UMA VIDA EM PECADO | Raul Julia, Isabel La Negra e o cinema de Porto Rico

A história de Isabel Luberza Oppenheimer, mais conhecida como “Isabel La Negra” ou “La Madama de Ponce“, é a história da luta desenfreada pela ascensão social que se sobrepõe a desgraça da vida pobre de Porto Rico durante os anos 1930-1970, e Uma Vida em Pecado, apesar de focar alguns desses temas, é toda de Isabel.

O bordel que Isabel abriu se tornou muito famoso no país, e a narrativa perpassa diversos acontecimentos pessoais da personagem, que se tornou folclórica em Porto Rico.

Vida em Pecado é estrelado por Míriam Cólon e Raul Julia.

Uma Vida em Pecado
Isabel La Negra e seu famoso bordel em Porto Rico
Uma Vida em Pecado
Raul Julia em destaque no poster de Uma Vida em Pecado, já que ele era o ator mais famoso de Porto Rico em Hollywood na época

O passado de pobreza e luxúria de Isabel e Pablo é a jornada conjunta de construir o luxuoso bordel (que são dois na verdade), acaba por conquistar as mais respeitadas personalidades da cidade, incluindo o alto comandante de uma base militar americana.

Apesar de alguma sofisticação do roteiro não-linear, a direção econômica torna Uma Vida em Pecado mais forte em Isabel do que como produto cinematográfico em si. Você quer saber até onde a ousadia de Isabel a leva.

Uma Vida em Pecado
Míriam Cólon é Isabel em Uma Vida em Pecado, a verdadeira estrela do filme

Já rica e poderosa, Isabel tenta ser aceita pela Igreja, mas apesar das generosas doações em dinheiro, o Cardeal se nega a “perdoar” Isabel pela natureza de seu trabalho.

Uma Vida em Pecado
(A Life of Sin, 1979, de Efraín López Neris)

Uma Vida em Pecado

Em Porto Rico, o longa levou o nome de Isabel La Negra, e foi o primeiro filme a bater o primeiro milhão de orçamento no país.

Como é uma co-produção americana, os investidores estrangeiros insistiram que houvesse diálogos em inglês no filme, a despeito da natureza espanhola da língua do país. Aliás, os atores José Ferrer e Henry Darrow foram trazidos para dar algum “crédito hollywoodiano” para o filme.

Uma Vida em Pecado

O filme dirigido por Efraín López Neris não demora muita a estabelecer o começo da vida noturna e sexual de Isabel Luberza Oppenheimer (Míriam Colón), que conta com a ajuda de seu amigo (e pretenso pretendente) Pablo (Raul Julia) para construir seu “império”.

Uma Vida em Pecado

Uma Vida em Pecado
A difícil relação de Isabel e Pablo

Isabel enriquece com seu puteiro de luxo, e cada vez mais poderosa, entende que deve devolver a bonança ao seu redor. E Isabel tenta ser aceita pela Igreja, mas apesar das generosas doações em dinheiro, o Bispo (José Ferrer) se nega a perdoar Isabel.

Sempre com proteção de seu amigo Pablo, o bordel continua prosperando, até que um dia Isabel é atingida por um disparo dentro de seu próprio bordel.

Uma Vida em Pecado

Quem teria interesse de matar a mulher mais famosa da cidade?

A narrativa de Uma Vida em Pecado equilibra a trama de Isabel e alguns repórteres tentando costurar toda a história dela de modo um tanto linear.

O diretor Efraín López Neris era ator desde os anos 1960, estreando no longa Juicio contra un ángel (1964), e até 2016 tinha feito mais 16 filmes. Com Isabel La Negra, estreou na direção de um, e a experiência foi se repetir apenas em 1991.

Já Míriam Colom foi a Mama Montana em Scarface (1982), clássico filme de gângster, na refilmagem feita por Brian De Palma e estrelado por Al Pacino.

Porto Rico e o cinema

Raul Julia no meio de Sharon Stone e Angelica Houston, um dos atores mais famosos de Porto Rico em Hollywood

Porto Rico: Cinema

O cinema chegou à América Latina em 1896, um ano depois de sua primeira exibição pública em Paris. E a indústria cinematográfica de Porto Rico tem sido uma parte vibrante da cultura do país, produzindo uma ampla gama de filmes que abrangem vários gêneros e estilos. Embora a produção não seja tão prolífica quanto em outros países, Porto Rico tem uma riqueza cinematográfica.

O cinema por lá começou em 1897, quando o empresário local Rafael Colorado D’Assoy trouxe o projetor Lumiere para a ilha e exibiu alguns filmes, sendo que ele fez o primeiro registro na ilha, a que deu o nome Un drama en Puerto Rico (1912). Depois disso, ele e Antonio Capella Martínez criaram uma sociedade em 1916 para, de fato, produzir o primeiro filme de Porto Rico: Por la hembra y el gallo. O filme seguinte foi o primeiro sonoro, Romance Tropical (1934).

No entanto, a produção local de filmes não começou até as décadas de 1940 e 1950, com a criação da Divisão de Educação da Comunidade do Departamento de Educação de Porto Rico, que produziu uma série de documentários educacionais.

Nos anos seguintes, a indústria cinematográfica de Porto Rico começou a florescer, produzindo uma variedade de filmes em espanhol e inglês, incluindo dramas, comédias e musicais.

Muitos atores e cineastas porto-riquenhos tiveram sucesso em Hollywood. Nomes como Raul Julia (claro), José Ferrer, Benicio Del Toro, Rita Moreno e Roselyn Sánchez, além de profissionais com ascendência porto-riquenha, como Jimmy Smits, Michelle Rodriguez, Rosario Dawson e a cantora (às vezes atriz) Jennifer Lopez, são conhecidos por todos que gostam de cinema no planeta.

O mais celebrado porto-riquenho de Hollywood foi José Ferrer (1912-1992), o primeiro ator hispânico a ganhar um Oscar de Melhor Ator, por Cyrano de Bergerac (1950) — 2 anos antes tinha sido nomeado por Joana DÁrc e 2 anos depois nomeado mais uma vez por Moulin Rouge. Ferrer atuou em mais de 120 filmes. Um deles foi o Duna (1984), de David Lynch, onde interpretou o Imperador Padishah Shaddam IV, literalmente, o “Rei do Universo”.

Na atualidade, a atriz e diretora porto-riquenha Rita Moreno é uma das artistas latinas mais reconhecidas em Hollywood, tendo ganhado um Oscar (de Melhor Atriz Coadjuvante por Amor, Sublime Amor, de 1961), um Grammy (o “Oscar” da música), 2 Emmy (o “Oscar da TV) e um Tony (o “Oscar” do teatro) por suas performances, um feito de pouquíssimos na indústria. Ela atuou em mais de 170 filmes e segue ativa, mesmo aos 91 anos. Gravou neste ano o seriado Lopes vs Lopes e o próximo Velozes e Furiosos (2023).

Entre os filmes de maior destaque de Porto Rico, estão o clássico Maruja (1959), primeiro filme comercial do país; Ayer Amargo (1960), que melhor define Porto Rico enquanto sociedade e cultura; o criminal El Fugitivo del Puerto Rico (1974); Uma Vida de Pecado (1979), que contou a história de Isabel La Negra, uma das personalidades de Porto Rico, filme com Raul Julia aliás; Diso Los Criá (1980), um dos primeiros filmes autoriais do país; o drama Lo que le pasó a Santiago (1989) — indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro (perdeu para Cinema Paradiso) –, a comédia dramática La guagua aérea (1993); a romântica Linda Sara (1994); o divertido Casi Casi (2006) — que ganhou o prêmio do público no Festival de Cinema de Nova York; a comédia romântica Maldeamores (2007); o suspense Miente (2009), o criativo La Pantalla Desnuda (2014) e muitos outros.

Marcos Zunigara participou de um grande documentário, Cinema Puerto Rico: Una antropología visual (2014), que joga holofotes em cima do cinema de Porto Rico de modo inédito, com muitas entrevistas com atores, atrizes, cineastas e profissionais do indústria no país. A produtora Zaranda a disponibilizou no YouTube. Assista abaixo:

The Porto Rico Volta

O cinema chegou à América Latina em 1896, um ano depois de sua primeira exibição pública em Paris. Com ele, chegaram os equipamentos de filmagem e projeção e os profissionais da área, predominantemente italianos.

Porto Rico é um arquipélago entre as Grandes Antilhas, e o país incluí a ilha principal e uma série de pequenas, como Mona, Culebra e Vieques. O clima tropical, as paisagens naturais diversas, a cozinha tradicional e os incentivos fiscais atrativos fazem de Porto Rico um destino turístico muito popular em todo o mundo.

As Grandes Antilhas é o nome dado para as quatro maiores ilhas que se encontram no norte do Caribe: Porto Rico, Cuba; Hispaniola — dividida entre Haiti e a República Dominicana; e Jamaica.

Originalmente povoada pelo povo taíno, a ilha foi reivindicada em 1493 por Cristóvão Colombo para a Coroa de Castela durante sua segunda viagem.

Mais tarde, sofreu tentativas de invasão dos franceses, holandeses e britânicos.

Quatro séculos de governo colonial espanhol transformaram as paisagens étnicas, culturais e físicas da ilha, principalmente com ondas de escravos africanos e colonizadores canários e andaluzes.

Em 1898, após a Guerra Hispano-Americana, os Estados Unidos “adquiriram” Porto Rico junto com outras colônias espanholas nos termos do Tratado de Paris. O território fazia parte da Espanha e, depois de fervorosas disputas, os espanhóis acabaram cedendo a ilha para os americanos.

Os primeiros registros do cinema em Porto Rico coincidem com a invasão americana.

Durante o conflito, era normal que os soldados levassem câmeras cinematográficas para registrar o cotidiano do front de batalha, o que criou o mood inicial de documentários na indústria local.

A primeira película ficcional foi Por la hembra y el gallo (1916) e o primeiro filme sonoro foi Romance tropical (1934).

Isabel La Negra

Isabel

Isabel Luberza Oppenheimer Nasceu em Ponce, Porto Rico, no dia 23 de julho de 1901.

O bordel que criou ficava no bairro Maragüez, em Ponce, e se chamava Elizabeth’s Dancing Club. A figura de Isabel la Negra se tornou uma das mais pesquisadas e documentadas do país, principalmente por conta do trabalho do empresário e promotor José Ángel “Chiro” Cangiano.

Isabel era uma garota pobre apaixonada pelo filho de um rico dono de imóveis, localizados na área da cidade onde sua mãe trabalhava como empregada. Eventualmente eles construíram um relacionamento, com um círculo social abrangendo advogados, juízes e promotores e suas esposas.

O romance acabou abruptamente quando ela viu por acaso o homem no trajeto de um noivado — dele próprio. Essa desilusão teria sido o pontapé para que Isabel criasse o puteiro.

De meados de 1930 a 1970, ela operou o bordel em Ponce, numa época que a prostituição era tolerada na cidade. Muitos dos homens mais poderosos de Porto Rico passaram pelo local.

O fato da Igreja Católica não aceitar suas doações era uma alegada recusa pela fonte dos recursos, mas diversas fontes indicam que as contribuições de Isabel la Negra eram sim aceitas pela igreja.

Isabel morreu em 4 de janeiro de 1974, baleada, aos 72 anos de idade, saindo do bordel. O tiro teria saído de uma cena de briga envolvendo viciados em drogas nas proximidades.

Isabel

O cantor Cheo Feliciano fez a música Isabel La Noche em seu disco Profundo (1982), em homenagem à Isabel La Negra.

Feliciano foi um cantor e compositor porto-riquenho de salsa e bolero. Era dono de uma gravadora chamada Coche Records, que lançou diversos artistas no país.

O músico, que nasceu em Ponce, deixou a escola aos 17 anos para se formar nas principais orquestras de salsa em Nova York. O cantor gravou 17 discos e é conhecido por sucessos como Anacaona, El Ratón, Amada Mía e Juan Albañil.

Recebeu um prêmio Grammy Latino em 2008, e em 2012, ele gravou “Eba Say Ajá” em colaboração com o panamenho Rubén Blades.

Uma Vida em Pecado fecha a cinematografia de Raul Julia nos anos 1970. Depois de filmar o longa, Raul participou de mais duas produções.

Othello

Raul Julia em mais um trabalho de Shakespeare, 5 anos depois de ter feito Rei Lear

Raul fez uma das peças mais clássicas de William Shakespeare. Originalmente chamada de Otelo, o Mouro de Veneza (no original, Othello, the Moor of Venice), a história gira em torno de quatro personagens: Otelo (um general mouro que serve o reino de Veneza), sua esposa Desdemona, seu tenente Cássio, e seu sub-oficial Iago.

Os ricos temas tratados, como racismo, amor, ciúme e traição, tornam a obra uma das mais conhecidas de Shakespeare, autor cujo trabalho sempre encantou Raul.

O ator é a estrela aqui, Otelo, que conta em cena com mais dois personagens principais, Desdemona (filha de Brabâncio e esposa de Otelo) e Iago (seu alferes).

Otelo é um mouro nobre, a serviço da República de Veneza, e há diversos outros personagens em tela, como Brabâncio (senador), seu irmão Graciano, Rodrigo (fidalgo veneziano), Cássio, Emília (esposa de Iago), Bianca (amante de Cássio) entre outros.

A direção dessa peça de teatro, encenada no Festival do Teatro Delacorte em Nova York, foi de Joseph Papp, com Raul Julia como a estrela principal, Otelo, a atriz Frances Conroy como Desdemona e Richard Dreyfuss como Iago.

Dreyfuss vinha de um Oscar de Melhor Ator Coadjuvante pelo papel de Elliot Garfield no drama romântico em A Garota do Adeus (1977), mesmo ano de Contatos Imediatos do Terceiro Grau, o melhor filme de Steven Spielberg, com seu inesquecível papel de Roy Neary.

Raul interpreta Otelo

Em 1998, Richard estrelou a comédia dramática Luar Sobre Parador, com Raul Julia.

Frances tem mais de 100 créditos de atriz nos cinemas e seriados de TV, e Othello foi seu terceiro trabalho. Um de seus mais famosos nos últimos anos foi o multipremiado Ataque dos Cães (2021) e Coringa (2019), onde interpretou ninguém menos que a mãe do vilão.

Entre seus muitos filmes estão O Aviador (2004), As Bruxas de Salem (1996) e Perfume de Mulher (1992).

Shakespeare escreveu Otelo por volta do ano 1603.

Ripe Strawberries

Em 1980 (sim, o ano “0” das décadas ainda pertence à década em questão, no caso, anos 1970), Raul Julia estrelou o curta-metragem Ripe Strawberries.

Ele contracena com Martha Sherrill em um pequeno restaurante, onde estão em um jantar bastante revelador sobre suas intenções. Raul interpreta um personagem não-identificado, um jogador malandro que está num jantar com a ricaça Condessa Danielle (Martha), onde saberemos mais a respeito da dupla em diálogos para lá de reveladores. A direção é de E. Randahl Hoey.

Não há trailers de Uma Vida em Pecado, mas você encontra o filme fácil procurando por A Life of Sin no YouTube.

Maratona Raul Julia

Raul em Uma Vida em Pecado

Raul Rafael Carlos Julia y Arcelay nasceu em San Juan, cidade de Porto Rico, em 9 de março de 1940. Era o mais novo de quatro irmãos.

Desde cedo, o pequeno Raul Rafael demonstrava interesse pelas artes dramáticas. E quando ficou grande — grande mesmo, com 1,87 de altura — se encantou com a performance do ator Orson Bean em uma boate noturna, o que fez tomar a decisão de estudar teatro na Universidade de Porto Rico.

Se mudou para Manhattan (NY), em 1964, e rapidamente encontrou trabalho em peças e shows da Broadway.

E foram os seguidos trabalhos nos palcos lhe abriram as portas para o audiovisual gravado.

Seu primeiro filme foi Os Viciados (1971) e que inaugura nossa maratona de filmes do ator.

Ele foi seguido por A Organização, Death Scream, Uma Corrida de Loucos e Os Olhos de Laura Mars. Esses 6 filmes estão resenhados em meio a outras 5 produções de Raul, entre curtas, vídeos e peças de teatro.

O Internet Movie Database 50 créditos de atuação de Raul Julia como ator em produções de cinema e filmes para a TV.

O imenso legado criativo de Raul Julia no cinema será resenhado aqui, tal qual já fizemos por aqui com a atriz Jennifer Connelly.

Abaixo, um vídeo produzido pelo American Masters, que destaca profissionais da arte e cultura nos Estados Unidos. E a rendição deles para o talento de Raul Julia.

JENNIFER CONNELLY | Pequena biografia de uma grande atriz

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