O PREÇO DO TRAIÇÃO | Jennifer Connelly e o noir da Era Atômica

O Preço da Traição pega Jennifer Connelly e a joga em uma narrativa neonoir com a Era Atômica, filmes pornográficos e detetives vigilantes proto-milícia em uma América dos anos 50 em que tudo fica nublado e cinza pelas fumaças das explosões atômicas que pairam na ameaça de guerra nuclear.

É o décimo terceiro longa-metragem de Jennifer Connelly, que faz par com Nick Nolte, o grande astro no meio de muitos outros. O Preço da Traição (Mulholland Falls, em seu título original) é dirigido por Lee Tamahori.

A trama é suspense com pegada pulp em que Jennifer Connelly faz todos gravitarem em torno de sua presença discreta, só que fatal para todos que dela se aproximam.

O Preço da Traição
(Mulholland Falls, 1996, de Lee Tamahori)

Jennifer Connelly O Preço da Traição
“A Quadrilha do Chapéu”. Policiais bandidos ou bandidos heróis?

Esse filme de mistério e assassinato de 1996 — mais um na categoria “brasileira” de Super Cine — tem algumas particularidades feitas pelo diretor neozelandês Lee Tamahori.

Falls pode significar queda em inglês, e isso facilmente se aplica a maioria dos filmes dos anos 50 com suas tramar noir, e no filme de Lee não é diferente.

Ele tenta costurar diversos aspectos da força do amor numa cidade corrupta.

O moderno aqui fica com o pano de fundo de guerra atômica, e o fato dos tiras parecerem e serem os bandidos torna tudo imprevisível.

A sensibilidade que todo mundo trata todo mundo é sombria, e os figurinos e cenários dão a imersão necessária, e Lee não teme usar uma cidade ensolarada em um noir.

A introdução de créditos é uma filmagem preto e branco em película de 16 milímetros de diversos momentos da trama, com a primeira cena realmente quente de sexo de Connelly nos cinemas.

Ela torna a repetir a figura de femme fatale, já vista no filme O Coração da Justiça. Num elenco de estrelas, mesmo em pequenos papéis, toda a situação gira em torno de Jennifer.

Como seu filme anterior, Duro Aprendizado, o tempo em tela de Connelly não ultrapassa 10 minutos, se muito. Contudo, neste longa sua presença fantasma é sólida.

 

O Preço da Traição (escolha terrível de título) começa em Los Angeles no ano de 1954. Max Hoover (Nick Nolte) é um tenente da polícia que anda com mais 3 colegas durões — Elleroy Coolidge, interpretado por Chazz Palminteri; Eddie Hall, defendido por Michael Madsen; e Arthur Relyea, feito por Chris Penn.

Os quatro metem mais medo do que os piores gangsters da cidade. São chamados de “quadrilha do chapéu“, um título tirado da vida real, para policiais vigilantes nos EUA nos anos 1950.

Isto não é América, Jack. Isto é Los Angeles“, diz Hoover ao matar um criminoso. Quando sua ex-amante, Allison Pond (Jennifer Connelly) é morta, Hoover vê a carreira, casamento e imagem ruir.

A trama de perigo e corrupção envolvendo o assassinato da jovem é muito maior do que se imagina. Pond era muito ativa sexualmente, e registrava em filmagens seus amantes nas cenas de sexo.

Max aumenta o número de pessoas envolvidas no caso a cada passo que dá na investigação, ao mesmo tempo que várias delas aparecem mortas.

Em O Preço da Traição, Jennifer Connelly, apesar do pouco tempo em tela, co-protagoniza a trama com Nick Nolte

Um pedaço de vidro achado no pé de Allison, que foi jogada de um avião, é a pista radioativa que contamina todos os personagens.

Era a época de testes nucleares – a primeira Bomba H explodiu em 1952 – e Lee mostra com sua câmera um pavilhão de cancerosos que o filme usa como referência a esta época. Uma base militar em Nevada é a chave da solução do crime.

Jennifer Connelly O Preço da Traição
A cratera das bombas cava fundo na psiquê de todos os personagens

O preço da queda de Jennifer Connelly

Em qualquer noir, tudo começa com uma trama de assassinato

A personagem de Jennifer é o motor do filme, que faz a trama avançar. A ignição é sua beleza ferida no início do longa.

Sexy como a Marylin Monroe, ela tem os tons certos de femme fatale, sedutora e deliciosa, e de inocência abandonada, quando não consegue o que quer.

Ela parece uma versão mais piranha — mas mesmo assim terna e doce — de sua personagem em Rocketeer, Jenny Blake, em uma trama passada na mesma época.

Há similaridades entre elas: estão em Los Angeles; pretendem ascender em Hollywood; e o amor tem lugar especial em suas vidas.

Enquanto no longa do super-herói, Jennifer encontra felicidade ao fim do filme, com seu amor lhe prometendo juras eternas de fidelidade, em Mulholland Falls, ela termina sem alcançar nada, apenas a morte. Mas Rocketeer pouco tem de noir.

Quem tem é The Hot Spot, o filme de Dennis Hopper com Jennifer. Ela interpretou Gloria, única personagem moral num mar de imorais.

E a atriz transita muito bem pelas sutilezas de cada tipo, de uma ponta a outra.

Jennifer Connelly O Preço da Traição

Foi em Rocketeer que Jennifer Connelly começou a dar mais atenção em sua atuação e querer alçar novos vôos.

A ironia dramática é que depois de um bom papel em Do Amor e de Sombras, ela fez duas produções em que é coadjuvante de linha de fundo.

De qualquer maneira, ainda há qualidade nos papéis escolhidos. Connely está lindíssima em O Preço da Traição, e nas cenas relâmpagos em que aparece, faz mostrar seu talento.

Sua beleza atemporal casa com épocas — ela fica bem como capa de pulp dos anos 50, como mulherão de parar o trânsito ou uma adolescente fervendo sexualmente.

 

O elenco de O Preço da Traição é estelar: Nick Nolte, Melanie Griffith, Chazz Palminteri, Michael Madsen, Chris Penn, Treat Williams, Andrew McCarthy, John Malkovich, Daniel Baldwin, Kyle Chandler, William L. Petersen, o cantor Aaron Neville, Rob Lowe e Bruce Dern.

O nome da morena é o sétimo a ser creditado no filme, que tem produção da MGM, Largo e JVC. Foi o primeiro longa americano que Lee dirigiu.

O diretor neozelandês descendentes de maori dirigiu episódios de Sopranos; e filmes como Na Teia da Aranha, com Morgan Freeman reprisando seu papel de psicólogo criminal Alex Cross; 007 – Um Novo Dia Para Morrer, um dos filmes mais injustiçados da franquia, e último protagonizado por Pierce Brosnan como James Bond; e Vidente, estrelado por Nicolas Cage, baseada em uma pequena história de Philip K. Dick.

Leia também

007 UM NOVO DIA PARA MORRER | O filme mais anos noventa e comunista de James Bond

 

O Preço da Traição
13º filme de Jennifer Connelly
Estados Unidos

/// A MARATONA JENNIFER CONNELLY.

1- Era Uma Vez na América (1984)
2- Phenomena (1985)
3- Sete Minutos Para o Paraíso (1985)
4- Labirinto – A Magia do Tempo (1986) 
5- Essas Garotas (1988) 
6- Etoile (1989)
7- Hot Spot – Um Local Muito Quente (1990)
8- Construindo Uma Carreira (1991)
9- Rocketeer (1991)
10- O Coração da Justiça (1992)
11- Do Amor e de Sombras (1994)
12- Duro Aprendizado (1994)
13- O Preço da Traição (1996) 
14- Círculo das Vaidades (1996) 
15- Círculo das Paixões (1997)
16- Cidade das Sombras (1998)
17- Amor Maior que a Vida (2000)
18- Réquiem Para um Sonho (2000) 
19- Pollock (2000)
20- Uma Mente Brilhante (2001)
21- Hulk (2003)
22- A Casa de Areia e Névoa (2003)
23- Água Negra (2005)
24- Pecados Íntimos (2006)
25- Diamante de Sangue (2006)
26- Traídos pelo Destino (2007) 
27- O Dia em que a Terra Parou (2008)
28- Coração de Tinta (2008)
29- Ele Não Está Tão a Fim de Você (2009)
30- 9 – A Salvação (2009)
31- Criação (2009)
32- Virginia (2010) 
33- O Dilema (2011)
34- E…que Deus nos Ajude!!! (2011)
35- Ligados pelo Amor (2012)
36- Um Conto do Destino (2014)
37- Marcas do Passado (2014)
38- Noé (2014)
39- Viver Sem Endereço (2014)
40- Pastoral Americana (2016)
41- Homem-Aranha De Volta ao Lar (2017)
42- Homens de Coragem (2018)
43- Alita – Anjo de Batalha (2019)

/// 1996. Nos cinemas estavam em cartaz filmes Os Últimos Passos de um Homem, Razão e Sensibilidade, As Duas Faces de um Crime, Estranhos Prazeres, Um Drink no Inferno, Poderosa Afrodite, Twister, Fenômeno, Os Espíritos, Fargo, Independence Day, Striptease, O Povo Contra Larry Flint, entre outros. Um Dia Especial também estreava — o diretor é Michael Hoffman, quem dirigiu Jennifer Connelly em Essas Garotas, em 1988.

/// MARVEL COMICS. Nick Nolte é (um dos) par de Jennifer Connelly em o Preço da Traição. E anos depois, os dois atores fariam Hulk, do diretor Ang Lee, em 2003. Jennifer Connelly interpreta Betty Ross, a co-protagonista e namorada do herói Bruce Banner (Eric Bana), a identidade humana do Hulk.

Nick Nolte interpreta o pai de Bruce, antagonista da trama. Esse filme do Hulk de Ang Lee não pertence a linha do Universo Cinematográfico da Marvel, pois foi feito anos antes do primeiro Homem de Ferro, de 2008.

/// PULP. Pulp é o nome dado ao estilo de literatura vendido em papel barato, que contava histórias geralmente de suspense, crime e assassinato, muito popular na primeira metade do século XX nos Estados Unidos.

/// NOIR. Noir é um estilo ultra-específico nas várias categorias do gênero de cinema. A palavra é francesa, significa negro.

Não há consenso na indústria, mas formas gerais de elementos que o identificam. Se caracteriza por ser estrelado por pessoas que fazem escolhas dúbias nas narrativas, geralmente passadas nos anos 40 ou 50, em tramas de crime e suspense localizados em ambientes urbanos.

Há certas convenções que tem que ser observadas e mantidas, como o protagonista ser detetive, policial, anti-herói, ser bom de volante e briga, beber, fumar, chamar a atenção de mulheres.

Os romances policiais da época, de Dashiel Hammet e Raymond Chandler, eram grande fonte de inspiração para a criação do termo noir. Mundos trágicos e corruptos. As mulheres sempre são um perigo, belas e com segundas intenções, terceiras e quartas também. São as femme fatale, mulheres fatais em francês.

O preto e branco na fotografia é forte e os contrastes são trabalhados em cima dessas duas cores. Luzes e fumaças, curvas acentuadas, sombras e escuridão para causar desorientação e cenas dinâmicas.

Não é um movimento de cinema, não havia diretores que faziam filme assim. O termo foi talhado apenas depois de muitos filmes feitos dessa maneira. Hollywood até rejeitava o termo, criado na imprensa especializada na França. Apenas nos anos 80 críticos e especialistas compraram a ideia.

/// FEMME FATALE. A figura da femme fatale é a sensual e misteriosa encarnação da negação da confirmação do afeto, uma figura arquetípica feminina muito usada na literatura e do cinema de gênero policial. Seduz os personagens bons e maus para sua lista de interesses pessoais.

É o engano vestindo roupas pretas que obtém o que não queremos dar. Nos anos 40, nascimento do cinema noir, a femme fatale encontrou seu lugar perfeito na cultura de massa, e é item praticamente obrigatório no conjunto da obra.

Muitas linhas de estudo posicionam a figura de femme fatale em oposição ao feminismo que nascia no século XIX. Há livre arbítrio em suas ações, que descambam para a corrupção da alma que seus parceiros sofrem. Uma vampira sexual social não fica tão distante de uma explicação fácil e simples para o termo.

Jennifer Connelly O Preço da Traição
Jennifer Connelly em O Preço da Traição

/// ROTTEN TOMATOES. O longa de Lee Tamahori com Jennifer Connelly tem uma pontuação de 30% no agregador de críticas.

/// ROGER EBERT. Um dos maiores críticos do cinema que o mundo já teve. O Preço da Traição e sua crítica aqui.

A idade de Jennifer Connelly em O Preço da Traição é de 26 anos.

Jennifer Connelly não tem Instagram nem outro perfil em redes sociais.

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E obrigado por ler até o final =)

O filme anterior de Jennifer Connelly:

DURO APRENDIZADO | Jennifer Connelly, John Singleton e o racismo nos EUA

O filme posterior de Jennifer Connelly:

CÍRCULO DAS VAIDADES | Jennifer Connelly indie

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