escreveu cinco números do título Legends of the Dark Knight #6-10 (1990), uma das várias revistas estrelada pelo Batman, em que o escritor fez a saga Gothic, uma das mais tenebrosas do herói, em uma trama de assassinato cheio de mistérios.

Sobre uma pegada mais “realística” em Patrulha do Destino, da entrevista de Amazing Heroes

(…) na Patrulha do Destino, por exemplo, eu poderia ter feito uma história sobre as verdadeiras ramificações de um cérebro no corpo de um robô, o que seria mortalmente idiota. É perfeitamente sensato fazer histórias rotineiras idiotas sobre pessoas rotineiras idiotas, mas colocar uma aura de fantástico neles, faz estes ridículos personagens de super-poderes ficarem sem sentido.”

Grant Morrison

(…) Eu queria fazer coisas novas (…), um material completamente novo que saísse da minha cabeça e dos meus sonhos. Eu não queria usar nenhum dos velhos vilões. Há uma tendência, da qual eu participo, de rescussitar antigos vilões terríveis e tentar fazê-los interessantes. Por enquanto tudo bem, mas você não pode fazer disto uma tendência. Os personagens da Patrulha do Destino são completamente ridículos, mas eles não se importam com isso. Digo, a Irmandade Dadá, eu adoro, eu os adoro. O Senhor Ninguém é possivelmente meu personagem preferido. Eu me simpatizo mais com vilões do que com os heróis. Tenho certeza de que se eu tivesse super-poderes, seria um supervilão.”

Sobre o burlesco nos quadrinhos, da entrevista de Amazing Heroes

Esse é o tipo de coisa que eu gostaria de fazer mais. Meninos vestidos de meninas, meninas de meninos e uma vaca falsa…na verdade, se você vir a Patrulha do Destino, não há deles que seja sexualmente ‘normal’. Isso ninguém notou ainda. O Chefe numa cadeira de rodas, o Homem-Robô completamente castrado, Rebis é metade homem, metade mulher, Jane Louca é vítima de atentado sexual.”

Sobre crianças consumindo quadrinhos, da entrevista de Amazing Heroes

“Eu gosto de pensar que as crianças estariam expostas aos quadrinhos que eu escrevo. (…) Arkham é obviamente algo para adultos, mas Homem-Animal e Patrulha do Destino são, assim espero, quadrinhos que a garotada possa ler. (…) O que eu quero fazer é penetrar na mente das crianças, e perturbá-las seriamente. (…) As crianças são forçadas a assistirem Ursinhos Carinhosos, por exemplo. Aterrador.”

Sobre Patrulha do Destino e os X-Men, da entrevista de Amazing Heroes

Os X-Men deveriam ter acabado em 1980. A última história boa era uma em que eles iam para o futuro e eram mortos.Eu achei muito bom. Se eles tivesse terminado lá.”

A HQ que Grant se referiu é The Uncanny X-Men #141, onde Chris Claremont e John Byrne criaram a saga Dias de um Futuro Esquecido, onde os mutantes são caçados em um futuro pós-apocalíptico. Eles tem que voltar no tempo para impedir que isso aconteça. A história é de 1981, e precede o filme Exterminador do Futuro, de James Cameron, lançado em 1984

Atualmente, a Warner fez até um seriado da Patrulha do Destino (2019-2021), tamanho apelo e sucesso dos personagens nas HQs.

A série de TV da Patrulha do Destino

Grant Morrison, anos 1990
Os Invisíveis (The Invisibles #1-48, 1994-1999)

No começo dos anos 90, Grant escreveu uma minissérie do personagem místico Kid Eternity (1992), quatro números do título do Monstro do Pântano, Swamp Thing #140-143 (1994), dentre outros trabalhos menores.

E foi também em 1994 que ele escreveria mais uma grande história das HQs — mais especificamente 48 edições –, dessa vez com personagens autorais: Os Invisíveis, naquela que seria sua obra seminal.

Grant Morrison

Diz ele em Superdeuses

Decidi fazer uma série em que eu pudesse conter e abordar todos os meus interesses. Eu já tinha esse vago conceito de um longo thriller oculto-conspiratório que se passase no mundo real, no presente. Folheei o sempre confiável Brewer´s Dictionary of Phrase and Fable em busca de nomes estranhos de personagens, e ideias interessantes, e foi assim que descobri o nome Os Invisíveis e os nomes de muitos personagens principais (…) todos os personagens eram parte de mim misturadas a gente que eu conhecia.”

Mas o momento revelador foi em Katmandu, onde estava em um quarto de hotel, quando a realidade em torno de si derreteu, (“recombinar-se como um Transformer“), e teve contato com seres “feitos de algo que podia ser mercúrio ou fluido cromado e me informaram que eu era responsável pelo que estava acontecendo.” Grant Morrison diz que viajou para Alpha Centauri na velocidade do pensamento e “virado do avesso”.

Os Invisíveis eram um grupo nada convencional de personagens que lutam contra uma sociedade secreta. Grant usou referências de Beatles, Marquês de Sade, a família real da Inglaterra, a Revolução Francesa, psicodelia, vodu, magia, viagens no tempo, meditação, mitologia asteca e diversos outros elementos culturais, de um jeito inédito nas HQs.

Mais ainda: Grant criou a primeira transsexual protagonista de uma história em quadrinhos: Lord Fanny. Ela é a identidade secreta de Hilde Morales, descendente de mexicanos nascido no Rio de Janeiro, neto de uma bruxa que o criou como menina.

Grant Morrison
A brasileira Lord Fanny

Ele/ela estreou no número 2 de Os Invisíveis, de 1994, anos antes das discussões de representatividade e igualdade de gênero estarem em destaque.

Seus parceiros de equipe incluem uma jogadora de tarô, uma ex-policial e um lutador, líder da equipe, King Mob, que aliás se enamora de Fanny, entre outros tipos.

Os Invisíveis conquistou milhares de leitores e críticos no mundo, influenciando os quadrinhos e outras áreas, como o cinema. Grant Morrison, inclusive, chegou a processar as irmãs Wachowski (na época irmãos, antes de passarem por transição de gênero), responsáveis pelo filme Matrix (1999), que copiou na cara dura muitos dos elementos da HQ.

Matrix usou muitas referências de Os Invisíveis

Grant Morrison diria em muitas entrevistas que pretendeu que os Invisíveis fosse um sigilo mágico, na intenção de injetar novos conceitos na cultura pop, já que estava insatisfeito com diversos aspectos dela.

Ainda nessa neura de experimentação, Grant fez a minissérie Flex Mentallo (#1-4, 1996) e o super-herói azteca Aztek (#1-10, 1996-1997).

Mas ele ainda esteve envolvido com o mainstream, e, pra variar, realizou um trabalho épico. Com os maiores super-heróis dos quadrinhos.

Liga da Justiça
JLA #1-17, #22-26, #28-31, #34, #36-41, #1,000,000 (1997-2000)

 

Foram 34 edições do novo título da Liga da Justiça que Grant Morrison escreveu, recuperando os sete maiores membros na mesma equipe depois de décadas separados. A saber: Superman (ainda o elétrico, e não pergunte!), Batman, Mulher-Maravilha — a informalmente chamada “Trindade“, Aquaman, Ajax/Caçador de Marte, Flash/Wally West e Lanterna verde/Kyle Rayner.

A Liga de Grant combateu de tudo, de anjos renegados aos letais Marcianos Brancos, de inimigos urbanos como Prometheus aos vilões da Gangue da Injustiça.

Era a mesma época que outros escritores do Reino Unido davam o passo além na construção realística de complexo industrial militar nos super-heróis, como o Authority de Warren Ellis, e Grant fez isso também.

A despeito disso, “Liga da Justiça era uma série de super-heróis que crianças podiam ler para se sentirem adultas, e os adultos podiam ler para se sentirem jovens outra vez“, afirmou o escritor em Superdeuses.

Essa fase terminou com uma graphic novel chamada Terra 2 (JLA: Earth 2, 2000), onde Morrison reintroduziu o Sindicato do Crime no Universo DC, personagens pré-Crise, período que o escritor gosta muito e que sempre deu jeito de trazer de alguma maneira.

Outros trabalhos do autor nos anos 90 foram um crossover, a JLA/Wildstorm #1 (1997), nove números do The Flash (#130-138, 1997,1998), Prometheus: Villains (1998) e a saga DC Um Milhão (D.C. One Million #1-4, 1998).

Ainda nos anos 90, Grant chegou a fazer um trabalho para a Marvel Comics: Skrull Kill Krew #1-5 (1995-1996), mas ninguém o valorizou na época, por ter vindo da DC. Ele logo voltou para a antiga casa, onde se “vingou” da Marvel nos primeiros números de JLA, onde aliens executam um grupo de vilões parecidos com alguns personagens famosos da concorrência, como Wolverine e Doutor Destino.

Grant Morrison, Marvel Comics, anos 2000

New X-Men #114-154 (2001-2004)

Ainda para a Marvel, Grant Morrison fez Marvel Boy #1-6 (2000-2001), onde ressignificou os primeiros contos do Namor raivoso de Bill Everett, co-criador do personagem (e do Demolidor), na forma de Marvel Boy (nome de vários personagens dos anos 1950 na Marvel), aqui um adolescente ultrapoderoso da raça kree, cuja espaço nave é destruída por um industrial maluco, em uma trama com uma “corporação viva”. O moleque se vinga destruindo Nova York.

E uma ótima minissérie cerebral e psicológica com o Quarteto Fantástico, a Fantastic Four: 1 2 3 4, de 4 edições (2001-2002), onde cada membro da equipe é dissecado por Grant. Essa HQ e a do Marvel Boy saíram pelo selo Marvel Knights, dirigida pelo escritor e desenhista Joe Quesada, agora editor da Marvel.

Quando Chris Claremont, em sua segunda passagem pelos X-Men, que além de roteirista estava em cargo editorial (nada digno de nota), deixou a Marvel, Quesada chamou Grant para fazer os X-Men. Também chamou Axel Alonso, ex-editor da Vertigo.

A despeito dele ter falando o que falou dos X-Men lá em cima em paralelos com a Patrulha do Destino, Grant Morrison parece ter captado o espírito original dos X-Men depois de mais velho.

O que ele diz a respeito dos X-Men em seu livro de 2012:

Os X-Men de Chris Claremont (anos 1970 e 1980) foram beneficiários precoces da ratificação que Star Wars deu à ficção científica. Fundir essa estética à fórmula novelesca de super-herói da Marvel rendeu mais um vencedor. O mundo de X-Men estava longe de ser plausível, mas Claremont astuciosamente fundou sua imaginação fértil na vida emocional atraente e convincente do elenco (…) tirou vantagem das possibilidades que os quadrinhos ofereciam cobrindo todo o terreno possível, fazendo seus heróis atravessarem o tempo e espaço e o centro da Terra.”

Os mutantes podiam ser gays, adolescentes, negros, irlandeses. Podiam representar qualquer minoria, representar qualquer renegado, e Claremont sabia muito bem disso. Ele sabia que havia um tsunami de adolescentes descontentes por aí prontos para abraçar o vitimismo antiestablishment e os sentimentos de perseguição e desilusão.”

Era a época de Matrix. Do filme live-action dos X-Men. New (Novos) X-Men. De 2001. Primeiro ano século XXI. O roteirista escocês assumiu o título mutante e mudou tudo.

Em vez do convencional Uncanny X-Men #114 que seria lançado na linha regular mensal, ele fez New X-Men #114, onde os conceitos de escola e escopo de atuação do povo X foi ampliado a níveis jamais vistos.

Em 41 edições, Morrison introduziu novos uniformes militarizados motoqueiros (vindos diretos de Matrix e do filme dos X-Men); transformou o Fera em algo ainda mais bestial; criou novos personagens como Fantomex (seu próprio Diabolik), uma irmã gêmea para Xavier, a genocida Cassandra Nova, a muçulmana , e o poderosíssimo Xorn; as mutações secundárias (que explicam mais de um poder em mutantes); um relacionamento entre o líder dos X-Men, Ciclope, e a vilã Rainha Branca (cuja mutação secundária é uma forma corpórea de diamante); drogas mutantes (“the drug kick“); o plano-mestre acima da Arma X, programa governamental de supersoldados que criou Wolverine, a Arma Extra (Weapon Plus); os Sentinelas Selvagens; uma nova relação com os Shiars, poderosa raça de extraterrestres, aliados dos X-Men; além de levar a vilania de Magneto a níveis nunca vistos — ele mata Jean Grey.

Rascunhos do artista Frank Quitely para os Novos X-Men de Grant Morrison

A proposta de Grant Morrison, de acordo com o livro Marvel: A História Secreta (2012), de Sean Howe, era a seguinte:

Essa série é pop, tão essencial quanto o lançamento de Eminem e o filme de Keanu. Temos como voltar a fazer parte do mainstream, e a única maneira de conseguir isso é largar os anos 1980 e 1990 quanto a quem deve ser o nosso público. A única forma de retorno está em fornecer o que os filmes e games não conseguem. E o que o público mainstream quer de nós (eu perguntei para muitos) é imaginação pura, personagens ready-made, espetáculo escandaloso, angústia trovejante e dramaticidade com emoção. Gente bonita com poderes incríveis fazendo coisas chocantes!”

No encerramento da saga, seguindo os passos do escritor Chris Claremont e o desenhista John Byrne, dois artistas que fizeram os X-Men gigantes como são hoje, em uma fase que é celebrada como as melhores do grupo, Grant também fez o “seu” Dias de um Futuro Esquecido, saga que Chris e Byrne mostraram um futuro apocalítico para os mutantes.

Os Novos X-Men em seu próprio “Dias de um Futuro Esquecido”, na arte de Marc Silvestri

Com Grant, essa temática é retomada, e abrilhantada com os desenhos espetaculares de Marc Silvestri, desenhista que também ajudou os X-Men a serem mais que gigantes: junto com o roteirista Chris Claremont, sob o comando da editora Ann Nocenti, Marc Silvestri e o arte-finalista Dan Green fizeram uma das melhores fases dos X-Men no final dos anos 1980.

E, só pra variar, brigas com o editorial, principalmente com Bill Jemas, o irascível e desprovido de talento Presidente da Marvel na época, fizeram Grant deixar a editora e retornar para a DC Comics.

Entre ideias vetadas de Grant Morrison, estavam uma sequencia de Marvel Boy numa “Bíblia Kree” e um ano zero de Surfista Prateado como anjo vingador em vez de figura salvadora.

Ele comentou no livro de Sean Howe:

Resolvi que, como os filmes, já estavam reproduzindo tão bem os gibis, não havia mais por que fazer gibis como se fosse filmes (…) Vamos pirar mais…para que sejam os efeitos especiais que tenham de nos alcançar. Eu previ a demanda por novos gibis psicodélicos, complexos, bizarros, e estava mais que disposto a atender. Os ciclos giram e retorcem cada vez mais rápido, e os tentáculos debulhantes da cultura pop debatem-se apenas por breve período nesta fase mágico-gótica ultraviolenta, até que ligam as crianças parecem realmente esquisitas à luz do sol. É hora dos gibis pirarem mais uma vez”.

Infelizmente, as brigas com o pusilânime do Jemas foram incontornáveis.

Pra ficar ainda no âmbito de brigas, a vinda de Quesada para o cargo de editor na Marvel fez John Byrne, que na época fazia X-Men: Os Anos Perdidos, onde escrevia e desenhava histórias dos mutantes, pular fora — a revista vendia bem e foi cancelada sem motivos.

Byrne criava na fase pós-Roy Thomas e Neal Adams, um hiato editorial de publicações (a Marvel republicava material antigo na revista) até o surgimento de Giant Size X-Men, onde os novos mutantes como Wolverine, Colossus, Tempestade e outros estrearam.

Grant Morrison, DC Comics, de novo

All Star Superman (#1-12, 2005)

Grant Morrison fez ao menos um clássico sem contestação: All Star Superman, chamada no Brasil de Grandes Astros: Superman.

Em 12 edições, o escritor mostra como que o herói bom samaritano pode ser relevante em dias violentos e conturbados como o nosso. A passagem dele salvando uma garota emo do suicídio é de tocar o coração de qualquer um. A obra ganhou o Eisner, o “Oscar” dos quadrinhos nos EUA.

A história que eu havia planejado devia lidar com a mortalidade de Superman, mostrando seus últimos dias, e com doze trabalhos heroicos que ele teria que fazer em benefício de toda a humanidade“, afirma Grant em Superdeuses, adicionando que a obra reflete a difícil perda de seu pai, numa batalha terrível contra o câncer.

Outros trabalhos incluíram as minisséries The Filth #1-13 (2002-2003), no qual retomou temas dos Os Invisíveis; fez We3 (#1-3, 2005), sobre animais genética e ciberneticamente modificados para serem armas assassinas, junto com o artista Frank Quitely, o mesmo de New X-Men e Terra 2; Vimanarama (1-3, 2005), no qual misturou conceitos de mitologia indiana com Jack Kirby; Seaguy #1-3 (2004), JLA Classified: #1-3 (2005), e a pretensiosa Seven Soldiers (2005-2006), uma maxissérie de vários personagens publicadas ao mesmo tempo, muitos deles baseados em uma antiga equipe da DC Comics, Os Sete Soldados da Vitória. Foram 30 edições que Grant escreveu sobre o Cavaleiro Andante, Klarion, Bulleteer, Guardião, Zatanna, Senhor Milgare e Frankenstein.

We3

Essa maxissérie dos Sete Soldados usou conceitos já vistos na fase JLA de Morrison, e abriu caminho para a megasaga Crise Infinita, de Geoff Johns, que trouxe de volta conceitos de Crise nas Infinitas Terras, sendo sua continuação direta.

Os pós-eventos no Universo DC disso foi detalhado no mais ambicioso projeto da editora até então: a série semanal 52, publicada por um ano seguido (um ano tem 52 semanas). Para um projeto tão denso, Grant Morrison foi chamado, bem como o próprio Johns, além de Mark Waid e Greg Rucka.

Morrison também foi para o título regular do Batman, e escreveu 29 histórias do Cavaleiro das Trevas (Batman #655-658, #663-683, #700-70, 2006-2010), resgatando personagens clássicos e criando novos. Sem dúvidas, sua maior contribuição foi promover o retorno de Damian, o filho do Batman com Talia, a filha de um de seus maiores inimigos, Ra´s Al Ghul.

E se Crise Infinita não foi um reboot, em pouco tempo a DC decidiu que faria uma, a Crise Final, e seu escritor seria Grant Morrison. Final Crisis #1-7 (2008-2009) se provou uma viagem hermética, intimista e pessoal demais, a despeito de ter boas cenas e sequencias.

Morrison usou os conceitos de Equação Anti-Vida, os Novos Deuses e grande parte dos heróis da DC.

Rascunhos do próprio Grant Morrison para Darkseid, o maior vilão da DC, para Crise Final
Depois de milhares de anos atrás da fórmula da Equação Anti-Vida, Darkseid a descobre e assim domina não apenas a Terra, mas todo o Universo DC

Não funcionou e a DC aboliu de rebootar o Universo DC.

Grant ainda ficou no título do Batman, e como o herói morreu em Crise Final, o escritor inacreditavelmente fez mais um clássico no título Batman and Robin #1-16 (2009-2011), onde Dick Grayson assume o lugar do Batman, e Damian se torna o novo Robin.

O escocês ainda escreveu Batman The Return of Bruce Wayne #1-6 (2010-2011), onde, é lógico, tivemos o retorno do verdadeiro Batman; Batman, Incorporated 1 #1-8 (2011), onde o Cavaleiro das Trevas viaja pelo mundo, encontrando Batmens de outra nação, na luta contra a ameaça invisível do Leviatã; e outros personagens, como Joe the Barbarian #1-8 (2010-2011).

Grant Morrison
Batman Incorporated #13, com arte de Grant Morrison na capa

Grant Morrison, anos 2010

O reboot Novos 52 foi mais radical do que Crise nas Infinitas Terras. Ela jogou no lixo mais de 80 anos de histórias e cronologia a favor de uma reformulação que não funcionou.

Todo o Universo DC ficou incoerente, e nada mais daria (ou seria) certo nas histórias dos personagens. Com Ponto de Ignição (Flashpoint), de Geoff Johns, o Universo DC recomeçou no contexto dos Novos 52, onde todos (a maioria, vá) os heróis são jovens e aparentemente estão atuando há apenas 5 anos no mundo.

Nessa salada, Morrison ficou responsável por escrever Action Comics #0-18 (2011-2013), onde mostrou as aventuras de um jovem Clark Kent antes de se tornar Superman. O escritor teve a sorte ainda de manter certos aspectos pré-Novos 52 em seu Batman, com uma segunda série de Batman, Incorporated #0-10, #12-13 (2011-2013).

Nessa década, Grant escreveu o livro já citado Superdeuses (2012).

Grant Morrison

De forma contundente e significativa, o escritor explica de modo a moer a cabeça como o conceito de super-heróis ultrapassa a existência infantil e banal do que parecem serem feitos.

Podemos analisá-los até acabar com sua existência, matá-los, bani-los, ridicularizá-los e ainda assim eles voltam, lembrando-nos de quem somos e do que gostaríamos de ser.

Pois são arquétipos atualizados com menos de 100 anos de idade de um acúmulo de culturas de deuses convencionais, vivas na forma de árvores mortas transformadas em papel e monetizadas pela indústria de entretenimento americana, que as vende como propaganda de imperialismo, pura e simples.

Toda essa casca vazia não esconde a riqueza dos trabalhadores marginalizados e ridicularizados por de trás dela, que de um jeito ou de outro, foram anarquistas e passaram outras mensagens com elas.

Grant foi um deles. Ele foi um punk escocês travesti que mexeu com os grandes brinquedos da América e os virou do avesso.

O subconsciente que essas histórias tocam e as convulsões sociais de ódio e desprezo, admiração e amor que provocam são inegáveis — tanto que eles, como personagens vivos, saltam do papel e ganham vida na pele de atores reais nos cinemas de hoje em dia.

No mundo dos quadrinhos, com mais uma reformulação criativa planejada pela DC, já que os Novos 52 foi um fracasso, em 2014 a editora publicou a saga Multiversity, de 9 edições.

A saga foi escrita por Grant Morrison, em uma segunda tentativa de reboot. Mas claro que Multiversity também não resolveu nada.

É sabido no meio especializado em quadrinhos que Grant Morrison e Alan Moore tem uma certa rivalidade criativa, com os dois pouco fazendo para esclarecer quem começou a briga e suas razões — apesar de Grant ser muito mais birrento com isso do que Alan, que pouco dá importância para qualquer coisa inócua como isso.

O Pacificador, Questão, Capitão Allen Adam, Besouro Azul e Sombra da Noite

Aliás, não foi surpresa quando Morrison criou com o desenhista Frank Quietly a edição especial The Multiversity: Pax Americana #1 (2015), o seu “próprio Watchmen”, ao mostrar uma trama não-linear de assassinato com personagens da Charlton Comics da Terra-4 mostrada no final da saga semanal 52: um Questão/Vic Sage, um Pacificador, uma Sombra da Noite, até seu Capitão Átomo, Allen Adam — bem mais poderoso que o original, e que já tinha sido visto em Crise Final.

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Grant Morrison escreveu em seu livro Superdeuses (2012), a respeito da obra de Watchmen:

O ‘Vigilante nos muros da civilização ocidental’: foi assim que a romancista Lathy Acker descreveu, generosamente e com certa hipérbole, Alan Moore. Watchmen tinha suas raízes no amor de Moore pelas vastas, intrincadas e autorreflexivas ficções de Thomas Pynchon e os filmes de superestrutura complexa de Nicolas Roeg, como Inverno de Sangue em Veneza. Tinha também muito em comum com a obra de Peter Greenaway, relembrando universos codificados e perfeccionistas do diretor britânico com quebra-cabeças, truques, arquitetura e simetria. Com Watchmen, Moore impôs um devastador ‘siga por aqui’ aos quadrinhos de super-herói americanos. Com seu talento clínico e sua análise fria da política externa interesseira dos Estados Unidos à guisa de uma história alternativa com super-humanos e combatentes do crime mascarados, ela foi lançada no coração da DC Comics e se permitiu detonar lá, no cerne do Sistema. Watchmen foi um acontecimento de dimensões apocalípticas da pop art, um assassino de dinossauros e devastador de mundos. Quando acabou — e suas reverberações ainda se sentem –, a lição que deixou para as histórias de super-heróis foi só uma: evoluam ou morram.”

Grant ainda fez uma graphic novel da Mulher-Maravilha, Wonder Woman: Year One (2016-2018), onde reconta a origem da amazona no universo Ano Um, e está em um longo run com o Lanterna Ver/Hal Jordan, iniciado em 2019, bastante elogiado.

Seu gibi atual e de maior destaque é Superman and the Authority (aquele grupo mesmo de Warren Ellis) com um Superman alternativo junto a outros heróis, como Apolo e Meia-Noite, o primeiro casal gay (casados!) de super-heróis dos quadrinhos, criados lá nos anos 1990 pela editora Wildstorm, e hoje propriedades da DC.

O interessante aqui é que eles rompem com o dualismo ou binarismo herdado dos casais heterossexuais, onde uma parte do casal deve ser a dominante e masculinizada e a outra, submissa e afeminada.

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Outros trabalhos de Grant Morrison incluem HQs para as editoras Image Comics (Spawn nos anos 90) e a Boom! Comics (a série Klaus, 2015-2019), e roteiros para videogames como Battlestar Galactica (2003, da Vivendi Universal) e Predator: Concrete Jungle (2005, da Sierra Entertainment Inc.), além de participações em produção de bandas como The Mixers, Jenny and the Cat Club, The Fauves, Super 9 e DHK.

O destaque no mundo da música fica para o My Chemical Romance, uma das maiores bandas de rock emo da indústria, cujo vocalista, Gerard Way, é grande fã de Morrison, e também é autor de quadrinhos, inclusive sendo roteirista de uma série da Patrulha do Destino. Grant Morrison é o vilão do clipe da música Na Na Na, canção do disco Danger Days: The True Lives of the Fabulous Killjoys (2010).

 

Em Pancadaria (2015), livro de Reed Tucker, Morrison elabora mais sobre a relação de cinema e quadrinhos de super-heróis:

O escritor Grant Morrison teorizou os quadrinhos de papel eram apenas o primeiro passo em uma longa jornada do conceito de super-heróis, um ‘foguete de primeiro estágio’, que precisou ser abandonado para alcançar maiores alturas. (…), A definição de meme é uma ideia que quer se replicar, e os super-heróis encontraram um meio para se replicarem”.

Grant Morrison

Grant Morrison NOS quadrinhos

A auto-inserção de Grant Morrison nas HQs do Homem-Animal (primeira aparição em Animal Man #10) não passaram despercebidas e sem “punição”.

O roteirista John Ostrander, responsável pelo título do Esquadrão Suicida, pegou o personagem para si, e o botou no line-up da equipe, onde foi tratado como “The Writer“, “O Escritor“.

Grant Morrison
Grant Morrison no Esquadrão Suicida

Preso na continuidade dos quadrinhos e estressado por agora estar no controle de outros roteiristas, a participação de Grant Morrison/O Escritor não é muito bem explicada, mas é bem divertida.

Grant Morrison

Na missão em questão, ele é até bem sucedido em se defender e atacar inimigos escrevendo as cenas de ação in loco nas sequencias de luta, mas num momento de bloqueio criativo, fica sem reação e é morto por um monstro. Foi a edição #58 de Suicide Squad, publicado em 1991.

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Grant SOBRE quadrinhos

Os super-heróis eram de verdade, claro. Eles existiam. Viviam em universos de papel, suspensos no continuum pulp em que nunca envelheciam ou morriam a não ser que fosse para renascer, melhores do que nunca, de uniforme novo. Super-heróis de verdade viviam no plano da segunda dimensão (…) Dizem que a maioria dos nomes e biografias humanas é esquecida depois de quatro gerações, mas até o super-herói mais obscuro da Era de Ouro tem a chance de ter vida e renome enquanto durar a marca registrada.”

Grant Morrison

Um quadrinho, como qualquer objeto criado por mentes e mãos humanas, já é uma tulpa (figura budista tibetana para um homúnculo): o que mais é senão um pensamento tão perfeitamente condensado de eletricidade cerebral em papel e tinta que alguém pode pegar nas mãos?”

Grant Morrison
Superdeuses
2012

Grant Morrison

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BÔNUS

Grant Morrison sobre os quadrinhos que lia no final dos anos 1980:

Eu gosto (de Love and Rockets), mas tende a ficar repetitivo. Algumas vezes é fabuloso, outras vezes parece ir para lugar nenhum. Eu acho que é como a vida”

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