Os Viciados foi o primeiro filme do ator Raul Julia nos cinemas, e também foi o primeiro de Al Pacino em um papel de destaque — ele já tinha estreado nas telonas em Uma Garota Avançada, de 1969.
O nome original do longa, The Panic in Needle Park, remete diretamente ao universo das drogas, e os viciados são a base narrativa do longa-metragem de 1971, dirigido por Jerry Schatzberg, a partir de um roteiro escrito por Joan Didion e John Gregory Dunne, baseado por sua vez no romance The Panic in Needle Park, de James Mills.
O termo “needle park“, “parque das agulhas“, faz referência à Praça Sherman, Nova Iorque, nos Estados Unidos, localizada entre a Manhattan’s Upper West Side e a Rua 72 e a Broadway.
E ambas as obras fazem um retrato dos drogados que transitam na praça, onde os viciados a tratam como o tal “parque das agulhas”.
É dentro desse contexto que acompanhamos a trajetória de Bobby (Al Pacino), um viciado e pequeno traficante que se envolve com Helen (Kitty Winn), uma jovem desabrigada que acredita precisa de estabilidade, e que comete o erro de se apoiar nele. Não vai demorar muito para que uma espiral de destruição e degradação a alcance também.
Os Viciados
(Panic in The Needle Park, 1971, de Jerry Schatzberg)
O começo do longa é Helen buscando ajuda de namorado, Marco (Raul Julia), depois de passar por um difícil aborto caseiro.
Ela fica muito mal de saúde, e é com a ajuda de Bobby, que fornece drogas para Marco, que ela consegue algum dinheiro para se cuidar.
Helen até considera retornar para sua família, mas o carisma de Bobby cava algum buraco em sua cabeça, e ela considera se relacionar com o pequeno traficante.
Não demora para Helen ser apresentada para os viciados presentes na Parça Sherman (o “parque da agulha”), e eventualmente como se drogar com heroína.
Com isso, tem passagem garantida para o suplício de suas escolhas erradas: é detida pela polícia com drogas, vê Bobby perder o controle por usar drogas demais, e ela mesma se descontrolar, ao mergulhar de cabeça — e braço — nessa roubada.
O filme de Jerry é bastante gráfico e cru em algumas situações, e mesmo com a datação anos 1970 em sua construção cinematográfica visual, ainda impressiona com alguns aspectos das filmagens, abrilhantado pela atuação de Kitty e de Al Pacino. O ator, aliás, aqui mesmo já entrega seus momentos over, característica que marcaria sua carreira.
Mesmo tentando segurar a onda, o casal vai empilhando decisões erradas, o que incluí um inesperado (e inadequado) pedido de casamento por parte de Bobby, a inaptidão de Helen em se manter em pequenos trabalhos, e a obrigatória degradação moral e física dela quando tem que trocar drogas pelo seu corpo. A surra que ela leva de um Booby surtado é emblemática.
Tudo continuar a escalonar, e Bobby se arrisca ao pedir mais “poder” para seu distribuidor, o traficante Santo, para se tornar o fornecedor oficial para os viciados do “parque das agulhas”. Helen desce ao nível de prostituição, quando vê dinheiro fácil para saciar seu vício.
Nem pedidos de sua família para vê-la conseguem tirar ela desse universo de drogas.
Marco volta a aparecer apenas quando Helen o visita atrás de mais drogas. A situação da pobre mulher só encontrará alguma possibilidade de redenção quando se vê no meio de uma trama da polícia, que quer prender Santo a qualquer custo.
O que Helen vai escolher?
A construção de um vício
O livro de James Mills, que leva o mesmo nome do título do filme, foi compilado a partir de vários capítulos publicados na revista Life, de 1965.
Os roteiristas Didion e Dunne chegaram a visitar Jim Morrison, cantor e líder do The Doors, durante as gravações do disco Waiting For The Sun (1968), e ele chegou a ser considerado para o papel de Bobby, mas Al Pacino já estava fechado.
Jerry Schatzberg nem queria fazer o filme depois que leu o roteiro. Mas quando conheceu um novato ator Al Pacino, reconsiderou a ideia. Ele então disse para a Fox que faria o filme se tivesse Al como protagonista. Por ser novato, o estúdio não tinha confiança nele — Robert De Niro estava no páreo, por exemplo — mas Jerry acabou vencendo a disputa.
A atuação de Kitty Winn como Helen lhe valeu o premio de Melhor Atriz no Festival de Cannes, e o próprio filme Os Viciados concorreu à Palma de Ouro. Perdeu para A Classe Operária Vai para o Paraíso, de Elio Petri.
No ano seguinte, Jerry faturou a Palma de Ouro de Cannes com seu drama Espantalho, de novo com Al Pacino no elenco, junto com Gene Hackman.
Os Viciados sofreu diversas censuras fora dos EUA, como na Alemanha (Ocidental) e foi até mesmo banido do Reino Unido, a despeito do começo dos anos 1970 serem emblemáticos para a indústria do cinema, com filmes que desafiavam a censura, como Laranja Mecânica, Sob o Domínio de Medo e Get Carter, (todos de 1971), e Amargo Pesadelo (1972).
A estreia de Al Pacino como protagonista em Os Viciados foi significativo para sua carreira.
Para convencer os executivos da Paramount em ter Pacino para o papel de Michael Corleone em seu O Poderoso Chefão, o cineasta Francis Ford Coppola mostrou Os Viciados para eles.
Quanto à Raul Julia, ainda demoraria para ele engrenar nas telonas, mas esse primeiro papel foi importante para posicionar o ator na cena.
Raul Julia
Raul Rafael Carlos Julia y Arcelay nasceu em San Juan, cidade de Porto Rico, em 9 de março de 1940. Era o mais novo de quatro irmãos.
O lado artístico veio de sua mãe, Olga, uma cantora mezzo-soprano, e sua gana de trabalho e atuação elétrica provavelmente vieram de seu pai, Raúl Juliá, um engenheiro elétrico (ele também foi pioneiro ao trazer a pizza para Porto Rico, além do frango frito).
A formação escolar de Raul se deu no Colegio San Ignacio de Loyola, de orientação católica-jesuíta. Desde cedo, o pequeno Raul Rafael demonstrava interesse pelas artes dramáticas.
E quando ficou grande — grande mesmo, com 1,87 de altura — se encantou com a performance do ator Orson Bean em uma boate noturna, o que fez tomar a decisão de estudar teatro na Universidade de Porto Rico.
Se mudou para Manhattan (NY), em 1964, e rapidamente encontrou trabalho em peças e shows da Broadway. E fora os seguidos trabalhos nos palcos lhe abriram as portas para o audiovisual gravado.
Antes de fazer o filme Os Viciados, Raul Julia teve pequenas participações em séries de TV, como N.Y.P.D. (1968), Love of Life (1968), Stilleto (1969) e McCloud (1970).
Seu talento com a voz também foi bem explorado, com ele cantando em 5 de seus filmes. Raul foi nomeado 4 vezes como Melhor Ator em Musical para o prêmio Tony Awards, o maior e mais prestigioso prêmio do teatro dos EUA, equivalente ao Oscar no cinema, Emmy na televisão e Grammy na música. Ganhou em 1972, por Two Gentlemen of Verona; Where’s Charley?, de 1975; pelo seu Macheath em The Threepenny Opera, de 1977; e Nine, de 1982.
Raul Julia adoeceu por conta de complicações de saúde, e ficou internado um tempo em Nova York, EUA. Ele estava lendo o roteiro de A Balada do Pistoleiro, filme de Robert Rodriguez, na cama de hospital, de onde tinha certeza que sairia.
Mas seu estado de saúde piorou. Ficou em coma por vários dias e faleceu no dia 24 de outubro de 1994, aos 54 anos de idade. Raul Julia teve funeral de estado em Porto Rico, onde foi sepultado com todas as honrarias.
Era apoiador ativo de The Hunger Project, uma fundação de combate à fome no mundo. Por 17 anos, Raul Julia serviu de porta-voz da fundação.
Raul era considerado um dos mais bem-sucedidos atores hispânicos nos EUA. Seu maior sucesso no cinema foi O Beijo da Mulher Aranha (1985), de Hector Babenco, onde contracenou com William Hurt (que ganhou o Oscar por sua atuação). No filme, baseado no livro homônimo do argentino Manuel Puig, Julia vive um prisioneiro político latino-americano que divide a cela com um gay, interpretado por Hurt.
Ele foi o único homem que ganhou o Emmy e o Globo de Ouro postumamente, ambos por Amazônia em Chamas, de 1994, um de seus últimos filmes, numa das melhores narrativas cinematográficas sobre o ativista ambiental brasileiro Chico Mendes, que teve um trabalho de enorme importância nos trabalhos dos seringueiros do Acre na Floresta Amazônica.
O Internet Movie Database dá 50 créditos de atuação de Raul Julia como ator em produções de cinema e filmes para a TV.
O imenso legado criativo de Raul Julia no cinema será resenhado numa Maratona Raul Julia, tal qual já fizemos por aqui com a atriz Jennifer Connelly, e traremos todas essas produções para cá.
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