Richard Dreyfuss interpreta o presidente de uma republiqueta de bananas fictícia na América Latina em Luar Sobre Parador, e a despeito da temática de golpe de estado sempre presentes por essas bandas, temos aqui uma comédia das mais engraçadas quando o ditador morre e Raul Julia, que interpreta um membro dada alta cúpula presidencial, usa um sósia para continuar o governo. O músico, ator e dançarino americano Sammy Davis Jr. (jazz e big band) faz uma participação especial, bem como uma série de atores brasileiros, com destaque para Sônia Braga, a namorada do ditador: a extravagante Madonna Mendez é mais esperta do que parece, e ao contrário da população de Parador, não se deixa iludir com a farsa.
Luar sobre Parador (1988) é uma comédia dirigida por Paul Mazursky, com roteiro dele e de Leon Capetanos, baseado em história de Charles G. Booth, e Parador é o ambiente perfeito, como já se viu em outros filmes de Hollywood, para os paralelos de intervenção política tão comuns ao governo americano quando seus interesses são contrariados em outros países. As trocas apressadas de figurinos e presidentes, a reboque da farsa, nos conduzem a uma comédia sólida, que nas mãos do diretor Paul Mazursky, consegue entregar mais do que aparenta.
Qualquer discussão séria está longe dessa comédia ridícula autoconsciente — mérito do ator ruim que Dreyfuss interpreta, que nos faz confundir realidade e ficção ao ser inepto como presidente — ele exagera na bebida, improvisa e se deixa levar por situações as quais não teria acesso se não estivesse na posição em que está.
A mistura das locações brasileiras — além de Nova York, houve filmagens em Ouro Preto, Rio de Janeiro e Salvador, fato que foi bem divuilgado pela imprensa nacional na época — ajudou nessa ambientação. A música do filme foi conduzida por Maurice Jarre e a direção de arte foi do brasileiro Marcos Flaksman — é uma mistureba louca de festas ao som de um tipo de samba brasileiro (!) e encontros de desencontros. O roteiro segue à risca essa maluquice, com Sammy Davis Jr. cantando à multidão do Carnaval, junto com Madonna, que em breve faz nascer na moça uma insuspeita veia guerrilheira (!!). Talvez nisso resida o poder desse filme, mais um capítulo de nossa Maratona Cinematográfica Raul Julia.
Luar Sobre Parador
(Moon Over Parador, 1988, de Paul Mazursky)
Alguns dos posteres dos filmes vinham com a seguinte mensagem: “Bem-vindo a Parador. Um ditador frio, uma primeira-dama fogosa e um povo revoltado… e o ator Jack Noah acaba de conseguir o papel de sua vida. Ele não é o primeiro ator a se passar por um presidente. . . mas ele pode ser o último.”
O fato da morte do presidente/ditador Alphonse Simms (Richard Dreyfuss) de Parador (uma aliteração com Paraguai e Equador) faz com o chefe de seu gabinete, Roberto Strausmann (Raul Julia) e a polícia nacional “convencerem” ator Jack Noah (também Dreyfuss) a assumir o lugar do político, é a desculpa perfeita para uma metáfora séria travestida de comédia. Roberto representa um grupo de empresários com negócios que temem uma revolução — outro elemento sempre presente nesta temática. Não por acaso, as “14 Famílias” citadas no filme são uma referência direta às que controlavam a República de El Salvador nos anos 1970.
Noah já estava filmando em Parador, e continua seu ofício como Simms. Sua reprodução tosca de maquiagem, falso bigode, farda branca berrante e maneirismos entrega que ele é um péssimo ator, mas ora, talvez estejamos diante de uma péssima presidência também. Pior (melhor): é o template ideal para as grandes massas tidas ignorantes a qual comanda. Os penduricalhos estão todos lá: os puxa-sacos, criados, desfiles, festas e claro, os verdadeiros donos do poder, nas sombras, que Roberto também representa.
A referência de Parador não poderia ser outra que Cuba (antes da chegada dos irmãos Castro, com Fulgêncio Batista ainda no poder), e ainda que estejamos em Parador, é os Estados Unidos a figura clara que domina essas sombras. O filme de Paul reproduz a visão dos americanos sobre os países da América do Sul, um lugar indefinido entre castelos e predios brancos de ricos em meio a favelas de pobres. A palavra parador tem origem espanhola, e serve de designação para pousadas governamentais, muito usada na Espanha e em Porto Rico, país natal de Raul Julia.
O plano de Roberto não segue conforme o planejado pelas virtudes e vícios de Noah, que não pode ser Simms em tudo. E é com isso que temos o motor-drama de nosso filme.
Desde o final da Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos têm desempenhado um papel significativo nos golpes de estado em diversos países da América Latina. Esse envolvimento, muitas vezes justificado pela luta contra o comunismo durante a Guerra Fria, resultou em intervenções que moldaram profundamente a paisagem política da região.
No entanto, a forma como Hollywood retrata esses eventos, frequentemente suavizando a gravidade das situações e apresentando-as em tons de comédia, como vemos em Luar Sobre Parador, levanta sérias questões sobre a influência cultural e imperialista americana.
Os golpes orquestrados pelos EUA na América Latina começaram logo após a Segunda Guerra Mundial. Em 1954, a Guatemala foi alvo de um golpe que derrubou o presidente Jacobo Árbenz, democraticamente eleito, devido à sua política de reforma agrária que ameaçava os interesses da United Fruit Company, uma empresa americana. Essa intervenção foi apenas o início de uma série de ações similares na região.
Outro exemplo notório foi o golpe de 1964 no Brasil, que depôs o presidente João Goulart. Com o apoio da CIA, a agência secreta de espionagem, militares brasileiros assumiram o poder, instaurando uma ditadura que duraria duas décadas. Esse golpe foi motivado pelo medo de uma possível inclinação do Brasil ao comunismo, semelhante à situação guatemalteca.
O Chile é talvez o caso mais conhecido de intervenção americana na América do Sul. Em 1973, o presidente socialista Salvador Allende foi derrubado por um golpe militar liderado por Augusto Pinochet, com o apoio dos americanos. Este evento resultou em uma ditadura brutal que durou até 1990 e é frequentemente lembrado pela violência e repressão.
No entanto, a representação de golpes de estado na América Latina por Hollywood frequentemente negligencia a complexidade e a brutalidade desses eventos. Luar Sobre Parador minimiza a gravidade da intervenção americana e dos regimes autoritários que muitas vezes resultaram dessas ações.
Ao tratar de um tema tão sério com leveza e humor, filmes como esse contribuem para a desinformação e a banalização das experiências dolorosas vividas pelos países sul-americanos. Essa abordagem facilita a aceitação do público americano e internacional das ações imperialistas de seu governo, apresentando-as como inofensivas ou até mesmo divertidas.
A suavização dos golpes de estado e das ditaduras na América do Sul em filmes de Hollywood serve à máquina imperialista cultural americana, ajudando a manter a hegemonia cultural dos EUA. Ao retratar esses eventos de forma simplista, Hollywood reforça narrativas que favorecem a visão de mundo americana, minimizando a responsabilidade dos Estados Unidos nas crises políticas de outros países.
Além disso, essa representação enviesada perpetua estereótipos sobre os países latino-americanos e seus povos, desconsiderando a complexidade de suas realidades políticas e sociais. A falta de uma representação autêntica e crítica contribui para a marginalização dessas vozes no cenário global, reforçando a dominação cultural americana. Uma representação mais honesta e crítica não apenas faria justiça às vítimas desses eventos, mas também promoveria uma compreensão mais profunda e empática das consequências das intervenções estrangeiras e uma compreensão mais equitativa e informada das complexas dinâmicas políticas globais.
Luar sobre o Brasil
Além de Sônia Braga como Madonna, tivemos vários outros atores e atrizes brasileiras no elenco: Milton Gonçalves como o motorista presidencial Carlo; José Lewgoy como o arcebispo Aurelio Lopez; Nélson Xavier como o general Kurt Sinaldo; Regina Casé como Clara, além de Rui Resende, Carlos Augusto Strazzer, Giovanna Gold e outros.
Sônia Braga, um dos maiores monumentos do cinema brasileiro, fazia sucesso constante nos EUA depois da repercussão por lá de Dona Flor e seus Dois Maridos (1976), de Bruno Barreto, e teve influência na decisão de filmar em Ouro Preto. Luar Sobre Parador foi mais um dos filmes com o qual Sônia contracenou com Raul Julia. A “parceria” começou com o premiado O Beijo da Mulher-Aranha (1985) — no qual Milton Gonçaçlves e José Lewgoy também participaram — e depois de Luar Sobre Parador fizeram o suspense criminal Rookie: Um Profissional do Perigo (1990), com os dois lado a lado de Clint Eastwood e Charlie Sheen, e o premiado Amazônia em Chamas (1994), telefilme celebrado da HBO que retratou a luta do ativista seringueiro Chico Mendes nas florestas amazônicas no contexto da indústria da borracha.
O BEIJO DA MULHER-ARANHA | Um dos melhores filmes do cinema com Raul Julia
Sonia Braga fez 85 filmes em uma carreira rica e talentosa que permanece ativa até hoje. Nascida Sônia Maria Campos Braga em Maringá, Paraná, no dia 8 de junho de 1950, ela é atriz e produtora, e seu trabalho em Dona Flor e Seus Dois Maridos (1976) é um dos marcos do cinema nacional, uma das maiores bilheterias do país até hoje.
Por Luar sobre Parador (1988), Sônia foi indicada ao Globo de Ouro de Melhor Atriz Coadjuvante em 1989 — perdeu para Sigourney Weaver, por Uma Secretária do Futuro. Raul Julia também foi indicado a Melhor Ator Coadjuvante por Luar Sobre Parador, mas quem venceu foi Martin Landau por Tucker: Um Homem e seu Sonho.
Paul Mazursky atuou em mais de 80 filmes e dirigiu 19 longas. E quatro deles concorreram ao Oscar: Bob, Carol, Ted e Alice (1969), Harry, o Amigo de Tonto (1974), Uma Mulher Descasada (1978) e Inimigos, uma História de Amor (1989). Ele já tinha trabalhado antes com Raul Julia, em Tempestade (1982), baseado em uma das últimas peças de William Shakespeare (1564-1616), um poeta e ator inglês que é um dos mais — se não o maior — dramaturgo da história. Por esse filme, Raul também foi indicado ao Globo de Ouro, mas perdeu para Louis Gossett Jr., por A Força do Destino.
TEMPESTADE | John Cassavetes, Raul Julia e William Shakespeare
Quem trabalhou no roteiro de Tempestade junto com Paul também foi Leon Capetanos, amigo de longa data do diretor. Ambos fizeram mais dois filmes além desse e de Luar sobre Parador: Moscou em Nova York (1984) e Um Vagabundo na Alta Roda (1986). E Raul Julia já tinha atuado em um filme roteirizado por Capetanos, o divertido Uma Corrida de Loucos (1976). Dreyfuss trabalhou três vezes com Paul Mazursky. Antes tinha feito o já citado Um Vagabundo na Alta Roda (1986), e depois de Luar Sobre Parador fez o telefilme De Costa a Costa (2003).
UMA CORRIDA DE LOUCOS | Raul Julia e as loucas corridas de carro no cinema
O plot de Luar Sobre Parador ainda apareceu em outro filme, Dave: Presidente por Um Dia (1993), mais uma comédia, com direção de Ivan Reitman, estrelado por Kevin Kline, Sigourney Weaver, Frank Langella, Ving Rhames e Ben Kingsley.
Raul Julia
(1940-1994)
Raul Julia tinha 54 anos quando morreu no North Shore University Hospital, em consequência de um derrame cerebral que sofreu dia 16 de outubro de 1994. Julia era filho de um comerciante porto-riquenho, e chegou a Nova York em 1964. Começou a ser conhecido no final dos anos 1960 por sua participação no Festival Shakespeare novaiorquino, onde ele afiaria seu talento como ator.
Nos anos 1970, teve 12 trabalhos entre TV e filmes. Nos anos 1980, esse número aumentou para 23. O ator morreu em 1994, aos 54 anos, mas fez alguns de seus filmes mais conhecidos foram lançados nessa década. Continue acompanhando o Destrutor para saber mais sobre todos eles.
Outros filmes de Raul Julia lançados em 1988 foram o drama Onassis: The Richest Man in the World e o thriller Conspiração Tequila.
De acordo com o Internet Movie Database de Raul Julia, o ator começou no audiovisual em um episódio de TV da série dramática Love of Life (1951-1980). Em 1968 fez uma participação na série policial N.Y.P.D. (1967-1699), e enfim estreou no cinema com o filme policial Stiletto (1969), em uma participação não-creditada.
Abaixo, um vídeo produzido pelo American Masters, que destaca profissionais da arte e cultura nos Estados Unidos. E a rendição deles para o talento de Raul Julia. Ele era casado com Merel Julia, e tinha dois filhos, de 7 e 11 anos, quando faleceu em 1994. Raul tinha criado uma instituição, junto com sua mulher, chamada The Hunger Project, destinada a lutar contra a fome no mundo.
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